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Correção cirúrgica de janela aortopulmonar em gêmeos: relato de caso

RELATO DE CASO

Correção cirúrgica de janela aortopulmonar em gêmeos: relato de caso

Marcelo Biscegli JateneI,II; Patricia Marques OliveiraII; Fabiana SucciII; Stevan Kriger MartinsII; Vitor Oliveira CarvalhoI; Ieda Biscegli JateneII

IServiço de Cirurgia Cardíaca Pediátrica do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (InCor-HCFMUSP), São Paulo, SP - Brasil

IIServiço de Cirurgia Cardíaca Pediátrica do Hospital do Coração (HCor), São Paulo, SP - Brasil

Correspondência Correspondência: Marcelo B. Jatene Serviço de Cirurgia Cardíaca Pediátrica. InCor HCFMUSP Av Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 44. Bloco 2, 2º andar, sala 5 CEP 05403-900, São Paulo, SP - Brasil Email: marcelo.jatene@incor.usp.br

Palavras-chave: Cardiopatias Congênitas / cirurgia; Defeitos dos Septos Cardíacos / cirurgia; Gêmeos Monozigóticos; Esternotomia.

Introdução

A janela aortopulmonar (JAP) é uma cardiopatia congênita pouco prevalente, causada por um defeito septal do tronco arterial comum para a aorta e a artéria pulmonar. Esse defeito septal entre a aorta ascendente e o tronco e/ou artéria pulmonar direita hemodinamicamente se assemelha a um grande canal arterial persistente, ou, mais apropriadamente, a um tronco arterial comum1.

Os sintomas clínicos em pacientes com JAP estão relacionados com o fluxo de sangue pulmonar e a magnitude do defeito do septo entre a aorta ascendente e a artéria do tronco e/ou pulmonar. Considerando a classificação de Mori2, a JAP pode ser classificada em três tipos principais: tipo I (proximal) - acima do seio de Valsalva; tipo II (distal) - na aorta ascendente distal; e tipo III (total) - ao longo da aorta ascendente. O tipo I é o mais comum.

Embora existam alguns relatos na literatura com JAP, não há nenhuma descrição em gêmeos. O objetivo deste estudo é descrever o tratamento cirúrgico de dois gêmeos monozigóticos com JAP do tipo I, bem como aspectos técnicos e acompanhamento.

Relato do Caso

Dois gêmeos monozigóticos do sexo masculino, com um ano de idade, havia apresentado manifestações graduais de fadiga durante a amamentação por três meses e sintomas progressivos de insuficiência cardíaca.

A avaliação clínica em conjunto com o ecocardiograma e cateterismo cardíaco confirmou o diagnóstico do JAP tipo I (Mori) sem defeitos associados. O aspecto angiográfico era muito semelhante nas duas crianças (Figura 1).


A cirurgia foi realizada através de esternotomia mediana em ambas as crianças. Em ambos os casos, após abertura do pericárdio, identificamos a JAP na aorta proximal ascendente e tronco pulmonar. Após cuidadosa dissecção e isolamento da JAP, optamos por não utilizar a circulação extracorpórea (CEC), devido à anatomia favorável. Após pinçamento lateral da aorta e tronco pulmonar, a JAP foi seccionada e as bordas foram suturadas com dois pontos correntes de polipropileno 6-0 (Figura 2-A). O resultado cirúrgico foi considerado favorável em ambos os casos, sem retrações ou ângulos resultantes de suturas (Figura 2-B). Ambas as crianças foram operadas no mesmo dia por decisão da família.


 




Ambas as crianças apresentaram um bom curso pós-operatório, com a ocorrência de hipertensão arterial nas primeiras horas, a qual foi controlada com medicação intravenosa (nitroprussiato), seguida por medicação oral (captopril). Ambos os pacientes permaneceram na unidade de terapia intensiva pediátrica por 48 horas e receberam alta do hospital sete dias após a cirurgia.

Seguimento

O seguimento de cinco anos mostrou bom desenvolvimento dos gêmeos. As crianças permaneceram assintomáticas, com desenvolvimento adequado de peso e altura para a idade, sem o uso de qualquer tipo de medicação. O ecocardiograma de controle mostrou adequada correção da JAP, sem retrações ou expansões no local da cirurgia e preservação da função cardíaca em ambos os ventrículos.

Discussão

Este relato de caso descreve pela primeira vez na literatura a presença de JAP em gêmeos. Além disso, descreve o procedimento cirúrgico e o seguimento de cinco anos. O tratamento cirúrgico da JAP é indicado assim que possível, após o diagnóstico de doença cardíaca, a fim de prevenir o desenvolvimento de hipertensão pulmonar irreversível3. O diagnóstico de JAP pode ser feito no período pré-natal, o que permite a correção cirúrgica no período neonatal4,5.

Historicamente, em 1952, Gross realizou a primeira correção cirúrgica de JAP em um paciente de quatro anos. Depois disso, as técnicas cirúrgicas têm melhorado ao longo dos anos. A aortotomia permite a visualização otimizada da lesão e a identificação de todas as estruturas anatômicas6. A correção cirúrgica da JAP é realizada com CEC na maioria dos casos, entretanto, neste caso, decidiu-se realizar o procedimento sem CEC devido à anatomia favorável. Ao dissecar a JAP, identificamos área suficiente para o posicionamento de dois grampos sem comprometer o lúmen da aorta e tronco pulmonar com a possibilidade técnica de secção da JAP e sutura isolada das duas bordas. Em ambos os casos cirúrgicos, a CEC estava preparada e disponível, como planejado anteriormente.

Sabe-se que a sobrevida após a correção cirúrgica da JAP está relacionada à presença de malformações associadas, idade ao diagnóstico e reconstrução adequada de estruturas vasculares7. Alguns relatos anteriores não mostraram mortes imediatas ou tardias após um período de duas semanas a 28 anos3. Quando a JAP não é tratada, a mortalidade pode chegar a 40% no primeiro ano de vida8. O diagnóstico precoce e o tratamento associado com as técnicas de proteção miocárdica têm contribuído para uma melhoria nos resultados da cirurgia em anos recentes3. Ambas as crianças sobreviveram e nenhuma apresentou complicações, exceto hipertensão.

Em alguns casos selecionados, o fechamento da JAP pode ser feito por técnica percutânea com um sistema modificado de prótese em guarda-chuva duplo, mas os resultados a médio e longo prazo não estão bem estabelecidos9.

Embora alguns casos tenham sido relatados na literatura, não há relato sobre a ocorrência, tratamento e acompanhamento de JAP em gêmeos. Relatos sobre a associação entre doença cardíaca congênita e genética foram publicados na literatura, mas esse ainda é um campo aberto em cardiologia pediátrica. Geneticistas e médicos têm debatido se as cardiopatias congênitas podem ser causadas por um defeito em um único gene10. Nosso relato de caso contribui para esse debate, apesar de nenhum estudo genético específico ter sido realizado nos gêmeos.

Em conclusão, uma JAP muito semelhante foi encontrada em dois gêmeos monozigóticos. Os aspectos cirúrgicos foram muito favoráveis e, após cinco anos, as crianças permanecem assintomáticas com função cardíaca normal e sem uso de medicação.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflito de interesses pertinentes.

Fontes de Financiamento

O presente estudo não teve fontes de financiamento externas.

Vinculação Acadêmica

Não há vinculação deste estudo a programas de pós-graduação.

Artigo recebido em 08/02/12; revisado em 09/02/12; aceito em 03/07/12.

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  • Correspondência:

    Marcelo B. Jatene
    Serviço de Cirurgia Cardíaca Pediátrica. InCor HCFMUSP
    Av Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 44. Bloco 2, 2º andar, sala 5
    CEP 05403-900, São Paulo, SP - Brasil
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      11 Mar 2013
    • Data do Fascículo
      Dez 2012
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