Acessibilidade / Reportar erro

Impacto dos stents e do sirolimus por via oral na vasomotilidade coronariana dependente e independente do endotelio

Resumos

FUNDAMENTO: Não há consenso sobre o impacto do implante de stent sobre a função endotelial no longo prazo. Há relatos de disfunção endotelial aumentada com stent com sirolimus quando comparado com o stent metálico convencional (BMS). OBJETIVO: Este estudo visa a avaliar o impacto do BMS e o efeito do sirolimus por via oral sobre a função endotelial. MÉTODOS: Quarenta e cinco pacientes foram randomizados em três grupos: BMS + altas doses de sirolimus oral (dose inicial de 15 mg, seguida de 6 mg/dia durante quatro semanas); BMS + baixa dose de sirolimus (6 mg, seguida de 2 mg por dia durante quatro semanas) e BMS sem sirolimus. Mudanças na vasoconstrição ou vasodilatação, em um segmento de 15 milímetros começando pelo extremo distal do stent em resposta a acetilcolina e nitroglicerina, foram avaliadas por angiografia quantitativa. RESULTADOS: Os grupos apresentaram características angiográficas semelhantes. A variação percentual de diâmetro em resposta a acetilcolina foi semelhante em todos os grupos, nos dois momentos (p = 0,469). Quatro horas após o implante de stent, o segmento alvo apresentou uma disfunção endotelial que se manteve após oito meses em todos os grupos. Em todos os grupos, a vasomotricidade independente de endotélio em resposta a nitroglicerina foi semelhante, às quatro horas e aos oito meses, com diâmetro do segmento alvo aumentado após a infusão de nitroglicerina (p = 0,001). CONCLUSÃO: A disfunção endotelial esteve igualmente presente no segmento distal de 15 milímetros do segmento tratado, às 4 horas e aos 8 meses após implante do stent. O sirolimus administrado por via oral durante quatro semanas para evitar a reestenose não afetou o estado de vasomotricidade endotélio dependente e independente.

Stents; vasos coronarianos; endotélio; sirolimus


BACKGROUND: There is no consensus regarding the impact of stenting on long-term endothelial function. There have been reports of increased endothelial dysfunction with sirolimus-eluting stents as compared to bare metal stenting (BMS). OBJECTIVE: This study aims to assess the impact of BMS and the effect of oral sirolimus on endothelial function. METHODS: Forty-five patients were randomized into three groups: BMS + high-dose oral sirolimus (initial dose of 15 mg, followed by 6 mg/day for four weeks); BMS + low-dose sirolimus (6 mg followed by 2 mg daily for four weeks); and BMS without sirolimus. Changes in vasoconstriction or vasodilation in a 15 mm segment starting at the distal stent end in response to acetylcholine and nitroglycerin were assessed by quantitative angiography. RESULTS: The groups had similar angiographic characteristics. The percent variation in diameter in response to acetylcholine was similar in all groups at the two time points (p = 0.469). Four hours after stenting, the target segment presented an endothelial dysfunction that was maintained after eight months in all groups. In all groups, endothelium-independent vasomotion in response to nitroglycerin was similar at four hours and eight months, with increased target segment diameter after nitroglycerin infusion (p = 0.001). CONCLUSION: The endothelial dysfunction was similarly present at the 15 mm segment distal to the treated segment, at 4 hours and 8 months after stenting. Sirolimus administered orally during 4 weeks to prevent restenosis did not affect the status of endothelium-dependent and independent vasomotion.

Stents; coronary vessels; endothelium; sirolimus


Impacto dos stents e do sirolimus por via oral na vasomotilidade coronariana dependente e independente do endotelio

Rósley Weber Alvarenga Fernandes; João Miguel Dantas; Dinaldo Cavalcanti Oliveira; Hiram Grando Bezerra; Fabio Sandoli Brito Jr.; Valter C. Lima

Hospital São Paulo - SPDM - Universidade Federal de São Paulo; Hospital do Rim e Hipertensão, São Paulo, SP, Brasil

Correspondência Correspondência: Rósley Weber Alvarenga Fernandes Rua Dr. Nogueira Martins, 282 / 142 - Saúde 04143-020 - São Paulo, SP - Brasil E-mail: rosley@uol.com.br, muniz_tessari@uol.com.br

RESUMO

FUNDAMENTO: Não há consenso sobre o impacto do implante de stent sobre a função endotelial no longo prazo. Há relatos de disfunção endotelial aumentada com stent com sirolimus quando comparado com o stent metálico convencional (BMS).

OBJETIVO: Este estudo visa a avaliar o impacto do BMS e o efeito do sirolimus por via oral sobre a função endotelial.

MÉTODOS: Quarenta e cinco pacientes foram randomizados em três grupos: BMS + altas doses de sirolimus oral (dose inicial de 15 mg, seguida de 6 mg/dia durante quatro semanas); BMS + baixa dose de sirolimus (6 mg, seguida de 2 mg por dia durante quatro semanas) e BMS sem sirolimus. Mudanças na vasoconstrição ou vasodilatação, em um segmento de 15 milímetros começando pelo extremo distal do stent em resposta a acetilcolina e nitroglicerina, foram avaliadas por angiografia quantitativa.

RESULTADOS: Os grupos apresentaram características angiográficas semelhantes. A variação percentual de diâmetro em resposta a acetilcolina foi semelhante em todos os grupos, nos dois momentos (p = 0,469). Quatro horas após o implante de stent, o segmento alvo apresentou uma disfunção endotelial que se manteve após oito meses em todos os grupos. Em todos os grupos, a vasomotricidade independente de endotélio em resposta a nitroglicerina foi semelhante, às quatro horas e aos oito meses, com diâmetro do segmento alvo aumentado após a infusão de nitroglicerina (p = 0,001).

CONCLUSÃO: A disfunção endotelial esteve igualmente presente no segmento distal de 15 milímetros do segmento tratado, às 4 horas e aos 8 meses após implante do stent. O sirolimus administrado por via oral durante quatro semanas para evitar a reestenose não afetou o estado de vasomotricidade endotélio dependente e independente.

Palavras-chave: Stents, vasos coronarianos, endotélio, sirolimus.

Introdução

Apesar da maior eficácia e segurança do implante de stent em comparação com angioplastia com balão, não há consenso sobre o efeito do implante de stent na vasomotricidade endotélio dependente. Caramori e cols.1 observaram uma disfunção endotelial de longo prazo mais acentuada com implante de stent na artéria coronária, que a angioplastia com balão ou a aterectomia direcional. Em contraste, Maier e cols.2 relataram função endotelial preservada em segmentos localizados em forma proximal e distal ao stent.

O advento de stents farmacológicos (DES) destacou a importância desta questão, especialmente depois de relatos de piora da disfunção endotelial, em comparação com o stent metálico convencional (BMS)3-6. Piora na disfunção endotelial e cobertura da haste do stent muito prejudicada têm sido fortemente relacionados com a trombose tardia e muito tardia do DES, entre outros fatores7-9. De fato, esta grave questão de segurança do DES levou a avaliação do progresso da tecnologia, afetando tanto a necessidade quanto o tipo de polímero e de fármaco10-16.

O ponto final primário do presente estudo foi a medida do grau de mudança sobre a função endotelial após o implante de BMS e avaliar o efeito do sirolimus oral, indicado para prevenir a hiperplasia intimal intra-stent, sobre a resposta da função endotelial do BMS.

Métodos

De abril de 2003 a março de 2004, os pacientes tratados com intervenção coronariana percutânea (ICP) com BMS foram incluídos neste estudo. Os critérios de inclusão foram doença de artéria coronária e indicação clínica de implante eletivo de stent coronariano, diâmetro de referência do vaso alvo > 2,5 mm, e procedimento intervencionista bem sucedido de acordo com a Atualização de Orientação da AHA/ACC/SCAI 2005 para ICP17. Em todas as intervenções foi utilizado stent Express (Boston Scientific Corp, Natick, MA). O Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de São Paulo aprovou o protocolo. O estudo foi realizado em conformidade com as disposições da Declaração de Helsinki.

Os critérios de exclusão foram impossibilidade de interrupção do uso de bloqueadores dos canais de nitrato ou de cálcio nas 48 horas antes da angioplastia, espasmo coronariano após o implante do stent, hipertensão arterial não controlada, bloqueio atrioventricular de segundo e terceiro graus, estenose aórtica grave, gravidez, doença pulmonar obstrutiva crônica, insuficiência renal crônica ou aguda (creatinina > 1,5 mg/dL), insuficiência cardíaca funcional classe III e IV, doenças infecciosas agudas ou crônicas, tronco da coronária esquerda inferior a 10 mm.

Os pacientes foram randomizados em três grupos. O Grupo 1 (BMS + alta dose de sirolimus) recebeu uma dose inicial de sirolimus de 15 mg, seguida de 6 mg/dia durante quatro semanas. O Grupo 2 (BMS + baixa doses de sirolimus) recebeu uma dose inicial de sirolimus de 6 mg, seguida de 2 mg/dia durante quatro semanas. O Grupo 3 (BMS sem terapia com sirolimus) foi o grupo controle. Sirolimus foi administrado por via oral a pacientes dos grupos 1 e 2, sendo a dose administrada no dia anterior à ICP. Nesses pacientes, a concentração total de sirolimus em sangue (WBC) foi monitorada semanalmente visando a atingir uma concentração de 10-20 ng/mL e 5-10 ng/mL, respectivamente, em cada grupo.

Protocolo de estudo e avaliação da função vasomotora

Duas avaliações foram realizadas, a primeira quatro horas após o implante do stent e a segunda oito meses depois. Um segmento de 15 mm a partir da borda distal do stent foi arbitrariamente definido como o segmento-alvo. Este segmento foi analisado por cineangiocoronariografia quantitativa off-line (QCA) e ultrassonografia intravascular. ICP e UIC foram realizados utilizando técnicas padrão.

Durante a infusão intracoronária de acetilcolina, foram monitorados continuamente: a frequência e o índice cardíacos, a pressão arterial, as alterações no segmento ST-T, e a saturação de oxigênio (oximetria digital). A acetilcolina foi infundida durante 2 minutos com uma bomba de seringa (IP 680, Samtronic do Brasil, São Paulo, Brasil) a 1,25 mL/min e 0,625 mL/min para as artérias coronárias direita e esquerda, respectivamente, na seguinte sequência: controle (solução salina 0,9%); doses incrementais de acetilcolina (Ach): 10-6 mol/L (0,036 mg/mL), 10-5 mol/L (0,36 mg/mL), e 10-4 mol/L (3,6 mg/mL); novo controle (solução salina 0,9%); e 300 mg de nitroglicerina.

A disfunção endotelial foi arbitrariamente definida como menos de 5% de vasodilatação ou qualquer grau de vasoconstrição.

Análise quantitativa coronária (QCA)

A cineangiocoronariografia quantitativa off-line foi realizada com o Cardiovascular Measurement System 5.0, Medis, Neunen, Holanda. O diâmetro do segmento-alvo foi medido durante o controle e outras etapas. A variação percentual no diâmetro médio do segmento-alvo, em comparação com a medida de controle foi o ponto final usado para determinar a vasomotricidade endotélio-dependente (resposta a acetilcolina) e independente (resposta à nitroglicerina). As medidas foram realizadas por pesquisador cego ao grupo ao qual o paciente tinha sido randomizado.

Ultrassom intracoronariano (IVUS)

A imagem IVUS foi realizada imediatamente após a colocação do stent e a continuação da administração intracoronária de nitroglicerina. As medidas foram realizadas de acordo com as recomendações do Colégio Americano de Cardiologia e Sociedade Européia de Cardiologia18. As imagens foram obtidas utilizando um sistema mecânico (Galaxy II, Boston Scientific Corp, Natick, MA). Um transdutor posicionado pelo menos 15 mm distalmente do stent foi retraído automaticamente a uma velocidade constante de 0,5 mm/s. Apenas imagens sem artefatos foram analisadas. Foram usados cateteres Atlantis SRTM Pro 40 MHz ou Ultra Cross 30 MHz (Boston Scientific Corp, Natick, MA). Para corrigir a variabilidade resultante do uso de diversos cateteres, foram aplicadas equações de calibração19. Foi realizada análise off-line para determinar áreas transversais e volumes derivados, com software apropriado (QIVA, Pie Medical BV, Maastricht, Holanda). Todos os dados foram avaliados pelo pesquisador principal e analisados por dois pesquisadores adicionais cegos para os grupos aos quais os pacientes haviam sido randomizados.

Análise estatística

O tamanho da amostra foi calculado com base no ponto final primário do estudo de re-estenose intra-stent que foi o volume de obstrução do stent pelo IVUS aos oito meses de acompanhamento. O cálculo conduziu a 45 pacientes (15 pacientes por grupo) a fim fornecer poder estatístico de 80% (b = 0,2) para detectar 40% de redução no ponto final primário (de 30 ± 15% no grupo de controle até 18 ± 15% nos dois grupos com medicação), com 5% de probabilidade de erro tipo 1 (a = 0,05). Portanto, para a avaliação da disfunção endotelial, os indivíduos do estudo foram apenas a população alvo acessível.

Variáveis contínuas foram expressadas como média ± desvio padrão (DP). Para estudar o comportamento das variáveis numéricas para cada grupo no tempo, levando em consideração a associação entre as medidas obtidas para cada paciente, foram empregadas medidas repetidas da análise de variância (ANOVA). Para investigar a associação entre variáveis contínuas, foram plotados gráficos de dispersão, calculando-se a correlação linear de Pearson. As variáveis categóricas foram expressadas em valores percentuais. A associação entre as variáveis de interesse foi verificada através do teste exato de Fisher. A significância foi estabelecida como p <0,05.

Resultados

Características iniciais e eventos clínicos durante o acompanhamento

Dos 45 pacientes randomizados, 39 preencheram os critérios de inclusão para o protocolo do estudo de vasomotricidade. Seis foram excluídos por: três apresentaram espasmo importante de artéria coronária após o implante do stent, dois apresentaram artéria coronária esquerda curta, e um paciente retirou seu consentimento informado.

Trinta e nove pacientes foram submetidos ao teste de função endotelial quatro horas após o implante de stent e 36 pacientes, oito meses depois. Três pacientes não estavam disponíveis para a segunda avaliação. Dois morreram subitamente de causa desconhecida, quatro meses após a ICP. O terceiro paciente foi excluído devido à grave re-estenose intra-stent associada a dor intensa no peito durante a cineangiocoronariografia. Não houve diferenças significativas entre os grupos em termos de indicação para angioplastia, artéria tratada e tipo de lesão de acordo com a Atualização de Orientação da ACC/AHA/SCAI 2005 para a classificação de Intervenção Coronariana Percutânea17. As características clínicas do paciente inicial estão na Tabela 1.

Dados de acompanhamento de IVUS e angiografia no ponto inicial e aos 8 meses

Os grupos foram combinados com relação aos dados de IVUS e angiografia quantitativa iniciais (Tabela 1). No acompanhamento, a percentagem de estenose de diâmetro e o diâmetro luminal mínimo, não foram diferentes entre os grupos; ao mesmo tempo, a perda luminal tardia intra-stent foi significativamente menor nos grupos 1 e 2 do que no grupo controle 3 (p = 0,027). Além disso, a análise IVUS demonstrou que o volume de obstrução foi menor nos grupos 1 e 2 do que no grupo 3 (p = 0,015). Não houve diferenças significativas entre os grupos 1 e 2 em relação aos parâmetros angiográficos e de IVUS no acompanhamento.

Resposta à acetilcolina

No grupo 1, a função vasomotora foi avaliada em 14 pacientes, quatro horas após implante do stent. Doze pacientes foram submetidos a uma segunda avaliação oito meses mais tarde. A resposta a altas doses de acetilcolina (10-4 mol/L) foi -2,36 ± 10,86% e -4,63 ± 10,53% de vasoconstrição às quatro horas e aos oito meses, respectivamente (p = 0,469). No grupo 2, ambas as avaliações foram realizadas em 12 pacientes. A resposta a altas doses de acetilcolina (10-4 mol/L) foi -2,36 ± 10,86% e -4,63 ± 10,53% de vasoconstrição às quatro horas e aos oito meses, respectivamente (p = 0,469). No grupo 3, a avaliação das quatro horas foi realizada em 13 pacientes, e a avaliação dos oito meses, em 12. O diâmetro do segmento alvo após a infusão de alta dose de acetilcolina (10-4 mol/L) foi -1,0 ± 7,38% e +0,10 ± 5,97% às quatro horas e aos oito meses, respectivamente (p = 0,469).

Nos três grupos, a resposta da vasoconstrição a uma dose de acetilcolina de 10-4 mol/L foi significativamente maior em comparação com doses de 10-5 mol/L e 10-6 mol/L (Tabela 2). A Tabela 2 e a Figura 1 mostram que a variação percentual de diâmetro (função vasomotora endotélio-dependente) em todos os grupos foi semelhante nos dois momentos (p = 0,469). Quatro horas após o implante do stent, o segmento alvo apresentou uma disfunção endotelial que se manteve após oito meses em todos os três grupos.


Resposta a nitroglicerina

Nos três grupos, a resposta vasomotora endotélio-independente foi semelhante, às quatro horas e aos oito meses. O diâmetro do segmento alvo aumentou de 2,18 ± 0,47 mm para 2,53 ± 0,45 mm às quatro horas (p = 0,001), e de 2,10 ± 0,41 mm a 2,42 mm ± 0,46 (p = 0,001) após o oitavo mês (Tabela 3 e Figura 2).


A média de diâmetro do segmento alvo para os três grupos foi de 2,71 ± 0,52 mm imediatamente após o implante do stent, enquanto os pacientes ainda estavam sob o efeito da nitroglicerina. Quatro horas mais tarde, depois que o efeito da nitroglicerina diminuiu, se observou uma redução de 19% no diâmetro, para 2,18 ± 0,47 mm (p = 0,001). Após a avaliação da função endotelial, esses pacientes receberam novamente a mesma dose de nitroglicerina, e foi observado um aumento no diâmetro, de 2,54 ± 0,45 mm. Houve vasodilatação endotélio-independente, porém de menor intensidade do que a observada imediatamente após implante do stent. Após a administração de acetilcolina, o diâmetro médio do segmento-alvo, com a mesma dose de nitroglicerina, foi menor que o diâmetro médio observado imediatamente após implante do stent (p = 0,001) (Figura 3).


Disfunção endotelial, fatores de risco e uso de medicação

A disfunção endotelial não se correlacionou com nenhuma das variáveis avaliadas entre os três grupos, tais como diabetes, hipertensão arterial, dislipidemia e tabagismo. A taxa de uso de estatina foi muito alta para os três grupos, 85%, 100%, e 76%, respectivamente.

Avaliação de ultrassonografia intravascular de disfunção endotelial e volume da placa (VP) no segmento alvo

O VP foi de 58,23 ± 34,65 mm3 e 59,67 ± 38,88 mm3 às quatro horas e aos oito meses, após o implante do stent, respectivamente (p = 0,173). O VP normalizado por comprimento de segmento alvo foi de 4,34 ± 2,60 mm3/mm e 4,53 ± 2,94 mm3/mm às quatro horas e aos oito meses, após o implante do stent, respectivamente (p = 0,173). Levando em consideração o grupo total de 39 pacientes, o VP distal ao stent, no segmento alvo, não se correlacionou com a disfunção vasomotora endotélio-dependente conforme avaliada com acetilcolina (10-4 mol/L). Não foi observada correlação entre o VP normalizado pelo comprimento do segmento e a resposta vasomotora à acetilcolina (10-4 mol/L), com um coeficiente de correlação de Pearson de 0,17 [95%CI (-0,17 - 0,48)] quatro horas após o implante de stent, e 0,23 [95%CI (-0,11 - 0,52)] aos oito meses, respectivamente (Figura 4).


Discussão

Stent metálico convencional e função vasomotora

Caramori e cols.1 foram pioneiros na avaliação da função endotelial em pacientes submetidos a ICP com três técnicas (angioplastia com balão, aterectomia direcional e stent). Para avaliar a função endotelial seis meses após a ICP, os autores utilizaram a infusão de acetilcolina intracoronariana. Eles observaram uma disfunção endotelial mais grave com implante de stent em comparação com as outras técnicas.

Maier e cols.2 relataram vasodilatação nas porções proximal e distal do segmento com stent (8% e 11%, respectivamente) em resposta ao exercício, 10 meses após o implante do stent, mostrando vasomotricidade coronariana normal. Monnink e cols.20 observaram que 30 pacientes com isquemia na ergometria apresentavam vasoconstrição em resposta à acetilcolina no segmento distal, mais frequentemente seis meses após o implante do stent.

As descobertas conflitantes relatadas por Maier e cols.2 e Caramori e cols.1 têm sido atribuídas a diferentes métodos utilizados para avaliar a função endotelial (exercício físico e infusão intracoronariana de acetilcolina). No entanto, Gordon e cols.21 concluíram que os dois métodos são equivalentes. Maier e cols.2 também sugeriram que a variação poderia ser explicada por diferenças na gravidade da aterosclerose coronariana entre as pequenas amostras analisadas (12 pacientes no estudo de Caramori e cols.1 e 14 no estudo de Maier e cols.2 ). Para pesquisar esta questão, no presente estudo medimos o VP distalmente ao stent usando IVUS. Ao contrário da hipótese levantada por Maier e cols.2, não observamos relação entre o VP e a resposta à infusão intracoronariana de acetilcolina. Os três estudos compartilham a limitação de não ter avaliado a função endotelial vasomotora antes do implante do stent e não ter avaliado o segmento distal com IVUS.

Quatro horas após implante do stent, observamos disfunção endotelial caracterizada por -3% de vasoconstrição em resposta a uma maior concentração de acetilcolina (A4) na seção de 15 milímetros distal do stent. Os achados no IVUS nesse segmento alvo revelam a presença de placa aterosclerótica em todas as seções avaliadas. De fato, Mintz e cols.22 já haviam relatado placa aterosclerótica mostrada pelo IVUS em 93,2% dos segmentos de referência angiograficamente normais. O achado de placa aterosclerótica associada com endotélio subjacente com função vasomotora normal também foi relatado por Nishimura e cols.23.

Como Caramori e cols.1, empregamos a mesma metodologia para avaliar a função vasomotora endotélio-dependente. No entanto, resultados diferentes foram observados: aqueles autores afirmam a ICP está implicada na disfunção endotelial de longo prazo, com implante de stent sendo associado com maior gravidade, enquanto nós não acreditamos que a disfunção endotelial observada aos oito meses, foi causada pelos stents, especialmente porque ela já estava presente quatro horas após o implante.

A manutenção da disfunção endotelial que observamos com BMS pode ser de relevância clínica quando se consideram stents farmacológicos24. Vários estudos têm mostrado que o DES pode ser associado à disfunção endotelial grave7-9. Esse fato levou a melhor tecnologia associada ao DES com polímeros biodegradáveis e biocompatíveis14,15 e fármacos com menos efeitos colaterais sobre o endotélio13. Há novos stents sem polímeros e com fármacos eluídos diretamente na face do stent abluminal16.

Sirolimus oral e função vasomotora

Entre os fármacos orais usados para controlar a resposta proliferativa vascular após angioplastia coronariana, o sirolimus tem demonstrado os resultados mais promissores25-27. Arruda e cols.28 observaram que pacientes com transplante de rim em regime de imunossupressão regular, que foram submetidos à angioplastia, apenas tinham moderado a proliferação intimal intra-stent. Logo depois, o mesmo grupo relatou que o uso de sirolimus oral foi associado com uma pequena quantidade de proliferação intimal intra-stent29. Por outro lado, o efeito do sirolimus oral na vasomotricidade coronariana não tinha sido descrito. Nós utilizamos sirolimus oral para controle da proliferação intimal intra-stent, uma medida que não afeta o estado de vasodilatação endotélio-dependente e função vasomotora independente

Limitações

Considerações éticas impediram-nos de testar a função endotelial coronariana em pacientes com estenose grave antes de tratá-los com implante de stent. Vasos coronarianos epicárdicos com estenose grave podem ocluir agudamente com a infusão de acetilcolina. Portanto, não podemos ter certeza de que o estado da função endotelial quatro horas após o procedimento não havia sido modificada em forma aguda pelo implante do stent. Isso pode ser a maior limitação do presente estudo.

Além disso, esses pacientes costumam tomar um número de fármacos que têm efeitos benéficos sobre a função endotelial, especialmente as estatinas. Eles são tão eficazes na redução da taxa de eventos cardiovasculares que seria antiético interrompê-los, mesmo que temporariamente. Eles poderiam ter a disfunção endotelial atenuada30,31.

Quanto à amostra relativamente pequena, poderia ser uma preocupação porque foi calculada com base na resposta intimal intra-sent esperada pelo IVUS. Mas isso pouco provável, porque a maioria das intervenções endoteliais em coronárias humanas normalmente inclui não mais que uma dúzia de indivíduos, e detectam com sucesso diferenças entre os grupos de estudo32,33.

Conclusões

O estado da função endotelial não foi afetado pelo implante de stent BMS. Além disso, mesmo reduzindo significativamente a hiperplasia intimal intra-stent, o sirolimus administrado por via oral não afetou a resposta coronária endotélio-dependente e independente.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflito de interesses pertinentes.

Fontes de Financiamento

O presente estudo foi parcialmente financiado pela CAPES.

Vinculação Acadêmica

Este artigo é parte de tese de Doutorado de Rósley Weber Alvarenga Fernandes pela Universidade Federal de São Paulo.

Artigo recebido em 25/05/11

Revisado recebido em 06/06/11

Aceito em 01/12/11.

Este artigo sofreu alterações por solicitação do editor em Abr/2012 conforme ERRATA publicada abaixo:

No artigo original "Impacto dos Stents e do Sirolimus por Via Oral na Vasomotilidade Coronariana Dependente e Independente do Endotelio" considerar corretas as palavras-chave "Stents, vasos coronarianos, endotélio, sirolimus".

  • 1. Caramori PR, Lima VC, Seidelin PH, Newton GE, Parker JD, Adelman AG. Long-term endothelial dysfunction after coronary artery stenting. J Am Coll Cardiol. 1999;34(6):1675-9.
  • 2. Maier W, Windecker S, Kung A, Lutolf R, Eberli FR, Meier B, et al. Exercise-induced coronary artery vasodilation is not impaired by stent placement. Circulation. 2002;105(20):2373-7.
  • 3. Togni M, Windecker S, Cocchia R, Wenaweser P, Cook S, Billinger M, et al. Sirolimus-eluting stents associated with paradoxic coronary vasoconstriction. J Am Coll Cardiol. 2005;46(2):231-6.
  • 4. Hofma SH, van der Giessen WJ, van Dalen BM, Lemos PA, McFadden EP, Sianos G, et al. Indication of long-term endothelial dysfunction after sirolimus-eluting stent implantation. Eur Heart J. 2006;27(2):166-70.
  • 5. Fuke S, Maekawa K, Kawamoto K, Saito H, Sato T, Hioka T, et al. Impaired endothelial vasomotor function after sirolimus-eluting stent implantation. Circ J. 2007;71(2):220-5.
  • 6. Obata JE, Kitta Y, Takano H, Kodama Y, Nakamura T, Mende A, et al. Sirolimus-eluting stent implantation aggravates endothelial vasomotor dysfunction in the infarct-related coronary artery in patients with acute myocardial infarction. J Am Coll Cardiol. 2007;50(14):1305-9.
  • 7. Virmani R, Guagliumi G, Farb A, Musumeci G, Grieco N, Motta T, et al. Localized hypersensitivity and late coronary thrombosis secondary to a sirolimus-eluting stent: should we be cautious? Circulation. 2004;109(6):701-5.
  • 8. Joner MJ, Finn AV, Farb A, Mont EK, Kolodgie FD, Ladich E, et al. Pathology of drug-eluting stents in humans. J Am Coll Cardiol. 2006;48(1):193-202.
  • 9. Finn AV, Nakazawa G, Joner M, Kolodgie FD, Mont EK, Gold HK, et al. Vascular responses to drug-eluting stents importance of delayed healing. Arterioscler Thromb Vasc Biol. 2007;27(7):1500-10.
  • 10. Hamilos M, Sarma J, Ostojic M, Cuisset T, Sarno G, Melikian N, et al. Interference of drug-eluting stents with endothelium-dependent coronary vasomotion: evidence for device-soecific responses. Circ Cardiovasc Intervent. 2008;1(3):193-200.
  • 11. Pendyala LK, Yin X, Li J, Chen JP, Chronos N, Hou D. The first-generation drug-eluting stents and coronary endothelial dysfunction. JACC Cardiovasc Interv. 2009;2(12):1169-77.
  • 12. Joner M, Nakazawa G, Finn AV, Quee SC, Comeman L, Acampado E, et al. Endothelial cell recovery between comparator polymer-based drug-eluting stents. J Am Coll Cardiol. 2008;52(5):333-42.
  • 13. Barber U, Mehran R, Sharma SK, Brar S, Yu J, Suh JW, et al. Impact of the everolimus-eluting stent on stent thrombosis: a meta-analysis of 13 randomized trials. J Am Coll Cardiol. 2011;58(15):1569-77.
  • 14. Ahmed TAN, Bergheanu SC, Stijnen T, Plevier JWM, Quax PHA, Jukema W. Clinical performance of drug-eluting stents with biodegradable polymeric coating: a meta-analysis and systematic review. Eurointervention. 2011;7(4):505-16.
  • 15. Granillo-Rodrigues A, Rubilar B, Granillo-Rodriguez G, Rodriguez AE. Advantages and disadvantages of biodegradable platforms in drug-eluting stents. World J Cardiol. 2011;3(3):84-92.
  • 16. Tada N, Virmani R, Grant G, Barlett L, Black A, Clavijo C, et al. Polymer-free biolimus A9-coated stent demonstrates more sustained intimal inhibition, improved healing, and reduced inflammation compared with a polymer-coated sirolimus-eluting cypher stent in a porcine model. Circ Cardiovasc Interv, 2010;3(2):174-83.
  • 17. Smith SC Jr, Feldman TE, Hirshfeld JW Jr, Jacobs AK, Kern MJ, King SB 3rd, et al. ACC/AHA/SCAI 2005 guideline update for percutaneous coronary intervention: a report of the American College of Cardiology/American Heart Association Task Force on Practice Guidelines (ACC/AHA/SCAI Writing Committee to Update the 2001 Guidelines for Percutaneous Coronary Intervention). J Am Coll Cardiol. 2006;47(1):e1-121.
  • 18. Mintz GS, Nissen SE, Anderson WD, Bailey SR, Erbel R, Fitzgerald PJ, et al. American College of Cardiology Clinical Expert Consensus Document on Standards for Acquisition, Measurement and Reporting of Intravascular Ultrasound Studies (IVUS). A report of the American College of Cardiology Task Force on Clinical Expert Consensus Documents. J Am Coll Cardiol. 2001;37(5):1478-92.
  • 19. Schoenhagen P, Sapp SK, Tuzcu EM, Magyar WA, Popovich J, Boumitri M, et al. Variability of area measurements obtained with different intravascular ultrasound catheter systems: Impact on clinical trials and a method for accurate calibration. J Am Soc Echocardiogr. 2003;16(3):277-84.
  • 20. Monnink SH, Tio RA, Veeger NJ, Amoroso G, van Boven AJ, van Gilst WH. Exercise-induced ischemia after successful percutaneous coronary intervention is related to distal coronary endothelial dysfunction. J Investig Med. 2003;51(4):221-6.
  • 21. Gordon JB, Ganz P, Nabel EG, Fish RD, Zebede J, Mudge GH, et al. Atherosclerosis influences the vasomotor response of epicardial coronary arteries to exercise. J Clin Invest. 1989;83(6):1946-52.
  • 22. Mintz GS, Painter JA, Pichard AD, Kent KM, Satler LF, Popma JJ, et al. Atherosclerosis in angiographically "normal" coronary artery reference segments: an intravascular ultrasound study with clinical correlations. J Am Coll Cardiol. 1995;25(7):1479-85.
  • 23. Nishimura RA, Lerman A, Chesebro JH, Ilstrup DM, Hodge DO, Higano ST, et al. Epicardial vasomotor responses to acetylcholine are not predicted by coronary atherosclerosis as assessed by intracoronary ultrasound. J Am Coll Cardiol. 1995;26(1):41-9.
  • 24. Hamasaki S, Tei C. Effect of coronary endothelial function on outcomes in patients undergoing percutaneous cornary intervention. J Cardiol. 2011;57(3):213-38.
  • 25. Hausleiter J, Kastrati A, Mehilli J, Vogeser M, Zohlnhofer D, Schuhlen H, et al. Randomized, double-blind, placebo-controlled trial of oral sirolimus for restenosis prevention in patients with in-stent restenosis: the Oral Sirolimus to Inhibit Recurrent In-stent Stenosis (OSIRIS) trial. Circulation. 2004;110(7):790-5.
  • 26. Rodriguez AE, Rodriguez Alemparte M, Vigo CF, Fernandez Pereira C, Llaurado C, et al. Role of oral rapamycin to prevent restenosis in patients with de novo lesions undergoing coronary stenting: results of the Argentina single centre study (ORAR trial). Heart. 2005;91(11):1433-7.
  • 27. Jung JH, Min PK, Kim JY, Park S, Choi EY, Ko YG, et al. Systemic immunosuppressive therapy inhibits in-stent restenosis in patients with renal allograft. Catheter Cardiovasc Interv. 2006;68(4):567-73.
  • 28. Arruda JA, Costa MA, Brito FS Jr, Tedesco H, Barbosa AH, Ribeiro EP, et al. Effect of systemic immunosuppression on coronary in-stent intimal hyperplasia in renal transplant patients. Am J Cardiol. 2003;91(11):1363-5.
  • 29. Brito FS Jr, Rosa WC, Arruda JA, Tedesco H, Pestana JO, Lima VC. Efficacy and safety of oral sirolimus to inhibit in-stent intimal hyperplasia. Catheter Cardiovasc Interv. 2005;64(4):413-8.
  • 30. Pasceri V, Patti G, Nusca A, Pristipino C, Richichi G, Di Sciascio G, ARMYDA Investigators. Randomized trial of atorvastatin for reduction of myocardial damage during coronary intervention: results from the ARMYDA (Atorvastatin for Reduction of MYocardial Damage during Angioplasty) study. Circulation. 2004;110(6):674-8.
  • 31. Mood GR, Bavry AA, Roukoz H, Bhatt DL. Meta-analysis of the role of statin therapy in reducing myocardial infarction following elective percutaneous coronary intervention. Am J Cardiol. 2007;100(6):919-23.
  • 32. Anderson TJ, Meredith IT, Yeung AC, Frei B, Selwyn AP, Ganz P. The effect of cholesterol-lowering and antioxidant therapy on endothelium-dependent coronary vasomotion. N Engl J Med. 1995;332(8):488-93.
  • 33. Mancini GB, Henry GC, Macaya C, O'Neill BJ, Pucillo AL, Carere RG, et al. Angiotensin-converting enzyme inhibition with quinapril improves endothelial vasomotor dysfunction in patients with coronary artery disease: the TREND (Trial on Reversing ENdothelial Dysfunction) study. Circulation. 1996;94(3):258-65.
  • Correspondência:
    Rósley Weber Alvarenga Fernandes
    Rua Dr. Nogueira Martins, 282 / 142 - Saúde
    04143-020 - São Paulo, SP - Brasil
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      08 Mar 2012
    • Data do Fascículo
      Abr 2012

    Histórico

    • Recebido
      25 Maio 2011
    • Aceito
      01 Dez 2011
    • Revisado
      06 Jun 2011
    Sociedade Brasileira de Cardiologia - SBC Avenida Marechal Câmara, 160, sala: 330, Centro, CEP: 20020-907, (21) 3478-2700 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil, Fax: +55 21 3478-2770 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: revista@cardiol.br