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Implante de endoprótese para tratamento de úlcera penetrante de aorta

Resumos

A úlcera aterosclerótica penetrante de aorta é uma patologia subdiagnosticada que apresenta altas taxas de morbimortalidade. Relatamos dois casos de pacientes com dor torácica intensa sem características isquêmicas que foram submetidos a angiotomografia de tórax e apresentaram ulceração na parede da aorta com penetração de contraste na camada média. Em razão da falha no tratamento clínico, foram submetidos a implante percutâneo de endoprótese aórtica com resolução completa dos sintomas.

Implante de prótese; próteses valvulares cardíacas; úlcera; aorta torácica


La úlcera aterosclerótica penetrante de aorta es una patología subdiagnosticada que presenta altas tasas de morbimortalidad. Referimos dos casos de pacientes con dolor torácico intenso sin características isquémicas que se sometieron a una angiotomografía de tórax y presentaron ulceración en la pared de la aorta con penetración de contraste en la capa media. En razón de la falta en el tratamiento clínico, se sometieron a implantación percutánea de endoprótesis aórtica con resolución completa de los síntomas.

Implantación de prótesis; prótesis valvulares cardiacas; úlcera; aorta torácica


Penet rat ing aor t ic atherosclerot ic ulcer i s an underdiagnosed condition that presents high rates of morbidity and mortality. We report two cases of patients with severe chest pain, with no ischemic features, who underwent chest angiotomography and showed an ulceration of the aortic wall, with contrast penetration into the middle layer. Due to the failure of the medical treatment, the patients underwent percutaneous aortic stent implantation with complete resolution of symptoms.

Prosthesis implantation; heart valve prosthesis; ulcer; thoracic


RELATO DE CASO

Implante de endoprótese para tratamento de úlcera penetrante de aorta

Rogério Tadeu Tumelero; Norberto Toazza Duda; Alexandre Pereira Tognon; Luciano Panata; Júlio Cesar Canfield Teixeira; João Batista Machado Giongo

Hospital São Vicente de Paulo, Faculdade de Medicina da Universidade de Passo Fundo, passo Fundo, RS - Brasil

Correspondência Correspondência: Rogério Tadeu Tumelero Rua Teixeira Soares, 777/705 - Centro 99010-080 - Passo Fundo, RS - Brasil E-mail: rttumelero@cardiol.br, rttumelero@terra.com.br

RESUMO

A úlcera aterosclerótica penetrante de aorta é uma patologia subdiagnosticada que apresenta altas taxas de morbimortalidade. Relatamos dois casos de pacientes com dor torácica intensa sem características isquêmicas que foram submetidos a angiotomografia de tórax e apresentaram ulceração na parede da aorta com penetração de contraste na camada média. Em razão da falha no tratamento clínico, foram submetidos a implante percutâneo de endoprótese aórtica com resolução completa dos sintomas.

Palavras-chave: Implante de prótese, próteses valvulares cardíacas, úlcera/terapia, aorta torácica.

Introdução

A úlcera aterosclerótica penetrante da aorta foi primeiramente definida por Shennan em 19341 e na literatura moderna em 1986, por Stanson2, como uma ulceração de uma lesão aterosclerótica da aorta que penetra a lâmina elástica interna e permite a formação de hematoma na parede da aorta2. Ulcerações profundas de placas ateroscleróticas na aorta podem levar a formação de um hematoma intramural, dissecção aórtica clássica ou perfuração3. Essa doença ocorre em sua grande maioria em idosos entre a sexta e a oitava décadas de vida, está associada a hipertensão arterial sistêmica (aproximadamente 94% dos casos) e tabagismo. A maioria dos pacientes apresenta outras manifestações decorrentes da doença aterosclerótica, e pelo menos metade desses tem história de aneurisma de aorta torácica ou abdominal. O quadro clínico mimetiza a dissecção aórtica clássica, com dor torácica anterior nas úlceras da aorta ascendente e dor interescapular ou no dorso nas lesões da aorta descendente. Ao contrário da dissecção clássica, as úlceras de aorta não produzem manifestações isquêmicas em membros ou órgãos sistêmicos. O risco de ruptura e mortalidade em um ano é maior nesses casos quando comparados à dissecção aórtica clássica3-5

Relato dos casos

Paciente masculino de 58 anos, chegou à emergência referindo dor retroesternal em aperto e como uma "punhalada" de forte intensidade, irradiada para membro superior esquerdo, mandíbula e região interescapular, que iniciara de modo súbito havia aproximadamente seis horas. A dor fora intensa e contínua desde o seu início, sem fator de alívio ou agravo. Associado à dor, o paciente apresentava náuseas, tontura e diaforese profusa.

O paciente tinha história de hipertensão há dois anos, porém não fazia uso de medicações. Negava outras comorbidades, etilismo ou tabagismo atual. Tinha história familiar de hipertensão. Ao exame físico, apresentava-se normocorado, lúcido, orientado e coerente, porém ansioso. Pressão arterial de 160/100 mmHg no MSD, 140/80 mmHg no MSE e frequência cardíaca de 88 bpm. Ausculta cardíaca com sopro holossistólico ++/6 em foco mitral, irradiado para axila, extremidades aquecidas, pulsos cheios e simétricos, ausculta pulmonar normal, abdome sem sopros, indolor e exame neurológico normal. Realizou eletrocardiograma que não apresentou alterações isquêmicas.

Em seguida, foi encaminhado à angiotomografia computadorizada de tórax (fig. 1A), que revelou uma ulceração com penetração de contraste até a camada média na parede lateral esquerda da aorta após a emergência da artéria subclávia esquerda. No ecocardiograma transesofágico constou imagem sugestiva de úlcera de aorta. Inicialmente o paciente recebeu tratamento com I-ECA, betabloqueador e analgésicos não opioides.


 








Apesar do controle pressórico e da frequência cardíaca, o paciente permaneceu com episódios de dor. Após instituído tratamento medicamentoso houve piora importante da dor, necessitando uso de opioides sem alívio adequado dos sintomas.

Foram realizadas cineangiocoronariografia, que não demonstrou coronariopatia, e aortografia torácica, com imagem irregular após origem da artéria subclávia esquerda. Foi indicado tratamento percutâneo de urgência com implante de endoprótese aórtica. Sob anestesia geral, foi realizada dissecção da artéria femoral direita e introduzido guia amplatzer 0,35" x 260 cm na aorta ascendente, posicionado endoprótese reta APOLLO 34 mm x 125 mm após origem da artéria subclávia esquerda (fig. 1B).

Em razão da não identificação adequada da imagem por meio da aortografia, o posicionamento da endoprótese foi definido mediante imagens da angiotomografia anteriormente descrita. O tempo total do procedimento foi de 110 minutos. Após procedimento, ainda na sala de hemodinâmica, revertido efeito anestésico, o paciente permaneceu assintomático. Recebeu alta no nono dia pós implante da endoprótese.

Dezesseis meses após a intervenção, foi realizada aortografia demonstrando oclusão da artéria subclávia esquerda e seu enchimento através do polígono de Willis após injeção seletiva de contraste na artéria vertebral direita, adequado posicionamento da endoprótese (fig. 1C e 1D) e tomografia da aorta torácica que não demonstrou imagem sugestiva de úlcera (fig. 1E). No seguimento ambulatorial de 20 meses, permanecia livre de eventos.

O segundo caso diz respeito a uma paciente do sexo feminino, de 85 anos, que chegou à emergência referindo dor torácica interescapular de forte intensidade, sem irradiação, iniciada subitamente em repouso havia duas horas. Associado à dor, a paciente apresentava náuseas, vômito e palidez.

Referia ser hipertensa e tabagista de longa data, fazendo uso de Nitrendipino 10 mg e ASS 100 mg uma vez ao dia. Negava outras comorbidades e antecedentes familiares ou pessoais. Ao exame físico apresentava-se pálida, prostrada, porém orientada e coerente. Pressão arterial de 180/110 mmHg em ambos os membros superiores e frequência cardíaca de 68 bpm. Ausculta cardíaca com bulhas hipofonéticas e sopro ejetivo ++/6 no foco aórtico, irradiado para região cervical. Extremidades aquecidas, pulsos cheios +++/4 e simétricos, ausculta pulmonar normal, abdome sem sopros, indolor e exame neurológico normal.

Ao eletrocardiograma realizado na emergência apresentava bloqueio de ramo direito e alterações secundárias da repolarização ventricular. Foi realizado ecocardiograma transtorácico que evidenciou hematoma transmural na aorta descendente, hipertrofia do VE e dupla lesão aórtica de grau moderado. Foi então submetida a angiotomografia de tórax, que revelou úlcera penetrante com extravasamento de contraste para a camada média, hematoma transmural logo após a emergência da artéria subclávia esquerda e discreto derrame pleural à esquerda (fig. 2A).


 




Tendo sido diagnosticada úlcera da aorta descendente, a paciente foi tratada clinicamente com nitroprussiato de sódio endovenoso e betabloqueadores. Após 10 dias internada em tratamento clínico, apresentou recorrência da dor com queda de 10 pontos no hematócrito. Realizou nova angiotomografia de tórax que evidenciou progressão do hematoma e extenso derrame pleural bilateral (fig. 2B e 2C).

Decidiu-se pela realização de cineangiocoronagrafia e aortografia, objetivando tratamento percutâneo com implante de endoprótese aórtica. A coronariografia evidenciou lesão obstrutiva grave (80%) no terço distal da artéria descendente anterior, demais coronárias sem lesões significativas e ventrículo esquerdo com função normal. Aortografia torácica e abdominal com importante aterosclerose e tortuosidade significativa, não sendo visualizado extravazamento de contraste. No dia seguinte, sob anestesia geral, foi realizada dissecção da artéria femoral direita, utilizando-se guia amplatzer 0,35" x 260 cm na aorta ascendente, posicionado endoprótese Tag/Gore 34 mm x 200 mm, após origem da artéria subclávia esquerda (o posicionamento da endoprótese foi baseado nas imagens tomográficas (3D). O tempo total do procedimento foi de 110 minutos. Após o procedimento a paciente teve resolução completa dos sintomas e melhora do hematócrito. Permaneceu internada por 10 dias e teve alta assintomática.

Discussão

Nas últimas décadas temos observado crescente desenvolvimento e avanço nos métodos de aquisição de imagem em cardiologia, marcado, especialmente, pelo surgimento e aperfeiçoamento da tomografia computadorizada e da ressonância nuclear magnética. Esses avanços nos proporcionaram, entre outros, o conhecimento das variantes da dissecção aórtica clássica. Desse modo, passamos a diagnosticar o hematoma intramural e a úlcera aterosclerótica penetrante de aorta descrita inicialmente por Shennan em 19341 e caracterizada modernamente por Stanson em 19862,5. Hoje reconhecemos essas variantes como precursores da dissecção aórtica clássica, e as úlceras profundas de aorta podem evoluir com a formação de hematoma e até mesmo ruptura de aorta6. O risco de ruptura e mortalidade em um ano também é maior nesses pacientes quando comparado à dissecção clássica4. Além disso, as úlceras de aorta podem originar dor torácica crônica intratável, sendo esse um fator independente para progressão da doença e indicativo de abordagem agressiva inicial3,6.

Sendo assim, trata-se de uma situação em que o tratamento deve ser instituído assim que o diagnóstico for confirmado pelos exames de imagem, uma vez que há elevado risco de ruptura e mortalidade.

Entre as opções terapêuticas, o tratamento percutâneo com implante de endoprótese por via femoral tem sido escolhido em detrimento da cirurgia clássica, por apresentar maior segurança e menores taxas de complicações, sobretudo considerando que a maioria dos pacientes apresenta alto risco operatório por serem idosos e pelas comorbidades associadas4-8. Sugere-se, então, que a abordagem percutânea deva ser a abordagem de escolha em centros com experiência em tratamento de doenças da aorta.

Nos casos relatados, observamos os extremos da faixa etária usual para manifestação da doença e pacientes de ambos os sexos, inicialmente com hipótese diagnóstica de cardiopatia isquêmica, reforçando a todos os profissionais a necessidade de constante suspeição clínica quanto à doenças agudas da aorta.

Nesses casos, a abordagem inicial, com controle da pressão arterial e tratamento da dor com analgésicos comuns e opioides, não foi efetiva para resolução dos sintomas apresentados pelos pacientes. Assim, optou-se pelo implante percutâneo de endoprótese aórtica com resolução sintomática do quadro clínico e manutenção do resultado durante os 20 meses de seguimento no primeiro caso e 30 dias no segundo.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflito de interesses pertinentes.

Fontes de Financiamento

O presente estudo não teve fontes de financiamento externas.

Vinculação Acadêmica

Não há vinculação deste estudo a programas de pós-graduação.

Artigo recebido em 13/03/09; revisado recebido em 28/12/09; aceito em 18/03/10.

  • 1
    Shennan T. Dissecting aneurysms. London: HM Stationery Office; 1934. (M.R.C.Special Report Series, n.193).
  • 2
    Stanson AW, Kazmier FJ, Hollier LH, Edwards WD, Pairolero PC, Sheedy PF, et al. Penetrating atherosclerotic ulcers of the thoracic aorta: natural history and clinicopathologic correlations. Ann Vasc Surg. 1986; 1 (1): 15-23.
  • 3
    Ganaha F, Miller DC, Sugimoto K, Do YS, Minamiguchi H, Saito H, et al. Prognosis of aortic intramural hematoma with and without penetrating atherosclerotic ulcer: a clinical and radiological analysis. Circulation. 2002; 106 (3): 342-8.
  • 4
    Coady MA, Rizzo JA, Hammond GL, Pierce JG, Kopf GS, Elefteriades JA. Penetrating ulcer of the thoracic aorta: what is it?. How do we recognize it? How do we manage it? J Vasc Surg. 1998; 27 (6): 1006-15.
  • 5
    Buffolo E, Pessa CJN. Variantes da dissecção aórtica: úlcera penetrante de aorta e hematoma intramural de aorta - uma análise contemporânea. Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2001; 11 (6): 1053-9.
  • 6
    Tsai TT, Nienaber CA, Eagle KA. Acute aortic syndromes. Circulation. 2005; 112 (24): 3802-13.
  • 7
    Brinster DR, Wheatley GH 3rd, Williams J, Ramaiah VG, Diethrich EB, Rodriguez-Lopez JA. Are penetrating aortic ulcers best treated using an endovascular approach? Ann Thorac Surg. 2006; 82 (5): 1688-91.
  • 8
    Botta L, Buttazzi K, Russo V, Parlapiano M, Gostoli V, Bartolomeo RD, et al. Endovascular repair for penetrating atherosclerotic ulcers of the descending thoracic aorta: early and mid-term results. Ann Thorac Surg. 2008; 85 (3): 987-92.
  • Correspondência:

    Rogério Tadeu Tumelero
    Rua Teixeira Soares, 777/705 - Centro
    99010-080 - Passo Fundo, RS - Brasil
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      25 Mar 2011
    • Data do Fascículo
      Fev 2011

    Histórico

    • Recebido
      13 Mar 2009
    • Revisado
      28 Dez 2009
    • Aceito
      18 Mar 2010
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