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Enquete: testemunha de jeová

CARTA AO EDITOR

Enquete - testemunha de jeová

Max Grinberg; Graziela Zlotnik Cshehaibar

Instituto do Coração - FMUSP, São Paulo, SP - Brasil

Correspondência Correspondência: Max Grinberg Rua Manoel Antonio Pinto, 04 ap. 21 A - Paraisópolis 05663-020 - São Paulo, SP - Brasil E-mail: grinberg@incor.usp.br, max@cardiol.br

Palavras-chave: Testemunhas de Jeová/psicologia, códigos de ética, transfusão de sangue.

Senhor Editor,

O médico faz recomendações que conflitam com o exercício da autonomia pelo paciente. A indicação de tratamento cirúrgico com potencial de transfusão de sangue a pacientes Testemunha de Jeová (pTJ) é exemplo marcante.

Segundo Grinberg¹, "a beira do leito do pTJ comporta-se como excelente laboratório sobre atitudes da equipe de saúde. Ela testemunha várias combinações de atitudes do médico e do paciente".

O pTJ recusa-se à transfusão de sangue e componentes primários por interpretação de trechos bíblicos, como Gênesis 9:3, 4; Levíticos 17:13, 14 e Atos 15:19, 21. A transfusão ganha analogia com o ato de comer sangue e, por isso, levaria à "perda da vida eterna"². O risco iminente de morte do paciente traz notórios dilemas de natureza ética.

A questão é considerada de forma heterogênea por diversos países. Na Inglaterra, a autonomia do paciente tende a ser respeitada integralmente: "Pacientes tem o direito de recusar tratamento médico por razões que sejam racionais ou irracionais ou sem motivo"³.

No Brasil, o Código Penal, em seu artigo 135, deixa claro que o médico pode ser acionado por omissão de socorro no caso de não aplicar uma terapêutica que pode salvar o paciente, tendo condições de fazê-lo (BRASIL, 1940). Há o reforço pelo Conselho Federal de Medicina (Resolução nº 1.021/80), que estabelece que nos casos de iminente perigo à vida se deve realizar a transfusão de sangue "independentemente de consentimento do paciente ou de seus responsáveis" (CFM, 1980).

O Estado de São Paulo tem a Lei nº 10.241, conhecida como Lei Mário Covas, cujo artigo 2, inciso VII, permite ao paciente "consentir ou recusar, de forma livre, voluntária e esclarecida, com adequada informação, procedimentos diagnósticos ou terapêuticos a serem nele realizados" (São Paulo, 1999).

O pTJ tem como hábito apresentar um documento registrado em cartório com duas testemunhas, visando a preservar o direito à autonomia e a isentar o médico e a equipe de responsabilidade legal pela não aplicação de transfusão de sangue4. Contudo, o documento suscita interpretações contraditórias.

Alguns médicos acreditam que a manutenção da vida é prioridade do cuidado médico e que o respeito pelas crenças depende dos valores de cada profissional.

Em meio a leis, códigos, documentos e pressões de pacientes, familiares e colegas, o médico brasileiro tem tomado decisões não uniformes.

A enquete sobre a tomada de decisão quanto à transfusão de sangue em pTJ no site da Sociedade Brasileira de Cardiologia, associada à enquete Conduta em Paciente Testemunha de Jeová sob o Enfoque Bioética5, provocou a participação de 564 médicos cardiologistas e mostrou que 56,7% aceitam tratar o pTJ com diferentes entendimentos quanto à autonomia do paciente.

43,4% optaram pela recusa em cuidar do paciente. O médico e a equipe multiprofissional têm o compromisso com a vida, entendida como a vida terrena. Fizeram um juramento e estão sujeitos a um código de ética. O desejo é aplicar métodos beneficentes e, no caso de não os poder utilizar, preferem não assumir o caso.

A segunda opção mais votada, com 33,9%, foi a de tratar o paciente e transfundir se necessário. Tem-se o respaldo em leis e códigos de ética que privilegiam a autonomia do médico, independentemente da vontade do paciente, nos casos de iminente perigo à vida. O médico sente-se amparado para agir no sentido de preservar a vida terrena, de acordo com os próprios valores.

A terceira opção, com 22,7% dos votos, foi tratar o paciente e não realizar a transfusão de sangue em quaisquer circunstâncias. O resultado mostra que um número significativo de médicos adota a postura aceita que é dar ao paciente plena autonomia, mesmo que essa decisão possa ter consequências legais e éticas. Essa postura é semelhante à adotada em alguns países como a Inglaterra e o Japão. De acordo com a conclusão de Chua e Tham6, é "essencial que os profissionais de saúde respeitem a autonomia e a decisão feita por cada paciente TJ, embora possa não estar de acordo com os melhores interesses e crenças dos médicos". No campo prático, há médicos que se esforçam em conciliar o desejo do paciente com os recursos disponíveis para atender.

Artigo recebido em 10/02/10; revisado recebido em 10/02/10; aceito em 03/03/10.

  • 1. Grinberg M. Considerações sobre Testemunhas de Jeová. In. Bioética clínica: reflexões e discussões sobre casos selecionados. Centro de Bioética do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo. São Paulo: CREMESP; 2008. p. 155-70.
  • 2. Smith ML. Ethical perspectives on Jehovah's Witnesses' refusal of blood. Clev Clin J Med. 1997; 64 (9): 475-81.
  • 3. Woolley S. Jehovah´s Witnesses in the emergency department: what are their rights? Emerg Med J. 2005; 22: 869-71.
  • 4. Gohel MS, Bulbulia RA, Slim FJ, Poskitt KR, Whyman MR. How to approach major surgery patients refuse blood transfusion (including Jehovah's Witnesses). Ann R Coll Engl. 2005; 87 (3): 3-14.
  • 5. Grinberg M, Chehaibar G. Conduta em paciente Testemunha de Jeová sob o enfoque da bioética. Arq Bras Cardiol. 93(5): e85.
  • 6. Chua R, Tham K.F. Will "no blood" kill Jehovah Witnesses? Singapore Med J. 2006; 47 (11): 994-1002.
  • Correspondência:
    Max Grinberg
    Rua Manoel Antonio Pinto, 04 ap. 21 A - Paraisópolis
    05663-020 - São Paulo, SP - Brasil
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      26 Jan 2011
    • Data do Fascículo
      Dez 2010
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