Acessibilidade / Reportar erro

Caso 6 / 2018 - Oclusão Percutânea de Grande Canal Arterial em Lactente de Baixo Peso, com Melhora Clínica e Radiográfica Imediatas

Palavras-chave
Lactente; Síndrome de Down; Cardiopatias Congênitas/cirurgia; Persistência do Canal Arterial/cirurgia

Dados clínicos

Lactente de 1 ano com síndrome de Down, sopro cardíaco auscultado desde o nascimento. Curso clínico tormentoso por atraso no desenvolvimento pôndero-estatural, taquipneia, cansaço às mamadas e infecções respiratórias de repetição, com hipersecreção pulmonar, em uso de captopril e furosemida.

Exame físico

Estado geral regular, taquipneica, acianótica, pulsos periféricos cheios e amplos. Peso: 8,6 Kg, estatura: 71cm, pressão arterial no membro superior direito: 80 x 40 mmHg, FC: 148 bpm, Sat O2: 97%. No precórdio o ictus cordis estava desviado para a esquerda, em impulsão sistólica nítida. Sopro contínuo em “maquinária”, melhor auscultado na borda esternal esquerda e irradiado para a região posterior do tórax. Fígado palpável a dois centímetros do rebordo costal direito e roncos difusos e estertores subcrepitantes nas bases pulmonares.

Exames complementares

Eletrocardiograma: ritmo sinusal (taquicárdico), com desvio do eixo para a esquerda e sobrecarga ventricular esquerda.

Radiografia de tórax: área cardíaca aumentada com índice cardiotorácico de 0,64, alargamento acentuado do pedículo vascular e aumento da trama vascular pulmonar (Figura 1A).

Figura 1
A) Radiografia de tórax pré-intervenção. Nota-se aumento global da silhueta cardíaca, com proeminência do átrio direito, ventrículo esquerdo e do pedículo vascular, além da trama vascular pulmonar. B) Radiografia do tórax cerca de 8h após a oclusão do defeito, onde pode se verificar diminuição expressiva do volume cardíaco, notadamente do átrio direito e do pedículo vascular, além da diminuição da trama vascular pulmonar

Ecocardiograma: aumento das câmaras esquerdas, dilatação importante do tronco pulmonar e das artérias pulmonares, e presença de canal arterial com shunt da esquerda para a direita, com menor diâmetro estimado em 4mm.

Diagnóstico clínico

Persistência do canal arterial de importante repercussão hemodinâmica em lactente com síndrome de Down.

Diagnóstico diferencial

Outros defeitos congênitos devem sempre ser lembrados em quadro clínico semelhante como: comunicações entre o lado sistêmico e pulmonar, a janela aortopulmonar que comunica a aorta ascendente e o tronco pulmonar, fístulas coronário-cavitárias e comunicações arteriovenosas em geral, drenagem anômala total das veias pulmonares, ruptura do seio de Valsalva e ainda a atresia pulmonar acompanhada de artérias brônquicas aumentadas ou grandes vasos colaterais sistêmico-pulmonares, que permitem aumentar o fluxo pulmonar.

Conduta

Devido à repercussão clínica da lactente e do déficit de ganho pôndero-estatural, a primeira conduta idealizada foi de oclusão percutânea através de técnicas de cateterismo intervencionista. O procedimento foi realizado através da punção de veia e artéria femorais, com válvulas hemostáticas 4F para minimizar o risco de lesões vasculares periféricas. Estudo manométrico revelou hipertensão pulmonar acentuada (TP = 45/25 mmHg), correspondendo à metade da pressão sistêmica. O ventrículo esquerdo apresentava volume diastólico final aumentado, mas com função contrátil conservada. O arco aórtico voltava-se para a esquerda e havia amplo canal arterial (Figura 2A), do tipo A, segundo a classificação de Krichenko, com extremidade pulmonar medindo 4,0 mm e a aórtica 8 mm, com ampola da aorta bem proeminente, medindo 12 mm de diâmetro. Neste caso, optamos por utilizar um dispositivo Amplatzer® ADO-I 10/8 com oclusão total do defeito após o seu implante (Figura 2B). A melhora clínica foi imediata com desaparecimento do sopro contínuo, respiração normalizada em conforto nítido. Na radiografia de tórax, cerca de 8 horas após o procedimento, notava-se diminuição acentuada da área cardíaca com índice cardiotorácico de 0,58 (Figura 1B). A paciente recebeu alta após 48h da internação.

Figura 2
A) Angiografia na aorta exibe a presença de grande canal arterial de diâmetro mínimo de 4 mm. B) Implante de dispositivo Amplatzer® ADO I -10/8, com completa oclusão do defeito

Comentários

Após a realização do fechamento percutâneo do canal arterial, notou-se imediatamente diminuição acentuada do hiperfluxo pulmonar, através do volume cardíaco diminuído e o menor pedículo vascular, evidenciados na radiografia de tórax (Figura 1B). Antes disso percebeu-se acentuada sobrecarga de volume imposta ao coração e as consequências hemodinâmicas à paciente com dispneia e retardo do desenvolvimento físico, consequentes do grande canal arterial. Conclui-se que a oclusão da persistência do canal arterial deve ser realizada o mais breve possível nesta situação clínica, sob a possibilidade das várias complicações obscurecerem a evolução como infecções respiratórias frequentes, e ainda pela progressão da hipertensão arterial pulmonar até a síndrome de Eisenmenger. As técnicas de oclusão através do cateterismo intervencionista são seguras e simples, e com a melhora do perfil dos catéteres e dos múltiplos dispositivos disponíveis para uso clínico, atualmente são as técnicas de primeira escolha para o tratamento de lactentes jovens e crianças.11 Kang SL, Jivanji S, Mehta C,Tometzki AJ, Derrick G, Yates R, et al. Outcome after transcatheter occlusion of patent ductus arteriosus in infants less than 6Kg: A National Study from United Kingdom and Ireland. Catheter Cardiovasc. Interv. 2017; 90(7):1135-44. Diversos artigos vem sendo publicados com experiência de diversos grupos mostrando a experiência da oclusão de canal arterial em prematuros extremos,22 Zhou K, Tang J, Hua Y,Shi X, Wang Y, Qiao L, et al. Transcatheter occlusion of patent ductus arteriosus in a preterm infant and review of literatures. Zhonghua Er Ke Za Zhi. 2016; 54 (11): 43-6.,33 Garg G, Garg V, Prakash A. Percutaneous closure of a large patent ductus arteriosus in a preterm newborn weighing 1400g without using arterial sheath: an innovative technique. Cardiol Young. 2018;28(3):494-7. utilizando apenas o acesso venoso e a monitorização do implante pelo ecocardiograma, reservando assim a técnica cirúrgica para situações anatômicas especiais.

References

  • 1
    Kang SL, Jivanji S, Mehta C,Tometzki AJ, Derrick G, Yates R, et al. Outcome after transcatheter occlusion of patent ductus arteriosus in infants less than 6Kg: A National Study from United Kingdom and Ireland. Catheter Cardiovasc. Interv. 2017; 90(7):1135-44.
  • 2
    Zhou K, Tang J, Hua Y,Shi X, Wang Y, Qiao L, et al. Transcatheter occlusion of patent ductus arteriosus in a preterm infant and review of literatures. Zhonghua Er Ke Za Zhi. 2016; 54 (11): 43-6.
  • 3
    Garg G, Garg V, Prakash A. Percutaneous closure of a large patent ductus arteriosus in a preterm newborn weighing 1400g without using arterial sheath: an innovative technique. Cardiol Young. 2018;28(3):494-7.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Nov 2018

Histórico

  • Recebido
    31 Jul 2018
  • Revisado
    08 Ago 2018
  • Aceito
    08 Ago 2018
Sociedade Brasileira de Cardiologia - SBC Avenida Marechal Câmara, 160, sala: 330, Centro, CEP: 20020-907, (21) 3478-2700 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil, Fax: +55 21 3478-2770 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revista@cardiol.br