Acessibilidade / Reportar erro

Persistência do canal arterial e endarterite da artéria pulmonar

Patent ductus arteriosus and pulmonary artery endarteritis

Resumos

Descrevemos uma paciente de sete anos com diagnóstico ecocardiográfico e confirmação cirúrgica de endarterite de artéria pulmonar, citada como complicação da persistência do canal arterial e ilustramos a necessidade de ressecção cirúrgica completa do processo infeccioso para evitar outras complicações, como embolia pulmonar.


We describe a seven year old girl with echocardiographic diagnosis of pulmonary artery endarteritis as a complication of a patent ductus arteriosus, confirmed at surgery. This case illustrates the necessity of complete surgical resection of the infectious source as a way to avoid other complications such as pulmonary embolism


Relato de caso

Persistência do Canal Arterial e Endarterite da Artéria Pulmonar

Ivan Romero Rivera, Valdir Ambrósio Moisés, Anselmo Cotrim Brandão, Celia Camelo Silva, José Lázaro Andrade, Antonio Carlos Carvalho

São Paulo, SP

Descrevemos uma paciente de sete anos com diagnóstico ecocardiográfico e confirmação cirúrgica de endarterite de artéria pulmonar, citada como complicação da persistência do canal arterial e ilustramos a necessidade de ressecção cirúrgica completa do processo infeccioso para evitar outras complicações, como embolia pulmonar.

Patent Ductus Arteriosus and Pulmonary Artery Endarteritis

We describe a seven year old girl with echocardiographic diagnosis of pulmonary artery endarteritis as a complication of a patent ductus arteriosus, confirmed at surgery. This case illustrates the necessity of complete surgical resection of the infectious source as a way to avoid other complications such as pulmonary embolism.

A endarterite de artéria pulmonar é uma entidade rara, com poucos casos relatados na literatura, a maioria das vezes presente em usuários de drogas endovenosas 1, ou como complicação de shunts intracavitários 2,3 ou persistência de canal arterial (PCA) 4-6,8, ou ainda, como complicação secundária a procedimentos invasivos intracardíacos 7.

Apresentamos um caso de endarterite de artéria pulmonar em paciente com PCA, diagnosticado mediante ecocardiografia bidimensional e submetida a tratamento cirúrgico com boa evolução.

Relato do Caso

Paciente de sete anos, branca, sexo feminino, 17kg de peso, com antecedente pregresso de ausculta de sopro desde a infância, que começou a apresentar febre diária de 40,2oC oito meses antes da nossa avaliação, tendo nessa época feito uso de Bactrim durante sete dias sem melhora do quadro. Três meses depois do início da febre começou a apresentar anemia importante, sendo que 25 dias antes de ser transferida para a nossa instituição foi feita hemotransfusão e realizada tomografia abdominal, constatando-se hepatomegalia. Na época começou a apresentar tosse seca e hematúria. Ainda, três dias antes da nossa avaliação, foi realizado ecocardiograma (ECO) que diagnosticou persistência do canal arterial e endocardite de valva pulmonar.

A paciente ingressou no hospital em regular estado geral, descorada ++++, hidratada, febril (39oC), anictérica, acianótica, dispnéica, taquicárdica. Apresentava ictus visível e palpável no 6º espaço intercostal esquerdo/linha axilar média; frêmito sistólico palpável no precórdio e ausculta de 3ª e 4ªbulhas, sopro contínuo +++/6 na região paraesternal esquerda alta e 2ª bulha hiperfonética. O abdômen era globoso, normotenso, doloroso à palpação, com ruídos hidroaéreos presentes, fígado palpável a 6cm e baço a aproximadamente 9cm do rebordo costal. Os membros inferiores apresentavam petéquias e edema +. Não havia sinais meníngeos e a otoscopia era normal. Realizado hemograma que mostrou: hemácias: 2,4 x 106/mm3; hemoglobina de 6,8g/dl; hematócrito de 21%; plaquetas de 90000/mm3, VHS de 90mm na 1a hora e leucócitos de 10700, sem neutrofilia.

O eletrocardiograma mostrou taquicardia sinusal com freqüência cardíaca (FC) de 130bpm, sobrecarga biatrial e ventricular esquerda e alterações difusas da repolarização ventricular (fig. 1), e à radiografia de tórax, cardiomegalia ++ e hiperfluxo pulmonar bilateral.


O ECO mostrou situs solitus, concordância atrioventricular e ventrículo-arterial, septos interatrial e interventricular íntegros, dilatação discreta do átrio esquerdo, dilatação e hipertrofia discretas do ventrículo direito, função sistólica normal de ambos os ventrículos, valvas atrioventriculares normais com refluxos discretos, valva pulmonar com vegetação de aproximadamente 4mm aderida a sua face arterial e refluxo valvar moderado, PCA medindo 10mm de diâmetro com fluxo esquerda-direita ao estudo com Doppler e mapeamento de fluxo a cores e presença de múltiplas vegetações no interior do tronco e artérias pulmonares, sendo a maior de 18mm (fig. 2). A pressão sistólica da artéria pulmonar foi estimada em 90mmHg.


As hemoculturas evidenciaram crescimento de Streptococcus Milleri, sensível a penicilina. Foi iniciada antibioticoterapia com penicilina cristalina na dose de 150000 UI/kg/dia e amicacina na dose de 15mg/kg/dia. Após a introdução do antibiótico a paciente começou a apresentar melhora do estado geral, mantendo-se porém, ainda febril.

Realizada cintilografia pulmonar de perfusão que mostrou áreas de hipoconcentração anômala do radioindicador nos segmentos póstero-basal do lobo inferior, anterior do lobo superior do pulmão esquerdo e segmento póstero-basal do lobo inferior do pulmão direito.

A partir do 14º dia as hemoculturas foram estéreis, sendo suspensa a amicacina e introduzida gentamicina na dose de 5mg/kg/dia. Foi realizado cateterismo cardíaco para investigação de aneurisma micótico em artéria pulmonar, com resultado negativo.

A paciente foi submetida a tratamento cirúrgico 37 dias após a internação, em bom estado geral e afebril. Pela presença de infecção latente no local, não foi realizada ressecção do canal arterial, que foi fechado, mediante ligadura das extremidades aórtica e pulmonar e da sua região central.

Apresentou boa evolução imediata, em uso de penicilina e gentamicina. Um dia após a cirurgia apresentou três episódios de taquipnéia, cianose, hipertonia de membros e bradicardia (FC 40-50bpm), sendo diagnosticado embolia pulmonar. O ECO mostrou ainda vegetações na artéria pulmonar e a ultra-sonografia pulmonar espessamento pleural à esquerda sem derrame. Foi indicada nova intervenção cirúrgica, realizada 12 dias após a 1ª cirurgia, com abertura do tronco pulmonar, limpeza do local e extração de todas as vegetações. O ECO pós-operatório mostrou tronco e artérias pulmonares livres de vegetações.

Apresentou boa evolução pós-operatória e 10 dias depois foi dada de alta em TF I, afebril, em uso de digoxina (10µg/kg/dia ). Na última avaliação, um mês após a cirurgia, encontrava-se assintomática e sem medicação.

Discussão

Apesar da PCA ser freqüentemente citada como fator de risco para o desenvolvimento de endocardite infecciosa, existem poucos relatos da literatura que documentem esta associação 4-6,8.

Vargas-Barron e col 4 descreveram, em 1985, os sinais ecocardiográficos para o diagnóstico de endarterite da artéria pulmonar secundária à PCA, provavelmente o 1º relato ecocardiográfico da doença.

Nosso caso é interessante não só pela evolução prolongada da doença, mas também pela exuberância das lesões, tanto na valva pulmonar como no tronco e ramos da artéria pulmonar. A maioria dos relatos descreve formação de aneurisma micótico nos ramos da artéria pulmonar em casos com evolução prolongada, fato que não ocorreu nesta paciente.

O cateterismo cardíaco nesta doença deve ser realizado para verificar a presença de aneurismas micóticos, sempre que o ECO não demonstrar esta complicação, apesar do risco potencial de embolia pulmonar durante a intervenção 4.

Nosso caso ainda ilustra a malignidade da doença quando o foco de infecção não é ressecado, persistindo como fonte embolígena e causa de insucesso terapêutico.

Devem ser realizados exames adequados em pacientes com febre prolongada e, principalmente, obter-se a visibilização da artéria pulmonar pelos planos ecocardiográficos supraesternais em todos estes pacientes, principalmente em crianças com antecedentes de doença cardíaca congênita.

Escola Paulista de Medicina - UNIFESP, São Paulo

Correspondência: Antonio C. Carvalho - Av. Jandira 731/23 - 04080-004 - São Paulo, SP

Recebido para publicação em 14/8/97

Aceito em 16/9/97

  • 1. SanDretto MA, Scanlon GT - Multiple mycotic pulmonary artery aneurysms secondary to intravenous drug abuse. AJR 1984; 142: 89-90.
  • 2. Singer-Jordan JR - Mycotic aneurysm of the pulmonary artery complicating ventriculoatrial shunt. AJR 1980; 135: 378-80.
  • 3. Westaby S, Tan C, Foale R, Hallidie-Smith KA, Bentall HH - Mycotic aneurysm of the pulmonary artery. Direct surgical approach with preservation of lung tissue. J Cardiovasc Surg 1987; 28: 596-8.
  • 4. Vargas-Barron J, Attie F, Buendia-Hernandez A, Keirns C, Esquivel-Avila J - Echocardiographic recognition of pulmonary artery endarteritis in patent ductus arteriosus. Am Heart J 1985; 109: 368-70.
  • 5. Vargas-Barron J, Avila-Rosales L, Romero-Cárdenas A, Rijlaarsdam M, Keirns C, Buendia-Hernandez A - Echocardiographic diagnosis of a mycotic aneurysm of the main pulmonary artery and patent ductus arteriosus. Am Heart J 1992; 123: 1707-9.
  • 6. Touze JE, Mardelle T, Chauvet J et al - Les aneurysmes pulmonaires au cours de la persistance du canal arterial. Arch Mal Coeur 1985; 78: 1955-8.
  • 7. Rowley KM, Clubb KS, Smith GJW, Cabin HS - Right-sided infective endocarditis as a consequence of flow-directed pulmonary-artery catheterization: a clinicipathological study of 55 autopsied patients. N Engl J Med 1984; 311: 1152-6.
  • 8. Mansur AJ, Grinberg M, Gallucci SDD, Bellotti G, Jatene A, Pileggi F - Endocardite infecciosa: análise de 300 episódios. Arq Bras Cardiol 1990; 54: 13-21.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    31 Jan 2001
  • Data do Fascículo
    Nov 1997

Histórico

  • Recebido
    14 Ago 1997
  • Aceito
    16 Set 1997
Sociedade Brasileira de Cardiologia - SBC Avenida Marechal Câmara, 160, sala: 330, Centro, CEP: 20020-907, (21) 3478-2700 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil, Fax: +55 21 3478-2770 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revista@cardiol.br