Acessibilidade / Reportar erro

Fármacos Podem Influenciar na Prescrição de Exercícios na Cardiopatia ChagásicaCarta-resposta

Exercício; Cardiomiopatia Chagásica; Frequência Cardíaca/efeitos de drogas

Prezado editor,

O estudo de Nascimento e cols.1Nascimento BR, Lima MM, Nunes M do C, de Alencar MC, Costa HS, Pinto Filho MM. Efeitos do treinamento físico sobre a variabilidade da frequência cardíaca na cardiopatia chagásica. Arq Bras Cardiol. 2014;103(3):201-8. apresenta informações sobre os efeitos do treinamento físico e a Variabilidade da Frequência Cardíaca (VFC) em indivíduos com cardiopatia chagásica. As alterações na VFC não foram encontradas após intervenção com exercícios físicos, porém o grupo intervenção apresentou melhora da capacidade funcional ao final de 12 semanas do estudo.

Alterações no sistema nervoso autônomo são observadas na cardiopatia chagásica e, embora o treinamento físico possa melhorar a VFC em outras formas de insuficiência cardíaca, evidências sugerem que na cardiopatia chagásica não2Chiu KM, Chan HL, Chu SH, Lin TY. Carvedilol can restore the multifractal properties of heart beat dynamics in patients with advanced congestive heart failure. Auton Neurosci. 2007;132(1-2):76-80., corroborando achados de Nascimento e cols.1Nascimento BR, Lima MM, Nunes M do C, de Alencar MC, Costa HS, Pinto Filho MM. Efeitos do treinamento físico sobre a variabilidade da frequência cardíaca na cardiopatia chagásica. Arq Bras Cardiol. 2014;103(3):201-8.. No entanto, além de serem relativamente escassos os estudos sobre o tema, o que limita maiores conclusões, questões relativas à prescrição do treinamento no presente estudo necessitam ser melhor esclarecidas. Apesar de o protocolo ter sido estabelecido por meio de publicação prévia de ensaio clínico randomizado sobre o tema3Zhang Y, de Peuter OR, Kamphuisen PW, Karemaker JM. Search for HRV-parameters that detect a sympathetic shift in heart failure patients on beta-blocker treatment. Front Physiol. 2013;4:81., a falta de descrição sobre o uso de fármacos pelos pacientes do estudo, como betabloqueadores, que impactam no cronotropismo, reduzindo a frequência cardíaca, poderia ter alterado os resultados do estudo. Assim, fórmulas que estimam a intensidade do treinamento, como a usada no citado estudo, passam a ser limitadas na presença de fármacos com interação cronotrópica.

Além disso, a não utilização de exame ergoespirométrico na prescrição do exercício pode ter comprometido o estabelecimento real da intensidade do treinamento. Nesse contexto, é sabido que intensidades diferentes geram adaptações diferentes no sistema, que, por sua vez, podem ter influenciado diferentes adaptações autonômicas após o periodo de intervenção.

Esses fatores poderiam ter influenciado a intervenção no ensaio clínico de Nascimento e cols.1Nascimento BR, Lima MM, Nunes M do C, de Alencar MC, Costa HS, Pinto Filho MM. Efeitos do treinamento físico sobre a variabilidade da frequência cardíaca na cardiopatia chagásica. Arq Bras Cardiol. 2014;103(3):201-8. e impactado no desfecho aferido. Dessa forma, novos estudos são necessários para melhor investigar tais questões, com maior controle das variáveis, visando conhecer as adaptações autonômicas, em melhor padronização da prescrição/acompanhamento do treinamento físico em grupo de indivíduos com cardiopatia chagásica, a fim de ter, quem sabe, dados alvissareiros.

Agradecemos aos autores pelos comentários e pelas relevantes questões levantadas sobre nosso artigo Efeitos do Treinamento Físico Sobre a Variabilidade da Frequência Cardíaca na Cardiopatia Chagásica1Nascimento BR, Lima MM, Nunes M do C, de Alencar MC, Costa HS, Pinto Filho MM. Efeitos do treinamento físico sobre a variabilidade da frequência cardíaca na cardiopatia chagásica. Arq Bras Cardiol. 2014;103(3):201-8. e gostaríamos de aprofundar nossa discussão, esclarecendo alguns pontos levantados pelos prezados colegas.

Em relação à influência de fármacos com efeito sobre a resposta cronotrópica na avaliação dos índices de Variabilidade da Frequência Cardíaca (VFC), realmente existem dados na literatura demonstrando os efeitos dos betabloqueadores2Chiu KM, Chan HL, Chu SH, Lin TY. Carvedilol can restore the multifractal properties of heart beat dynamics in patients with advanced congestive heart failure. Auton Neurosci. 2007;132(1-2):76-80.,3Zhang Y, de Peuter OR, Kamphuisen PW, Karemaker JM. Search for HRV-parameters that detect a sympathetic shift in heart failure patients on beta-blocker treatment. Front Physiol. 2013;4:81. e da amiodarona4Malik M, Camm AJ, Janse MJ, Julian DG, Frangin GA, Schwartz PJ. Depressed heart rate variability identifies postinfarction patients who might benefit from prophylactic treatment with amiodarone: a substudy of EMIAT (The European Myocardial Infarct Amiodarone Trial). J Am Coll Cardiol. 2000;35(5):1263-75.,5Rohde LE, Polanczyk CA, Moraes RS, Ferlin E, Ribeiro JP. Effect of partial arrhythmia suppression with amiodarone on heart rate variability of patients with congestive heart failure. Am Heart J. 1998;136(1):31-6. sobre a modulação autonômica, tanto em pacientes com insuficiência cardíaca quanto com outras condições clínicas. Em geral, o uso de tais drogas parece promover melhora dos índices nos domínios do tempo e da frequência, mas dados específicos na cardiopatia chagásica ainda são escassos. Os índices de utilização de betabloqueadores e amiodarona são descritos na seção de resultados do artigo: os primeiros foram prescritos para 22,2% e 21,1% (p = 1,00) dos pacientes nos Grupos Intervenção (GI) e Controle (GC), respectivamente, e a última para 77,8% e 84,2% (p = 0,62). Dessa forma, apesar de definitivamente constituírem um fator de confusão, sua utilização por proporções semelhantes de pacientes entre os grupos possivelmente balanceou os efeitos na análise final. Ademais, por razões éticas, não seria possível a suspensão para realização do estudo, por tempo relativamente prolongado, de fármacos fundamentais no manejo de pacientes com disfunção ventricular esquerda.

A intensidade ideal do treinamento foi calculada por meio da fórmula de Karvonen, conforme descrito. De forma semelhante, também já se demonstrou que os betabloqueadores afetam a estimativa dessa intensidade, que objetiva uma frequência cardíaca entre os limiares aeróbico e anaeróbico6Diaz-Buschmann I, Jaureguizar KV, Calero MJ, Aquino RS. Programming exercise intensity in patients on beta-blocker treatment: the importance of choosing an appropriate method. Eur J Prev Cardiol. 2014;21(12):1474-80.. Nesse contexto, certamente a utilização do exame ergoespirométrico seria ideal e poderia fornecer uma estimativa mais fidedigna sobre a real intensidade do treinamento, padronizando-a entre os pacientes. Essa é uma das limitações do estudo, citada especificamente nessa seção do artigo. Por outro lado, propõe-se que, apesar de a frequência cardíaca não ser o parâmetro ideal para determinação da intensidade de treinamento em pacientes com doença cardiovascular - por estar sujeita a múltiplos fatores de confusão -, a correta padronização e a sistematização das sessões de treinamento, conforme feito em nosso programa supervisionado, podem melhorar a acurácia das fórmulas disponíveis7Hansen D, Stevens A, Eijnde BO, Dendale P. Endurance exercise intensity determination in the rehabilitation of coronary artery disease patients: a critical re-appraisal of current evidence. Sports Med. 2012;42(1):11-30.. Minimiza-se, assim, o impacto da não realização de teste funcional com análise de gases sobre o desfecho avaliado.

Agradecemos os comentários dos autores, que certamente contribuíram para discussões adicionais sobre nosso estudo e levantaram pontos relevantes a serem considerados em investigações subsequentes acerca desse tópico, para que se chegue a conclusões mais definitivas sobre o efeito aparentemente peculiar do treinamento físico sobre a modulação autonômica na cardiopatia chagásica.

Atenciosamente,

Bruno Ramos Nascimento

Marcia Maria Oliveira Lima

Manoel Otávio da Costa Rocha

Antonio Luiz Pinho Ribeiro.

Referências

  • 1
    Nascimento BR, Lima MM, Nunes M do C, de Alencar MC, Costa HS, Pinto Filho MM. Efeitos do treinamento físico sobre a variabilidade da frequência cardíaca na cardiopatia chagásica. Arq Bras Cardiol. 2014;103(3):201-8.
  • 2
    Sousa L, Rocha MO, Britto RR, Lombardi F, Ribeiro AL. Chagas disease alters the relationship between heart rate variability and daily physical activity. Int J Cardiol. 2009;135(2):257-9.
  • 3
    Lima MM, Rocha MO, Nunes MC, Sousa L, Costa HS, Alencar MC, et al. A randomized trial of the effects of exercise training in Chagas cardiomyopathy. Eur J Heart Fail. 2010;12(8):866-73.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Maio 2015

Histórico

  • Recebido
    04 Nov 2014
  • Revisado
    29 Dez 2014
  • Aceito
    29 Dez 2014
Sociedade Brasileira de Cardiologia - SBC Avenida Marechal Câmara, 160, sala: 330, Centro, CEP: 20020-907, (21) 3478-2700 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil, Fax: +55 21 3478-2770 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revista@cardiol.br