Acessibilidade / Reportar erro

Características ecocardiográficas da cardiomiopatia não-compactada: diagnóstico perdido ou errôneo

Resumos

A cardiomiopatia não-compactada é uma doença rara, anatomicamente caracterizada por um padrão trabecular proeminente e recessos intra-trabeculares profundos. Suas manifestações clínicas incluem disfunção ventricular grave arritmias, embolismo sistêmico e morte súbita. Nesse estudo, dois casos de pacientes de idades diferentes com cardiomiopatia não-compactada são descritos: uma criança do sexo masculino em idade escolar, cuja patologia estava associada com estenose mitral e regurgitação e um paciente adulto do sexo feminino, com 50 anos de idade e histórico de hipertensão arterial e insuficiência cardíaca.

Cardiomiopatias; Disfunção Ventricular Esquerda; Arritmias Cardíacas; Embolia; Morte Súbita Cardíaca


Non-compaction cardiomyopathy is a rare disease, anatomically characterized by a prominent trabecular pattern and deep intertrabecular recesses. Its clinical manifestations include severe left ventricular dysfunction, arrhythmias, systemic embolism, and sudden death. In this report, two cases of patients of different ages with non-compaction cardiomyopathy are described: a male schoolboy whose pathology was associated with mitral stenosis and regurgitation and a 50-year-old female with history of high blood pressure and cardiac failure.

Cardiomyopathies; Ventricular Dysfunction; Left; Arrhythmias; Cardiac; Embolism; Death; Sudden; Cardiac


La miocardiopatía no compactada es una enfermedad rara, anatómicamente caracterizada por un patrón trabecular prominente y recesos intertrabeculares profundos. Sus manifestaciones clínicas incluyen disfunção ventricular gravem arritmias, embolismo sistémico y muerte súbita. En este estudio se describen dos casos de pacientes de edades diferentes con miocardiopatía no compactada: un niño de sexo masculino en edad escolar, cuya patología estaba asociada a estenosis mitral y regurgitación, y un paciente adulto del sexo femenino, con 50 años de edad e historia de hipertensión arterial e insuficiencia cardíaca.

Miocardiopatías; disfunción ventricular izquierda; arritmias cardíacas; embolia; muerte súbita cardíaca


RELATO DE CASO

Características ecocardiográficas da cardiomiopatia não-compactada: diagnóstico perdido ou errôneo

Francisco Martínez-Baca LópezI; Rosa Marisol Alonso BravoI; Domingo Arturo Rodríguez HuertaII

IDepartamento de Ecocardiografia, Hospital de Cardiologia, Centro Médico Nacional SXXI, IMSS, México D.F, México

IIDepartamento de Pathologia, Hospital de Cardiologia, Centro Médico Nacional SXXI, IMSS, México D.F, México

Correspondência Correspondência: Francisco Martínez-Baca López Floresta No. 146-2, Colonia Clavería 02080 México, D.F, México E-mail: centro_cardiologico@prodigy.net.mx

RESUMO

A cardiomiopatia não-compactada é uma doença rara, anatomicamente caracterizada por um padrão trabecular proeminente e recessos intra-trabeculares profundos. Suas manifestações clínicas incluem disfunção ventricular grave arritmias, embolismo sistêmico e morte súbita. Nesse estudo, dois casos de pacientes de idades diferentes com cardiomiopatia não-compactada são descritos: uma criança do sexo masculino em idade escolar, cuja patologia estava associada com estenose mitral e regurgitação e um paciente adulto do sexo feminino, com 50 anos de idade e histórico de hipertensão arterial e insuficiência cardíaca.

Palavras-chave: Cardiomiopatias, Disfunção Ventricular Esquerda, Arritmias Cardíacas, Embolia, Morte Súbita Cardíaca.

Introdução

A cardiomiopatia não-compactada é um distúrbio congênito geneticamente heterogêneo, caracterizado por um padrão trabecular proeminente e recessos intra-trabeculares profundos que não estão conectados com a circulação coronariana e são cobertos por uma camada de endocárdio contínua com a parede ventricular, tornando-a suscetível à formação local de trombos1,2. A causa da cardiomiopatia não-compactada parece ser uma anormalidade morfogenética que detém a compactação do miocárdio durante a embriogênese3,4. A prevalência da cardiomiopatia não-compactada em adultos é de 0,0143,5. O objetivo do presente estudo foi analisar as características clínicas e ecocardiográficas da cardiomiopatia não-compactada e sua dificuldade diagnóstica em dois pacientes.

Caso 1

Uma criança do sexo masculino em idade escolar (11 anos) apresentou dispnéia desencadeada por grandes esforços nos 4 anos anteriores. O exame físico revelou sinais vitais estáveis; achados auscultatórios mostraram sopro sistólico III/VI seguido por sopro médio-diastólico de tom baixo; a segunda bulha era normal. O eletrocardiograma mostrava ritmo sinusal com bloqueio do ramo direito. O raio-x de tórax revelou aumento do coração com duplo contorno do grande átrio esquerdo. O ecocardiograma bidimensional foi compatível com cardiomiopatia não-compactada, mostrando um padrão trabecular proeminente no ventrículo esquerdo (Figuras 1A, 1B). A imagem do ecocardiograma com Doppler colorido mostrou os recessos sinusoidais cheios de sangue (Figura 1C) e uma razão endocárdio-epicárdio de 2:1. Estenose mitral com área valvar de 1,6 cm2 e regurgitação tricúspide e leve regurgitação mitral foram observadas (Figura 1D); a pressão sistólica na artéria pulmonar era de 41 mmHg e a fração de ejeção, 71%. Um fato digno de nota neste caso foi a história familiar desse paciente, filho de pais consangüíneos: um irmão morreu subitamente durante os primeiros meses de vida; outro irmão morreu com 16 anos com um diagnóstico de cardiomiopatia dilatada, mas ao revisar sua autópsia, descobrimos que o corte histológico transmural do coração mostrava características compatíveis com cardiomiopatia não-compactada (Figuras 2A, 2B, 2C).



Caso 2

Uma mulher de 50 anos de idade, com histórico familiar de insuficiência cardíaca e morte súbita, apresentando hipertensão por pelo menos 22 anos. Oito anos antes, ela começou a apresentar dispnéia progressiva. Quatro anos antes, ela havia sofrido um acidente vascular cerebral, que resultou em hemiplegia esquerda com total recuperação; nessa época ela recebeu um diagnóstico de cardiomiopatia dilatada. O exame físico revelou sinais vitais normais; ausculta cardíaca revelou sopro de regurgitação tricúspide e mitral II/VI. Em repouso, o ECG de 12 derivações registrou ritmo sinusal com imagem de bloqueio do ramo esquerdo. O raio-x de tórax mostrou campos pulmonares com leve congestão hilar e coração aumentado grau III. O ecocardiograma bidimensional era compatível com cardiomiopatia não-compactada. Observamos um padrão trabecular e profundos recessos sinusoidais no ventrículo esquerdo (VE), hipocinesia generalizada do VE com duas camadas separadas e uma razão endocárdio-epicárdio de 2,5:1. A imagem do Doppler colorido mostrou recessos sinusoidais cheios de sangue; VE dilatado com padrão de enchimento restritivo-congestivo e regurgitação mitral e tricúspide leve. A pressão sistólica da artéria pulmonar era de 44 mmHg, e a fração de ejeção, 20%. A cineangiografia cardíaca revelou artérias coronárias epicárdicas normais; o ventriculograma mostrou hipocinesia global, dilatação ventricular e disfunção ventricular esquerda grave. A biópsia endomiocárdica apical mostrou grande espessamento do endocárdio, fibrose intersticial e degeneração miocítica.

Discussão

A cardiomiopatia não-compactada ventricular esquerda permanece uma cardiopatia não-classificada de acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS)1. É um distúrbio genético causado por mutações nos genes G4.5 e α-distrobrevina, as quais resultam em parada do processo de compactação da rede miocárdica durante a embriogênese endomiocárdica1,3,4. Esta cardiomiopatia é uma doença com recorrência familiar, cujas manifestações clínicas podem aparecer na infância ou no início da vida adulta6. Foi observado que os pacientes neste estudo tinham histórico familiar relevante de morte súbita e insuficiência cardíaca; assim, eles apresentavam alto risco de apresentar essa cardiomiopatia. A sintomatologia inicial em ambos os casos era caracterizada por dispnéia progressiva. No caso 2, havia o antecedente do AVC. Diferentes séries têm relatado que as manifestações clínicas dessa patologia são caracterizadas por progressiva disfunção ventricular esquerda, grave insuficiência cardíaca e embolismo sistêmico e pulmonar, que podem resultar de função ventricular deficiente e formação de trombos dentro dos recessos intertrabeculares6,7. A fisiopatologia da perfusão miocárdica pode ter um papel crucial na cardiomiopatia não-compactada, resultando em anormalidades da microcirculação coronariana produzindo alterações no movimento segmentar global, dilatação ventricular e insuficiência cardíaca1,8.

O ecocardiograma bidimensional dos dois pacientes descritos aqui mostrou o VE com numerosas trabéculas proeminentes, prevalecendo nas regiões médio-ventricular, apical, e médio-inferior e uma estrutura de duas camadas com uma razão endocárdio-epicárdio > 2 no final da sístole. O ecocardiograma com Doppler colorido em ambos os pacientes revelou recessos sinusoidais cheios de sangue proveniente da cavidade ventricular. O diagnóstico da cardiomiopatia não-compactada é frequentemente perdido ou errôneo, devido à falta de conscientização da doença e por que outras doenças cardíacas apresentam características similares; assim, é necessário distingui-la de outras patologias nas quais o aumento da espessura da parede ventricular e um padrão trabecular proeminente são observados, como na cardiomiopatia hipertrófica e cardiopatia hipertensiva, bem como a cardiomiopatia dilatada, na qual a hipocinesia generalizada, dilatação das cavidades cardíacas e grave disfunção ventricular esquerda são encontradas. Em crianças, essa cardiomiopatia deve ser diferenciada da atresia valvar pulmonar, septo interventricular intacto e de patologias que possam induzir obstrução do fluxo de saída do VE9,10. Alguns tumores cardíacos como os hemangiomas, que são caracterizados pela proliferação de vasos sanguíneos, podem ter a aparência de recessos7. Em nosso estudo, o irmão do caso 1 tinha recebido o diagnóstico errado de cardiomiopatia dilatada, mas os estudos da autópsia mostraram que ele tinha cardiomiopatia não-compactada, pois ele apresentava as características dessa doença. No caso 1, o diagnóstico dessa cardiomiopatia poderia ter sido perdido ou feito erroneamente, devido à estenose mitral e regurgitação associadas, o que nos fez considerar um diagnóstico de cardiopatia reumática. O caso 2 foi diagnosticado primeiro como sendo cardiomiopatia dilatada, devido à cavidade ventricular esquerda dilatada e hipocinesia generalizada observadas; entretanto, em ambos os casos, a presença de um padrão trabecular proeminente no VC, recessos sinusoidais profundos cheios de sangue e uma razão endocárdio-epicárdio > 2 nos levaram ao diagnóstico de cardiomiopatia não-compactada. O ecocardiograma bidimensional e o ecocardiograma com Doppler colorido provaram, sem sombra de dúvida, serem métodos confiáveis para realizar o diagnóstico dessa patologia.

Conclusões

A cardiomiopatia não-compactada é uma doença congênita rara cujo diagnóstico pode ser perdido ou feito erroneamente. A classificação desse distúrbio pela OMS como uma cardiomiopatia diferente é importante para promover a conscientização da doença e seu diagnóstico precoce. Os critérios estabelecidos para seu diagnóstico permitem aumentar o conhecimento da doença e distingui-la de outras patologias que podem apresentar características similares. O ecocardiograma bidimensional e o Doppler colorido são métodos de escolha confiáveis e não-invasivos para diagnosticar essa cardiomiopatia.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflito de interesses pertinentes.

Fontes de Financiamento

O presente estudo não teve fontes de financiamento externas.

Vinculação Acadêmica

Não há vinculação deste estudo a programas de pós-graduação.

Artigo recebido em 13/03/08; revisado recebido em 08/07/08; aceito em 8/07/08.

  • 1. Oechslin E, Jenni R. Isolated left ventricular no-compaction: increasing recognition of this distinct, yet unclassified cardiomyopathy. Eur J Echocardiogr. 2002; 3 (4): 250-1.
  • 2. Jenni R, Oechslin E, Schneider J, Jost C, Kaufmann P. Echocardiographic and pathoanatomical characteristics of isolated left ventricular no-compaction: a step towards classification as a distinct cardiomyopathy. Heart. 2001; 86: 666-71.
  • 3. Oechslin R, Attenhofer CH, Rojas J, Kaufmann P, Jenni R. Long-term follow-up of 34 adults with isolated left ventricular noncompaction: a distinct cardiomyopathy with poor prognosis. J Am Coll Cardiol. 2000; 36: 493-500.
  • 4. Ichida F, Tsubata S, Bowles K, Haneda N, Uese K, Miyawaki T, et al. Novel gene mutations in patients with left ventricular noncompaction or barth syndrome. Circulation. 2001; 103: 1256-63.
  • 5. Ritter M, Oechslin E, Sütsch G, Attenhofer CH, Schneider J, Jenni R. Isolated noncompaction of the myocardium in adults. Mayo Clin Proc. 1997; 72 (1): 26-31.
  • 6. Chin T, Perloff J, Williams R, Jue k, Mohrmann R. Isolated nocompaction of left ventricular myocardium: a study of eight cases. Circulation. 1990; 82: 507-13.
  • 7. Ichida F, Hamamichi Y, Miyawaki T, Ono Y, Kamiya T, Akagi T, et al. Clinical features of isolated noncompaction of the ventricular myocardium: long term clinical course, hemodynamic properties, and genetic background. J Am Coll Cardiol. 1999; 34: 233-40.
  • 8. Jenni R, Wyss CH, Oechslin E, Kauffman P. Isolated ventricular noncompaction is associated with coronary microcirculatory dysfunction. J Am Coll Cardiol. 2002; 39: 450-4.
  • 9. Bax J, Lamb H, Poldermans D, Schalij M, de Ross A, Van der Wall E. Non-compaction cardiomyopathy-echocardiographic diagnosis. Eur J Echocardiogr. 2002; 3: 301-2.
  • 10. Engberding R, Bender F. Identification of a rare congenital anomaly of the myocardium by two-dimensional echocardiography: persistence of isolated myocardial sinusoids. Am Heart J. 1984; 53: 1733-4.
  • Correspondência:
    Francisco Martínez-Baca López
    Floresta No. 146-2, Colonia Clavería
    02080 México, D.F, México
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      13 Out 2009
    • Data do Fascículo
      Ago 2009

    Histórico

    • Revisado
      08 Jul 2008
    • Recebido
      13 Mar 2008
    • Aceito
      08 Jul 2008
    Sociedade Brasileira de Cardiologia - SBC Avenida Marechal Câmara, 160, sala: 330, Centro, CEP: 20020-907, (21) 3478-2700 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil, Fax: +55 21 3478-2770 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: revista@cardiol.br