Acessibilidade / Reportar erro

Denervação renal por ablação com técnica inovadora em hipertensão resistente

RELATO DE CASO

Denervação renal por ablação com técnica inovadora em hipertensão resistente

Luiz Aparecido Bortolotto; Thiago Midlej-Brito; Cristiano Pisani; Valéria Costa-Hong; Maurício Scanavacca

INCOR - Instituto do Coração da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, São Paulo, SP - Brasil

Correspondência Correspondência: Thiago Midlej-Brito Rua Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 44, Cerqueira César CEP 05403-000, São Paulo - SP - Brasil E-mail: thiagomidlej@gmail.com, thiagomidlej@yahoo.com.br

Palavras-chave: Denervação, Hipertensão, Ablação por Cateter, Sistema Nervoso Simpático.

Introdução

A Hipertensão Arterial (HA) é causa de milhares de mortes anualmente1, e metade dos pacientes tratados apresenta Pressão Arterial (PA) controlada2. A Hipertensão Arterial Resistente (HAR) é definida quando a PA permanece acima das metas recomendadas com o uso de três fármacos anti-hipertensivos, com ações sinérgicas em doses máximas preconizadas e toleradas, sendo um deles preferencialmente um diurético, ou quando em uso de quatro ou mais fármacos anti-hipertensivos, mesmo com a PA controlada3. Estima-se que 12%-15% dos hipertensos sejam considerados resistentes, com elevado risco de morbimortalidade cardiovascular4.

A patogênese da hipertensão é multifatorial, mas a atividade simpática tem papel importante, sobretudo nos hipertensos resistentes2. A atividade simpática renal eferente estimula liberação de renina, aumenta reabsorção de sódio e reduz fluxo sanguíneo renal, podendo ser um mecanismo de desenvolvimento e manutenção da hipertensão2. Fatores genéticos, comportamentais e ambientais influenciam aumento da atividade simpática em hipertensos5.

Novas terapias visando à diminuição da atividade simpática vêm sendo desenvolvidas. A Denervação Simpática Renal (DSR) por cateter de ablação com radiofrequência nas artérias renais tem demonstrado controle da PA em hipertensão resistente6,7 e em situações clínicas associadas como a apneia obstrutiva do sono8 e resistência a insulina9.

Os principais estudos clínicos de DSR utilizaram cateter especifico ainda não disponível no Brasil, mas a ablação com radiofrequência de arritmias é um procedimento realizado por meio de cateteres apropriados por eletrofisiologistas há anos em nosso país. Estudos experimentais de DSR com cateteres utilizados para ablação de arritmias indicaram a possibilidade de utilização desses em substituição aos usados nos estudos internacionais, visto a indisponibilidade desses em nosso meio. Baseado nisso, escolheu-se para o procedimento a ser relatado o modelo utilizado para ablação em crianças (ponta de 4 mm e 5F), que se mostrou mais adequado. O objetivo do relato é mostrar o resultado da primeira DSR em nosso meio, com auxilio de tecnologia usada em arritmias cardíacas.

Relato do caso

Paciente de 39 anos, mulher, admitida em nossa instituição com história de HA desde os 17 anos. Aos 29 anos passou a apresentar episódios de crise hipertensiva associados a taquicardia, palidez, sudorese e boca seca, e foi descartada feocromocitoma. Após três anos, apresentou Acidente Vascular Cerebral (AVC) sem sequelas neurológicas. Desde então, a HA teve controle mais difícil e passou a usar vários anti-hipertensivos, mas mantendo níveis elevados da PA. No último ano apresentou internações por crises hipertensivas, atingindo PA de 230/130 mmHg. Na admissão estava em uso de sete anti-hipertensivos em dose máxima (amlodipina, valsartana, furosemida, espironolactona, clonidina, hidralazina e atenolol). Negava uso de drogas ilícitas ou outras medicações hipertensógenas. A mãe era hipertensa, falecida aos 40 anos por AVC, e dois irmãos eram hipertensos.

Ao exame físico apresentava PA 180/110 mmHg (deitada), 182/112 mmHg (ortostase) e frequência cardíaca 120 bpm. O exame cardiovascular não revelava anormalidades e o restante do exame físico era normal. Investigação de HA secundária afastou todas as causas prováveis. Ecodopplercardiograma não evidenciou alterações e o Holter de 24 horas não mostrou arritmias.

Por apresentar HAS resistente a varias medicações, a equipe clínica sugeriu a DSR por ablação e a paciente aceitou após explicação dos riscos e benefícios. A paciente leu e assinou Termo de Consentimento Livre Esclarecido, visto ter sido o primeiro procedimento no Brasil.

O procedimento de DSR foi realizado em 25/08/2011 pela equipe de Eletrofisiologia. O acesso à artéria renal foi obtido pela artéria femoral e anatomia elegível para o procedimento confirmada pela angiografia após cateterização seletiva. Para a ablação renal foi utilizado cateter 5F (Mariner Series AblationCatheters, Medtronics) posicionado por via aórtica, retrógrado na artéria renal, guiado por radioscopia e conectado a um gerador de Radiofrequência (RF). Foi construído mapa eletroanatômico (Sistema Ensite, StJude Medical) da aorta e das artérias renais (Figura 1) e realizado planejamento para quatro aplicações de RF em cada artéria renal, distal para proximal, separados longitudinalmente e em rotação (helicoidal), com marcações no mapa (pontos brancos na figura 1). Após, o cateter foi avançado em cada artéria renal e foram realizadas quatro aplicações de RF (8W, 60 ºC, 120s) por artéria nas regiões previamente demarcadas (pontos vermelhos na figura 1). A paciente permaneceu sob anestesia geral, com PA monitorizada durante o procedimento que ocorreu sem complicações. Ao final, a paciente foi despertada da anestesia referindo leve desconforto lombar que melhorou após analgésico. Nova angiografia seletiva não evidenciou anormalidades.


Seis meses após o procedimento, a paciente apresentava menor valor de PA no consultório e na MAPA, em uso de quatro classes de anti-hipertensivos (Tabela 1). Após um ano, a paciente permanece pouco sintomática, com melhora na qualidade de vida, sem nenhuma grave crise hipertensiva. Os dados evolutivos de PA de consultório e da MAPA, assim como das propriedades arteriais estão na tabela 1. Após seis meses realizou-se angiorressonância de artérias renais que não mostrou estenose.

Discussão

Trata-se da primeira experiência de DSR realizada no Brasil com cateter de ablação usado para arritmias em crianças. Os resultados mostraram segurança do procedimento, além de resultados satisfatórios no controle da PA e na qualidade de vida.

O primeiro estudo utilizando essa técnica mostrou segurança e redução significativa da PA em 58 pacientes com hipertensão resistente10. A redução média de PA sistólica e diastólica, respectivamente, foi 22/11 mmHg em seis meses, e 27/17 mmHg em doze meses.

Em 2010, um ensaio multicêntrico internacional estudou 106 pacientes, 52 alocados para intervenção e 54 para tratamento clínico. Após seis meses, houve queda na PA de consultório de 33/11 mmHg naqueles submetidos ao procedimento comparado ao grupo clínico. Entre os pacientes submetidos a denervação, 20% reduziram os anti-hipertensivos e em 84% a PA reduziu 10 mmHg ou mais2. Não houve complicações sérias relacionadas ao procedimento.

Todos os estudos demonstram alta taxa de sucesso após DSR em pacientes com hipertensão resistente, com redução significativa da PA, diminuição de dose e/ou número de medicações, sem causar dano na artéria renal ou prejuízo na função renal1,9,10.

Em relação ao caso relatado, a DSR utilizando cateter convencional de eletrofisiologia, para ablação em crianças (5F), é segura e eficaz. Adicionando-se mapeamento eletroanatômico, podem-se avaliar com precisão os locais na artéria renal onde foram feitas as aplicações, uma vez que a estratégia utilizada nos procedimentos de denervação é baseada na anatomia sem avaliações funcionais imediatas.

Na evolução observamos melhora na PA de 24 h, vigília e, especialmente, no sono (Tabela 1). Maior atividade simpática é um dos mecanismos mais importantes da ausência de queda noturna no sono, o que justificaria o efeito de redução expressiva da PA noturna em nossa paciente.

Também avaliamos propriedades arteriais pelas medidas da velocidade de onda de pulso e da distensão carotídea. Esses índices são marcadores da função arterial, cujas alterações podem estar implicadas nos mecanismos de dificuldade de controle da PA. Aumento na atividade simpática pode aumentar rigidez arterial em hipertensos resistentes e a melhora desses parâmetros na paciente após a denervação reforça essa interação.

A DSR por ablação é uma técnica segura e promissora na redução da pressão arterial, além de melhorar qualidade de vida em pacientes portadores de hipertensão arterial resistente, mesmo com cateteres usados em eletrofisiologia cardíaca.

Contribuição dos autores

Concepção e desenho da pesquisa: Bortolotto LA, Midlej-Brito T, Scanavacca M; Obtenção de dados e Análise e interpretação dos dados: Bortolotto LA, Midlej-Brito T, Pisani C, Costa-Hong V, Scanavacca M; Análise estatística: Bortolotto LA, Midlej-Brito T; Redação do manuscrito e Revisão crítica do manuscrito quanto ao conteúdo intelectual: Bortolotto LA, Midlej-Brito T, Pisani C, Scanavacca M.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflito de interesses pertinentes.

Fontes de Financiamento

O presente estudo não teve fontes de financiamento externas.

Vinculação Acadêmica

Não há vinculação deste estudo a programas de pós-graduação.

Referências

1. Symplicity HTN-1 Investigators. Catheter-based renal sympathetic denervation for resistant hypertension: durability of blood pressure reduction out to 24 months. Hypertension. 2011;57(5):911-7.

2. Esler MD, Krum H, Sobotka PA, Schlaich MP, Schmieder RE, Böhm M; Symplicity HTN-2 Investigators Renal sympathetic denervation in patients with treatment-resistant hypertension (The Symplicity HTN-2 Trial): a randomised controlled trial. Lancet. 2010;376(9756):1903-9.

3. de Souza WS, Alessi A, Cordeiro A, da Rocha Nogueira A, Feitosa A, Amodeo C, et al. First Brazilian position on resistant hypertension. Arq Bras Cardiol. 2012;99(1):576-85.

4. Pimenta E, Calhoun DA. Resistant hypertension: incidence, prevalence, and prognosis. Circulation. 2012;125(13):1594-6.

5. Esler M. The sympathetic system and hypertension. Am J Hypertens. 2000;13(6 Pt 2):99S-105S.

6. DiBona GF. The sympathetic nervous system and hypertension: recent developments. Hypertension. 2004;43(2):147-50.

7. DiBona GF, Kopp UC. Neural control of renal function. Physiol Rev. 1997;77(1):75-197.

8. Baguet JP, Barone-Rochette G, Pépin JL. Hypertension and obstructive sleep apnoea syndrome: current perspectives. J Hum Hypertens. 2009;23(7):431-43.

9. Witkowski A, Prejbisz A, Florczak E, Kądziela J, Śliwiński P, Bieleń P, et al. Effects of renal sympathetic denervation on blood pressure, sleep apnea course, and glycemic control in patients with resistant hypertension and sleep apnea. Hypertension. 2011;58(4)559-65.

10. Krum H, Schlaich M, Whitbourn R, Sobotka PA, Sadowski J, Bartus K, et al. Catheter-based renal sympathetic denervation for resistant hypertension: a multicentre safety and proof-of-principle cohort study. Lancet. 2009;373(9671):1275-81.

Artigo recebido em 04/10/12; revisado em 19/12/12; aceito em 08/03/13.

  • 1. Symplicity HTN-1 Investigators. Catheter-based renal sympathetic denervation for resistant hypertension: durability of blood pressure reduction out to 24 months. Hypertension. 2011;57(5):911-7.
  • 2. Esler MD, Krum H, Sobotka PA, Schlaich MP, Schmieder RE, Böhm M; Symplicity HTN-2 Investigators Renal sympathetic denervation in patients with treatment-resistant hypertension (The Symplicity HTN-2 Trial): a randomised controlled trial. Lancet. 2010;376(9756):1903-9.
  • 3. de Souza WS, Alessi A, Cordeiro A, da Rocha Nogueira A, Feitosa A, Amodeo C, et al. First Brazilian position on resistant hypertension. Arq Bras Cardiol. 2012;99(1):576-85.
  • 4. Pimenta E, Calhoun DA. Resistant hypertension: incidence, prevalence, and prognosis. Circulation. 2012;125(13):1594-6.
  • 5. Esler M. The sympathetic system and hypertension. Am J Hypertens. 2000;13(6 Pt 2):99S-105S.
  • 6. DiBona GF. The sympathetic nervous system and hypertension: recent developments. Hypertension. 2004;43(2):147-50.
  • 7. DiBona GF, Kopp UC. Neural control of renal function. Physiol Rev. 1997;77(1):75-197.
  • 8. Baguet JP, Barone-Rochette G, Pépin JL. Hypertension and obstructive sleep apnoea syndrome: current perspectives. J Hum Hypertens. 2009;23(7):431-43.
  • 10. Krum H, Schlaich M, Whitbourn R, Sobotka PA, Sadowski J, Bartus K, et al. Catheter-based renal sympathetic denervation for resistant hypertension: a multicentre safety and proof-of-principle cohort study. Lancet. 2009;373(9671):1275-81.
  • Correspondência:
    Thiago Midlej-Brito
    Rua Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 44, Cerqueira César
    CEP 05403-000, São Paulo - SP - Brasil
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      05 Nov 2013
    • Data do Fascículo
      Out 2013
    Sociedade Brasileira de Cardiologia - SBC Avenida Marechal Câmara, 160, sala: 330, Centro, CEP: 20020-907, (21) 3478-2700 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil, Fax: +55 21 3478-2770 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: revista@cardiol.br