RESUMO Entre os muitos palcos do problema kantiano de uma colocação recíproca dos conhecimentos humanos, o Enciclopedismo, sem surpresa, é um dos mais relevantes; e, no entanto, deveras surpreendentemente, é a Antropologia que aqui desempenha um dos papéis principais, na medida em que a complexa aferição da sua definição, da sua posição e da sua tarefa provam ser de irrefutável importância para a resolução do problema em pauta. A questão emerge sob a forma da associação - ou dissociação - entre Psicologia Empírica e Antropologia Pragmática, e a inclusão - ou exclusão - destas de uma relação com a Metafísica; um problema que, ao olhar incauto, parece ter sido fomentado pelo próprio Kant. Aqui, as opiniões divergem com respeito à natureza da relação entre as duas ciências, desde a sua total interdependência até à sua completa separação. Nós, por nossa parte, propomos uma abordagem diferente. O nosso objectivo é reconstituir o esquema fundamental dos conhecimentos humanos, como ele é por Kant apresentado não só na Lição sobre Enciclopedismo, mas em várias outras dimensões da actividade lectiva de Kant; e aqui, propor uma análise contrastiva entre Psicologia Empírica e Antropologia Pragmática; análise essa, porém, baseada não na assumpção da consonância ou dissonância destas mediante as suas características, mas sim baseada na posição e escopo destas no campo dos saberes humanos. Assim, é nossa intenção considerar as lições kantianas na sua interconexão, a saber, na sua aparentemente dúbia e simultânea colocação de uma Psicologia Empírica enquanto Antropologia; e, em vista da posição específica de ambas no esquema dos conhecimentos humanos, e do que esta posição comporta para o escopo e a tarefa de ambas, aferir até que ponto Psicologia Empírica é de facto Antropologia, e a partir de que ponto Psicologia Empírica não mais é Antropologia - não, pelo menos, Antropologia Pragmática. Por outras palavras, trabalharemos tendo em vista definir uma linha divisória no esquema dos conhecimentos humanos de Kant; linha essa que para Kant representará uma terceira dimensão do conhecimento e que se afirmará entre racional e empírico, a Metafísica e as ciências históricas, como um novo prisma cosmopolita.
ABSTRACT Among the many stages of Kant’s problem of a reciprocal collocation of the human knowledges, Encyclopedism, quite unsurprisingly, is one of the most relevant; and yet, quite surprisingly, it is Anthropology which plays here one of the lead parts, insofar as the complex ascertainment of its definition, its position, its task proves to be of irrefutable importance towards solving the greater problem at hand. The question arises as the association - or dissociation - between Empirical Psychology and Pragmatic Anthropology, and their inclusion in, or exclusion from, their greater or lesser relation with Metaphysics; a problem which, to the careless eye, seems to have been promoted by Kant himself. Here, opinions diverge as to the nature of the relation between the two sciences, from their total inter-dependence to their complete separation. We, in turn, propose a different approach. Our objective is to reenact Kant’s fundamental scheme of human knowledges, as presented not only in the only extant Lecture on Encyclopedism, but in various others dimensions of Kant’s academic activity; and here, to propose a contrasting analysis between Empirical Psychology and Pragmatic Anthropology; one, however, based not on the assumption of their consonance or dissonance through their characteristics, rather on their respective position and scope amid the field of human knowledges. As such, it is our intention to consider Kant’s Lectures in their interconnection, namely, in their apparently dubious simultaneous collocation of an Empirical Psychology as Anthropology; and, based on their specific position in the scheme of human knowledges, and what this position entails in terms of their scope and task, to ascertain to what extent Empirical Psychology is indeed Anthropology, and from what extent Empirical Psychology is no longer Anthropology - not, at least, Pragmatic Anthropology. In other words, we shall labor towards defining a dividing line in Kant’s scheme of human knowledges; one which for Kant represents a third dimension of knowledge and stands between rational and empirical, Metaphysics and the historical sciences; that line, in our view, being that of a cosmopolitical prism.