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Modificação de antigo método (Vineberg) na era das células tronco: nova tática?

Doença da artéria coronariana; reperfusão miocárdica; revascularização miocárdica; Coronary Artery Disease; Myocardial Reperfusion; Myocardial Revascularization; Enfermedad de la Arteria Coronaria; Reperfusión Miocárdica; Revascularización Miocárdica

COMUNICAÇÃO BREVE

Modificação de antigo método (Vineberg) na era das células tronco: nova tática?

Luís Alberto Oliveira Dallan; Luis Henrique Wolff Gowdak; Luís Augusto Ferreira Lisboa; Adriano Márcio de Melo Milanez; Fernando Platania; Luís Felipe Moreira; Noedir Antônio Groppo Stolf

Instituto do Coração – HCFMUSP, São Paulo, SP - Brasil

Correspondência Correspondência: Adriano Milanez Rua Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 44 - Bloco II 2º Andar, Sala 11 05403-000 - Jardim Paulista - São Paulo – SP E-mail: milanez@secrel.com.br

Palavras-chave: Doença da artéria coronariana, reperfusão miocárdica, revascularização miocárdica.

Introdução

Inúmeros pacientes são portadores de angina refratária, apesar do tratamento otimizado, medicamentoso ou cirúrgico. Atualmente, não é incomum sermos consultados sobre a possibilidade de reintervirmos sobre pacientes já submetidos a diversos procedimentos hemodinâmicos, com seguidas angioplastias e stents. Com freqüência, esses pacientes também já foram operados uma ou mais vezes, alguns apresentando enxertos ainda pérvios, mas com pouca efetividade, devido ao grau difuso da doença coronariana. Muitos deles apresentam boa função ventricular esquerda, sendo portadores de elevados níveis de isquemia miocárdica.

Dentro desse contexto, temos atuado visando substituir técnicas iniciais por outras mais modernas e alternativas, ou mesmo tentado dar a técnicas originais1,2 um novo enfoque, proporcionando soluções cirúrgicas para situações antes inabordáveis.

Objetivo>

Propor uma complementação à técnica de Vineberg, de maneira que a artéria torácica interna seja tunelizada em meio ao miocárdio, e também anastomosada distalmente à artéria coronária. Esse método busca tratar cirurgicamente pacientes portadores de doença arterial coronariana acentuada e difusa, nos quais a chance de insucesso pelo fluxo direto do enxerto é considerável. Diante dessa possibilidade, a técnica teria como alternativa a obtenção de perfusão miocárdica indireta, através de anastomoses em nível da microvasculatura, como já bem demonstrado no passado.

Métodos

Dois pacientes foram operados com essa nova proposta. Ambos eram portadores de doença arterial coronariana acentuada e difusa, com isquemia documentada na parede anterior do ventrículo esquerdo (VE). Devido ao elevado grau de aterosclerose difusa do ramo interventricular anterior (RIA) da artéria coronária esquerda (CE), não havia indicação para o tratamento cirúrgico convencional dessa região. Em um deles, aparentemente o RIA apresentava-se recanalizado. As idades dos pacientes eram, respectivamente, 69 e 60 anos, sendo ambos do sexo masculino. Nos dois procedeu-se à toracotomia anterior, com dissecção de artéria torácica interna esquerda (ATIE) de forma esqueletizada. Em um paciente, também foram realizadas duas pontes de veia safena para ramos da coronária direita e circunflexa. Esses pacientes estavam incluídos no protocolo institucional de células tronco.

Depois de anestesiados, realizou-se a coleta do material para o preparo das células. Após o implante da ATIE, a injeção do material foi procedida em alguns segmentos do ventrículo esquerdo de acordo com o protocolo, excetuando-se a parede anterior. Em apenas um paciente foi utilizada circulação extracorpórea (CEC). Em ambos, realizou-se a fluxometria intra-operatória, nos seguintes tempos: com a ATIE “in situ” (ATIE já dissecada, mas ainda não seccionada distalmente); após a secção distal da ATIE (com seu fluxo totalmente livre através da extremidade seccionada); e após completar sua anastomose com a artéria coronária (tanto na porção anterior à tunelização, como após sua emergência da parede do VE).

O implante da ATIE foi realizado com o auxílio de introdutor de cateter de Swan-Ganz (Edward LifeSciences). Através do mesmo, foi possível dirigir-se a tunelização com fio guia, de maneira que a ATIE adentrasse ao miocárdio na porção superior da parede anterior do VE, passando por baixo do segundo ramo diagonal ‑ igualmente comprometido por aterosclerose ‑, até emergir nas proximidades do RIA. Imediatamente antes dessa passagem da ATIE em meio ao túnel miocárdico, dois ou mais ramos colaterais foram seccionados de maneira que estivessem com importante sangramento ativo quando de seu posicionamento intramuscular. Na ausência de ramos desenvolvidos no local, foram realizadas incisões puntiformes na artéria, com a extremidade da lâmina de bisturi número 11. Em um dos pacientes, foi possível a anastomose látero-lateral da ATIE com o primeiro ramo diagonal, antes da sua tunelização. A anastomose da ATIE com o RIA foi conduzida de forma habitual, com sutura contínua de fio polipropileno 7-0 (Figura 1).


Resultados

Os pacientes apresentaram boa evolução pós-operatória, sem alterações eletrocardiográficas ou enzimáticas significativas. Não houve óbitos nessa série e a média de internação hospitalar foi de nove (5 a 13) dias. Um paciente apresentou coleção líquida no hemitórax esquerdo, sendo necessária a redrenagem pleural, com sucesso.

As fluxometrias intraoperatórias médias nos diversos tempos revelaram:

• Fluxo- ATIE “in situ“: 32 (34-30) ml/min; ATIE “livre”: 226 (243-210) ml/min; ATIE-RIA: 24,5 (27-22) ml/min.

•Índice de Pulsatilidade-ATIE “in situ”: 3,75 (3,6-3,9); ATIE “livre”: 1,3 (1,2-1,4); ATIE-RIA: 4,4 (3,5-5,3) (Figura 2). Decorridos cerca de quatro meses de pós-operatório, ambos os pacientes relataram melhora nos sintomas anginosos (freqüentes até a internação).


Comentários

A cirurgia de Vineberg3 constituiu-se na primeira intervenção cirúrgica eficaz no tratamento da angina em pacientes portadores de doença arterial coronariana crônica. Em nosso meio, Lobo Filho e colaboradores sugeriram recentemente uma nova abordagem técnica4 e demonstraram resultados favoráveis no desempenho do enxerto, tendo avaliado sua perviedade através de técnicas atuais5. Inúmeros outros estudos também são de opinião da efetividade do método em gerar nova circulação colateral ao miocárdio isquêmico, a partir do implante das artérias torácicas internas, mesmo sem sua anastomose direta à artéria coronária6,7 .

Temos buscado incessantemente alternativas para o tratamento desse grupo selecionado de pacientes. Dentre esses métodos, destacamos a revascularização transmiocárdica com o emprego de raios laser, a terapia gênica e o uso de células progenitoras hematopoéticas8.

Alguns pacientes encontram-se em situação limítrofe de ter condições para que sua artéria coronária receba um enxerto vascular. Analisando mais profundamente a cinecoronariografia desses pacientes, pudemos verificar que em um número significativo deles há uma tênue contrastação do RIA, o que dificulta o julgamento de seu real calibre. O que habitualmente ocorre nesses casos é a contra-indicação cirúrgica, posição frequentemente adotada na maioria dos serviços de cirurgia cardíaca.

É óbvio que para que se concretize a proposta de anastomose distal da ATIE com o RIA, é fundamental que haja algum tipo de luz em seu interior, mesmo que o RIA seja recanalizado. Exatamente para esses pacientes, estamos propondo o método que pode intermediar os objetivos: Oferecer uma oportunidade, possivelmente não ideal, mas que possibilite o funcionamento do enxerto. Por outro lado, como alternativa plausível, no caso de obstrução aguda ou progressiva do enxerto, decorrente da dificuldade de fluxo distal após a anastomose, haveria a possibilidade do desenvolvimento de anastomoses entre a ATIE e os ramos coronários isquêmicos, como proposto por Vineberg e comprovado pelo tempo6,9.

A análise da fluxometria intraoperatória nos dá segurança de que essa tunelização não se constitui, ao menos nessa fase inicial, numa constrição que possa atuar como uma “ponte intramiocárdica”. Verificamos também que o uso do dispositivo introdutor de Swan-Ganz gerou um túnel confortável para o assentamento da ATIE, sem que houvesse compressão da mesma, dada sua fácil mobilização em meio ao miocárdio após o implante.

Apesar do entusiasmo com os resultados iniciais, essa proposta terapêutica deverá ser mais bem esclarecida com seguimento e provas funcionais, bem como através de estudos de maior evidência clínica como um ensaio clínico randomizado.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflito de interesses pertinentes.

Fontes de Financiamento

O presente estudo não teve fontes de financiamento externas.

Vinculação Acadêmica

Não há vinculação deste estudo a programas de pós-graduação.

Artigo recebido em 04/04/08; revisado recebido em 22/08/08, aceito em 21/10/08.

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  • Correspondência:
    Adriano Milanez
    Rua Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 44 - Bloco II 2º Andar, Sala 11
    05403-000 - Jardim Paulista - São Paulo – SP
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      11 Jan 2010
    • Data do Fascículo
      Nov 2009

    Histórico

    • Aceito
      21 Out 2008
    • Revisado
      22 Ago 2008
    • Recebido
      04 Abr 2008
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