Acessibilidade / Reportar erro

Estado da arte do procedimento percutâneo: paciente octogenário submetido com sucesso, em apenas uma sessão, a valvotomia pulmonar, implante de stent coronário e implante de marcapasso definitivo

Resumos

É relatado caso de paciente de 82 anos, portador de insuficiência renal leve, estenose valvar pulmonar (EVP) severa, estenose severa de artéria descendente anterior e bloqueio atrioventricular total, submetido a angioplastia coronária com implante de stent coronário, valvotomia pulmonar e implante de marcapasso definitivo no mesmo procedimento, com sucesso.


This report describes a case involving an 82 year old patient with mild renal insufficiency, severe pulmonary valve stenosis (PVS), severe anterior descending artery stenosis and complete atrioventricular block, who successfully underwent, in a single session, coronary angioplasty and a stent implant, pulmonary valvotomy and a permanent pacemaker implant.


RELATO DE CASO

Estado da arte do procedimento percutâneo: paciente octogenário submetido com sucesso, em apenas uma sessão, a valvotomia pulmonar, implante de stent coronário e implante de marcapasso definitivo

Wilson Albino Pimentel Filho; Milton de Macedo Soares Neto; Gil Vicente Cividanis; Rubens Vaz Feijó Júnior

Instituto de Cardiologia de São Paulo - São Paulo, SP

Correspondência Correspondência Milton de Macedo Soares Neto Rua Tibiriçá, 11 11055-250 - Santos, SP E-mail: miltonms@cardiol.br

RESUMO

É relatado caso de paciente de 82 anos, portador de insuficiência renal leve, estenose valvar pulmonar (EVP) severa, estenose severa de artéria descendente anterior e bloqueio atrioventricular total, submetido a angioplastia coronária com implante de stent coronário, valvotomia pulmonar e implante de marcapasso definitivo no mesmo procedimento, com sucesso.

A intervenção coronária percutânea com o implante dos stents é amplamente utilizada no tratamento dos pacientes coronariopatas, incluindo os octogenários1-5. A EVP, freqüentemente diagnosticada e tratada na infância ou adolescência, é raramente encontrada nos pacientes octogenários. O tratamento percutâneo da EVP é procedimento seguro e eficaz6.

A doença do sistema elétrico de condução do coração do octogenário é achado comum e, freqüentemente, há indicação para o implante de marcapasso definitivo.

O nosso relato refere-se a um paciente octogenário, portador de EVP severa, associada à lesão grave no terço médio da artéria coronária descendente anterior, e de bloqueio atrioventricular total (BAVT). Esse paciente foi submetido com sucesso a três procedimentos seqüenciais na sala de cateterismo cardíaco: valvotomia pulmonar, implante de stent coronário e implante de marcapasso definitivo.

RELATO DE CASO

Paciente masculino de 82 anos, em bom estado geral, com dispnéia há dois meses, progressiva de moderados para pequenos esforços. Nessa ocasião, o exame físico apresentava pressão arterial (PA) de 150 x 90 mmHg, freqüência cardíaca (FC) de 60 batimentos por minuto, sopro sistólico ejetivo ++/4 em foco pulmonar com irradiação para bordo esternal esquerdo. Os raios X de tórax exibiam área cardíaca normal, trama vascular pulmonar normal, importante dilatação do tronco da artéria pulmonar, parênquima pulmonar normal e seios cárdio e costofrênicos livres. O eletrocardiograma realizado há noventa dias evidenciava ritmo sinusal, FC de 60 bpm, SAQRS entre 90 e 180 graus e sobrecarga das câmaras direitas. Os exames de laboratório evidenciaram taxas de creatinina de 2,3 mg/ml e uréia de 60 mg/ml. O ecocardiograma mostrou importante EVP e alteração do relaxamento do ventrículo esquerdo.

Realizou-se o procedimento após preparo renal, estando o paciente devidamente hidratado e tendo feito uso de 600 mg de N-acetilcisteína a cada 12 horas, sendo mantida a administração do medicamento por 48 horas.

O estudo hemodinâmico confirmou estenose valvar pulmonar severa com gradiente sistólico de 80 mmHg (TP = 20 / 10 mmHg e VD = 100 / 8 mmHg). A artéria descendente anterior exibia estenose excêntrica, ulcerada de 70% no terço médio; as demais artérias coronárias exibiam discretas irregularidades parietais. O ventrículo esquerdo (VE) apresentava função contrátil conservada. Foi realizado preparo renal pré-procedimento com hidratação adequada e administração prévia de N-acetilcisteína por 48 horas, bem como instituída terapia antiplaquetária com AAS e clopidogrel nas doses habituais. Houve regressão dos níveis de creatinina e uréia para 1 mg/ml e 40 mg/ml, respectivamente.

No dia do procedimento, durante a internação o paciente apresentou bloqueio atrioventricular de 2º grau, tipo 2. Na sala de hemodinâmica apresentou BAV total com FC de 40 bpm antes do início do procedimento. Sob sedação e monitorização, puncionou-se a veia femoral esquerda, posicionou-se o introdutor 6 F e implantou-se fio de marcapasso provisório. Por meio de punção venosa à direita, posicionou-se o introdutor 8F pelo qual se progrediu o cateter Lehman para realização de recuo pressórico TP-VD. A seguir, realizou-se no VD a angiografia, que evidenciou EVP e importante dilatação da artéria pulmonar. Por meio da punção da artéria femoral direita, introduziu-se o cateter guia Judkins 3,5, pelo qual se progrediu a corda guia 0.014 polegadas e se realizou o implante direto do stent Expresss II 3.5 x 13 com 14 atmosferas (fig. 1). Na seqüência, posicionou-se o guia extra stiff 0.35 de 220 cm distalmente à artéria pulmonar, avançou-se o balão 25 x 40 mm e realizou-se a valvotomia pulmonar. Com esse procedimento, ocorreu regressão total da ampulheta (fig. 2) e redução do gradiente sistólico entre o VD e o TP para 15 mmHg.



Utilizaram-se aproximadamente 150 ml de contraste não-iônico e optou-se por não realizar a ventriculografia direita pós-procedimento em razão da disfunção renal prévia. Ambos os procedimentos de angioplastia coronária e valvotomia pulmonar foram realizados em 120 minutos. Ainda na sala de hemodinâmica, imediatamente pós-procedimento, foi realizado pela equipe cirúrgica o implante de marcapasso definitivo.

O paciente teve alta hospitalar 48 horas após os procedimentos, assintomático e com o ritmo cardíaco comandado pelo marcapasso.

No seguimento de um ano, em contato telefônico com o médico que referendou o paciente, fomos informados de que este se encontrava assintomático.

DISCUSSÃO

Pacientes octogenários representam um subgrupo especial de idosos, em que a limitação do tempo de vida é conseqüência da idade muito avançada, o que dificulta qualquer análise de sobrevivência. Há que considerar o risco-benefício independente para cada paciente, quando submetido a procedimentos invasivos, com a análise criteriosa do estado clínico geral e da expectativa aproximada de vida.

No octogenário, o implante de stent coronário é opção terapêutica para os pacientes com doença coronária refratária ao tratamento medicamentoso. Utilizando esse método de revascularização nesse subgrupo de pacientes, a mortalidade global tem variado de 2,2% a 3,5% nos casos eletivos, e 14,1% nas síndromes agudas representadas pela angina instável e infarto agudo do miocárdio. Os fatores que mais influenciam na elevação dessa mortalidade são: doença coronária multiarterial grave, função ventricular esquerda deprimida, presença de diabetes insulino-dependente, insuficiência renal e necessidade de intervenção em caráter emergencial.

No nosso paciente não havia história de diabetes, a doença coronária era uniarterial, a função ventricular esquerda era normal e o implante de stent foi realizado de maneira eletiva, obtendo-se resultado angiográfico bastante satisfatório.

A insuficiência renal, traduzida por níveis de creatinina > 1,5 em pacientes idosos submetidos a intervenção percutânea, está associada à maior comorbidade e é preditora independente de eventos cardíacos adversos maiores7,8. Os efeitos benéficos da administração prévia da N-acetilcisteína tornam-se cada vez mais evidentes com as recentes publicações9,10. É importante para o sucesso do procedimento o conhecimento prévio da insuficiência renal, a fim de que sejam tomadas medidas como a utilização da menor quantidade de contraste possível, preferencialmente em doses não superiores a 2 ml/kg, priorizando o uso de contrastes não-iônicos, ou de baixa osmolalidade, associados à adequada hidratação do paciente11,12. Tais medidas de proteção renal aqui descritas foram observadas rigorosamente no nosso paciente.

A ocorrência da EVP é muito pouco freqüente em pacientes octogenários, havendo apenas um relato na literatura mundial13. Quando diagnosticada essa cardiopatia na infância ou adolescência, o tratamento de primeira escolha é a valvotomia pulmonar percutânea utilizando o balão, desde que haja situação anatômica favorável. A valvotomia pulmonar no idoso é considerada opção terapêutica de primeira escolha, naturalmente respeitando-se os aspectos anatômicos, por exemplo: a presença de calcificação importante e/ou de grandes deformidades do anel e/ou cúspides do aparelho valvar.

Nosso paciente não apresentava excessivas deformidades do aparelho valvar pulmonar nem calcificação exagerada na região das comissuras valvares. Portanto, a dilatação de sua valva ocorreu com sucesso, utilizando-se a técnica convencional com balão.

O implante de marcapasso definitivo é tratamento eficaz para o bloqueio atrioventricular total14,15. Nos octogenários, são freqüentes as queixas de fraqueza geral, dispnéia e perda momentânea da consciência na presença de graus variados de bloqueios atrioventriculares. No entanto, a ocorrência de bloqueio atrioventricular total intermitente por vezes é de difícil diagnóstico, sendo encontrado com freqüência em pacientes idosos sintomáticos. Portanto, é lícita, nessa circunstância, a investigação plena e cuidadosa do paciente, quando se deve utilizar a monitorização eletrocardiográfica contínua de 24 horas, por meio do sistema Holter.

O diagnóstico de bloqueio atrioventricular de 2º grau foi estabelecido no nosso paciente na fase de internação hospitalar, evoluindo para bloqueio atrioventricular total na sala de cateterismo cardíaco, poucos minutos antes do início dos procedimentos. Portanto, como primeira medida, implantou-se o marcapasso provisório e, na seqüência, discutiu-se o procedimento com o cirurgião cardíaco, que implantou com sucesso o marcapasso definitivo, após ter sido concluída a valvotomia pulmonar e a angioplastia coronária com sucesso.

Finalmente, dentro do nosso conhecimento, trata-se de caso raro, sem descrição prévia na literatura, por isso se torna alvo de grande interesse científico.

Recebido em 01/11/03

Aceito em 17/03/05

  • 1. Fischman DL, Leon MF, Baim DS et al. A randomized comparison of coronary -stent placement and ballon angioplasty. N Engl J Med 1994;331:496-501.
  • 2. Serruys PW, de Jaegere P, Kiemeneij F et al. A comparison of ballon-expandable-stent, in N Engl J Med. 1994;331:489-95.
  • 3. Weintraub WS, Veledar E, Thompson T et al. Percutaneous Coronary Intervention Outcomes. American Journal of Cardiology 2001;88:1407.
  • 4. Muñoz JC, Alonso JJ, Duran JM et al. Coronary stent implantation in patients older than 75 years of age:. Am Heart J 2002;143:620-6.
  • 5. Graham MM, Ghali WA, Faris PD et al. Survival after coronary revascularization in the elderly. Circulation 2002;105:2378-84.
  • 6. Kan JS, White RI Jr, Mitchell SE et al. Percutaneous balloon valvuloplasty: a new method for treating congenital pulmonary valve stenosis. N Engl J Med 1982;307:540.
  • 7. Rubenstein MH, Harrel LC, Sheynberg BV et al. Are patients with renal failure good candidates for percutaneous coronary revascularization in the new device era? Circulation 2000;102:2966.
  • 8. Rihal CS, Textor SC, Grill DE et al. Incidence and prognostic importance of acute renal failure after percutaneous coronary intervention. Circulation 2002;105:2259.
  • 9. Tepel M, Zidek W. Acetylcysteine and contrast media nephropathy. Curr Opin Nephrol Hypertens 2002;11:503.
  • 10. Birck R, Krzossok BR, Markowetz F et al. Acetylcysteine for prevention of contrast nephropathy: meta-analysis. Lancet 2003;362:589.
  • 11. Tepel M, van der Giet M, Schwazfeld C et al. Prevention of radiographic contrast agent induced reductions in renal function by acetylcysteine. N Engl J Med 2000;343:180-4.
  • 12. Shyu KG, Cheng JJ, Kuan P et al.Acetylcysteine protects against acute renal damage in patients with abnormal renal function undergoing a coronary procedure. J Am Coll Cardiol 2002;40:1383-8.
  • 13. Tentolouris CA, Kyriakidis MK, Gavaliatsis IP et al. Percutaneous Pulmonary Valvuloplasty in a Octogenarian with calcific pulmonary stenosis. Chest 1992;101:1456-8.
  • 14. Gregoratos G, Cheitlin MD, Conill A et al. ACC/AHA guidelines for implantation of cardiac pacemakers and antiarrhythmia devices. J Am Coll Cardiol 1998;31:1175-209.
  • 15. Shen WK, Hammill SC, Hayes DL et al. Long-term survival after pacemaker implantation for heart block in patients > or = 65 years. Am J Cardiol 1994;74:560-64.
  • Correspondência
    Milton de Macedo Soares Neto
    Rua Tibiriçá, 11
    11055-250 - Santos, SP
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      07 Nov 2005
    • Data do Fascículo
      Out 2005

    Histórico

    • Aceito
      17 Mar 2005
    • Recebido
      01 Nov 2003
    Sociedade Brasileira de Cardiologia - SBC Avenida Marechal Câmara, 160, sala: 330, Centro, CEP: 20020-907, (21) 3478-2700 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil, Fax: +55 21 3478-2770 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: revista@cardiol.br