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Arterite de Takayasu: estenose pós implante de stent convencional e farmacológico

RELATO DE CASO

Arterite de Takayasu: estenose pós implante de stent convencional e farmacológico

Alexandre de Matos SoeiroII; Ana Luiza PintoII; Bruna Bernardes HenaresII; Henrique Barbosa RibeiroI; Felipe Gallego LimaI; Carlos Vicente Serrano JrI

IUnidade Clínica de Coronariopatia Aguda (UCCA) - Instituto do Coração (InCor) - HCFMUSP

IIUnidade Clínica de Emergência - Instituto do Coração (InCor) - HCFMUSP, São Paulo, SP - Brasil

Correspondência Correspondência: Alexandre de Matos Soeiro Rua Maranhão, 680 / 81 - Santa Paula CEP 09530-440 - São Caetano do Sul, SP, Brasil E-mail: alexandre.soeiro@bol.com.br

Palavras-chave: Arterite de Takayasu, Stents; Stents Farmacológicos, Revascularização Miocárdica.

Introdução

Arterite de Takayasu (AT) é uma arterite inflamatória crônica de etiologia desconhecida que acomete grandes vasos, principalmente aorta e seus principais ramos, vasos pulmonares e coronárias1. Devido à raridade dos casos a monitoração da atividade da doença e o melhor esquema terapêutico ainda têm sido um desafio para todos os que tratam esses pacientes. Especificamente em casos de síndromes coronárias agudas (SCA), a melhor forma de tratamento intervencionista mantém-se indefinido. Algumas séries de casos apresentam sua experiência com angioplastia coronária (ATC) e/ou cirurgia de revascularização miocárdica (CRM), porém com pouca consistência1. Nesse contexto, o relato da evolução de uma mesma paciente submetida a implante de stent coronário convencional e, posteriormente, farmacológico de forma consecutiva, associado à estenose coronária intrastent nos dois procedimentos na ausência de inflamação, com subsequente realização de CRM, é único e reforça a dificuldade de manejo de SCA nessa doença.

Relato do Caso

Trata-se de paciente de 33 anos, sexo feminino, branca, natural e procedente da cidade de São Paulo, com diagnóstico prévio de AT, que compareceu ao serviço de emergência com queixa de dor precordial em aperto de moderada intensidade, irradiada para membro superior esquerdo, ao repouso, associada à dispneia leve e sudorese há um dia. Referia quadro prévio de angina instável há doze meses quando foi colocado stent convencional 5,0 x 12,0 mm em tronco de coronária esquerda e, novamente há seis meses, quando, devido à reestenose intrastent (Figura 1), foi realizada nova ATC com stent farmacológico 3,5 x 18 mm de tipo Cypher (recoberto com sirolimus) no mesmo segmento coronariano. Após o procedimento, foi realizado ultrassonografia intracoronária que evidenciou boa aposição e expansão do stent e área luminal mínima de 11,6 mm2. Negava demais comorbidades e fatores de risco. Fazia uso crônico de metrotexate 25 mg/semana, prednisona 10 mg/dia, clopidogrel 75 mg/dia, AAS 100 mg/dia, atenolol 100 mg/dia e ranitidina 300 mg/dia.


Ao exame físico da admissão, encontrava-se em bom estado geral, eupneica (frequência respiratória = 16 incursões por minuto), com frequência cardíaca de 70 batimentos por minutos, saturação arterial periférica de oxigênio de 96%, pressão arterial de 118 x 56 mmHg em membro superior direito e 130 x 60 mmHg em membro superior esquerdo, ictus não visível e palpável com uma polpa digital no quarto espaço intercostal normoposicionado sob a linha hemiclavicular esquerda, presença de bulhas rítmicas com sopro sistólico ejetivo +2/+6 em foco aórtico e murmúrios vesiculares presentes bilateralmente à ausculta pulmonar sem ruídos adventícios. Ausência de frêmitos à palpação cardíaca. Pulsos encontravam-se presentes bilateralmente, amplos e simétricos. Estase jugular ausente bilateralmente a 45 graus. Nesse momento foi feito diagnóstico de SCA.

Eletrocardiograma solicitado mostrou ritmo sinusal sem alterações isquêmicas agudas. Radiografia de tórax sem alterações evidentes em campos pulmonares e área cardíaca com tamanho normal. Ecocardiograma transtorácico mostrou átrio esquerdo de 38 mm, fração de ejeção de ventrículo esquerdo de 62% sem disfunção segmentar, sem demais alterações. Angiotomografia mostrou estenose carotídea bilateral maior que 50% e ausência de estenose subclávia. Exames laboratoriais evidenciaram proteína-C reativa de 2,34 mg/L, velocidade de hemossedimentação de 16 mm e marcadores de necrose miocárdica (CKMB e troponina) negativos. Optou-se por realização de coronariografia (Figura 2) que mostrou reestenose intrastent com obstrução de 90% em tronco de coronária esquerda, sendo optado por realização de CRM.


A paciente foi submetida à realização de CRM com circulação extracorpórea e implante artéria torácica interna esquerda in situ em artéria descente anterior e ponte de veia safena em artéria diagonalis. Após oito dias, a paciente recebeu alta hospitalar assintomática, em uso de prednisona 10 mg/dia, micofenolato mofetila 1500 mg/dia, cloroquina 250 mg/dia, atenolol 50 mg/dia, sinvastatina 20 mg/dia, AAS 100 mg/dia e ranitidina 300 mg/dia.

Após seis meses de seguimento, a paciente encontrava-se assintomática. Nessa ocasião, optou-se por realização de angiotomografia de artéria coronárias para visualização dos enxertos, sendo observada patência dos mesmos, sem novos pontos de oclusão arterial.

Discussão

O diagnóstico de AT foi realizado baseado nos critérios do American College of Rheumatology de 1990 e, portanto, estabelecido através da presença de idade menor de 40 anos, diferença de pressão arterial maior que 10 mmHg entre membros, sopro aórtico e anormalidade no arteriograma1.

A AT acomete principalmente mulheres (90% dos casos) com idade entre 10 e 40 anos. Na literatura, é descrita a presença de alguma forma de doença coronária em 6% a 30% dos pacientes com AT1-4. Sua patogênese ainda não está completamente elucidada, sendo atualmente considerada resultado da inflamação autoimune crônica em grandes artérias, além de estarem associados outros fatores envolvidos, como agentes infecciosos e predisposição genética. O desenvolvimento da doença parece ocorrer em duas fases: um primeiro período em que há elevação dos marcadores inflamatórios, seguido por uma fase crônica com o desenvolvimento de insuficiência vascular3.

Não se sabe com exatidão o momento de ocorrência de lesões coronarianas. A maior parte dos estudos afirma que há correlação entre quadros de SCA e elevação de marcadores inflamatórios com proteína-C reativa e/ou velocidade de hemossedimentação1. No entanto, da mesma maneira que no caso apresentado, alguns relatos de caso referem não haver relação direta entre inflamação ativa e o sintoma coronariano5.

A agressão pela doença pode ocorrer desde angina estável a infarto agudo do miocárdio, devendo ser rapidamente reconhecida para estabelecimento de adequada imunossupressão junto à terapêutica cardiológica específica, podendo alterar o prognóstico4. As descrições de casos na literatura científica são poucas, porém a isquemia miocárdica é uma das principais causas de morte pela doença, com mortalidade podendo chegar a 50% em até cinco anos de seguimento3.

Assim como relatado no caso, o acometimento de óstios das artérias coronárias direita e esquerda são os achados mais comuns, encontrados em 87,5% dos casos de AT com comprometimento coronário. Nesses casos, a obstrução luminal é causada pela extensão da proliferação intimal e contração fibrótica das camadas média e adventícia da aorta ascendente. No entanto, lesões coronárias podem também ocorrer em segmentos mais distais, uma vez que a inflamação crônica da AT pode contribuir com o desenvolvimento de aterosclerose precoce4. O diagnóstico geralmente é realizado pelo quadro clínico associado à coronariografia, porém estudos recentes têm demonstrado excelente acurácia com a angiotomografia coronária em casos de AT4.

O implante de stent convencional em pacientes com AT pode levar à reestenose em até 78% das vezes, assim como no caso descrito. As descrições de uso de stents farmacológicos nesse grupo de doentes são raras, no entanto, os resultados apresentados também demonstram elevados índices de reestenose nos seguimentos a curto e longo prazo, questionando a segurança de seu uso em pacientes com AT. Alguns autores sugerem que esse tipo de stent poderia ser usado apenas como ponte até que se alcance uma melhor imunossupressão do doente e seja efetuada a CRM em momento adequado2,4,6,7.

Yokota e cols.4 relataram um caso de uma mulher de 52 anos de idade submetida a quatro angioplastias coronárias de artéria descendente anterior, sendo a primeira com stent convencional e as outras três com stent farmacológico. Observou-se reestenose por três vezes, sendo que somente na última tentativa a paciente evoluiu sem novas obstruções. Segundo os autores, neste último procedimento, a associação de doses mais altas de corticoide pode ter sido responsável pela patência do vaso4,8. Porém, no caso relatado, mostramos a ocorrência de reestenose intrastent mesmo com a presença de atividade inflamatória discreta, ratificando a controvérsia sobre o implante de stents farmacológicos nesses pacientes.

Em relação à CRM, o método de revascularização ideal ainda não foi estabelecido. A presença de lesão ostial com comprometimento da aorta e possível acometimento de artérias subclávias torna a decisão complexa. Em contraste com a maioria das CRM's realizadas, em pacientes com AT o principal enxerto utilizado é a veia safena, exceto quando há muita calcificação na aorta. A sobrevida relatada com esse tipo de implante anastomosado à artéria descendente anterior chega a 80% em 10 anos, com sobrevida livre de eventos de 77%. O uso da artéria torácica interna in situ não é proibitivo, mas deve ser evitado e, quando realizado, deve-se avaliar a patência das artérias subclávias com exames de imagem antes da CRM1,9. No caso descrito, apesar do uso da artéria torácica interna esquerda in situ, a paciente evoluiu sem sintomas e com patência adequada do enxerto após seis meses de seguimento.

Conclusão

O presente caso mostra que em pacientes com AT com quadro de SCA, o rápido diagnóstico e o tratamento precoce podem contribuir enormemente para a mudança do prognóstico. A dosagem de marcadores inflamatórios pode não ter correlação direta com o quadro de SCA, sendo ostial a maioria das lesões coronarianas, o que impõe maior risco ao paciente. Apesar de controversa devido à falta de estudos, neste paciente a realização de ATC com stent convencional e farmacológico mostrou-se ineficaz e seguiu-se de reestenose no período de seis meses na ausência de inflamação significativa. Mesmo sendo pouco relatada na literatura, a CRM com enxerto derivado de artéria torácica interna in situ mostrou-se seguro, desde que seja avaliada a patência da artéria subclávia no período pré-operatório e mantida a imunossupressão adequada a longo prazo.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflito de interesses pertinentes.

Fontes de Financiamento

O presente estudo não teve fontes de financiamento externas.

Vinculação Acadêmica

Não há vinculação deste estudo a programas de pós-graduação.

Artigo recebido em 02/05/12; revisado em 12/08/12; aceito em 26/09/12.

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  • Correspondência:

    Alexandre de Matos Soeiro
    Rua Maranhão, 680 / 81 - Santa Paula
    CEP 09530-440 - São Caetano do Sul, SP, Brasil
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      29 Jan 2013
    • Data do Fascículo
      Jan 2013
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