Acessibilidade / Reportar erro

Alopecia Universal após Tratamento com Sinvastatina e Ezetimiba: Impactos na Família

Resumo

A alopecia areata (AA) é uma doença autoimune que se desenvolve no couro cabeludo ou em outras partes do corpo. A alopecia universal, que é uma forma rara de alopecia areata, é caracterizada pela perda de pelos que afeta todo o corpo. Nos dois pacientes apresentados, o tratamento com atorvastatina foi iniciado com o diagnóstico de hipercolesterolemia, mas, quando as metas de valores não foram alcançadas, foi iniciado o tratamento com uma combinação de sinvastatina e ezetimiba. Depois de um período de tratamento com sinvastatina e ezetimiba, o distúrbio de AA, o qual começou com a perda de cabelo no couro cabeludo, espalhou pelo corpo todo e se transformou em alopecia universal. Embora as estatinas possam causar alopecia com reações autoimunes, elas geralmente são utilizadas no tratamento da alopecia, por seus efeitos imunomoduladores.

Alopecia; Doença Autoimune; Hipercolesterolemia; Atorvastatina/efeitos adversos; Combinação de Ezetimiba e Sinvastatina/efeitos adversos; Genética

Abstract

Alopecia areata (AA) is an autoimmune disease that grows in the scalp or in other parts of the body. Alopecia universalis, which is a rare form of alopecia areata, is characterized by a loss of hair that affects the entire body. In the two patients presented in this study, atorvastatin treatment was implemented, with the diagnosis of hypercholesterolemia; however, when the target values were not reached, a combination of simvastatin and ezetimibe was implemented. After a period of simvastatin/ezetimibe treatment, the AA disorder, which began with hair loss on the scalp, spread to the entire body and turned into Alopecia Universalis. Although statins can cause alopecia with autoimmune reactions, they are generally used in the treatment of alopecia due to their immunomodulatory effects.

Alopecia; Autoimmune Diseases; Hypercholesterolemia; Atorvastatin/adverse effects; Ezetimibe, Simvastatin Drug Combination/adverse effects; Genetic

Caso 1

Uma paciente de 69 anos foi acompanhada em nossa clínica com o diagnóstico de insuficiência cardíaca e doença arterial coronariana. A paciente tinha histórico de hipercolesterolemia. Seu escore Ductch (escore clínico por hipercolesterolemia familiar, com um diagnóstico definitivo > 8 pontos) foi calculado como 12 pontos. Os parâmetros lipídeos obtidos em nossa clínica foram: colesterol total de 380 mg/dl, lipoproteína de baixa densidade (LDL) de 299 mg/dl, lipoproteína de alta densidade (HDL) de 62 mg/dl, e triglicérides 93 mg/dl. No histórico médico da paciente, descobriu-se que a paciente havia usado comprimidos de atorvastatina de 40 mg (Lipitor, Pfizer) por 6 meses, há 5 anos, mas o tratamento foi alterado por uma combinação de sinvastatina de 40 mg e ezetimiba de 10 mg (Inegy 10/40, Merck, Sharp & Dohme) porque os valores-alvo não podiam ser alcançados. Isso resultou na queda, primeiramente de cabelo, seguida da queda de sobrancelhas, cílios, e dos pelos axilares e pubianos em 2 meses. A alopecia universal aumentou em aproximadamente 6 meses ( Figura 1 ).

Figura 1
Paciente com alopecia universal, caso 1.

Caso 2

O segundo caso foi do filho de 45 anos de idade da paciente, que também apresentou alopecia universal ( Figura 2 ). Seu escore de Dutch foi calculado em 14 pontos. Os parâmetros lipídeos do paciente foram os seguintes: colesterol total de 382 mg/dl, colesterol LDL de 305 mg/dl, colesterol HDL de 57 mg/dl, e triglicérides 102 mg/dl. Esse paciente foi tratado com comprimidos de atorvastatina de 40 mg (Lipitor, Pfizer) simultaneamente com sua mãe. Quando se identificou que o tratamento não era eficaz após 5 meses, o tratamento usando a combinação de 40 mg de sinvastatina e 10 mg de ezetimiba (Inegy, Merck/Sharp & Dohme) foi iniciado. Da mesma forma, após o início do tratamento, observou-se a queda, primeiramente do cabelo, seguida da queda de sobrancelhas, cílios, e dos pelos axilares e pubianos em 2 meses, e a alopecia universal aumentou em aproximadamente 6 meses ( Figura 2 ). Considerando-se que pode ser uma patologia relacionada a medicamentos, a aplicação de remédios foi interrompida. Entretanto, não se observou remissão. Ambos os casos recusaram o tratamento dermatológico para o tratamento da alopecia.

Figura 2
Paciente com alopecia universal, caso 2.

Discussão

AA é uma forma de alopecia não cicatricial com queda de cabelos em placas no couro cabeludo e queda de pelos em outros locais. Ela pode ocorrer em qualquer idade, e é observada com mais frequência na segunda e na quarta décadas de vida. Geralmente, ela é observada em ambos os sexos com a mesma frequência. A incidência dessa situação que pode ser aceita como relativamente comum é 0,15%. 11. Delamere FM, Sladden MM, Dobbins HM, Leonardi-Bee J. Interventions for alopecia areata. Cochrane Database Syst Rev.2008;2:CD004413. doi:10.1002/14651858CD004413.pub2. Embora a patogênese da doença ainda não seja totalmente conhecida, ela é uma doença autoimune e, além dos fatores genéticos, os fatores ambientais, tais como infecção e stress psicológico, também desempenham um papel importante na evolução da doença. A incidência familiar de 10%–20% corrobora a ativação genética da doença, o qual aumenta para 50% em gêmeos monozigóticos. 22. Goh C, Finkel M, Christos PJ, Sinha AA. Profile of 513 patients with alopecia areata: associations of disease subtypes with atopy, autoimmune disease and positive family history. J Eur Acad Dermatol Venereol.2006;20(9):1055-60. DOI: 10.1111/j.1468-3083.2006.01676.x Entretanto, a alopecia universal é uma forma rara de AA, que é definida como a queda de cabelos e de pelos corporais. Ela constitui 7%–30% de todos os casos de AA. 33. Hunt N, McHale S. The psychological impact of alopecia. BMJ. 2005;331(7522):951–3. doi: 10.1136/bmj.331.7522.951.

As estatinas são os principais agentes terapêuticos para o tratamento da hipercolesterolemia. Efeitos além daqueles pretendidos durante a evolução de um agente são chamados de efeitos pleiotrópicos. A redução de isoprenóides circulantes e a inativação de proteínas sinalizadoras resulta em efeitos pleiotrópicos de estatinas, tais como, efeitos anti-inflamatórios, antioxidantes, antiproliferativos e imunomoduladores, estabilidade de placa e inibição da agregação de plaquetas. 44. Kavalipati N, Shah J, Ramakrishan A, Vasnawala H. Pleiotropic effects of statins. Indian J Endocrinol Metab. 2015;19(5):554-62. doi:10.4103/2230-8210.163106. As estatinas executam seus efeitos imunomoduladores que são pleiotrópicos, via moléculas de MHC-II, e células T auxiliar 1 e T auxiliar 2. 55. Chao-Yung Wang, Ping-Yen Liu, James K. Pleiotropic effects of statin therapy: molecular mechanisms and clinical results. Liao Trends Mol Med. 2008;14(1):37-44. DOI: 10.1016/j.molmed.2007.11.004 Também é sabido que as células T auxiliar 1 e T auxiliar 2 têm funções específicas na AA. 66. Barahmani N, Lopez A, Babu D, Hernandez M, Donley SE, Duvic M. Serum T helper 1 cytokine levels are greater in patients with alopecia areata regardless of severity or atopy. Clin Exp Dermatol.2010;35(4):409-16. Doi:10.1111/j.1365-2230.2009.03523. Uma reação autoimune que desencadeia um mecanismo de estatinas pode causar a liberação de autoantígenos por apoptose e, portanto, uma resposta de autoanticorpos. Entretanto, ela desencadeia a ativação dos linfócitos T causando uma mudança no teor de colesterol da estrutura lipídica da membrana. O resultado é a reação da célula T auxiliar 2 que leva à produção de autoanticorpos por células B. 77. Panizzon RG. Lupus-like syndrome associated with statin therapy. Dermatology. 2004; 208(3):276-7. DOI: 10.1159/000077320 , 88. Noel B. Lupus erythematosus and other autoimmune diseases related to statin therapy: a systematic review. J Eur Acad Dermatol Venereol.2007;21(1):17-24. DOI: 10.1111/j.1468-3083.2006.01838.x Na literatura, há casos em que a sinvastatina foi usada no tratamento da alopecia devido a seus efeitos imunomoduladores. 99. Morillo-Hernandez C, Lee JJ, English JC 3rd. Retrospective outcome analysis of 25 alopecia areata patients treated with simvastatin/ezetimibe.. J Am Acad Dermatol. 2019 Sep;81(3):854-7. DOI: 10.1016/j.jaad.2019.04.047 Além disso, sabe-se que as estatinas causam lesão hepática, como miopatia autoimune e hepatite autoimune. 1010. Nazir S, Lohani S, Tachamo N, Poudel D, Donato A. Statin-Associated Autoimmune Myopathy: A Systematic Review of 100 Cases. J Clin Rheumatol. 2017Apr;23(3):149-54.DOI: 10.1097/RHU.0000000000000497
https://doi.org/10.1097/RHU.000000000000...
, 1111. Russo MW, Scobey M, Bonkovsky HL. Drug-induced liver injury associated with statins. Semin Liver Dis. 2009 Nov;29(4):412-22. DOI: 10.1055/s-0029-1240010 Embora a queda de cabelo tenha sido relatada entre os efeitos colaterais incomuns das estatinas nas bulas, há um caso em que queda de cabelo relacionada a atorvastatina foi relatada na literatura. 1212. Segal AS. Alopecia associated with atorvastatin. Am J Med. 2002 Aug 1;113(2):171. doi: 10.1016/s0002-9343(02)01135-x. Ezetimiba diminui a absorção do colesterol obtido pela dieta. Nenhum caso de alopecia causado pela monoterapia com ezetimiba foi relatado. Além disso, foi relatado um caso de hepatite autoimune relacionada à combinação de ezetimiba e sinvastatina. Entretanto, só é possível especular se o fator que causou isso estava relacionado à estatina ou ao ezetimiba. 1313. LiverTox: Clinical and Research Information on Drug-Induced Liver Injury [Internet]. Bethesda (MD): National Institute of Diabetes and Digestive and Kidney Diseases; 2012. PMID: 31643176 Bookshelf ID:NBK547852 Embora estatina, ezetimiba e sua combinação sejam usados no tratamento da alopecia devido a seus efeitos imunomoduladores, ironicamente, em nossos casos, acredita-se que a combinação foi temporariamente associada ao início da alopecia em ambos os casos, e pode ter contribuído para a doença. Além disso, observa-se que fatores genéticos têm um grande papel nos casos em que o mesmo medicamento causa a alopecia e se torna o tratamento para ela.

Referências

  • 1
    Delamere FM, Sladden MM, Dobbins HM, Leonardi-Bee J. Interventions for alopecia areata. Cochrane Database Syst Rev.2008;2:CD004413. doi:10.1002/14651858CD004413.pub2.
  • 2
    Goh C, Finkel M, Christos PJ, Sinha AA. Profile of 513 patients with alopecia areata: associations of disease subtypes with atopy, autoimmune disease and positive family history. J Eur Acad Dermatol Venereol.2006;20(9):1055-60. DOI: 10.1111/j.1468-3083.2006.01676.x
  • 3
    Hunt N, McHale S. The psychological impact of alopecia. BMJ. 2005;331(7522):951–3. doi: 10.1136/bmj.331.7522.951.
  • 4
    Kavalipati N, Shah J, Ramakrishan A, Vasnawala H. Pleiotropic effects of statins. Indian J Endocrinol Metab. 2015;19(5):554-62. doi:10.4103/2230-8210.163106.
  • 5
    Chao-Yung Wang, Ping-Yen Liu, James K. Pleiotropic effects of statin therapy: molecular mechanisms and clinical results. Liao Trends Mol Med. 2008;14(1):37-44. DOI: 10.1016/j.molmed.2007.11.004
  • 6
    Barahmani N, Lopez A, Babu D, Hernandez M, Donley SE, Duvic M. Serum T helper 1 cytokine levels are greater in patients with alopecia areata regardless of severity or atopy. Clin Exp Dermatol.2010;35(4):409-16. Doi:10.1111/j.1365-2230.2009.03523.
  • 7
    Panizzon RG. Lupus-like syndrome associated with statin therapy. Dermatology. 2004; 208(3):276-7. DOI: 10.1159/000077320
  • 8
    Noel B. Lupus erythematosus and other autoimmune diseases related to statin therapy: a systematic review. J Eur Acad Dermatol Venereol.2007;21(1):17-24. DOI: 10.1111/j.1468-3083.2006.01838.x
  • 9
    Morillo-Hernandez C, Lee JJ, English JC 3rd. Retrospective outcome analysis of 25 alopecia areata patients treated with simvastatin/ezetimibe.. J Am Acad Dermatol. 2019 Sep;81(3):854-7. DOI: 10.1016/j.jaad.2019.04.047
  • 10
    Nazir S, Lohani S, Tachamo N, Poudel D, Donato A. Statin-Associated Autoimmune Myopathy: A Systematic Review of 100 Cases. J Clin Rheumatol. 2017Apr;23(3):149-54.DOI: 10.1097/RHU.0000000000000497
    » https://doi.org/10.1097/RHU.0000000000000497
  • 11
    Russo MW, Scobey M, Bonkovsky HL. Drug-induced liver injury associated with statins. Semin Liver Dis. 2009 Nov;29(4):412-22. DOI: 10.1055/s-0029-1240010
  • 12
    Segal AS. Alopecia associated with atorvastatin. Am J Med. 2002 Aug 1;113(2):171. doi: 10.1016/s0002-9343(02)01135-x.
  • 13
    LiverTox: Clinical and Research Information on Drug-Induced Liver Injury [Internet]. Bethesda (MD): National Institute of Diabetes and Digestive and Kidney Diseases; 2012. PMID: 31643176 Bookshelf ID:NBK547852
  • Vinculação acadêmica
    Não há vinculação deste estudo a programas de pós-graduação.
  • Aprovação ética e consentimento informado
    Este artigo não contém estudos com humanos ou animais realizados por nenhum dos autores.
  • Fontes de financiamento: O presente estudo não teve fontes de financiamento externas.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Out 2022
  • Data do Fascículo
    Out 2022

Histórico

  • Recebido
    30 Nov 2021
  • Revisado
    13 Maio 2022
  • Aceito
    15 Jun 2022
Sociedade Brasileira de Cardiologia - SBC Avenida Marechal Câmara, 160, sala: 330, Centro, CEP: 20020-907, (21) 3478-2700 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil, Fax: +55 21 3478-2770 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revista@cardiol.br