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Morte súbita de atletas: fato novo?

PONTO DE VISTA

Morte súbita de atletas. Fato novo?

Nabil Ghorayeb; Fernando Eugênio dos Santos Cruz; Giuseppe Dioguardi

Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia, Hospital do Coração - Associação do Sanatório Sírio, Instituto Nacional de Cardiologia, São Paulo, SP - Brasil

Correspondência Correspondência: Nabil Ghorayeb Rua Safira, 326/181 - Aclimação 01532-010, São Paulo, SP - Brasil E-mail: ghorayeb@cardiol.br; nghorayeb@terra.com.br

Palavras-chave: Exercício, coração, esportes, morte súbita cardíaca.

Recorrente, fenômeno de mídia globalizada, déjà vu, o adjetivo utilizado pode desvalorizar o fato principal: as mortes paradoxais de jovens aparentemente saudáveis durante atividades esportivas profissionais ou mesmo amadoras de lazer.

A pergunta leiga "Por que aconteceu?" se estende a eventos científicos diversos, em que se tenta explicar o surpreendente episódio. Historicamente, há anos publicações nos esclarecem sobre morte súbita no esporte1,2,3. Detalhada metanálise foi publicada pelo Comitê Olímpico internacional com sede em Lausanne, Suíça, baseada em Medline (OVID Web, 1966-2004), PubMed (1966-2004), Cochrane Database of Systematic Reviews, EBM Reviews – ACP Journal Club, Cinahl (1982-2004), Heracles, Web of Science, Scopus (1960-2004), e seus dados indicaram que de 1966 a 2004 foram relatadas 1.101 mortes súbitas de jovens atletas com menos de 35 anos, numa média de 29 por ano4.

Essas mortes foram mais freqüentes no futebol e basquete (gráfico 1). A incidência de cardiopatias benignas ou de potencial maligno, catalogada em mais de trinta anos de avaliações de atletas de variadas modalidades esportivas, desde adolescentes a veteranos idosos, no Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia, de iniciantes da prática esportiva até 14 anos de clubes sociais paulistas e de garotos até 18 anos que necessitavam de "exame médico" para habilitar-se a treinar futebol profissional nos clubes da divisão principal de São Paulo, nos mostra um retrato que poderia explicar os eventos fatais no esporte.


As anormalidades encontradas em crianças e adolescentes variaram de 17,7% a 21%. Em atletas em atividade, amadores e profissionais até 35 anos, esse índice foi de 8,2%. Seguramente, a avaliação médica de pré-participação5-8 deve ser obrigatória, um competente "marcador de risco" dos possíveis problemas cardiovasculares na prática físico-esportiva. Entretanto, o exame de pré-participação não é um certificado de segurança total.

A decisão acerca do afastamento de atletas, temporário ou definitivo, tem que ser colegiada e representa uma proteção a esses profissionais.

Além disso, as situações que podemos chamar de confusões ou exageros ético-científicos, como as adaptações fisiológicas extremas consideradas, em princípio, cardiopatias, levam a traumas psicológicos e sociais de penosa reversão ou ao fato inverso de cardiopatias confundidas com adaptações.

Diretrizes internacionais9, italianas7 e publicações brasileiras10 formam a razoável base das consultas científicas em nosso meio. Os problemas detectados em atletas, pelas características peculiares dessa população, são levados a discussões em grupo, e segundas opiniões são muito freqüentes, o que deixa a certeza de que as alterações encontradas na avaliação pré-participação têm um caminho longo e lento. O que se vê, e deve ser evitado, são as decisões apressadas, em que o segredo ético chega a ser esquecido. Por serem, seguramente, casos isolados de atletas com cardiopatia, as condutas ainda são baseadas em experiências pessoais.

A literatura científica não tem um número expressivo de pacientes para permitir uma conduta baseada em evidências, e isso nos deixa vulneráveis a decisões incorretas, e como conseqüência há o risco de morte súbita durante a atividade físico-esportiva. Por isso, a conduta deve ser individualizada e não devemos poupar exames, enquanto não tivermos certeza do diagnóstico.

O acompanhamento periódico, trimestral/semestral, nas cardiopatias de risco com repetições dos exames é desejável. Discussões e polêmicas a respeito de liberação ou não para a prática de esporte profissional não deixarão de existir. A proteção do paciente atleta e o respeito ao profissional médico são os pilares dessa área de trabalho, como em qualquer outra área da medicina. Por isso, toda e qualquer decisão polêmica deve ter o respaldo de uma junta médica experiente.

A avaliação clínica detalhada e rotineira de pré-participação para atletas é a única maneira de minimizar o risco da morte súbita, que continuará, sem dúvida, a ocorrer, mas em muito menor quantidade. Como ocorre na fisiopatologia e epidemiologia, a morte súbita no esporte tem na cardiopatia a sua principal causa (90%) e seu evento mais freqüente (85%) é a fibrilação ventricular. Em razão disso, é fundamental que haja equipes treinadas no suporte básico de vida que disponham de desfibriladores semi-automáticos em todos os eventos esportivos. Essas são as condições imprescindíveis e mínimas para permitir um gerenciamento ético do risco da morte súbita em atletas.

Artigo recebido em 07/10/2007; revisado recebido em 09/10/2007; aceito em 09/10/2007.

  • 1. Cruz FES, Vanheusden LGS, Ghorayeb N. Epidemiologia da morte cardíaca súbita. In: Ghorayeb N, Dioguardi G. (eds). Tratado de cardiologia do exercício e do esporte. São Paulo: Atheneu; 2006. p. 571- 86.
  • 2. Thompson PD. The cardiovascular complications of vigorous physical activity. Arch Intern Med. 1996; 156: 2297-302.
  • 3. Ghorayeb N. Estratificação de risco para morte súbita em atletas. In: Cruz Fş FES, Maia IG (eds). Morte súbita no novo milênio. Rio de Janeiro: Revinter; 2003. p. 107-18.
  • 4. Billea K, Figueiras D, Schamasch P, Kappenberger L, Brenner JL, Meijboom FJ, et al. Sudden cardiac death in athletes: the Lausanne Recommendations. Eur J Cardiovasc Prev Rehabil. 2006; 13 (6): 859-75.
  • 5. Ghorayeb N, Dioguardi G, Daher D, Jardim CA, Baptista CA, Battlouni M. Avaliação cardiológica pré-participação do atleta. In Ghorayeb N, Dioguardi G. (eds). Tratado de cardiologia do exercício e do esporte. São Paulo: Atheneu; 2006. p. 133-40.
  • 6. Maron BJ, Shirani J, Poliac LC, Mathenge R, Roberts WC, Mueller FO. Sudden death in young competitive athletes: clinical, demographic and pathological profiles. JAMA. 1996; 276: 199-204.
  • 7. Corrado D, Pelliccia A, Bjørnstad HH, Thiene G. Cardiovascular pre-participation screening of young competitive athletes for prevention of sudden death: proposal for a common European protocol; reply. Eur Heart J. 2005; 26: 516-24.
  • 8. Diretriz da Sociedade Brasileira de Medicina do Esporte: morte súbita no exercício e no esporte. Rev Bras Med Esporte. 2005; 11(supl 1): S1-S8.
  • 9. Mitten MJ, Maron BJ, Zipes DP. Task Force 12: legal aspects of the 36th Bethesda Conference Recommendations. J Am Coll Cardiol. 2005; 45 (8): 1373-5.
  • 10. Ghorayeb N, Dioguardi G, Batlouni M, Daher D, Jardim CAP, Baptista CA. O coração, o esporte, e o exercício físico. Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005; 15 (3): 97-102.
  • Correspondência:
    Nabil Ghorayeb
    Rua Safira, 326/181 - Aclimação
    01532-010, São Paulo, SP - Brasil
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      18 Abr 2008
    • Data do Fascículo
      Dez 2007
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