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Efeitos Agudos da Pressão Positiva Contínua em Vias Aéreas na Pressão de Pulso na Insuficiência Cardíaca CrônicaCarta-resposta

Insuficiência Cardíaca; Pressão Positiva Contínua nas Vias Aéreas; Pulso Arterial

Hoje existem apenas quatro indicações nível A em medicina baseada em evidência para o uso da ventilação mecânica não invasiva (VNI), a saber: exacerbação de doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC); edema pulmonar cardiogênico; infiltrados pulmonares em pacientes imunodeprimidos; e desmame de paciente com DPOC já extubado1Nava S. Behind a mask: tricks, pitfalls, and prejudices for noninvasive ventilation. Respir Care. 2013;58(8):1367-76.. Mas será esse o potencial terapêutico máximo da VNI? Provavelmente não. Nesse caso, qual seria a próxima adição a esse seleto grupo de principais indicações? Talvez seja a insuficiência cardíaca crônica (ICC) estável. Se assim for, estamos às voltas com uma nova fronteira, ainda inexplorada, de pacientes não respiratórios, mas cardíacos, cronicamente estáveis, e abrindo novas aplicações, inexistentes até então.

Quintão e cols.2Quintão M, Chermont S, Marchese L, Brandão L, Bernardez SP, Mesquita ET, et al. Acute effects of continuous positive airway pressure on pulse pressure in chronic heart failure. Arq Bras Cardiol. 2014;102(2):181-6. dão um passo à frente ao conquistar essa nova fronteira, a aplicação da VNI em ICC estável. Eles analisaram os efeitos da VNI (Pressão Positiva Contínua em Vias Aéreas - CPAP) na pressão de pulso (PP), como um fator de risco independente com valor preditivo negativo para eventos cardiovasculares adversos, seguida por disfunção ventricular esquerda, especialmente do tipo II, causada por isquemia miocárdica aguda. Provaram que a CPAP não afeta apenas a redução da PP, mas também frequência cardíaca (FC), pressão arterial média (PAM), pressão arterial sistólica (PAS) e frequência respiratória (FR).

Os resultados são explicados através da relação entre os efeitos da ventilação com pressão positiva3Vieillard-Baron A. Heart lung interactions in mechanical ventilation. In: Backer D, Cholly BP, Slama M, Vieillard-Baron A, Vignon P (eds). Hemodynamic monitoring using echocardiography in the critically III. Philadelphia: Springer; 2011. no sistema cardiorrespiratório. No lado esquerdo do coração, a compressão da veia pulmonar seguiu-se de elevações da pressão transpulmonar, melhorando o retorno venoso e, portanto, a pré-carga. Além disso, esse aumento da pressão transpulmonar contribui para comprimir as câmaras cardíacas e esvaziá-las, e esse efeito “dUp”4Polanco PM, Pinsky MR. Cardiovascular issues in respiratory care: clinical applications of heart lung interactions. In: Yearbook respiratory care clinics and applied technologies. Murcia: Esquinas Antonio; 2008. p. 396-401. aumenta o volume sistólico (VS) e melhora o débito cardíaco esquerdo. A redução da pós-carga é secundária ao efeito de vasodilatação sistêmica como resposta à elevação intratorácica. Como resultado final, observa-se diminuição de FC, PAM, PAS e PP, o que protege a oxigenação miocárdica e reduz o risco de infarto miocárdico. No lado direito do coração, a pressão transpulmonar reduz a pré‑carga secundária à compressão da veia cava e eleva a pós-carga3Vieillard-Baron A. Heart lung interactions in mechanical ventilation. In: Backer D, Cholly BP, Slama M, Vieillard-Baron A, Vignon P (eds). Hemodynamic monitoring using echocardiography in the critically III. Philadelphia: Springer; 2011. ao aumentar a resistência vascular pulmonar. Como resultado, observam-se um efeito “dDown”4Polanco PM, Pinsky MR. Cardiovascular issues in respiratory care: clinical applications of heart lung interactions. In: Yearbook respiratory care clinics and applied technologies. Murcia: Esquinas Antonio; 2008. p. 396-401. e a diminuição do VS direito, reduzindo a congestão vascular e o edema pulmonar, mais uma vez melhorando a oxigenação e a ventilação. Com relação aos efeitos respiratórios, ocorre oxigenação direta com administração de O2 e também efeito de recrutamento alveolar. Como resultado final, há elevação de PaO2 e de oxigênio venoso misto (SVO2), e redução de RR e FC.

No estudo de Quintão e cols.2Quintão M, Chermont S, Marchese L, Brandão L, Bernardez SP, Mesquita ET, et al. Acute effects of continuous positive airway pressure on pulse pressure in chronic heart failure. Arq Bras Cardiol. 2014;102(2):181-6., o monitoramento hemodinâmico não foi contínuo, mas aferido manualmente (esfigmomanômetro). O monitoramento contínuo ofereceria informação mais precisa. O monitoramento adicional com ecocardiografia permite expansão dos dados, cálculo da fração de ejeção e VS, que permitirão estabelecer a relação entre redução de PP e melhora do débito ventricular. O ensaio teve duração de 30 minutos, suficiente para confirmar a hipótese, mas uma duração maior permitirá avaliação de efeito máximo para poder definir o melhor potencial de CPAP. Por fim, embora uma pressão de CPAP de 6 cm H20 seja geralmente utilizada nesses estudos, uma pressão maior de 8 cm H20 poderá ter maior efeito, como visto na prática diária.

Agradecemos ao Dr. Blanco pelos seus comentários referentes ao nosso estudo. A ventilação mecânica não invasiva (VNI) tem sido nosso foco de estudo, especialmente em insuficiência cardíaca crônica (ICC), e, portanto, uma oportunidade para discuti-la é sempre bem-vinda. Na nossa experiência, observamos benefícios com o uso de VNI com níveis mais baixos de CPAP na tolerância ao exercício em pacientes com ICC1Chermont S, Quintão MM, Mesquita ET, Rocha NN, Nóbrega AC. Noninvasive ventilation with continuous positive airway pressure acutely improves 6-minute walk distance in chronic heart failure. J Cardiopulm Rehabil Prev. 2009;29(1):44-8.. Outros autores2Bradley TD, Holloway RM, McLaughlin PR, Ross BL, Walters J, Liu PP. Cardiac output response to continuous positive airway pressure in congestive heart failure. Am Rev Respir Dis. 1992;145(2 Pt 1):377-82.,3Yoshida M, Kadokami T, Momii H, Hayashi A, Urashi T, Narita S, et al. Enhancement of cardiac performance by bilevel positive airway pressure ventilation in heart failure. J Card Fail. 2012;18(12):912-8. publicaram estudos mostrando efeitos hemodinâmicos mais adequados e seguros com níveis mais baixos de CPAP. Isso nos incentivou a adotá-los, pois nossos pacientes eram estáveis, não necessitando, portanto, de níveis mais altos, que poderiam ser desconfortáveis e promover aumento de alguns parâmetros hemodinâmicos. Assim, nossa maior pressão de CPAP ficou entre 3 e 6 cm H2O, o que reduziu parâmetros hemodinâmicos, conferindo menor sensação de desconforto, como em outros estudos4Reis MS, Sampaio LM, Lacerda D, De Oliveira LV, Pereira GB, Pantoni CB, et al. Acute effects of different levels of continuous positive airway pressure on cardiac autonomic modulation in chronic heart failure and chronic obstructive pulmonary disease. Arch Med Sci. 2010;6(5):719-27.. Tais parâmetros foram aferidos de forma periódica e não contínua. Estudos prévios mediram‑nos continuamente de variadas maneiras, por cateterismo ou ecocardiografia, e outros ainda de maneira semelhante à nossa5Steiner S, Schannwell CM, Strauer BE. Left ventricular response to continuous positive airway pressure: role of left ventricular geometry. Respiration. 2008;76(4):393-7.,6Azevedo JC, Carvalho ER, Feijó LA, Oliveira FP, Menezes SL, Murad H. Effects of the continuous positive airway pressure on the airways of patients with chronic heart failure. Arq Bras Cardiol. 2010 Jul;95(1):115-21.. Nosso grupo estudou os parâmetros hemodinâmicos a cada batimento e publicará os resultados em breve.

Na nossa experiência com CPAP em ICC, também observamos que as principais alterações hemodinâmicas ocorrem entre 10 e 20 minutos, após o que quase não existe, se é que existe alguma diferença significativa em comparação ao basal. Além disso, protocolos de 30 minutos para CPAP mostraram-se suficientes para a obtenção de resultados satisfatórios, mesmo em pacientes com exacerbação da ICC7Bellone A, Barbieri A, Ricci C, Iori E, Donateo M, Massobrio M, et al. Acute effects of non-invasive ventilatory support on functional mitral regurgitation in patients with exacerbation of congestive heart failure. Intensive Care Med. 2002;28(9):1348-50.. Pacientes com ICC passam por muitas fases de piora funcional e respiratória no curso da doença. A VNI com CPAP pode ser um método para melhorar a qualidade de vida. Nosso grupo também usou CPAP como recurso não farmacológico para aliviar dispneia e reduzir qualquer carga hemodinâmica mínima causada por essa síndrome. No contexto ambulatorial, usamos esse dispositivo como tratamento complementar para IC. Nossos resultados futuros demonstrarão a magnitude do uso de recurso não farmacológico em diferentes variáveis hemodinâmicas e os benefícios para a qualidade de vida dos pacientes com IC.

References

  • 1
    Nava S. Behind a mask: tricks, pitfalls, and prejudices for noninvasive ventilation. Respir Care. 2013;58(8):1367-76.
  • 2
    Quintão M, Chermont S, Marchese L, Brandão L, Bernardez SP, Mesquita ET, et al. Acute effects of continuous positive airway pressure on pulse pressure in chronic heart failure. Arq Bras Cardiol. 2014;102(2):181-6.
  • 3
    Vieillard-Baron A. Heart lung interactions in mechanical ventilation. In: Backer D, Cholly BP, Slama M, Vieillard-Baron A, Vignon P (eds). Hemodynamic monitoring using echocardiography in the critically III. Philadelphia: Springer; 2011.
  • 4
    Polanco PM, Pinsky MR. Cardiovascular issues in respiratory care: clinical applications of heart lung interactions. In: Yearbook respiratory care clinics and applied technologies. Murcia: Esquinas Antonio; 2008. p. 396-401.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Fev 2015

Histórico

  • Recebido
    10 Out 2014
  • Revisado
    02 Dez 2014
  • Aceito
    02 Dez 2014
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