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Hipovolemia grave como causa de insuficiência mitral aguda

RELATO DE CASO

Hipovolemia grave como causa de insuficiência mitral aguda

Alexandre C. Ferreira; Arley Arrais Peter; Simon Chakko; Howard Willens; Eduardo de Marchena

Departamento de Medicina, Divisão de Cardiologia do Centro Cardiovascular da Universidade de Miami.

Miami, EUA

Endereço para correspondência E ndereço para correspondência Arley A. Peter Rua Fausto Cabral, 266 - 60155-410 Fortaleza, CE E-mail: arleypeter@hotmail.com

Relatamos um caso de hipovolemia grave, acarretando obstrução dinâmica do trato de saída do ventrículo esquerdo, e grave regurgitação mitral. Após restaurada a normovolemia, essas anomalias foram completamente revertidas. Salientamos que diferentemente de outros casos, previamente relatados, o grau de regurgitação mitral em nosso paciente foi grave.

O estado hiperdinâmico pode ser causado por níveis elevados de catecolaminas e hipovolemia, acarretando obstrução do trato de saída do ventrículo esquerdo, mesmo na ausência de hipertrofia septal1. Em relatos anteriores, o grau de regurgitação mitral, quando presente, era leve2. Descrevemos um caso no qual o paciente com hipovolemia grave apresentou grave regurgitação mitral, restaurada, após normovolemia revertida.

Relato do Caso

Mulher de 67 anos de idade com história de cirrose por hepatite C crônica, recentemente submetida a transplante conjunto de rim e fígado. Depois do transplante, a paciente recuperou a função renal com massiva diurese. Secundariamente à cirurgia, desenvolveu uma fistula biliar de alto fluxo. Na admissão, queixava-se de tonturas e fraqueza. O ecocardiograma e o teste de esforço realizados antes da cirurgia eram normais.

Ao exame físico, a paciente tinha pressão de 95/60mmHg e freqüência cardíaca de 98 bpm. O impulso apical era normal. Foi observado um novo sopro sistólico com intensidade de 4/6, irradiando da área mitral para a axila. O eletrocardiograma mostrou bloqueio de ramo esquerdo intermitente dependente da freqüência cardíaca e, o ecocardiograma, valva mitral, átrio e ventrículo esquerdos estruturalmente normais. A espessura do ventrículo esquerdo era normal sem evidencia de hipertrofia septal e a fração de ejeção de 70%. No Doppler havia insuficiência mitral grave e evidência de fluxo revertido nas veias pulmonares. Havia fluxo turbulento no trato de saída do ventrículo esquerdo com gradiente máximo de 57,2mmHg. Não foi observado movimento sistólico anterior da valva mitral, através de modo M da ecocardiografia.

Foi sugerido que a regurgitação mitral grave pudesse ser secundária ao estado hiperdinâmico da função ventricular esquerda causado pela hipovolemia. Durante monitorização ecocardiográfica um litro de solução salina foi infundido num período de 30min e observados progressivo decrécimo da freqüência cardíaca de 96 para 64, diminuição do gradiente da VSVE (de 57,2mmHg para 10,1mmHg), e a ausência total da insuficiência mitral (fig. 1a e b , 2a e b ).


Discussão

O efeito da hipovolemia no aparelho valvar mitral já foi observado1,2. A hipovolemia pode causar obstrução do trato de saída do ventrículo esquerdo, movimento sistólico anterior da valva mitral e disfunção da valva mitral3. Nossa paciente tinha um gradiente no trato de saída do ventrículo esquerdo e regurgitação mitral grave durante estado hiperdinâmico causado por hipovolemia. Embora não tivesse sido notado movimento anterior sistólico da valva mitral, a restauração da normovolemia levou à diminuição do gradiente e resolução completa da regurgitação mitral.

O mecanismo da insuficiência mitral em nossa paciente não está claro. Postulamos que a insuficiência funcional da valva mitral foi devido a aumento das velocidades do fluxo de saída, afetando o fechamento valvar apropriado4-6. Aumento da pressão sistólica ventricular, causando aumento do gradiente transvalvar, também poderia ter contribuído para o grau grave de insuficiência mitral. Bloqueio de ramo esquerdo ou isquemia, também poderia levar à insuficiência mitral. Entretanto, acreditamos que não seriam as prováveis causas em nossa paciente já que o grau de regurgitação mitral não teve relação com o bloqueio de ramo esquerdo intermitente e o teste de esforço prévio era negativo.

Sumarizando, este é um caso raro que ilustra os efeitos hemodinâmicos da hipovolemia na função da valva mitral. Na presença de hipovolemia grave, particularmente quando presente gradiente de saída do ventrículo esquerdo, pode ser observada regurgitação funcional da valva mitral. Processo que pode ser facilmente revertido, com reposição de fluídos.

Referências

1. Levisman J. Systolic Anterior motion of the mitral valve due to hypovolemia and anemia. Chest 1976; 70: 687-8.

2. Mintz GS, Kotler MN, Segal BL, Parry WR. Systolic anterior motion of the mitral valve in the absence of septal hypertrophy. Circulation 1978; 57: 256.

3. Kessler KM, Anzola E, Sequeira R, Serafini AN, Meyrburg RJ. Mitral Valve prolapse and systolic anterior motion: a dynamic spectrum. Am Heart J 1983; 105: 685-7.

4. Lefebvre XP, Yoganathan AP, Levine RA. Insights from in vitro flow visualization into the mechanism of systolic anterior motion of the mitral valve in hypertrophic cardiomyopathy under steady flow conditions. J Biomed Eng 1992; 114: 406-13.

5. Sherrid MV, Chu CK, Delia E, et al. An echocardiografic study of the fluid mechanics of obstruction in hypertrophic cardiomiopathy. J AM Coll Cardiol 1993; 22: 816-25.

6. Fischer SD, Eichelberger JP, Pomerantz R, Delehanty J. Transformation of mitral valve prolapse to dynamic left ventricular outflow tract obstruction and back again in a patient with acute transient myocardial depression. J Am Doc Echocardiog 2000; 13: 319-21.

Recebido para Publicação em 18/3/2003

Aceito em 20/7/03

  • E
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    Arley A. Peter
    Rua Fausto Cabral, 266 - 60155-410
    Fortaleza, CE
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      12 Jul 2004
    • Data do Fascículo
      Jun 2004
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