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Massa ventricular esquerda em portadores de insuficiência cardíaca

Resumos

OBJETIVO: Avaliar a massa ventricular esquerda em pacientes com insuficiência cardíaca, as correlações com outras variáveis clínicas e com o prognóstico. MÉTODOS: Foram estudados 587 pacientes com idades entre 13,8 anos e 68,9 anos, 461 (78,5%) homens e 126 (21,5%) mulheres. A massa ventricular esquerda foi estimada com o uso do ecocardiograma no modo M e indexada pela altura. RESULTADOS: O índice da massa ventricular esquerda variou de 35,3 g/m a 333,5 g/m e aumentou conforme a idade. O índice da massa ventricular esquerda foi maior nos homens (média 175,7 g/m) do que nas mulheres (média 165,7 g/m). O índice da massa ventricular esquerda foi maior nos portadores de cardiomiopatia hipertensiva (média 188,1 g/m), de cardiomiopatia dilatada idiopática (média 177,7 g/m) e de cardiomiopatias de outras etiologias (média 175,1 g/m) do que nos portadores de cardiomiopatia chagásica (média 164,3 g/m) e isquêmica (média 162 g/m). O índice da massa ventricular esquerda de portadores de insuficiência cardíaca demonstrou associação com a idade, o sexo, a etiologia e o diâmetro do átrio esquerdo. A correlação com a fração de ejeção do ventrículo esquerdo foi negativa - o aumento do índice da massa ventricular esquerda associou-se à redução da fração de ejeção. O risco relativo de óbito foi 1,22 para cada acréscimo de 50 g/m no índice da massa ventricular esquerda. CONCLUSÕES: A estimação da massa ventricular esquerda pode contribuir para a avaliação prognóstica de portadores de insuficiência cardíaca.

massa ventricular esquerda; hipertrofia ventricular esquerda; insuficiência cardíaca; prognóstico


OBJECTIVE: To assess left ventricular mass in patients with heart failure and its correlations with other clinical variables and prognosis. METHODS: The study comprised 587 patients aged from 13.8 years to 68.9 years, 461 (78.5%) being males and 126 (21.5%) females. Left ventricular mass was estimated by using M-mode echocardiography and was indexed by height. RESULTS: The left ventricular mass index ranged from 35.3 g/m to 333.5 g/m and increased with age. The left ventricular mass index was greater in males (mean, 175.7 g/m) than in females (mean, 165.7 g/m). The left ventricular mass index was greater in patients with hypertensive cardiomyopathy (mean of 188.1 g/m), with idiopathic dilated cardiomyopathy (mean, 177.7 g/m) and with cardiomyopathies of other etiologies (mean, 175.1 g/m) than in patients with chagasic (mean, 164.3 g/m) or ischemic (mean, 162 g/m) cardiomyopathy. The left ventricular mass index in patients with heart failure showed a correlation with age, sex, etiology, and left atrial diameter. The correlation with left ventricular ejection fraction was negative: the increase in the left ventricular mass index was associated with a reduction in ejection fraction. The relative risk of death was 1.22 for each 50-g/m increase in the left ventricular mass index. CONCLUSIONS: The estimate of left ventricular mass may contribute to the prognostic assessment of patients with heart failure.

left ventricular mass; left ventricular hypertrophy; heart failure; prognosis


ARTIGO ORIGINAL

Massa ventricular esquerda em portadores de insuficiência cardíaca

Marcello Ricardo Paulista Markus; Humberto Felício Gonçalves de Freitas; Paulo Roberto Chizzola; Gisela Tunes da Silva; Antonio Carlos Pedroso de Lima; Alfredo José Mansur

São Paulo, SP

Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da FMUSP

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Dr. Marcello Ricardo Paulista Markus Av. Dr. Enéas Carvalho de Aguiar, 44 - São Paulo - SP Cep 05403-000 - E-mail: marcellomarkus@incor.usp.br

RESUMO

OBJETIVO: Avaliar a massa ventricular esquerda em pacientes com insuficiência cardíaca, as correlações com outras variáveis clínicas e com o prognóstico.

MÉTODOS: Foram estudados 587 pacientes com idades entre 13,8 anos e 68,9 anos, 461 (78,5%) homens e 126 (21,5%) mulheres. A massa ventricular esquerda foi estimada com o uso do ecocardiograma no modo M e indexada pela altura.

RESULTADOS: O índice da massa ventricular esquerda variou de 35,3 g/m a 333,5 g/m e aumentou conforme a idade. O índice da massa ventricular esquerda foi maior nos homens (média 175,7 g/m) do que nas mulheres (média 165,7 g/m). O índice da massa ventricular esquerda foi maior nos portadores de cardiomiopatia hipertensiva (média 188,1 g/m), de cardiomiopatia dilatada idiopática (média 177,7 g/m) e de cardiomiopatias de outras etiologias (média 175,1 g/m) do que nos portadores de cardiomiopatia chagásica (média 164,3 g/m) e isquêmica (média 162 g/m). O índice da massa ventricular esquerda de portadores de insuficiência cardíaca demonstrou associação com a idade, o sexo, a etiologia e o diâmetro do átrio esquerdo. A correlação com a fração de ejeção do ventrículo esquerdo foi negativa - o aumento do índice da massa ventricular esquerda associou-se à redução da fração de ejeção. O risco relativo de óbito foi 1,22 para cada acréscimo de 50 g/m no índice da massa ventricular esquerda.

CONCLUSÕES: A estimação da massa ventricular esquerda pode contribuir para a avaliação prognóstica de portadores de insuficiência cardíaca.

Palavras-chave: massa ventricular esquerda, hipertrofia ventricular esquerda, insuficiência cardíaca, prognóstico

A hipertrofia ventricular esquerda foi identificada como um fator de risco de morbidade e mortalidade cardiovascular no estudo de Framingham1-3.

Portadores de insuficiência cardíaca por disfunção ventricular sofrem modificações anatômicas cardíacas que foram reunidas no conceito de remodelamento cardíaco4. O remodelamento se desenvolve nas diversas circunstâncias clínicas e em diferentes pacientes de modo heterogêneo.

Do ponto de vista clínico, observamos grandes diferenças na massa ventricular esquerda, estimada no exame físico, no eletrocardiograma ou na dimensão da imagem cardíaca na radiografia do tórax. Observamos também, em portadores de insuficiência cardíaca de uma mesma etiologia, pacientes com condição funcional semelhante, mas com diferentes magnitudes da imagem cardíaca na radiografia do tórax.

Do ponto de vista ecocardiográfico, foram verificadas maior mortalidade e maior taxa de hospitalização por doenças cardiovasculares em portadores de disfunção ventricular esquerda e hipertrofia ventricular esquerda. A estimação ecocardiográfica da massa ventricular esquerda acrescentou informação prognóstica a outros fatores de risco cardiovascular. Entretanto, a avaliação da hipertrofia ventricular esquerda, em relação a outras variáveis clínicas, sugeriu a independência entre a hipertrofia e a fração de ejeção do ventrículo esquerdo5, achado diferente de estudo inicial que realizamos. Os testes de correlação da massa ventricular esquerda com a idade, a duração dos sintomas, a pressão diastólica final no ventrículo esquerdo e as pressões sistólica e de oclusão da artéria pulmonar não revelaram valores estatisticamente significativos. A correlação foi significativa com a fração de ejeção do ventrículo esquerdo calculada pelo ecocardiograma. A análise de regressão stepwise demonstrou correlação negativa entre a massa ventricular esquerda e a fração de ejeção do ventrículo esquerdo6.

Em estudo de necrópsia, verificou-se que portadores de cardiomiopatia hipertensiva, isquêmica e idiopática apresentavam pesos semelhantes e superiores ao de portadores de cardiomiopatia da doença de Chagas7.

Portanto, a observação clínica, os estudos ecocardiográficos e de necrópsia permitem a hipótese que a massa ventricular esquerda possa ser uma variável relevante no prognóstico de portadores de insuficiência cardíaca. Nesse contexto, formulamos a hipótese que a massa ventricular esquerda também possa oferecer informação prognóstica em portadores de insuficiência cardíaca sintomática.

Nosso objetivo foi verificar, em casuística numerosa de portadores de insuficiência cardíaca, em acompanhamento por mais de dez anos, a distribuição da massa ventricular esquerda estimada no ecocardiograma, suas correlações com outras variáveis clínicas e a sua potencial influência prognóstica.

Métodos

Foi constituída uma coorte de pacientes ambulatoriais portadores de insuficiência cardíaca, na qual foi realizado um corte transversal8 para a avaliação da massa ventricular esquerda.

O diagnóstico de insuficiência cardíaca foi feito com base nos critérios de Framingham9 e o diagnóstico da etiologia da insuficiência cardíaca baseado em critérios prévios10 e na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde, décima revisão, 1993 (CID 10).

Foram incluídos no estudo, pacientes com idade < 75 anos e com o diagnóstico de insuficiência cardíaca sintomática por disfunção ventricular sistólica.

Foram excluídos pacientes com insuficiência cardíaca por cardiomiopatias passíveis de tratamento cirúrgico (revascularização do miocárdio, aneurismectomia, plástica ou substituição valvar) e pacientes com cardiomiopatia hipertrófica, doença pulmonar obstrutiva crônica, infarto agudo do miocárdio recente e angina instável. Também foram excluídos pacientes com clearance de creatinina inferior a 30ml/kg/min, insuficiência hepática, doença arterial periférica, doença cerebrovascular, diabetes mellitus tipo I, infecção recente, neoplasias ou doença péptica ulcerosa ativa.

Foram estudados 587 portadores de insuficiência cardíaca, com idade de 13,8 anos a 68,9 anos (média 45,6 anos, desvio padrão 10,3 anos), 461 (78,5%) homens e 126 (21,5%) mulheres, no período de abril de 1991 a dezembro de 2000.

O tempo decorrido, em relação ao início dos sintomas e a entrada no estudo variou de 6,9 dias a 243,5 meses (média 50,1 meses, desvio padrão 49 meses).

A insuficiência cardíaca foi atribuída à cardiomiopatia isquêmica em 114 (19,4%) pacientes, chagásica em 97 (16,5%), hipertensiva em 82 (14%) e à outras etiologias em 73 (12,4%). Em 221 (37,7%) pacientes a insuficiência cardíaca foi atribuida à cardiomiopatia dilatada idiopática.

Características ecocardiográficas, radioisotópicas, eletrocardiográficas e funcionais da população estudada são apresentadas na tabela I.

Os pacientes foram acompanhados ambulatorialmente. O tratamento clínico incluiu a orientação dietética e dos princípios gerais do tratamento e a receita de medicamentos ajustados às suas necessidades e tolerância. Os medicamentos incluíram inibidores da enzima conversora da angiotensina, diuréticos e digitálicos entre outros. Os betabloqueadores foram introduzidos, progressivamente, no tratamento a partir de 1997.

Dados evolutivos foram complementados com consultas aos registros hospitalares, contato telefônico pelos pesquisadores e pesquisa no ProAim - Programa de Aprimoramento de Informações de Mortalidade do Município da Cidade de São Paulo.

Medidas ecocardiográficas foram realizadas de acordo com os critérios recomendados pela Sociedade Americana de Ecocardiografia11.

A massa ventricular esquerda foi estimada com o emprego da expressão12: MVE (gramas) = 0,8 X {1,04 X [(DIVE + ESI + EPP)3- (DIVE)3]} + 0,6 na qual: MVE = massa ventricular esquerda, EPP = espessura da parede posterior do ventrículo esquerdo, ESI = espessura do septo interventricular, DIVE = diâmetro interno do ventrículo esquerdo.

A massa ventricular esquerda foi indexada para a altura do paciente (g/m)12. Em virtude desta indexação, passamos a utilizar o termo índice da massa ventricular esquerda. Para comparações com o índice da massa ventricular esquerda, esta indexação também foi feita para as outras variáveis ecocardiográficas.

O índice da massa ventricular esquerda foi estudado em relação à idade, ao sexo, à duração dos sintomas, à fração de ejeção do ventrículo esquerdo e direito pela ventriculografia radioisotópica, ao consumo máximo de O2 no exame ergoespirométrico e às freqüências cardíacas máxima e mínima e à presença de taquicardia ventricular não sustentada no eletrocardiograma dinâmico de 24 horas.

As variáveis demográficas e funcionais da população estudada e do índice da massa ventricular esquerda foram inicialmente examinadas por meio de análise descritiva exploratória, identificando-se os valores mínimo, máximo, médio, mediano e do desvio padrão das variáveis estudadas. Em seguida, foi estudado o índice da massa ventricular esquerda quanto à probabilidade de sobrevivência com o emprego do método de Kaplan Meier13. O óbito foi considerado evento; intervenções cirúrgicas, incluindo o transplante, foram consideradas censura. As comparações foram feitas com os testes de log - rank e Breslow13.

Para avaliar as relações do índice da massa ventricular esquerda com as variáveis demográficas e funcionais, foi utilizada a regressão linear multivariada.

O risco relativo de óbito foi estimado por meio do modelo de riscos proporcionais de Cox14. Foi feita uma análise de resíduos para verificar se as suposições feitas para a utilização do modelo de Cox tinham sido satisfeitas. Os resultados estão apresentados como risco relativo, valor de p e respectivos intervalos de confiança de 95%.

Valores de p < 0,05 foram considerados significantes. Os cálculos foram realizados com o emprego do software SPSS, versão 10.0 e SAS, versão 8.2.

O protocolo foi aprovado pela Comitê Institucional de Pesquisa em Seres Humanos.

Resultados

O Índice da massa ventricular esquerda variou de 35,3 g/m a 333,5 g/m (média 173,5 g/m, desvio padrão 44 g/m) e aumentou conforme a idade categorizada em quartis (fig. 1). O índice da massa ventricular esquerda variou de 79,7 g/m a 332,6 g/m (média 168,5 g/m, desvio padrão 41,4 g/m) nos pacientes com idade < 39,3 anos; de 96,2 g/m a 333,5 g/m (média 173,2 g/m, desvio padrão 46,8 g/m), nos pacientes com idade de 39,3 anos a 46,4 anos; de 86,5 g/m a 325,5 g/m (média 175,3 g/m, desvio padrão 44,4 g/m) nos pacientes com idade de 46,4 anos a 52,9 anos e de 35,3 g/m a 309,3 g/m (média 176,1 g/m, desvio padrão 42,6 g/m) nos pacientes com idade > 52,9 anos.


O índice da massa ventricular esquerda foi maior nos homens (variou de 35,3 g/m a 333,5 g/m [média 175,7 g/m; desvio padrão 44,3 g/m]) do que nas mulheres (variou de 88,2 g/m a 332,6 g/m [média 165,7 g/m, desvio padrão 42,3 g/m]) (fig. 2).


O índice da massa ventricular esquerda foi menor nos portadores de cardiomiopatia chagásica e isquêmica do que nos portadores de cardiomiopatia hipertensiva, de cardiomiopatia dilatada idiopática e de cardiomiopatias de outras etiologias (fig. 3). O índice da massa ventricular esquerda variou de 96,2 g/m a 309,3 g/m (média 188,1 g/m, desvio padrão 44,6 g/m) nos portadores de cardiomiopatia hipertensiva; de 35,3 g/m a 332,6 g/m (média 177,7 g/m, desvio padrão 45,9 g/m) nos portadores de cardiomiopatia dilatada idiopática; de 88,2 g/m a 333,5 g/m (média 175,1 g/m, desvio padrão 50,3 g/m) nos portadores de cardiomiopatia de outras etiologias; de 97,5 g/m a 239,6 g/m (média 164,3 g/m, desvio padrão 33,7 g/m) nos portadores de cardiomiopatia chagásica e de 86,5 g/m a 264,2 g/m (média 162 g/m; desvio padrão 39,5 g/m) nos portadores de cardiomiopatia isquêmica.


O índice da massa ventricular esquerda, categorizada em quartis, não mostrou diferença significante em relação à probabilidade de sobrevivência (fig. 4).


O índice da massa ventricular esquerda aumentou 0,39 g/m para cada aumento de um ano na idade do paciente, mantendo-se as demais variáveis (sexo, etiologia, fração de ejeção do ventrículo esquerdo pela ventriculografia radioisotópica e diâmetro do átrio esquerdo) constantes (tab. II). O índice da massa ventricular esquerda de pacientes do sexo masculino foi 11,2 g/m maior que o índice da massa ventricular esquerda de pacientes do sexo feminino.

O índice da massa ventricular esquerda de portadores de cardiomiopatia hipertensiva, quando comparados com portadores de cardiomiopatia isquêmica, apresentou um valor 27,4 g/m maior. Portadores de cardiomiopatia sem etiologia identificada e com cardiomiopatia de outras etiologias apresentaram, respectivamente, um valor 16,7 g/m e 12,9 g/m maior e portadores de cardiomiopatia chagásica não apresentaram diferença, estatisticamente, significante no índice da massa ventricular esquerda em relação à dos portadores de cardiomiopatia isquêmica.

O índice da massa ventricular esquerda aumentou 6,96 g/m para cada aumento de 5 mm/m no diâmetro do átrio esquerdo.

O índice da massa ventricular esquerda, pela ventriculografia radioisotópica, apresentou uma relação negativa com a fração de ejeção do ventrículo esquerdo. O índice da massa ventricular esquerda diminuiu 1,2 g/m para cada aumento de uma unidade na fração de ejeção.

Para cada acréscimo de um g/m no índice da massa ventricular esquerda, o risco relativo de óbito aumentou 0,4% (p = 0,0418) (IC 95% 0 a 1%) Como o índice da massa ventricular esquerda, na nossa casuística variou de 35,35 a 333,52 g/m, o risco relativo de óbito foi 1,22 (IC 95% 1 a 1,49) para cada acréscimo de 50 g/m.

Discussão

Estudamos coorte numerosa, de pacientes com insuficiência cardíaca sintomática de diferentes etiologias, incluindo a cardiopatia da doença de Chagas, atendidos na rotina ambulatorial em uma única instituição e acompanhados por uma década. Foram mais freqüentes os portadores de cardiomiopatia sem etiologia identificada (idiopática, 37,7%), seguidos de portadores de cardiomiopatia isquêmica (19,4%), chagásica (16,5%) e hipertensiva (14%). Esta distribuição etiológica difere de outras casuísticas, nas quais predominaram a cardiomiopatia isquêmica (34% a 60% dos casos)15-17, a cardiomiopatia idiopática (18,2% a 59% dos casos)16,17 e a etiologia hipertensiva (3,8% a 23,6% dos casos)16. Portanto, nossos resultados foram verificados de acordo com essas características, incluindo a distribuição etiológica.

Empregamos o ecocardiograma modo M para avaliar a massa ventricular esquerda. Alterações na dimensão e na geometria ventriculares podem induzir a imprecisões na estimativa do índice da massa ventricular esquerda. A massa ventricular esquerda foi indexada pela altura pois portadores de insuficiência cardíaca podem apresentar variações de peso por retenção ou perda hídrica. Esta indexação foi validada na literatura, em estudo de alto rigor metodológico, que avaliou 864 indivíduos observando uma associação entre a massa ventricular esquerda e a altura (r = 0,39, p < 0,001 em homens; r = 0,23, p < 0,001 em mulheres)12. Além disso, a altura é fortemente associada com a massa corpórea magra, a qual é uma excelente preditora da massa ventricular esquerda18. Apesar de restrições, o ecocardiograma modo M tem sido utilizado em grandes estudos populacionais, incluindo aqueles que têm demonstrado a importante relação entre a massa ventricular esquerda e a morbidade e mortalidade cardiovasculares12,19.

A idade influiu de modo independente no índice da massa ventricular esquerda. O aumento de um ano na idade associou-se ao acréscimo de 0,39 g/m no índice da massa ventricular esquerda. Essa observação difere de estudos populacionais anteriores, de indivíduos sem cardiomiopatia, nos quais a idade não teve influência sobre a massa ventricular esquerda20,21. Por outro lado, demonstrou-se no estudo de Framingham a associação da idade com a massa ventricular esquerda em portadores de cardiomiopatia, mas não se demonstrou tal associação nos indivíduos sem cardiomiopatia22. Portanto, o aparecimento de insuficiência cardíaca pode representar fator modulador das relações entre a massa ventricular esquerda e a idade.

O sexo influiu de modo independente no índice da massa ventricular esquerda ajustada para altura; o índice da massa ventricular esquerda foi 11,2 g/m maior nos homens em relação às mulheres. Esse achado confirma dados anteriores de estudos epidemiológicos que incluíram pacientes hipertensos12,21,23,24. Assim, em relação ao sexo e ajustadas as outras variáveis de comparação, portadores de insuficiência cardíaca mantém a diferença na massa ventricular esquerda.

O índice da massa ventricular esquerda foi mais elevado nos portadores de cardiomiopatia hipertensiva, seguida dos portadores de cardiomiopatia dilatada idiopática. O índice da massa ventricular esquerda nos portadores de cardiomiopatia isquêmica e da cardiomiopatia da doença de Chagas não revelou diferença estatisticamente significante. Estudo de portadores de estenose aórtica mostrou que o aumento na massa ventricular esquerda resultou de uma combinação de hipertrofia e hiperplasia de miócitos25. Portanto, os mecanismos que operam no aumento da massa ventricular provavelmente operam de modo diferente conforme a etiologia da cardiomiopatia que acarreta a insuficiência cardíaca.

Examinamos a relação entre o diâmetro do átrio esquerdo no ecocardiograma e o índice da massa ventricular esquerda. O índice da massa ventricular esquerda aumentou 6,96 g para cada aumento de 5 mm no diâmetro do átrio esquerdo. É de interesse neste estudo a estimativa numérica dessa relação. Uma hipótese é que as mesmas variáveis que influem na massa ventricular também possam influir no diâmetro do átrio esquerdo26,27. Alternativamente, o aumento da massa ventricular esquerda poderia contribuir para o aumento das dimensões atriais, seja por fatores hemodinâmicos ou bioquímicos. Embora a hipótese de aumento do átrio esquerdo secundário à disfunção diastólica do ventrículo esquerdo seja atraente, estudo em portadores de hipertensão arterial, com o uso de índices diastólicos de Doppler, não demonstraram essa ocorrência28. Por outro lado, esse mesmo estudo mostrou que o tamanho do átrio esquerdo, em hipertensos com hipertrofia ventricular esquerda pelo eletrocardiograma, era independente da massa ventricular esquerda28, o que demonstra a relação entre diâmetro do átrio esquerdo com a massa ventricular esquerda em pacientes com insuficiência cardíaca, mas não na hipertrofia miocárdica dos portadores de hipertensão arterial.

A fração de ejeção do ventrículo esquerdo, pela ventriculografia radioisotópica, apresentou uma relação negativa com o índice da massa ventricular esquerda. O aumento de uma unidade na fração de ejeção se associou a um decréscimo de 1,2 g/m no índice da massa ventricular esquerda. A associação do índice da massa ventricular esquerda e a fração de ejeção do ventrículo esquerdo pela ventriculografia radioisotópica, pode contribuir para explicar a menor sobrevida decorrente do aumento do índice da massa ventricular esquerda. A influência da diminuição da fração de ejeção levando a um aumento na mortalidade foi observado em outros estudos15,29.

Embora a comparação das probabilidades de sobrevida dos pacientes, categorizados em quartis do índice da massa ventricular esquerda, não demonstrasse diferença estatisticamente significante, o modelo dos riscos proporcionais de Cox revelou que para cada acréscimo de um g/m no índice da massa ventricular esquerda, o risco relativo de óbito aumentou 0,4%. Como o índice da massa ventricular esquerda, na nossa casuística, variou de 35,35 g/m a 333,52 g/m, o risco relativo de óbito foi 1,22 para cada acréscimo de 50 g/m no índice da massa ventricular esquerda. No estudo de Framingham, com pacientes sem cardiomiopatia, para cada acréscimo de 50 g/m na massa ventricular esquerda, foi observado um risco relativo de óbito por doenças cardíacas de 1,73 nos homens e de 2,12 nas mulheres30. Numa casuística de pacientes idosos sem cardiomiopatia, cuja idade variou de 59 anos a 90 anos, a incidência de eventos coronarianos, para cada acréscimo de 50 g/m na massa ventricular esquerda, foi de 1,67 nos homens e de 1,60 nas mulheres31. Portanto, o aumento do índice da massa ventricular esquerda representa um fator prognóstico desfavorável.

Deve-se destacar que a casuística estudada é de pacientes sintomáticos, em fase avançada da doença. Estas observações, no entanto, podem não ser aplicáveis à população geral, ou portadores de insuficiência cardíaca em outra fase de evolução clínica.

Concluindo, a influência da massa ventricular esquerda não foi muito forte, mas poderia contribuir para a avaliação prognóstica dos portadores de insuficiência cardíaca. Além disso, em virtude desta verificação, as associações com outras variáveis, incluindo a correlação negativa com a fração de ejeção do ventrículo esquerdo pela ventriculografia radioisotópica, requerem estudos adicionais.

Recebido para publicação em 19/11/02

Aceito em 17/3/04

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  • Endereço para correspondência

    Dr. Marcello Ricardo Paulista Markus
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      13 Set 2004
    • Data do Fascículo
      Set 2004

    Histórico

    • Aceito
      17 Mar 2004
    • Recebido
      19 Nov 2002
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