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Pré-Hipertensão Em Adolescentes: Um Novo Velho Problema

Adolescentes; Hipertensão; Pré-Hipertensão; Pressão Arterial; Sedentarismo; Qualidade de Vida; Fatores de Risco; Intervenção Médica Precoce/tendências

Não há dúvida de que o risco de hipertensão é proporcional ao aumento da pressão arterial (PA) e não havendo um limiar específico, quanto maior a pressão, maior o risco. Nesse contexto, a identificação de indivíduos com risco cardiovascular aumentado na fase subclínica e assintomática é de suma importância11. Climie RE, Park C, Avolio A, Mynard JP, Kruger R, Bruno RM. Vascular Ageing in Youth: A Call to Action. Heart Lung Circ. 2021;S1443-9506(21)01112-4 doi: 10.1016/j.hlc.2021.065.516 para, no futuro, melhorar a qualidade de vida dos pacientes e reduzir os custos e encargos dos serviços de saúde.

Desde a primeira tentativa de mensuração do pulso arterial – realizada por Santorio Sanctorius (1561-1636) –22. Bigotti F. Santorio, Sanctorius. In: Encyclopedia of Early Modern Philosophy and the Sciences [Internet]. [Cited in 2020 Dec 12] AAvailable from: http://link.springer.com/10.1007/978-3-319-20791-9_309-2
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até Riva-Rocci,33. Booth J. A Short History of Blood Pressure Measurement. Proc R Soc Med.1977;70(11):793-9. que encerrou a busca por um método clínico simples de avaliação da PA, o controle da PA vem ganhando cada vez mais destaque entre clínicos e pesquisadores e os valores da PA considerados normais têm se tornado cada vez mais baixos.

De fato, fortes evidências demonstram que fatores de risco para doenças cardiovasculares (DCV) podem ser observados precocemente44. Urbina EM, Khoury PR, Bazzano L, Burns TL, Daniels S, Dwyer T, et al. Relation of Blood Pressure in Childhood to Self-Reported Hypertension in Adulthood. Hypertension. 2019;73(6):1224-30. e, em sua maioria, podem ser evitados para reduzir a ocorrência de hipertensão na infância e/ou adolescência. Entre esses riscos estão o sedentarismo e a obesidade, cuja prevenção tem sido um grande desafio nos últimos anos.55. Reuter CP, Brand C, da Silva PT, Reuter ÉM, Renner JDP, Franke SIR, et al. Relationship between dyslipidemia, cultural factors, and cardiorespiratory fitness in schoolchildren. Arq Bras Cardiol. 2019;112(6):729-36.

Atualmente, acredita-se que 57% das crianças serão obesas até os 35 anos66. Ward ZJ, Long MW, Resch SC, Giles CM, Cradock AL, Gortmaker SL. Simulation of Growth Trajectories of Childhood Obesity into Adulthood. N Engl J Med. 2017;377(22):2145-53. e a maioria das causas de obesidade e hipertensão na infância e adolescência são modificáveis. Dentre essas causas, podemos destacar a inatividade física e os transtornos alimentares devido ao acesso a alimentos não saudáveis.77. Healy C, Brannigan R, Dooley N, Coughlan H, Clarke M, Kelleher I, et al. Childhood and adolescent psychotic experiences and risk of mental disorder: A systematic review and meta-analysis. Psychological Medicine. Vol 49;2019. Portanto, justifica-se a grande preocupação em monitorar precocemente a PA e o esforço para evitar os fatores que podem levar à hipertensão.

De 2000 a 2015, o aumento da prevalência de hipertensão na infância oscilou entre 75% e 79%.88. Song P, Zhang Y, Yu J, Zha M, Zhu Y, Rahimi K, et al. Global Prevalence of Hypertension in Children: A Systematic Review and Meta-analysis. Vol. 173, JAMA Pediatrics. 2019;173(12):1157-63. Hoje em dia, a pandemia causada pelo vírus SARS-CoV-2 aumentou o sedentarismo devido ao confinamento forçado e tornou a situação ainda mais preocupante. O sedentarismo, entre outros efeitos, estimula a remodelação do microbioma intestinal, levando ao predomínio da colonização obesogênica.99. Wang B, Kong Q, Li X, Zhao J, Zhang H, Chen W, et al. A high-fat diet increases gut microbiota biodiversity and energy expenditure due to nutrient difference. Nutrients. 2020;12(10):3197.

Portanto, há uma necessidade urgente de prevenir o risco de DCV em jovens. É necessário aprimorar o manejo da doença na infância ou adolescência para minimizar a ocorrência de hipertensão na vida adulta. Os valores de PA que classificam um indivíduo como normotenso têm diminuído significativamente nos últimos anos, chamando a atenção para a necessidade de monitoramento da PA em jovens e intervenções cada vez mais precoces.

A possibilidade de utilizar técnicas de monitoramento da PA não invasivas, indolores e de baixo custo, como a medida da variabilidade da frequência cardíaca (VFC), facilita significativamente o diagnóstico e o tratamento de estados de pré-hipertensão e hipertensão. Nesse sentido, a VFC vem ganhando destaque, pois reflete a eficiência do sistema nervoso simpático e parassimpático no controle do sistema cardiovascular.1010. Milovanovic B, Djajic V, Bajic D, Djokovic A, Krajnovic T, Jovanovic S, et al. Assessment of Autonomic Nervous System Dysfunction in the Early Phase of Infection With SARS-CoV-2 Virus. Front Neurosci. June 21; https://doi.org/10.3389/fnins2021640835.
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No artigo de Macêdo et al.,1111. Macêdo SRD, Silva-Filho AC, Vieira ASM, Soares Junior NJ, Dias CJ, Dias Filho CAA, et al. Cardiac Autonomic Modulation is a Key Factor for High Blood Pressure in Adolescentes. Arq Bras Cardiol. 2021; 117(4):648-654. fica clara a importância da VFC em adolescentes com pré-hipertensão. Os autores chamam a atenção para a associação entre aumento da PA sistólica e diastólica com a redução da VFC em adolescentes. Coletivamente, a redução da VFC e o aumento da entropia de Shannon demonstraram um desequilíbrio no controle simpatovagal quando a PA sistólica estava acima de 120mmHg. As técnicas que avaliam a VFC, embora não invasivas e de baixo custo, são pouco utilizadas na clínica médica. No entanto elas têm se mostrado eficazes para o monitoramento dos sistemas simpático e parassimpático e também podem ser úteis para o monitoramento de pacientes, mesmo antes do início dos sintomas.

Por outro lado, embora dados da literatura apontem para uma associação entre PA e ancestralidade genética,1212. Vargas W, Rigatto K. Family history of hypertension impairs the autonomic balance, but not the endothelial function, in young soccer players. Arq Bras Cardiol. 2020;115(1):52-8.

13. Farrell MC, Giza RJ, Shibao CA. Race and sex differences in cardiovascular autonomic regulation. Clin Auton Res.2020;30(5):371-9.
- 1414. Amara A, Mrad M, Sayeh A, Lahideb D, Layouni S, Haggui A, et al. The effect of ACE I/D polymorphisms alone and with concomitant risk factors on Coronary Artery Disease. Clin Appl Throm Hemost. 2018;24(1):157-63. os autores não encontraram essa associação entre os adolescentes. Além disso, dados da literatura indicam que o desequilíbrio na modulação autonômica provavelmente precede as alterações no endotélio vascular1212. Vargas W, Rigatto K. Family history of hypertension impairs the autonomic balance, but not the endothelial function, in young soccer players. Arq Bras Cardiol. 2020;115(1):52-8. que é um importante componente no controle da PA.

Coletivamente, esses achados demonstram a complexidade do controle da PA e explicam, pelo menos em parte, as dificuldades de controle desse em pacientes hipertensos. Apesar dos grandes avanços nas descobertas sobre o controle da PA, mais de 400 anos nos separam de Riva-Rocci e o manejo da hipertensão continua sendo um grande desafio.

É fundamental saber a prevalência da hipertensão e da pré-hipertensão na população. Além disso, os prontuários eletrônicos de pacientes devem ser introduzidos para todos os médicos e devem ser criados de forma que o médico não possa prosseguir com a introdução de outras informações clínicas sem primeiro inserir a medida da PA. Esse simples procedimento evitaria vários problemas no futuro e facilitaria os registros epidemiológicos.

Além disso, a monitoração do sistema nervoso autônomo, através da observação da VFC, pode ser uma alternativa de baixo custo para a identificação e tratamento precoce da modulação autonômica do sistema cardiovascular. Assim, será possível fazer um diagnóstico precoce de distúrbios reflexos que contribuem para o início da hipertensão e, portanto, trabalhar com mais rigor para evitar a hipertensão de causas controláveis. É necessário medir a PA para prevenir as consequências das DCV o mais rápido possível e não apenas tratá-las quando o problema se apresenta quase sem solução.

Referências

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  • 13
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  • Minieditorial referente ao artigo: Modulação Autonômica Cardíaca é Fator Chave para Pressão Alta em Adolescentes

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Out 2021
  • Data do Fascículo
    Out 2021
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