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Valor prognóstico da hiperglicemia de estresse na evolução intra-hospitalar na coronariopatia aguda

Resumos

FUNDAMENTO: Na síndrome coronariana aguda (SCA), a hiperglicemia, à admissão hospitalar, está associada à presença de eventos adversos cardiovasculares em pacientes com ou sem diabetes. OBJETIVO: Avaliar o valor prognóstico da hiperglicemia de estresse na evolução intra-hospitalar de pacientes admitidos por SCA. MÉTODOS: Foram incluídos 152 pacientes admitidos, entre setembro de 2005 e fevereiro de 2010, em unidade de dor torácica de hospital terciário com diagnóstico de SCA, que apresentavam valor da glicemia laboratorial na admissão. O grupo I foi formado pelos pacientes com hiperglicemia de estresse, definida por glicemia na admissão > 126 mg/dL em não diabéticos e > 200 mg/dL nos diabéticos, e o grupo II pelos pacientes com níveis glicêmicos inferiores aos níveis estabelecidos. Analisou-se a associação da hiperglicemia e evolução intra-hospitalar. RESULTADOS: A hiperglicemia de estresse associou-se a complicações intra-hospitalares, aumento da idade e gênero feminino. Na análise multivariada, apenas gênero feminino (OR = 2,04; IC95% 1,03 - 4,06, p = 0,007) e complicações intra-hospitalares (OR = 3,65; IC95% 1,62 - 8,19, p = 0,002) se associaram de forma independente à hiperglicemia na admissão. CONCLUSÃO: A hiperglicemia de estresse é fator preditivo independente para complicações intra-hospitalares após SCA em pacientes diabéticos ou não. Os resultados alertam para a necessidade de avaliarmos a glicemia na admissão em todos os pacientes admitidos por SCA, incluindo os não diabéticos, com o intuito de identificarmos os indivíduos com maior risco de complicações.

Hiperglicemia; tempo de internação; prognóstico


BACKGROUND: In acute coronary syndrome (ACS), admission hyperglycemia is associated with adverse cardiovascular events in diabetic and nondiabetic patients. OBJECTIVE: To assess the prognostic value of stress hyperglycemia for the in-hospital outcome of patients admitted due to ACS. METHODS: This study included 152 patients admitted to the chest pain unit of a tertiary hospital diagnosed with ACS, who had admission blood glucose data, from September 2005 to February 2010. Group I comprised patients with stress hyperglycemia, defined as admission blood glucose concentration > 126 mg/dL for nondiabetic individuals and admission blood glucose concentration > 200 mg/dL for diabetic individuals. Group II was formed by patients with admission blood glucose concentration lower than those established. The association of hyperglycemia and in-hospital outcome was assessed. RESULTS: Stress hyperglycemia associated with in-hospital complications, age increase and female sex. On multivariate analysis, only female sex (OR = 2.04; 95% CI: 1.03 - 4.06; p = 0.007) and in-hospital complications (OR = 3.65; 95% CI: 1.62 - 8.19; p = 0.002) associated independently with admission hyperglycemia. CONCLUSIONS: Stress hyperglycemia is an independent predictive factor for in-hospital complications after ACS in diabetic and nondiabetic patients. The results highlight the need to assess admission blood glucose concentration in all patients admitted due to ACS, including nondiabetic ones, aiming at identifying those at higher risk for complications.

Hyperglycemia; length of stay; prognosis


ARTIGO ORIGINAL

Valor prognóstico da hiperglicemia de estresse na evolução intra-hospitalar na coronariopatia aguda

Carlos Passos PinheiroI; Marcos Danillo Peixoto OliveiraI; Gustavo Baptista de Almeida FaroI; Esdras Correa SilvaI; Eduardo Augusto Andrade da RochaI; José Augusto Soares Barreto-FilhoI,II; Joselina Luzia Menezes OliveiraI,II; Antônio Carlos Sobral SousaI,II

IDepartamento de Medicina - Universidade Federal de Sergipe, São Cristovão, SE

IIUnidade de Dor Torácica do Hospital e Fundação São Lucas, Aracaju, SE - Brasil

Correspondência Correspondência: Gustavo Baptista de Almeida Faro Rua Tenente Wendel Quaranta, 1517, Cirurgia CEP 49052-260, Aracaju, SE-Brasil E-mail: gustavofaro88@hotmail.com, faro_gustavo@yahoo.com.br

RESUMO

FUNDAMENTO: Na síndrome coronariana aguda (SCA), a hiperglicemia, à admissão hospitalar, está associada à presença de eventos adversos cardiovasculares em pacientes com ou sem diabetes.

OBJETIVO: Avaliar o valor prognóstico da hiperglicemia de estresse na evolução intra-hospitalar de pacientes admitidos por SCA.

MÉTODOS: Foram incluídos 152 pacientes admitidos, entre setembro de 2005 e fevereiro de 2010, em unidade de dor torácica de hospital terciário com diagnóstico de SCA, que apresentavam valor da glicemia laboratorial na admissão. O grupo I foi formado pelos pacientes com hiperglicemia de estresse, definida por glicemia na admissão > 126 mg/dL em não diabéticos e > 200 mg/dL nos diabéticos, e o grupo II pelos pacientes com níveis glicêmicos inferiores aos níveis estabelecidos. Analisou-se a associação da hiperglicemia e evolução intra-hospitalar.

RESULTADOS: A hiperglicemia de estresse associou-se a complicações intra-hospitalares, aumento da idade e gênero feminino. Na análise multivariada, apenas gênero feminino (OR = 2,04; IC95% 1,03 - 4,06, p = 0,007) e complicações intra-hospitalares (OR = 3,65; IC95% 1,62 - 8,19, p = 0,002) se associaram de forma independente à hiperglicemia na admissão.

CONCLUSÃO: A hiperglicemia de estresse é fator preditivo independente para complicações intra-hospitalares após SCA em pacientes diabéticos ou não. Os resultados alertam para a necessidade de avaliarmos a glicemia na admissão em todos os pacientes admitidos por SCA, incluindo os não diabéticos, com o intuito de identificarmos os indivíduos com maior risco de complicações.

Palavras-chave: Hiperglicemia / complicações, tempo de internação, prognóstico.

Introdução

Na síndrome coronariana aguda (SCA), a hiperglicemia de estresse é definida como elevados níveis glicêmicos à admissão hospitalar, sendo condição frequente1, presente em 25% a 50% dos pacientes admitidos por SCA2. A hiperglicemia de estresse na doença coronariana está associada à presença de eventos adversos cardiovasculares e aumento da mortalidade em pacientes com ou sem Diabetes Mellitus (DM)3-6.

O elevado valor da glicemia é ocasionado por uma resposta inflamatória e adrenérgica ao estresse isquêmico, ocorrendo liberação de catecolaminas e indução da glicogenólise1,7. A hiperglicemia associa-se ao aumento de ácidos graxos livres, que induzem arritmias cardíacas e resistência insulínica, provoca a inativação química do óxido nítrico e o desencadeamento da produção de espécies reativas de oxigênio, gerando estresse oxidativo, o qual produz disfunção microvascular e endotelial, estado pró-trombótico e inflamação vascular8-10. Relaciona-se a distúrbios do metabolismo miocárdico, levando a trombose, extensão da área lesada, diminuição da circulação colateral e pré-condicionamento isquêmico1,7. No entanto, o exato mecanismo fisiopatológico ainda não está bem estabelecido2.

Entretanto, não há um consenso sobre o valor glicêmico mínimo que condicionaria esse risco11. No estudo de Góis12 e Capes e cols.13 observou-se que o risco de complicações hospitalares em não-diabéticos e diabéticos com SCA ocorreria com valores de glicemia, respectivamente, maiores que 110 mg/dL e maiores ou iguais a 180 mg/dL. Já Timmer e cols.14 consideraram os valores acima 140 mg/dL para pacientes não diabéticos. No estudo HI-5, a mortalidade de seis meses foi consideravelmente maior entre os pacientes com infarto agudo do miocárdio (IAM) que mantinham média de glicose maior que 144 mg/dL15.

O presente estudo objetiva avaliar o valor prognóstico da hiperglicemia de estresse na evolução intra-hospitalar de pacientes admitidos por SCA.

Métodos

População de estudo

No período entre setembro de 2005 a fevereiro de 2010 foram admitidos no Registro de Síndrome Coronariana Aguda do Hospital São Lucas (SOLAR) 549 pacientes. O registro caracteriza-se como uma coorte intra-hospitalar no qual são incluídos pacientes admitidos na Unidade de Dor Torácica do Hospital São Lucas (Aracaju-SE) com diagnóstico de SCA e que foram internados para investigação e tratamento. Foram excluídos do registro os pacientes que não preencheram os critérios de SCA, se recusaram a disponibilizar seus dados para a pesquisa ou foram transferidos para outras unidades de saúde.

O diagnóstico de IAM foi estabelecido na presença de aumento e diminuição gradual da troponina ou da fração MB da creatinofosfoquinase (CK-MB), associado a pelo menos um dos seguintes critérios: sintomas isquêmicos; desenvolvimento de ondas Q patológicas ou alterações eletrocardiográficas indicativas de isquemia (elevação ou depressão do segmento ST). Já o diagnóstico de angina instável (AI) baseou-se no quadro clínico compatível, ausência de elevação das enzimas cardíacas e em um ou mais dos seguintes critérios: alterações isquêmicas no eletrocardiograma, que não o supradesnivelamento do segmento ST (SST), ou no ecocardiograma de estresse ou no teste ergométrico, ou eventualmente no ecocardiograma de repouso, associado a lesão coronariana demonstrada pela cineangiocoronariografia16.

Dos pacientes admitidos no registro nesse período, 397 foram excluídos por não apresentar valor da glicemia no momento da admissão hospitalar ou que seus resultados não foram mensurados a partir do laboratório da instituição, como a glicemia capilar. Portanto, a amostra foi constituída por 152 pacientes, os quais foram divididos em dois grupos. O grupo I foi formado pelos pacientes com hiperglicemia de estresse, definida por glicemia na admissão maior ou igual a 126 mg/dL em não diabéticos e maior ou igual a 200 mg/dL nos diabéticos. Já o grupo II foi composto pelos pacientes que apresentavam níveis glicêmicos na admissão menores que os estabelecidos.

Protocolo do estudo

Os grupos foram comparados quanto às características clínicas (idade, sexo, fatores de risco cardiovascular, antecedentes patológicos e terapêuticos), quadro clínico da admissão, forma de apresentação da SCA, exames laboratoriais, alterações eletrocardiográficas, ecocardiográficas, tratamento durante internação e evolução hospitalar.

Quanto aos fatores de risco cardiovascular, foram investigados história familiar de doença arterial coronariana (DAC), tabagismo, sedentarismo, hipertensão arterial sistêmica (HAS), DM e dislipidemia (DLP). Consideramos portadores de DM, HAS e DLP todos aqueles que afirmaram ser portadores dessas patologias ou que estivessem em tratamento com agente específico. História familiar positiva foi considerada para todos que afirmaram ter parente de primeiro grau com idade inferior a 55 anos para o sexo masculino e 65 para o sexo feminino, com história de IAM. O tabagismo foi considerado presente naqueles que consumiam regularmente, no mínimo um cigarro ao dia, por pelo menos 30 dias antes da admissão. Foram considerados ex-tabagistas pacientes com consumo prévio regular de tabaco em qualquer época da vida, exceto nos 30 dias anteriores à admissão. Sedentarismo foi considerado positivo para todos os que referiram não praticar qualquer atividade física, ou que o faziam com frequência inferior a três dias na semana ou com duração inferior a 90 minutos semanais17. Além disso, também foram pesquisados antecedentes de trombose venosa profunda (TVP), acidente vascular encefálico (AVE), insuficiência cardíaca congestiva (ICC), arritmias e uso de medicamentos prévios (anti-hipertensivos, anti-diabéticos, nitratos, digitálicos, antiagregantes plaquetários, hipolipemiantes e benzodiazepínicos).

Parâmetros da admissão, como a frequência cardíaca (FC), a pressão arterial sistólica (PAS) e diastólica (PAD), função renal (uréia e creatinina) e classificação Killip foram analisados.

O primeiro ecocardiograma realizado após a admissão hospitalar foi selecionado para análise. A variável comparada foi a fração de ejeção do ventrículo esquerdo.

A cineangiocoronariografia foi avaliada de acordo com a ocorrência ou não de lesões coronarianas. Quando presentes, as lesões foram classificadas em uni, bi ou triarteriais, conforme o número de coronárias principais com estenose da luz arterial > 50%, e se houve lesão de tronco da coronária esquerda18.

Seguimento

Os pacientes admitidos por SCA no Hospital São Lucas foram seguidos durante sua permanência hospitalar através de visitas diárias. Os indicadores utilizados para avaliar a evolução intra-hospitalar dos pacientes foram o número de dias de internação e a presença de complicações intra-hospitalares cardiovasculares: edema agudo de pulmão (EAP), AVE intra-hospitalar, choque, arritmia pós-infarto, parada cardiorrespiratória (PCR), óbito, complicações isquêmicas (como: angina, infarto, re-infarto e necessidade de nova intervenção invasiva) e não cardíacas (infecção e insuficiência respiratória de origem não cardiovascular).

Análise estatística

As variáveis categóricas foram descritas por número de casos e percentuais e as comparações entre os grupos realizadas através de testes não paramétricos: teste qui-quadrado (X2), análise bicaudal ou exato de Fisher. As variáveis quantitativas foram caracterizadas como média ± desvio padrão, sendo as comparações feitas mediante o teste T não pareado. Para identificar fatores independentemente associados à hiperglicemia de estresse recorreu-se inicialmente à regressão logística univariada, seguindo-se à análise por regressão logística multivariada, incluindo nesta as variáveis com p < 0,20 identificadas pela primeira. Utilizou-se para ajuste das variáveis o método de regressão logística através da estratégia "backward". Foram considerados significantes os valores de p < 0,05. As análises estatísticas foram processadas utilizando-se o softwareStatistical Package for the Social Sciences versão 17.0 (SPSS Inc., Chicago, Illinois).

Aspectos éticos

Os princípios éticos que regem a experimentação humana foram cuidadosamente seguidos e todos os pacientes envolvidos foram esclarecidos quanto aos objetivos do Registro de Síndrome Coronariana Aguda do Hospital São Lucas (SOLAR) e assinaram Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Foi requisitada ao Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Sergipe a extensão do projeto de pesquisa "Registro de Síndrome Coronariana Aguda SOLAR", previamente aprovado.

Resultados

Dos 152 pacientes incluídos no estudo, 90 (59,2%) são do gênero masculino e a média de idade foi de 63,3 ± 13,8 anos. O grupo que apresentou hiperglicemia na admissão foi composto por 67 pacientes (44,1%).

As características da população estudada estão descritas na tabela 1. Houve diferença estatística significativa, entre os grupos, apenas com relação à idade e ao gênero. O grupo I apresentou maior média etária (65,9 ± 13,5 anos vs 61,2 ± 13,8 anos, p = 0,04) e menos pacientes do gênero masculino (47,8% vs 68,2%, p = 0,011). Os dois grupos foram semelhantes quanto à distribuição dos fatores de risco para SCA, antecedentes de tabagismo, história familiar de DAC, sedentarismo, DLP, DM, HAS, ICC, arritmia, TVP e AVE. O mesmo ocorreu quanto ao uso prévio de medicamentos, como anti-hipetensivos, anti-diabéticos, nitrato, hipolipemiante, digitálico e benzodiazepínico.

Parâmetros da admissão, como FC, PAS, PAD, uréia, creatinina e classificação Killip foram semelhantes entre os grupos.

Após confirmação diagnóstica, observou-se semelhança entre os grupos quanto à forma de apresentação da SCA.

Quanto à média da fração de ejeção calculada no ecocardiograma não houve diferença entre os dois grupos estudados. A fração de ejeção média para o grupo I foi de 57,4 ± 12,9% e de 57,1 ± 13,5% para o controle (p = 0,881).

À cineangiocoronariografia não houve diferenças significativas com relação ao padrão arterial (p = 0,161).

A presença de hiperglicemia ou não na admissão não interferiu no tipo de tratamento realizado entre os portadores de SCA. O tratamento clínico foi realizado em 27 (40,3%) pacientes do grupo I e 23 (27,1%) do grupo II. Os trombolíticos não foram utilizados. A angioplastia foi a escolha em 38 (56,7%) pacientes do grupo I e 54 (63,5%) do grupo II. O grupo sem hiperglicemia apresentou a cirurgia de revascularização como terapia em oito (9,4%) pacientes vs três (4,5%) do outro grupo (p = 0,098).

Trinta e cinco pacientes (23%) apresentaram algum tipo de complicação intra-hospitalar (tabela 2). No grupo hiperglicêmico, 24 pacientes (35,8%) sofreram algum tipo de complicação intra-hospitalar vs apenas 11 pacientes (12,9%) do grupo controle, p = 0,001. Os pacientes com hiperglicemia apresentaram mais complicações cardíacas (25,4% vs 11,8%, p = 0,029): PCR (11,9% vs 2,4%, p = 0,018) e não cardíacas (22,4% vs 2,4%, p < 0,001): processo infeccioso (17,9% vs 2,4%, p = 0,001).

A mortalidade total do estudo foi de 4,6%, sendo semelhante entre os grupos. O mesmo ocorreu com as variáveis EAP intra-hospitalar, AVE, choque, arritmia pós-infarto, complicações isquêmicas e a presença de insuficiência respiratória de origem não cardíaca.

A média de dias de internamento dos pacientes com níveis glicêmicos elevados foi de 8,3 ± 10,2 dias vs 7,2 ± 5,7 dias do grupo controle, p = 0,403.

Por análise univariada (tabela 3), verificamos que as variáveis que se associaram a hiperglicemia de estresse foram complicações intra-hospitalares, idade e gênero feminino; não houve associação com a apresentação clínica (SCA com e sem SST). Destas, por análise multivariada, apenas gênero feminino (OR = 2,04; IC95% 1,03 - 4,06, p = 0,007) e as complicações intra-hospitalares (OR = 3,65; IC95% 1,62 - 8,19, p = 0,002), se associaram de forma independente a hiperglicemia na admissão.

A média da glicemia dos doentes pacientes que complicaram foi 220 ± 99,3 mg/dL, enquanto a dos demais foi 151 ± 64,9 mg/dL, p < 0,01. O gráfico 1 demonstra a média e o intervalo de confiança da glicemia na admissão entre os pacientes diabéticos e não diabéticos que apresentaram ou não complicações intra-hospitalares. A média da glicemia nos pacientes diabéticos que complicaram foi de 277 ± 86,1 mg/dL, enquanto que no grupo que evoluiu sem intercorrências foi 199 ± 72,3 mg / dL, p < 0,01. Já no grupo de não diabéticos, o grupo que cursou com complicações intra-hospitalares apresentou média de 152 ± 85,4 mg/dL e nos pacientes que não complicaram foi de 124 ± 40,9 mg/dL, p = 0,12.


Discussão

O impacto da hiperglicemia de estresse como fator de piores desfechos tem sido discutido por diferentes estudos que demonstraram significante aumento da mortalidade hospitalar e após a alta de pacientes com eventos cardiovasculares agudos, porém não se conseguiu estabelecer um valor glicêmico mínimo que poderia condicionar esse risco19-21. Em nosso estudo, aproximadamente 44% da amostra apresentou hiperglicemia na admissão. Segundo Góis12, a prevalência na literatura varia entre 25% a 50%. Essa grande variação provavelmente se deve aos diferentes pontos de corte entre os diversos estudos, pois não há um consenso de seu valor. O gráfico 1 ressalta que as médias das glicemias dos pacientes que complicaram foram maiores do que os que evoluíram bem entre os pacientes não-diabéticos e diabéticos. Isso permite supor que a glicemia pode estar relacionada ao mau prognóstico. De forma semelhante, Duarte e cols.22 encontraram uma média de glicemia maior entre os pacientes que complicaram e associou-se significativamente aos eventos intra-hospitalares.

Em relação aos valores da glicemia, no estudo de Capes e cols.13, observou-se que o risco de complicações hospitalares em não-diabéticos com SCA ocorreria com valores de glicemia maiores que 110 mg/dL e nos diabéticos com valores iguais ou maiores a 180 mg/dL de glicemia à chegada no hospital. Já Timmer e cols.14 consideraram a hiperglicemia de estresse valores acima 140 mg/mL para pacientes não diabéticos, mostrando ainda que o aumento da mortalidade não se limitava a pacientes com diabetes preexistente. No estudo HI-5, a mortalidade de seis meses foi maior entre os pacientes com IAM que mantinham média de glicose maior que 144 mg/dL15.

A associação entre a mortalidade e hiperglicemia de estresse, diferentemente do que aconteceu em outros trabalhos, provavelmente não ocorreu devido à pequena quantidade de eventos. Já a parada cardiorrespiratória, por ter maior número, apresentou relação com os níveis elevados glicêmicos (p = 0,018). Rocha e cols.23 sugeriram que glicemia elevada na admissão é fator preditivo independente de morte intra-hospitalar nos doentes não diabéticos admitidos por SCA.

Na análise multivariada, observamos que o fator em estudo está associado de forma independente ao sexo feminino e às complicações intra-hospitalares. A literatura está em concordância com esses resultados apontando a associação do sexo feminino com a hiperglicemia e a mortalidade intra-hospitalar11,23.

Barsheshet e cols.24 mostraram associação entre elevados níveis de glicemia na admissão e mortalidade intra-hospitalar e até 60 dias após alta hospitalar em pacientes não diabéticos após SCA. No estudo de Stranders e cols.25 a hiperglicemia na admissão foi preditor independente de morte em dois anos e meio em pacientes diabéticos ou não após evento coronariano.

Uma evidência indireta que confirma a ação deletéria da hiperglicemia de estresse nos desfechos do IAM foi evidenciada em estudos que observaram redução na mortalidade de pacientes diabéticos26 ou críticos27 por meio do controle glicêmico rígido através do uso de insulina no período intra-hospitalar28-30. Apesar de existirem recomendações para um controle glicêmico rigoroso em todos os doentes hospitalizados31, os níveis de glicemia não estão incluídos nos escores de risco de IAM32 e os consensos de SCA não sugerem estratégias diagnósticas ou terapêuticas com esse objetivo. É possível que o mesmo possa acontecer com os não diabéticos, porém são necessários estudos aleatorizados para estabelecer a utilidade da terapia intensiva dirigida ao controle da glicemia nos não diabéticos23.

O exato mecanismo pelo qual a hiperglicemia piora o prognóstico nos pacientes isquêmicos não está ainda bem estabelecido. Acredita-se que seu sua fisiopatologia baseia-se na disfunção endotelial e microvascular ocasionando um estado pró-trombótico produzido pela inflamação vascular. A disfunção endotelial inativa o óxido nítrico e incrementa o estresse oxidativo, o qual é responsável pela produção de espécies reativas de oxigênio10. A produção desses radicais leva à ativação de fatores de transcrição e crescimento e mediadores secundários. Por meio da lesão tecidual direta ou da ativação desses mediadores secundários, o estresse oxidativo induzido pela hiperglicemia causa lesão adicional ao miócito10,33. Pesquisas apontam que o estado pró-trombótico gerado pela hiperglicemia é oriundo da redução da atividade fibrinolítica plasmática e da ação do ativador do plasminogênio tecidual34.

Entretanto, vários estudos apontam para mecanismos secundários, como: diminuição da circulação colateral e consequente aumento da área de infarto; do pré-condicionamento isquêmico e promoção da apoptose; elevação das catecolaminas11; disfunção plaquetária; elevação da pressão arterial e prolongamento do intervalo QT; aumento de ácidos graxos livres, potenciais indutores de arritmias cardíacas e resistência insulínica; ocasionando o aumento de consumo de oxigênio e a piora da isquemia10,12.

O nosso estudo apresenta algumas limitações. A primeira diz respeito à natureza retrospectiva do estudo e à impossibilidade inerente de eliminar a existência de fatores de confusão. No entanto, a associação entre a hiperglicemia e as complicações intra-hospitalares persiste após ajustar para diversas características basais da amostra. Outra limitação reside no fato de se obter a dosagem da glicemia na admissão destes pacientes, sem conhecermos o estado prandial dos doentes. Do mesmo modo, como as medidas de glicemia capilar foram descartadas e a mesma geralmente é solicitada nos pacientes mais graves, a amostra no estudo pode ter sido selecionada entre os pacientes menos graves. Isto pode ter enfraquecido a associação encontrada entre a hiperglicemia e as complicações.

Conclusão

Em conclusão, a hiperglicemia na admissão, no nosso estudo, é fator preditivo independente de complicações intra-hospitalares após SCA em pacientes diabéticos e não diabéticos. Esses resultados alertam para a necessidade de avaliarmos a glicemia na admissão em todos os doentes admitidos por SCA, incluindo os não diabéticos, com o intuito de identificarmos os indivíduos com maior risco de complicações. Necessita-se de novos estudos para esclarecer se os níveis elevados de glicemia na admissão hospitalar são apenas marcadores de mau prognóstico ou contribuem para agravamento da SCA.

Contribuição dos autores

Concepção e desenho da pesquisa: Pinheiro CP, Barreto-Filho JAS, Oliveira JLM, Sousa ACS; Obtenção de dados: Pinheiro CP, Oliveira MDP, Faro GBA, Silva EC, Rocha EAA; Análise e interpretação dos dados: Pinheiro CP, Oliveira MDP, Faro GBA, Silva EC, Barreto-Filho JAS, Oliveira JLM, Sousa ACS; Análise estatística: Pinheiro CP, Oliveira MDP, Faro GBA; Redação do manuscrito: Pinheiro CP, Faro GBA, Silva EC, Sousa ACS; Revisão crítica do manuscrito quanto ao conteúdo intelectual: Pinheiro CP, Faro GBA, Silva EC, Rocha EAA, Barreto-Filho JAS, Oliveira JLM, Sousa ACS.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflito de interesses pertinentes.

Fontes de Financiamento

O presente estudo não teve fontes de financiamento externas.

Vinculação Acadêmica

Não há vinculação deste estudo a programas de pós-graduação.

Artigo recebido em 26/05/12; revisado em 09/10/12; aceito em 09/10/12.

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  • Correspondência:

    Gustavo Baptista de Almeida Faro
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      11 Mar 2013
    • Data do Fascículo
      Fev 2013

    Histórico

    • Recebido
      26 Maio 2012
    • Aceito
      09 Out 2012
    • Revisado
      09 Out 2012
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