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Evolução hospitalar e tardia pós-implante de stent coronariano em paciente com angina instável e síndrome mielodisplásica

Resumos

Homem de 61 anos de idade, com diagnóstico de síndrome mielodisplásica e angina instável foi submetido a angiografia coronariana e implante de stent. O hemograma revelou 40.000/mm³ plaquetas. A angiografia coronariana, precedida por transfusão de plaquetas, revelou obstrução de 80% no óstio da artéria coronariana direita (ACD). Após o uso de clopidogrel 75mg, o paciente foi submetido à nova transfusão de plaquetas e a implante de stent LEKTON 3,0x10mm na lesão da ACD. Não ocorreram sangramentos após as retiradas dos introdutores. Após seis meses, o teste de esforço foi positivo e nova angiografia, sob as mesmas condições anteriores, mostrou reestenose intra-stent. Esse relato sugere que o implante de stent coronariano em pacientes com plaquetopenia é seguro, contanto que se realize a transfusão profilática de plaquetas, embora em longo prazo possa haver reestenose.

Angioplastia transluminal coronariana percutânea; plaquetopenia; síndrome mielodisplásica


Sixty-one-year-old male patient with diagnosis of myelodysplastic syndrome and unstable angina was submitted to coronary angiography and implant of stent. His Blood vell count revealed 40,000 platelets/mm³. Coronary angiography with previous platelet transfusion showed obstruction of 80% of the right coronary artery (RCA). Following the administration of clopidogrel, the patient was submitted to another platelet transfusion and stent implantation in the RCA lesion. No bleeding was observed after the introducers removal. After 6 months, treadmill test was positive and new coronary aniography, in the same conditions, showed in-stent restenosis. This case report suggests that coronary stent implantation in patients with thrombocytopenia is a safe procedure, provided that prophylactic platelet transfusion is performed, although late restenosis may occur.


RELATO DE CASO

Evolução hospitalar e tardia pós-implante de stent coronariano em paciente com angina instável e síndrome mielodisplásica

Wercules Oliveira; George César Ximenes Meireles; Allan Longhi; Pedro Beltrão; João Pimenta

Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo, São Paulo, SP

Correspondência Correspondência: George César Ximenes Meireles Rua Sena Madureira, 1265/102 04021-051 – São Paulo, SP E-mail: gcxm@cardiol.br, george@tre-sp.gov.br

RESUMO

Homem de 61 anos de idade, com diagnóstico de síndrome mielodisplásica e angina instável foi submetido a angiografia coronariana e implante de stent. O hemograma revelou 40.000/mm³ plaquetas. A angiografia coronariana, precedida por transfusão de plaquetas, revelou obstrução de 80% no óstio da artéria coronariana direita (ACD). Após o uso de clopidogrel 75mg, o paciente foi submetido à nova transfusão de plaquetas e a implante de stent LEKTON 3,0x10mm na lesão da ACD. Não ocorreram sangramentos após as retiradas dos introdutores. Após seis meses, o teste de esforço foi positivo e nova angiografia, sob as mesmas condições anteriores, mostrou reestenose intra-stent. Esse relato sugere que o implante de stent coronariano em pacientes com plaquetopenia é seguro, contanto que se realize a transfusão profilática de plaquetas, embora em longo prazo possa haver reestenose.

Palavras-chave: Angioplastia transluminal coronariana percutânea, plaquetopenia, síndrome mielodisplásica.

As síndromes mielodisplásicas são um grupo heterogêneo de desordens da medula óssea caracterizado por anormalidades morfológicas das séries eritróide, granulocítica e megacariocítica com medula óssea hipercelular¹. Quando é acometida a série megacariocítica, a tendência hemorrágica se torna um importante agravante clínico. A associação de doença coronariana e trombocitopenia por síndrome mielodisplásica é um desafio para a cardiologia intervencionista na qual as intervenções coronarianas percutâneas requerem tanto evitar a trombose intracoronária com o uso de drogas antiagregantes plaquetárias, quanto evitar sangramentos após o procedimento.

Relato do Caso

Homem de 61 anos, aposentado, foi admitido com história de dor precordial opressiva, aos grandes esforços, com início há 8 meses e progressão para os pequenos esforços há 1 mês. Apresentava como fator de risco para doença coronariana, somente hipertensão arterial sistêmica. Fazia uso irregular de ácido acetilsalicílico (AAS) 200mg, propranolol 40 mg de 12 em 12 horas, omeprazol 20 mg, ácido fólico 5 mg e complexo B.

Há um ano apresentou hemorragia gengival espontânea e petéquias. O hemograma na ocasião mostrou 20.000 plaquetas por mm³. Foi submetido a mielograma e a exame imunohistoquímico da medula óssea que confirmaram o diagnóstico de síndrome mielodisplásica das séries granulocítica e megacariocítica, com série eritróide preservada. Naquela ocasião foi medicado com ácido fólico, piridoxina e cianocobalamina. A contagem de plaquetas manteve-se em torno de 40.000/mm³ e não ocorreram outros eventos hemorrágicos.

Ao exame físico, apresentava hipoplasia (focomelia) dos membros superiores, pressão arterial de 180/110 mmHg e freqüência cardíaca de 96 bpm. A ausculta cardiopulmonar era normal.

O eletrocardiograma de repouso mostrou ritmo sinusal com alterações inespecíficas da repolarização ventricular na parede inferior e, na vigência de dor precordial, infradesnivelamento do segmento ST e inversão da onda T (tipo plus-minus) na mesma região. A radiografia do tórax mostrou índice cardiotorácico de 0,5 e campos pleuropulmonares normais. O ecocardiograma transtorácico revelou disfunção moderada do ventrículo esquerdo devido a hipocinesia das paredes inferior, lateral e dorsal, com fração de ejeção de 0,40. Os exames laboratoriais revelaram: 40.000 plaquetas por mm³, 1.850 leucócitos por mm³ e hemoglobina 13,2 por g/dl. O coagulograma estava dentro dos limites da normalidade sendo o INR (International Normalized Ratio) 1,09 (normal de 0,90 a 1,26) e Tempo de tromboplastina parcial ativada (TTPA) 28s (normal de 25 a 45s). As sorologias para Hepatite B e C, HIV, HTLV, CMV e VDRL foram negativas.

O paciente foi submetido à angiografia coronariana, após duas horas da transfusão de 10 unidades de plaquetas. O exame foi realizado por punção da artéria femoral direita (AFD), técnica de Judkins e utilizaram-se introdutor e cateteres 6F. Imediatamente após o procedimento foi retirado o introdutor da AFD e realizada compressão local por 20 minutos. Não ocorreu sangramento ou hematoma após a compressão. O exame revelou lesão obstrutiva com porcentual de estenose de 80% no óstio da artéria coronária direita (ACD) cujo diâmetro de referência foi 3,05 mm (fig. 1) e de 30% na artéria descendente anterior.


Após seis dias do uso de clopidrogel 75 mg ao dia e duas horas de nova transfusão de 10 unidades de plaquetas, o paciente foi submetido a implante direto de stent LEKTON 3,0x10mm no óstio da ACD, ficando com a extremidade proximal cerca de 1 mm no interior da aorta, com sucesso (fig. 2 e 3). A via utilizada foi à artéria femoral esquerda (AFE) e o introdutor e o cateter-guia JR 3,5 6F. Durante o procedimento, foi medicado com mononitrato de isossorbida 20 mg intracoronária e heparina 6.000 UI (100 UI/kg) endovenosa. A pressão de liberação do stent foi 14 atm. e foi realizada pós-dilatação com o mesmo cateter-balão do stent com 18 atm. O hemograma e coagulograma no dia do procedimento revelaram 40.000/plaquetas por mm³, 1.620 leucócitos por mm³, TTPA 31 s e INR 1,03. Os exames laboratoriais pós-procedimento revelaram 71.000 plaquetas por mm³, 2.370 leucócitos por mm³, TTPA 28,9 s e INR 1,03. O introdutor foi retirado após 4 horas do procedimento e foi realizada compressão manual local por 30 minutos. Não ocorreu sangramento ou hematoma após a compressão.



A evolução hospitalar ocorreu sem intercorrências. Após sete dias do implante de stent teve alta hospitalar com clopidrogel 75 mg/dia por mais 17 dias, até completar 30 dias de uso contínuo. Duas semanas com o uso do clopidrogel 75 mg/dia, a contagem de plaquetas manteve-se estável em 40.000/mm³.

Evoluiu assintomático e aos seis meses pós-implante foi realizado teste de esforço que mostrou infradesnivelamento de ST de 2 mm nas derivações inferiores. Submeteu-se a novo cateterismo cardíaco por punção da AFD após 2 horas da transfusão de 8 unidades de plaquetas. Foi observada lesão obstrutiva com porcentual de estenose de 70% intra-stent (fig. 4). Não ocorreram complicações decorrentes do cateterismo cardíaco. A contagem de plaquetas pré-procedimento foi 20.000/mm³ e elevou-se para 49.000/mm³ após a transfusão. O paciente estava em uso de talidomida 200 mg, sinvastatina 20 mg e propranolol 40 mg, 2 vezes ao dia. Devido à recusa do paciente na realização de nova intervenção coronariana percutânea, foi optado pelo tratamento clínico e mantida a mesma medicação. Vinte meses pós-implante de stent o paciente continua assintomático, em uso da mesma medicação e a última contagem de plaquetas foi 104.000/mm³.


Discussão

A associação de trombocitopenia por síndrome mielodisplásica e doença coronariana é rara, e são escassas as publicações do tratamento pela intervenção coronariana percutânea das lesões obstrutivas em pacientes com plaquetopenia. Foram relatados, na literatura médica, dois casos de pacientes com púrpura trombocitopênica idiopática submetidos a angioplastia transluminal coronariana para tratamento de infarto agudo do miocárdio2,3, sendo que em um deles foi realizado o implante de stent coronariano devido à ocorrência de dissecção coronariana pós-angioplastia por balão2. Devido aos atendimentos terem sido em situações de urgência, não foi realizado o preparo para os procedimentos e os pacientes evoluíram com complicações hemorrágicas no local da punção arterial. Recentemente foi relatado um caso de púrpura trombocitopênica e angina instável submetido a implante de stent na artéria descendente anterior e na artéria circunflexa via dissecção da artéria braquial direita devido a dificuldade na elevação na contagem de plaquetas após várias transfusões3. O presente relato, diferente dos anteriores, mostra a utilização da punção da artéria femoral após a transfusão de plaquetas previamente à angiografia coronariana e ao implante de stent eletivo, em paciente com trombocitopenia por síndrome mielodisplásica.

O paciente apresentava, além da síndrome mielodisplásica, focomelia dos membros superiores, anomalia congênita em que ocorre a ausência dos rádios. Foi descrita a associação de focomelia com trombocitopenia e diminuição dos megacariócitos no mielograma: a síndrome TAR (Thrombocytopenia with Absent Radius), anomalia congênita rara, que difere da síndrome mielodisplásica por ausência de alterações nas séries granulocítica e eritróide5.

A plaquetopenia, baseada na contagem absoluta de plaquetas, pode ser dividida nas seguintes categorias: leve (<150.000/mm³), moderada (50 – 100.000 /mm³), acentuada (20 – 50.000/mm³) e profunda (< 20.000/mm³). A não linearidade do tempo de sangramento associada à plaquetopenia de diferente etiologia e o valor definido foi demonstrada por Harker. Isto resulta em diferenças na contagem absoluta de plaquetas nos guias médicos na indicação da transfusão de plaquetas em pacientes com plaquetopenia de diferentes etiologias6. De acordo com o America's Blood Centers, a transfusão de plaquetas deve ser administrada profilaticamente em pacientes com contagem de plaquetas menor que 50.000/mm³ que vão submeter-se à cirurgia ou a procedimento invasivo onde o campo operatório pode ser visibilizado ou pressão externa pode ser utilizada para manter a hemostasia7.

No presente caso, a contagem de plaquetas foi 40.000/mm³ e foi realizada transfusão de 10 unidades de plaquetas 2 horas antes dos procedimentos, a fim de elevar o número de plaquetas acima de 50.000/mm³. Esta conduta mostrou-se segura tanto para a angiografia coronariana quanto para o implante de stent.

O uso de heparina na dose de 100 UI por kg durante o procedimento também se mostrou segura, sendo o introdutor retirado da artéria femoral 4 horas após o procedimento, não ocorrendo sangramento ou formação de hematoma.

É recomendado o uso de introdutores e cateteres de pequeno diâmetro para facilitar a hemostasia pós-procedimento. No presente caso foi utilizado material 6F por ser o menor diâmetro disponível e via punção da artéria femoral por ser a técnica utilizada pela nossa equipe de hemodinâmica. A via radial é uma via alternativa para os pacientes com plaquetopenia, não utilizada neste caso por não ser rotina em nossa instituição8.

Os estudos clínicos mostram uma maior taxa de reestenose em pacientes com localização aorta-ostial pós-implante de stents convencionais. O implante de stent com eluição de fármaco em pacientes com lesão aorta-ostial mostrou, em estudo observacional, resultado animador com taxa de revascularização da lesão-alvo de 6,3%9. Neste paciente não foi utilizado o stent com eluição de fármaco por questões econômicas.

A fissura ou ruptura da placa aterosclerótica constitui o mecanismo fisiopatológico mais importante da angina instável. Após a rotura, a subseqüente adesão e agregação de plaquetas e à formação de trombo, assim como a hemorragia e o edema dentro da placa contribuem para o agravamento da estenose10. Este paciente apesar de apresentar plaquetopenia, evoluiu com quadro de angina instável progressiva, o que nos leva a supor que apesar do número reduzido de plaquetas, a função plaquetária permaneceu normal, o que justifica o uso de antiagregante plaquetário como prevenção da trombose aguda ou subaguda pós-implante de stent. Dentre os agentes antiagregantes plaquetários optou-se pelo uso do clopidrogel isolado, devido a ser melhor tolerado que a ticlopidina e ao maior risco de sangramento gastrointestinal com a sua associação com a aspirina em paciente com plaquetopenia e passado de gastrite, hemorragia gengival espontânea e petéquias11.

A plaquetopenia, mantida em torno de 20.000/mm³, não conferiu proteção contra a reestenose aos seis meses pós-implante do stent no presente caso. Em modelo animal, a inibição da hiperplasia intimal foi relacionada com o grau de plaquetopenia. A plaquetopenia menor que 7.000/mm³ induzida em animais, dois a três dias antes da lesão provocada pelo balão, foi necessária para inibir a formação neo-intimal. A indução da plaquetopenia é clinicamente impraticável com o fim de prevenir a reestenose e há poucos dados na literatura médica sobre a evolução pós-intervenção coronária percutânea em pacientes com plaquetopenia. Os estudos clínicos falharam em demonstrar qualquer efeito benéfico das drogas antiplaquetárias na reestenose após angioplastia, embora as complicações agudas foram reduzidas12.

A descrição do caso sugere que a angiografia e a intervenção coronariana percutânea em pacientes com plaquetopenia são seguras, desde que se realize transfusão de plaquetas profilática duas horas antes dos procedimentos, embora em longo prazo possa haver reestenose.

Recebido em 07/12/04; revisado recebido em 24/06/04; aceito em 24/02/06.

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  • Correspondência:
    George César Ximenes Meireles
    Rua Sena Madureira, 1265/102
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    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      06 Mar 2007
    • Data do Fascículo
      Nov 2006

    Histórico

    • Aceito
      24 Fev 2006
    • Revisado
      24 Jun 2004
    • Recebido
      07 Dez 2004
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