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Ecocardiografia com contraste: tem futuro?

Ecocardiografia; contraste

PONTO DE VISTA

Ecocardiografia com contraste. Tem futuro?

Cláudio L. Pereira da Cunha

Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná - Curitiba, PR

Correspondência Correspondência: Cláudio L. Pereira da Cunha Rua Olavo Bilac, 181 80440-040 – Curitiba, PR E-mail: cpcunha@cardiol.br

Palavras-chave: Ecocardiografia, contraste.

A ecocardiografia, nos últimos trinta anos, revolucionou a investigação cardiológica. De maneira não-invasiva, cada vez mais se ampliou o acesso à anatomia, à fisiologia e às doenças do coração. Desde a introdução da técnica unidimensional e, progressivamente, com a ecocardiografia bidimensional, Doppler, mapeamento de fluxo em cores, exame transesofágico, emprego do estresse físico ou farmacológico, diferentes metodologias foram sendo acrescentadas na busca da otimização do exame cardiológico pelo ultra-som, e todas foram consolidadas na prática clínica. Entre as técnicas mais recentes, destacam-se a ecocardiografia tridimensional em tempo real, a avaliação da função ventricular com Doppler tecidual e strain/strain rate, e o emprego de contraste.

A busca por ecocardiogramas realizados com contraste, na realidade, não é nova e tem revelado uma evolução lenta. Já em 1968, no início da história da ecocardiografia, observou-se, em exames realizados durante cateterismos cardíacos, que a injeção de líquidos no sistema cardiovascular permitia a formação de pequenas bolhas que produziam uma nuvem de ecos1. Essas bolhas, todavia, de grandes diâmetros em relação à microcirculação, não passavam pelos capilares pulmonares, o que restringia o seu uso a poucas aplicações clínicas. Em 1984, empregando-se microbolhas com diâmetro inferior a 10µ, foi ultrapassada a barreira capilar pulmonar e conseguiu-se opacificar as cavidades esquerdas com albumina sonicada2. Na década de 90 se seguiram inúmeras pesquisas envolvendo o desenvolvimento dos agentes de contraste e avanços tecnológicos dos equipamentos, que tornaram possíveis os estudos detalhados das cavidades esquerdas e mais próxima a expectativa de investigação da circulação arterial coronariana3-7.

As pesquisas a respeito dos contrastes têm visado obter um agente com microbolhas para ultrapassar capilares do menor diâmetro possível, que tenha estabilidade prolongada, impedância acústica diferente dos tecidos, maior concentração, baixa toxicidade, rápido metabolismo e excreção8. Com esses objetivos, pode-se intervir: (1) no tamanho da microbolha, (2) no gás que a preenche e (3) na substância que compõe sua camada externa. Em relação ao tamanho, as microbolhas, devem ser menores que 10µ, mas, entre essas, as de tamanho maior são mais estáveis; os gases são preferentemente pesados, inertes e pouco solúveis, enquanto as cápsulas de albumina, fosfolipídeos, açúcares ou biopolímeros permitem maior estabilização6,9. Os contrastes chamados de primeira geração são representados pelo Albunex® (microbolha com ar no interior e albumina sonicada na camada externa) e pelo Levovist® (ar no interior e galactose com traços de ácido palmítico na camada externa).

Na segunda geração, o meio gasoso passou a ser constituído por gases fluorcarbonados, propiciando maior estabilidade aos compostos. Seu principal representante é o PESDA (Perfluorocarbon-Exposed Sonicated Dextrose Albumin)4, produto não industrializado, preparado em ambiente hospitalar para uso em até 24 horas, utilizado em bolus ou infusão contínua, com baixo custo em relação aos outros agentes, sendo o mais utilizado no Brasil.

Outros contrastes dessa geração são o Optison®10 e o Definity®, esse último recentemente comercializado no Brasil11. Destaque ainda para o SonoVue®, agente com fosfolipídio e hexafluoreto sulfúrico, o primeiro a ser liberado na Europa para avaliação da perfusão miocárdica. Diversos outros produtos estão em investigação, em fase de desenvolvimento clínico, sendo alguns considerados como contrastes de terceira geração12.

Em relação aos avanços tecnológicos dos equipamentos, dirigidos principalmente para a otimização dos exames com contraste, destacam-se os tipos de imagens fornecidas pelo ultra-som e o índice mecânico aplicado às respostas das microbolhas. Em relação aos tipos de imagens, foram desenvolvidas a imagem em segunda harmônica, a harmônica Doppler, a ultra-harmônica ou terceira harmônica, a harmônica Power Doppler, e a imagem com pulso invertido (a imagem em tempo real)13,14. Todas essas técnicas visam aprimorar as imagens obtidas, seja dos tecidos, por meio do ecocardiograma bidimensional, seja das microbolhas, refletindo a região contrastada. O índice mecânico regula a intensidade da energia ultra-sônica transmitida, determinando o grau de destruição das microbolhas; pode variar de 0,1 a 1,0, sendo preferíveis índices mais baixos (0,1-0,3), com pouca destruição de bolhas para os estudos de perfusão, e índices de 0,4-0,8 para melhor definição das bordas endocárdicas.

Com todos esses avanços, como fica a aplicação clínica da ecocardiografia com contraste? Sua utilização para melhorar a definição das bordas endocárdicas está consagrada, sendo aplicada a estudos em repouso ou sob estresse, contribuindo sobremaneira na otimização das imagens. O maior desafio, todavia, se prende ao seu uso na doença coronariana, com estudos de perfusão miocárdica que visam aspectos do diagnóstico anatômico e funcional na doença crônica, contribuição em síndromes coronarianas agudas, avaliação da viabilidade miocárdica e fatores prognósticos. Nos Estados Unidos, a Food and Drug Administration (FDA) liberou as microbolhas, até o momento, apenas para a melhor definição das bordas, não sendo disponíveis para avaliar a perfusão miocárdica; essa restrição certamente cerceia o desenvolvimento prático da metodologia. Já na Europa, é permitido o uso do SonoVue® também para estudos de perfusão miocárdica, o que já antecipa maior difusão da tecnologia naquele continente.

No Brasil temos as dificuldades de custo elevado dos contrastes comercialmente disponíveis e as restrições ao pagamento por parte dos planos de saúde complementar, visto que o procedimento não consta em tabelas antigas e a nova Classificação Brasileira Hierarquizada dos Procedimentos Médicos tem sido lentamente adotada pelas operadoras do sistema de saúde. Em relação às pesquisas científicas, a tecnologia tem sido bastante aplicada em diferentes enfoques na doença coronariana15-18, com resultados plenamente satisfatórios.

Estudo de Wei e cols.19 comparou a utilidade da ecocardiografia com o contraste miocárdico PB127 realizada sob estresse com dipiridamol em relação à tomografia SPECT nas mesmas condições, e verificou concordância na classificação entre pacientes normais e anormais em 84%; após a exclusão de falso-negativos da SPECT, a concordância atingiu 93%, levando à conclusão de que o estudo da perfusão miocárdica pela ecocardiografia com contraste foi muito satisfatório para a detecção de doença coronariana. Adicionalmente, a utilização de novos programas computacionais tem permitido a quantificação do fluxo de contraste no miocárdio, o que eleva a acurácia diagnóstica do método e reduz a variabilidade entre os observadores20.

Em conclusão, entende-se que a ecocardiografia com contraste é um método não-invasivo, sem radiação ionizante, que propicia informação anatômica e da microcirculação, amplamente disponível inclusive à beira do leito; permite resultados rápidos, tem boa relação custo-benefício e dispõe de repetidas investigações científicas que ratificam o seu emprego na prática clínica, tanto para melhor definição das bordas cavitárias como para estudar a perfusão miocárdica. Por tudo isso, julgamos que o método, sem dúvida, tem futuro.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.

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4. Porter T, Xie F, Kricsfeld A, et al. Improved endocardial border resolution during dobutamine stress echocardiography with intravenous sonicated dextrose albumin. J Am Coll Cardiol. 1994; 23: 1440-3.

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6. Jayaweera AR, Edwards N, Glesheen WP, et al. In vivo myocardial kinetics of air filled albumin microbubbles during myocardial contrast echocardiography: comparison with radio-labeled red blood cells. Circ Res. 1994; 74: 1157-65.

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Recebido em 31/05/05

Aceito em 28/12/05

  • 1. Gramiak R, Shah PM. Echocardiography of the aortic root. Invest Radiol. 1968; 3: 356-60.
  • Correspondência:

    Cláudio L. Pereira da Cunha
    Rua Olavo Bilac, 181
    80440-040 – Curitiba, PR
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      28 Set 2006
    • Data do Fascículo
      Ago 2006
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