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Padrão exuberante de realce tardio em paciente com cardiomiopatia hipertrófica

RELATO DE CASO

Padrão exuberante de realce tardio em paciente com cardiomiopatia hipertrófica

Elsa Fernandes; Gabriel C. Camargo; Maria Eduarda Derenne; Tamara Rothstein; Ilan Gottlieb

CDPI - Clínica de Diagnóstico por Imagem, Rio de Janeiro, RJ - Brasil

Correspondência Correspondência: Tamara Rothstein Rua Ataulfo de Paiva, 669, Leblon CEP 22430-210, Rio de Janeiro, RJ - Brasil E-mail: tamaragott@gmail.com

Palavras-chave: Cardiomiopatia Hipertrófica, Fibrose Endomiocárdica, Disfunção Ventricular, Taquicardia Ventricular.

Introdução

A cardiomiopatia hipertrófica (CMH) é a forma mais comum das cardiopatias genéticas, com incidência de 1: 500 indivíduos na população geral, sendo a causa mais frequente de morte súbita em atletas e adultos jovens nos Estados Unidos1,2.

A ressonância magnética cardíaca (RMC) é um método não invasivo de imagem que permite a identificação precisa das diversas formas de hipertrofia, quantificação do volume e massa ventriculares e caracterização de fibrose miocárdica pela técnica do realce tardio3.

A presença de fibrose miocárdica na RMC é associada a risco de morte súbita, taquicardia ventricular e disfunção sistólica4. A presença de realce tardio é o mais forte preditor de pior prognóstico, mesmo após ajuste para outros fatores, como espessura máxima e massa miocárdica, obstrução da via de saída do VE e variáveis clínicas5,6.

O objetivo deste trabalho é relatar o caso de um paciente portador de CMH, assintomático, com exuberante fibrose miocárdica detectada pela RMC e discutir possível implicação terapêutica.

Relato do Caso

Homem de 42 anos, branco, assintomático, com história familiar de CMH e diagnóstico estabelecido da mesma cardiopatia há 22 anos. A monitorização do ritmo cardíaco pelo sistema Holter de 24 h (05/04/2012) mostrou ritmo sinusal, raras ectopias atriais, presença de 2970 extrassístoles ventriculares isoladas e cinco surtos de taquicardia ventricular não sustentada (TVNS), sendo o mais longo com 13 complexos QRS. Diante do resultado do Holter, foi encaminhado pelo médico assistente à realização de ressonância magnética cardíaca para melhor caracterização fenotípica do miocárdio.

A RMC foi realizada em um scanner 3T-Verio (Siemens, Alemanha) em 09/05/2012 e foram usadas sequências Cine SSFP (steady-state free precession) para avaliação funcional e Inversion Recovery-GRE (gradient echo) para o realce tardio. As seguintes observações foram feitas: acentuada hipertrofia assimétrica, sendo o ponto de maior espessura medido em 2,4 cm na parede inferosseptal média; massa do ventrículo esquerdo normal; focos de hipossinal em todas as sequências nas paredes septal e anterior médio-apical do VE, que podem corresponder a calcificações; VE de volumes cavitários normais, com disfunção sistólica global leve às custas de hipocinesia segmentar das paredes anterior e septal; importante espessamento muscular da região apical do VD; exuberante realce tardio pelo meio de contraste nos segmentos hipertrofiados do VE e VD de distribuição predominantemente mesocárdica (padrão não isquêmico). As Figuras 1 e 2 ilustram alguns destes achados.



O paciente foi submetido a implante de cardiodesfibrilador em 02/06/2012 e permanece sem sintomatologia até a presente data.

Discussão

O paciente em discussão apresenta miocardiopatia hipertrófica de longa data (há 22 anos) com acometimento biventricular, importante fibrose miocárdica e leve disfunção sistólica. Não havia marcadores clássicos de alto risco para morte súbita, como espessura miocárdica > 30 mm, história familiar de morte súbita, síncope, taquicardia ventricular (TV) sustentada ou obstrução da via de saída do VE ou comportamento anormal da pressão arterial no teste ergométrico. Os marcadores que sugeriram que esse paciente encontrava-se em maior risco de morte súbita foram a taquicardia ventricular não sustentada e a presença de importante realce tardio na RM.

Apesar de TV sustentada ser claramente associada a morte súbita, a associação com TV não sustentada é menos robusta. No entanto, um estudo recente demonstrou associação de TV não sustentada com morte súbita na análise multivariada7.

A detecção de fibrose miocárdica na CMH pela RMC usando a técnica de realce tardio tem incidência de 50-80% dos casos de MCPH e acredita-se ser o substrato anatômico para ocorrência de taquiarritmias ventriculares malignas8,9.

O padrão de realce tardio mais frequentemente descrito é o heterogêneo e mesocárdico, com localização preferencial para os segmentos hipertrofiados e nos pontos de inserção do ventrículo direito com o septo interventricular4,9. No caso clínico relatado, apenas os segmentos anterolateral e inferolateral (ambos basal e médio) e basal inferior encontravam-se livres de realce tardio, o que caracteriza um padrão pouco comum de apresentação.

No paciente relatado, a área de realce tardio medida, utilizando cinco desvios-padrão da área remota, é de 46,9% de massa de ventrículo esquerdo. Não existe consenso sobre qual valor de percentual deverá ser considerado como maior risco para eventos adversos, mas, certamente, 46,9% é um percentual considerado elevado. Alguns estudos mostram que a presença de realce tardio superior a 5% da massa do VE é relacionado a maior risco de morte súbita, terapia apropriada pelo cardiodesfibrilador implantável e ocorrência de taquiarritmias ventriculares5,10.

O envolvimento do ventrículo direito foi descrito em aproximadamente 18% dos pacientes com CMH, acometendo a região média e apical igualmente encontrada no caso clínico relatado4. Esses pacientes podem apresentar espessura máxima da parede superior a 8 mm, bem como aumento da massa ventricular direita8. A presença de exuberante realce tardio no ventrículo direito nesse paciente é outra característica atípica.

A aparente discordância entre a espessura miocárdica máxima e o exuberante realce tardio pode ser resultante de MCPH burnt out, ou seja, fibrose e afilamento ventricular devido ao longo tempo de doença. As calcificações miocárdicas podem corroborar essa longa agressão ao músculo cardíaco11.

A importância do realce tardio nos pacientes com miocardiopatia hipertrófica foi pesquisada em dois recentes estudos, e ambos mostraram ser o realce, não apenas preditor independente de eventos cardiovasculares na análise multivariada, como o melhor preditor, quando comparado com preditores usuais, como a espessura máxima do miocárdio, a obstrução da via de saída do VE, fatores clínicos e história de morte súbita na família5,6. No entanto, reconhecemos que a presença de realce tardio tem baixo valor preditivo positivo para morte súbita como mencionado nas diretrizes do ACC/AHA de 20112, e corroborado em uma metanálise na qual a presença de realce foi significativamente associada com desfechos cardiovasculares, mas não com mortalidade de origem arrítmica12.

O paciente não apresenta marcadores clássicos de alto risco para morte súbita, tendo a decisão de implante de CDI sido tomada com base na presença de TVNS no holter de 24 h, pela importante fibrose miocárdica na RM e após discussão de riscos e benefícios com o paciente e a família. A presença de realce tardio pela RMC é um marcador emergente de prognóstico, mas seu papel no direcionamento do tratamento ainda é motivo de controvérsia.

Contribuição dos autores

Concepção e desenho da pesquisa e Análise e interpretação dos dados: Gottlieb I; Obtenção de dados: Fernandes E, Camargo GC, Rothstein T, Gottlieb I; Redação do manuscrito: Fernandes E, Gottlieb I; Revisão crítica do manuscrito quanto ao conteúdo intelectual: Camargo GC, Derenne ME, Rothstein T, Gottlieb I.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflito de interesses pertinentes.

Fontes de Financiamento

O presente estudo não teve fontes de financiamento externas.

Vinculação Acadêmica

Não há vinculação deste estudo a programas de pós-graduação.

Artigo recebido em 18/10/12; revisado em 23/10/12; aceito em 26/02/13.

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  • Correspondência:

    Tamara Rothstein
    Rua Ataulfo de Paiva, 669, Leblon
    CEP 22430-210, Rio de Janeiro, RJ - Brasil
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      05 Nov 2013
    • Data do Fascículo
      Out 2013
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