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Sedentarismo no Brasil e na Suécia - Diferentes Países, Problema Semelhante

Palavras-chave
Estilo de Vida; Aptidão Física; Exercício

O sedentarismo é um dos principais fatores de risco para doenças não transmissíveis, tais como doenças cardiovasculares, depressão, câncer de mama e de cólon, e diabetes tipo 2. É a quarta principal causa de mortes no mundo.11 Kohl WH; Craig LC; Lambert VE; Inoue S; Alkandari RJ; Leetongin G, et al. The pandemic of physical inactivity: global action for public health. Lancet. 2012; 380(9838):294-305. Indivíduos pouco ativos apresentam um risco de 20% a 30% maior de morte em comparação a indivíduos fisicamente ativos. Foram desenvolvidas recomendações internacionais quanto à prática de atividade física (AF), incluindo um mínimo de 150 minutos de exercício aeróbico de intensidade moderada, preferencialmente dividida em 5 dias por semana por no mínimo 30 minutos.22 Andersen LB, Mota J, Di Pietro L. Update on the global pandemic of physical inactivity. Lancet. 2016;388(10051):1255-6.,33 World Health Organization (WHO). Global Recommendations on Physical Activity for Health. Geneva;2012. Apesar de a maioria dos pesquisadores concordarem que o sedentarismo esteja aumentando em todo o mundo, o cumprimento ou não das recomendações sobre a prática da AF é variável entre estudos e entre países.44 Althoff T, Sosič R, Hicks JL, King AC, Delp SL, Leskovec J. Large-scale physical activity data reveal worldwide activity inequality. Nature. 2017;547(7683):336-9. A principal razão para esse fato é que em estudos mais antigos, o nível de AF era relatado pelo próprio indivíduo, o que levava à sua superestimação. Contudo, quando a medida de AF é validada por métodos mais objetivos, tais como a acelerometria,55 Ekblom Ö, Ekblom-Bak E, Bolam KA, Schmidt C, Söderberg S, Bergström G, et al. Concurrent and predictive validity of physical activity measurement items currently used in clinical settings- data from SCAPIS pilot study. BMC Public Health. 2015; Sep 28;15:978. o número de indivíduos sedentários aumenta. Vale ressaltar, no entanto, que as recomendações atuais são elaboradas com base no nível de AF relatado pelo indivíduo.

Por exemplo, em um estudo, um em cada quatro indivíduos adultos não era fisicamente ativo o suficiente, e mais de 80% dos adolescentes em todo o mundo foi considerado insuficientemente ativo. Um dado interessante foi que adolescentes do sexo feminino eram menos ativas que os do sexo masculino, sendo que 84% vs. 78% não atingiram as recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS).33 World Health Organization (WHO). Global Recommendations on Physical Activity for Health. Geneva;2012.

De acordo com o Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos (US Department of Health and Human Services), somente cerca de um terço dos adultos e um quinto dos adolescentes seguem as novas diretrizes de AF para a população americana, divulgada durante a conferência da American Heart Association de 2018.66 Piercy KL,; Troiano RP; Ballard RM; Carlson SA; Fulton JE; Galuska DA, et al. The Physical Activity Guidelines for Americans. JAMA. 2018;320(19):2020-8.

A Suécia e o Brasil apresentam o mesmo problema?

Níveis baixos ou decrescentes de AF normalmente correspondem a um produto interno bruto elevado ou em crescimento. Nos países ricos, 26% dos homens e 35% das mulheres eram insuficientemente ativos, em comparação a 12% dos homens e 24% das mulheres em países de baixa renda.44 Althoff T, Sosič R, Hicks JL, King AC, Delp SL, Leskovec J. Large-scale physical activity data reveal worldwide activity inequality. Nature. 2017;547(7683):336-9. Essa diferença deve-se, em parte, à falta de AF nos horários de lazer e comportamentos sedentários em casa e no trabalho. O uso aumentado de carros, ônibus e trens contribui para o sedentarismo e, ainda, o medo da violência, a poluição, o tráfego intenso, e a falta de estacionamentos, calçadas e infraestrutura para esportes e recreação desmotivam as pessoas a serem mais ativas fisicamente.

Existe uma divisão socioeconômica em relação aos níveis de AF na Europa; o Eurobarômetro (https://ec.europa.eu/sport/news/2018/new-eurobarometer-sport-andphysicalactivity_en), uma série de pesquisas que se baseiam em níveis de AF e de prática de esportes relatados, mostra que 91% dos suecos de todas as idades, e apenas 22% dos búlgaros reportam fazer exercício físico. Populações de países industrializados do norte e oeste da Europa tendem a praticar mais exercícios e atividades esportivas em comparação a de países do sudeste europeu. Tal fato, de certa forma, ilustra a conhecida diferença socioeconômica, em que um maior nível educacional está associado com mais tempo sentado, mas também com maior assiduidade em academias e melhor condicionamento físico, típico do norte europeu, em contraste com outros países daquele continente.

No Brasil, desde 2002, a taxa de sedentarismo aumentou mais de 15%, e dados de 2016 indicam que mais de 47% dos brasileiros são sedentários.77 Guthold R, Stevens GA, Riley LM, Bull FC. Worldwide trends in insufficient physical activity from 2001 to 2016: a pooled analysis of 358 population-based surveys with 1.9 million participants. Lancet Global Health 2018;6: e1077-86. Um dado interessante é que, na Suécia, a relação entre o status socioeconômico e o nível de AF pode ser observada nas principais cidades. Populações vivendo em áreas mais pobres apresentam mais tempo sentadas, menor nível de AF e menor condicionamento físico.88 Lindgren M, Börjesson M, Ekblom Ö, Bergström G, Lappas G, Rosengren A. Physical activity pattern, cardiorespiratory fitness, and socioeconomic status in the SCAPIS pilot trial - A cross-sectional study. Prev Med Rep. 2016 Dec;4:44-9. Assim, algumas populações mais vulneráveis, muitas vezes fora da força de trabalho, terão os piores padrões de AF e estarão em grande risco de não serem saudáveis no futuro. Populações de países industrializados já passam muito tempo sentadas e são propensas a serem sedentárias no futuro.33 World Health Organization (WHO). Global Recommendations on Physical Activity for Health. Geneva;2012. No entanto, espera-se que o tempo de sedentarismo aumente consideravelmente em países em desenvolvimento, tais como a Índia, a qual permaneceu fisicamente ativa até hoje, mas que já mostrou uma tendência de apresentar aumento no tempo sentado.44 Althoff T, Sosič R, Hicks JL, King AC, Delp SL, Leskovec J. Large-scale physical activity data reveal worldwide activity inequality. Nature. 2017;547(7683):336-9.

O que podemos fazer?

Apesar de o Brasil e a Suécia apresentarem estatísticas muito diferentes, esses países têm um problema similar.88 Lindgren M, Börjesson M, Ekblom Ö, Bergström G, Lappas G, Rosengren A. Physical activity pattern, cardiorespiratory fitness, and socioeconomic status in the SCAPIS pilot trial - A cross-sectional study. Prev Med Rep. 2016 Dec;4:44-9. É necessário desenvolver e implementar métodos para aumentar a AF na população geral e nos serviços de saúde, o que tem sido realizado nos últimos anos. O sistema de saúde precisa encarar o problema crescente das doenças relacionadas ao estilo de vida, tanto no Brasil quanto na Suécia. O tradicional e simples aconselhamento de médico para paciente, orientando-o a ser mais ativo fisicamente, tem mostrado efeito limitado. Um programa com delineamento mais complexo é o programa sueco de prescrição de AF, o Physical Activity on Prescription (PAP). Uma recente revisão sistemática99 Onerup A, Arvidsson D, Blomqvist Å, Daxberg E-L, Jivegård L, Jonsdottir IH, et al. Physical activity on prescription in accordance with the Swedish model increases physical activity: a systematic review. Br J Sports Med. 2018;0:1-7. mostrou que o PAP aumentou o nível de AF em pacientes sedentários. O programa consiste na prescrição individualizada de exercício, usando o livro FYSS (www.fyss.se) como referência, o qual descreve as melhores prescrições de exercício, baseadas em evidência, para cerca de 40 doenças. No programa, a prescrição de exercício é seguida nos serviços de saúde, assim como qualquer outro tratamento médico oferecido ao paciente. O livro sueco FYSS foi recentemente traduzido para inglês e vietnamita, como parte de uma campanha nacional vietnamita para implementar o PAP. A comunidade europeia apoia um projeto para expandir o PAP sueco para nove países da União Europeia nos próximos três anos. Iniciativas similares são necessárias no Brasil e na Suécia, para superar o desafio futuro do sedentarismo e aumento de doenças relacionadas ao estilo de vida.

Conclusão

As doenças não transmissíveis são muito prevalentes e sua frequência aumenta com o envelhecimento populacional. Nesse cenário, uma ação urgente é necessária. No Brasil, as barreiras ainda não foram quebradas e o preço do sedentarismo a se pagar será ainda maior nos próximos anos. Nesse contexto, os brasileiros deveriam aprender com os suecos, que já deram os primeiros passos, apesar de ainda estarem longe do ideal.

Pesquisa de alta qualidade é necessária para promover bom condicionamento cardiorrespiratório em longo prazo. Paralelamente, são necessários programas sustentáveis e viáveis para reduzir os índices de sedentarismo, objetivando assim diminuir a incidência das doenças não transmissíveis e melhorar a saúde global.

Finalmente, o governo, os representantes políticos e a comunidade científica precisam ajudar a construir sociedades em que a escolha de ser fisicamente ativo não seja apenas saudável, mas também agradável, acessível e segura.

References

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Fev 2019
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