Resumo Este artigo analisa as transformações históricas, visuais e cosmológicas de um raro ‘instrumento musical’ amazônico: o trocano, conhecido, respectivamente, como pulupulu e warayumia pelos Wauja e Kamayurá do alto Xingu. Historicamente produzido como um corpo artefatual da anaconda, esse ‘instrumento musical’ é central para a criação e a manutenção de um domínio de continuidade espaço-temporal entre o mundo dos espíritos aquáticos e a casa cerimonial da aldeia. Ausente da vida ritual xinguana por um período de 42 anos, o trocano foi feito, em 1998, pelos Kamayurá. Os Wauja, porém, não o fazem desde 1947. Embora entusiasmados com o retorno do trocano, os Wauja preferiram não incentivar a ideia de produzir, em sua própria aldeia, um objeto ritual tão poderoso e perigoso como esse. Pesava, então, sobre essa decisão o receio de não conseguirem alimentá-lo suficientemente. Esses fatos indicam duas coisas: que o trocano é, de fato, um objeto de ciclo ritual bastante longo e que modos mais sutis de embodiment dos poderes xamânicos da anaconda prevalecem no sistema de cultura material wauja. A principal hipótese desenvolvida neste artigo é que o trocano incorpora, por excelência, qualidades dos sistemas musical e gráfico, resultando, assim, em um hipercorpo de expressões sensoriais.
Abstract This article analyses the historical, visual, and cosmological transformations of a rare Amazonian ‘musical instrument,’ the giant wooden drum, known as pulupulu and warayumia by the Wauja and Kamayurá of the Upper Xingu, respectively. Historically produced as an embodiment of the anaconda, this ‘musical instrument’ is central to the creation and maintenance of a domain of space-time continuity between the spirits of the aquatic world and the village’s ceremonial house. The giant drum was absent from Xingu ritual life for 42 years, but returned when the Kamayurá made one in 1998. The Wauja, however, have not made one since 1947; although they were excited at the return of the pulupulu, the Wauja preferred a more cautious approach to introducing such a powerful object in their own village. Their main concern was that they would be unable to properly feed a pulupulu, and they ultimately decided against making one.These developments show two things: that the giant drum in fact has a long ritual cycle, and that more subtle ways of embodying the shamanic powers of the anaconda prevail in the Wauja system of material culture. The main hypothesis in this article is that the anaconda-drum is an excellent embodiment of musical and graphic qualities, and consequentlyresults in a “hyper-body” of sensorial expressions.