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A Cintilografia de Perfusão Miocárdica com Tomografia Computadorizada por Fóton Único. Ferramenta Diagnóstica Antecipando a Doença

Palavras-chave
Obesidade; Diabetes Mellitus; Reperfusão Miocárdica/cintilografia; Doença Arterial Coronariana/fisiopatologia

Sem apreciar qualquer juízo de valor, observa-se na prática clínica contemporânea um percentual vultoso de médicos que solicitam exames para fazer diagnósticos. Observa-se também, por outro lado, um percentual considerável de médicos que fazem o diagnóstico e, eventualmente, pedem exames para confirmar o diagnóstico. Ambas atitudes são consideradas válidas quando o bem comum é alcançado: o benefício dos pacientes. Todavia, a solicitação de exames sem um critério apropriado é danosa não só para o paciente como também para o sistema.

Assiste-se, na medicina recente, um vultoso acervo de exames considerados normais em toda a área do conhecimento médico incluindo-se, nesse cenário, a cardiologia. Em publicação de Dippe Jr et al.,11 Dippe Jr T, Pereira da Cunha C L, Cerci R J, Stier Júnior A L, Vítola J V. Estudo de Perfusão Miocárdica em Obesos sem Doença Cardíaca Isquêmica Conhecida. Arq Bras Cardiol. 2019; 112(2):121-128 nessa edição, os autores, em análise retrospectiva de um banco de dados, encontraram essa tendência. De 5.526 exames de cintilografia de perfusão miocárdica realizados em obesos (grau 1), 77 % deles foram considerados normais. Admitindo-se que os exames foram solicitados para investigação de isquemia miocárdica, os autores relacionaram a presença de déficit de perfusão com isquemia miocárdica em somente 23 %. Diante desses dados, encontraram, após aplicar uma “estatística criativa”, uma relação de 245 % de aumento de risco para angina típica.

Sabe-se, por princípio, que déficit de perfusão é uma expressão de anormalidade intrínseca do miocárdio. O sistema arterial coronariano pode contribuir ou não para essa anomalia. Nesse cenário, a desproporção entre a oferta e consumo de O2 pelo miocárdio tem algumas variáveis que nem sempre dependem do sistema arterial coronariano. Assim, relacionar a presença de déficit de perfusão como previsão futura de variáveis clínicas pode ser um caminho metodologicamente perigoso. Ainda nesse estudo, os autores relacionaram a obesidade como fator preditor de diabetes mellitus em 57 % das pessoas estudadas. Nesse caso, os sujeitos da pesquisa apresentavam obesidade grau 1 no limite superior da classificação do índice de massa corporal (IMC) para sobrepeso.

Por outro lado, essa classificação impõe limitações para sua aplicação.

Existem alguns problemas para usar o IMC como determinante de obesidade. Pessoas musculosas tem o IMC alto e não são obesos. Idosos necessitam de classificação diferenciada para determinar a obesidade. Ainda, a Organização Mundial de Saúde concluiu que pessoas de origem asiática poderiam ser consideradas obesas mesmo com IMC de 25. Assim, salvo melhor juízo, os níveis de obesidade relatados nessa pesquisa não podem ser disseminados como preditores de prognóstico. Guardadas as devidas proporções, esse estudo assemelha-se ao modelo de estudo de Hachamovitch et al.,22 Hachamovitch R, Hayes SW, Friedman JD, Cohen I, Berman DS.Comparison of the short-term survival benefit associated with revascularization compared with medical therapy in patients with no prior coronary artery disease undergoing stress myocardial perfusion single photon emission computed tomography.Circulation. 2003,17;107(23):2900-7. onde os autores, em estudos metodologicamente enviesados e resultados passíveis de discussão, estabeleceram percentual de isquemia miocárdica próxima a 12 % como referência para indicação de revascularização miocárdica. Lamentavelmente esses resultados são referenciados nas principais diretrizes da especialidade. Abstendo-se de praticar a vaticinação, esses resultados deverão ser colocados nas coleções de verdades transitórias.

  • Minieditorial referente ao artigo: Estudo de Perfusão Miocárdica em Obesos sem Doença Cardíaca Isquêmica Conhecida

References

  • 1
    Dippe Jr T, Pereira da Cunha C L, Cerci R J, Stier Júnior A L, Vítola J V. Estudo de Perfusão Miocárdica em Obesos sem Doença Cardíaca Isquêmica Conhecida. Arq Bras Cardiol. 2019; 112(2):121-128
  • 2
    Hachamovitch R, Hayes SW, Friedman JD, Cohen I, Berman DS.Comparison of the short-term survival benefit associated with revascularization compared with medical therapy in patients with no prior coronary artery disease undergoing stress myocardial perfusion single photon emission computed tomography.Circulation. 2003,17;107(23):2900-7.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Fev 2019
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