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Sarcoma pericárdico de células sinoviais: relato de caso e revisão da literatura

RELATO DE CASO

Sarcoma pericárdico de células sinoviais: relato de caso e revisão da literatura

Sabrina Godoy BezerraI-III; Andrea Araújo BrandãoII; Denilson Campos AlbuquerqueI,II; Rochelle Coppo MilitãoI,III; Marcelo Souza HadlichI,III; Clerio Francisco AzevedoI-III

IInstituto D'Or de Pesquisa e Ensino (IDOR), Rio de Janeiro, RJ

IIUniversidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ

IIIRede Labs D'Or - Grupo Fleury, Rio de Janeiro, RJ - Brasil

Correspondência Correspondência: Clerio Francisco Azevedo Instituto D'Or de Pesquisa e Ensino - Rua Diniz Cordeiro 30, Botafogo CEP 22281-100, Rio de Janeiro, RJ, Brasil E-mail: cleriofilho@cardiol.br , clerio.azevedo@gmail.com

Palavras-chave: Sarcoma Sinovial / cirurgia, Neoplasias Cardíacas / cirurgia, Derrame pericárdico, Imagem por Ressonância Magnética.

Introdução

O sarcoma pericárdico de células sinoviais é um tumor maligno primário do coração extremamente raro e que apresenta prognóstico sombrio.

O objetivo deste relato é descrever o caso de uma paciente com sarcoma pericárdico de células sinoviais cuja apresentação inicial foi de derrame pericárdico importante e emagrecimento acentuado e que, apesar do tratamento, evoluiu para óbito em um ano. Em seguida, fazemos uma revisão da literatura médica acerca da epidemiologia, quadro clínico, relevância dos exames complementares de imagem, conduta terapêutica e prognóstico dessa neoplasia.

Relato do Caso

Paciente do sexo feminino, 29 anos, iniciou quadro de dispneia aos pequenos esforços que em quatro dias evoluiu para ortopneia; associada a dor precordial leve que melhorava com posição genupeitoral. Apresentou emagrecimento de 11kg em dois meses. Negava tabagismo ou etilismo. A mãe da paciente apresentara neoplasia de mama.

Ao exame, encontrava-se levemente taquipneica, com frequência respiratória de 24irpm e murmúrio vesicular diminuído em bases pulmonares, sem ruídos adventícios. Apresentava taquicardia, com frequência cardíaca de 110bpm, bulhas cardíacas hipofonéticas, pulso paradoxal caracterizado pela queda da pressão arterial de 105 x 63mmHg para 80 x 58mmHg durante a inspiração profunda e turgência jugular patológica a 45º.

O eletrocardiograma evidenciou sinais de baixa voltagem ventricular. No ecocardiograma, visualizou-se importante derrame pericárdico com sinais de restrição diastólica e imagem ovalada, hiperecogênica, com diâmetro de 2cm, no saco pericárdico, adjacente à parede do Átrio Esquerdo (AE), sugestiva de coágulo.

A paciente foi submetida a drenagem pericárdica de urgência com retirada de 1000 mL de líquido sero-hemorrágico, cuja análise laboratorial demonstrou tratar-se de exsudato com grande quantidade de hemácias; não foram identificadas bactérias à coloração de Gram, Bacilos Álcool-Ácido Resistentes (BAAR) ou células neoplásicas; e a dosagem de adenosina de aminase foi normal.

Após dez dias de internação hospitalar, estando clinicamente estável, a paciente recebeu alta para prosseguir a investigação ambulatorialmente. Com consulta marcada para a semana seguinte, a paciente não retornou senão depois de cinco meses, queixando-se de cansaço aos pequenos esforços.

Nessa ocasião, o ecocardiograma evidenciou grande massa hiperecogênica em topografia posterior, estendendo-se desde o AE até a porção média do Ventrículo Esquerdo (VE). No interior da massa havia imagens ovalares, hipoecogênicas, algumas com septações, sugestivas de necrose central.

Foi solicitada Ressonância Magnética (RM) cardíaca que identificou grande massa localizada dentro do saco pericárdico, adjacente à parede livre do AE e à porção médio-basal da parede lateral do VE, medindo 9,3 x 8,0 x 4,3 cm de diâmetros, heterogênea e com múltiplos septos no seu interior (Figura 1). A porção central da massa era hipointensa na sequência spin-eco ponderada em T1, hiperintensa na sequência spin-eco ponderada em T2 e não apresentou diminuição da intensidade do sinal na sequência com pré-pulso de saturação de gordura. À técnica de perfusão de primeira passagem, observou-se boa vascularização da periferia da massa e dos septos, e ausência de vascularização central significativa. Na sequência de realce tardio, houve intensa captação de gadolínio pela periferia da massa e pelos septos e ausência de captação de gadolínio pela região central. O aspecto sugeria um grande tumor maligno de pericárdio com múltiplas áreas de necrose central, aparentemente sem invasão das estruturas adjacentes pelo tumor.


Optou-se, então, por submeter a paciente à cirurgia cardíaca com objetivo de realizar a excisão completa da massa com fins diagnóstico e terapêutico.

No ato cirúrgico observou-se a presença de uma cápsula recobrindo a massa. A cápsula foi aberta e no seu interior foi identificado um grande tumor bastante friável, com aspecto de "carne de peixe" e que apresentava múltiplos septos e grande quantidade de material necrótico no seu interior. O tumor tinha limites imprecisos e estava extremamente aderido ao coração, sem plano de clivagem, impedindo sua excisão completa (Figura 2). Foi, portanto, realizada apenas uma ressecção parcial do tumor.


O estudo anatomopatológico evidenciou células fusiformescompatíveis com o diagnóstico de sarcoma pericárdico de células sinoviais.

Foram indicadas quimioterapia e radioterapia, porém a paciente, não aderindo inicialmente ao tratamento, somente iniciou a quimioterapia nove meses depois. Após o segundo ciclo, evoluiu com dispneia progressiva, febre, tosse seca e queda importante do estado geral. Internada de emergência, foi diagnosticada pneumonia comunitária grave associada a neutropenia importante. Apesar da prescrição de antibioticoterapia adequada, de fator estimulador de colônias de granulócitos recombinante humano e de todo o suporte de terapia intensiva, a paciente evoluiu em dois dias para insuficiência respiratória, choque séptico e óbito.

Discussão

Tumores cardíacos primários são raros, com incidência relatada de 0,05% em um estudo de 12.485 autópsias. O envolvimento secundário do coração e do pericárdio por tumores extracardíacos é vinte vezes mais comum que tumores cardíacos primários. As neoplasias que com mais frequência acometem secundariamente as estruturas cardíacas são os tumores de pulmão e de mama, melanoma e linfoma, seja por metástase a distância ou invasão direta1.

Aproximadamente 80% dos tumores cardíacos primários são benignos, dos quais o mixoma atrial é o mais comum. Cerca de 20% dos tumores cardíacos primários são malignos, sendo o sarcoma o mais encontrado, seguido por mesotelioma e linfoma2. Dentre os sarcomas cardíacos, o sarcoma pericárdico de células sinoviais é extremamente raro, se origina de células mesenquimais pluripotenciais e recebe esse nome devido a semelhança histológica com o tecido sinovial em formação3.

Os sinais e sintomas causados pelo sarcoma cardíaco primário são extremamente variáveis e inespecíficos. As manifestações clínicas podem ser divididas em quatro categorias: sistêmicas; embólicas; cardíacas; e secundárias a metástase.

As manifestações sistêmicas mais comuns são febre, calafrios, fadiga e perda de peso, e a paciente do presente caso apresentou emagrecimento importante de 11kg em dois meses. Manifestações embólicas ocorrem principalmente em sarcomas que invadem as cavidades cardíacas, podendo causar embolia pulmonar ou sistêmica. As manifestações cardíacas dependem da localização do tumor: predominantemente pericárdica, intramural ou intracavitária. No caso do sarcoma pericárdico, o quadro clínico inicial mais frequente é decorrente de derrame pericárdico hemorrágico volumoso e tamponamento cardíaco3,4. Os órgãos acometidos mais frequentemente por metástases de sarcoma cardíaco primário são pulmão, cérebro e osso.

Os métodos de imagem são extremamente importantes para o diagnóstico dos tumores cardíacos, que não raro são um achado incidental em exames realizados por outros motivos. No caso dos tumores pericárdicos, o ecocardiograma, além de poder identificar a massa, é importante na quantificação do derrame pericárdico e na avaliação da presença de sinais de restrição diastólica, como ocorreu no caso dessa paciente. A RM e a tomografia computadorizada ajudam na determinação da localização e extensão do tumor e na avaliação de invasão local de órgãos adjacentes, sendo essenciais para o planejamento cirúrgico. A RM, através da utilização de múltiplas técnicas, é importante para a caracterização tecidual detalhada do tumor, permitindo a avaliação de características sugestivas de malignidade5. Devido ao crescimento rápido dos tumores cardíacos malignos, eles podem apresentar áreas necróticas centrais caracterizadas por serem hipointensas na sequência spin-eco ponderada em T1, hiperintensas na sequência spin-seco ponderada em T2 e por não apresentarem captação de gadolínio nas sequências de perfusão e de realce tardio, como foi demonstrado no sarcoma pericárdico do presente caso. Outras características sugestivas de malignidade bem demonstradas pela RM incluem: envolvimento de mais de uma câmara cardíaca, seo tumor está aderido ao coração através de uma base larga, extensão extracardíaca e presença de derrame pericárdico5.

O sarcoma pericárdico é uma neoplasia extremamente agressiva e, portanto, na maioria dos casos não é possível realizar uma ressecção cirúrgica completa. Em um estudo com 24 pacientes, somente 22,7% dos sarcomas cardíacos ressecados apresentaram bordos livres de lesão6. A ressecção cirúrgica completa é o principal fator de impacto na sobrevida desses pacientes. Quimioterapia e radioterapia adjuvantes são recomendadas quando a cirurgia é incompleta ou para tumores recorrentes7. Porém, apesar do tratamento, o prognóstico dos pacientes com sarcoma cardíaco é reservado, com sobrevida média de apenas 25 meses6.

Esse relato descreveu um caso de sarcoma pericárdico de células sinoviais, um tumor cardíaco primário extremamente raro, que apesar do tratamento adequado apresenta prognóstico sombrio.

Artigo recebido em 06/12/12; revisado em 25/03/13; aceito em 25/03/13.

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  • Correspondência:

    Clerio Francisco Azevedo
    Instituto D'Or de Pesquisa e Ensino - Rua Diniz Cordeiro 30, Botafogo
    CEP 22281-100, Rio de Janeiro, RJ, Brasil
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      11 Fev 2014
    • Data do Fascículo
      Dez 2013
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