Resumos
FUNDAMENTO: A telecardiologia é instrumento que pode auxiliar na atenção cardiovascular, principalmente em municípios localizados em áreas remotas. Entretanto, as avaliações econômicas sobre o assunto são escassas e com resultados controversos. OBJETIVO: Avaliar o custo-benefício da implantação do serviço de telecardiologia em municípios remotos, de pequeno porte, no estado de Minas Gerais, Brasil. MÉTODOS: O estudo utilizou a base de dados do Projeto Minas Telecardio (MTC), desenvolvido de junho/2006 a novembro/2008, em 82 municípios do interior do estado. Cada município recebeu um microcomputador com eletrocardiógrafo digital, com possibilidade de envio dos traçados e comunicação com plantão de cardiologia em pólo universitário. A análise custo-benefício foi realizada comparando o custo de realização de um ECG no projeto MTC ao custo de realizar este exame por encaminhamento em outra localidade. RESULTADOS: O custo médio de um ECG no projeto MTC foi de R$ 28,92, decomposto em R$ 8,08 referente ao custo de implantação e R$ 20,84 ao de manutenção do programa. A simulação do custo do ECG com encaminhamento variou de R$ 30,91 a R$ 54,58, sendo a relação custo-benefício sempre favorável ao programa MTC, independente da forma de cálculo da distância de encaminhamento. Nas simulações, foram consideradas as abordagens do financiador e da sociedade. A análise de sensibilidade com variação dos parâmetros de calibração confirmou esses resultados. CONCLUSÃO: A implantação de sistema de telecardiologia como apoio a atenção primária em cidades brasileiras de pequeno porte é factível e economicamente benéfica, podendo ser transformada em programa regular do sistema público de saúde.
Análise custo-benefício; telemedicina; Brasil; assistência à saúde
BACKGROUND: Telecardiology is a tool that can aid in cardiovascular care, mainly in towns located in remote areas. However, economic assessments on this subject are scarce and have yielded controversial results. OBJECTIVE: To evaluate the cost-benefit of implementing a Telecardiology service in remote, small towns in the state of Minas Gerais, Brazil. METHODS: The study used the database from the Minas Telecardio (MTC) Project, developed from June 2006 to November 2008, in 82 towns in the countryside of the state. Each municipality received a microcomputer with a digital electrocardiograph, with the possibility of transmitting ECG tracings and communicating with the on-duty cardiologist at the University hospital. The cost-benefit analysis was carried out by comparing the cost of performing an ECG in the project versus the cost of performing it by patient referral to another city. RESULTS: The average cost of an ECG in the MTC project was R$ 28.92, decomposed into R$ 8.08 for the cost of implementation and R$ 20.84 for maintenance. The cost simulation of the ECG with referral ranged from R$ 30.91 to R$ 54.58, with the cost-benefit ratio being always favorable to the MTC program, regardless of the type of calculation used for referral distance. The simulations considered the financial sponsor's and society's points-of-view. The sensitivity analysis with variation of calibration parameters confirmed these results. CONCLUSION: The implementation of a Telecardiology system as support to primary care in small Brazilian towns is feasible and economically beneficial, and can be used as a regular program within the Brazilian public health system.
Cost-benefit analysis; telemedicine; Brazil; health care assistance
Custo-benefício do serviço de telecardiologia no Estado de Minas Gerais: projeto Minas Telecardio
Mônica Viegas AndradeI,II; Ana Carolina MaiaI,II,III; Clareci Silva CardosoI,IV; Maria Beatriz AlkmimI; Antônio Luiz Pinho RibeiroI,V,VI
ICentro de Telessaúde do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG
IIDepartamento de Economia e Grupo de Estudos em Economia da Saúde e Criminalidade - Faculdade de Ciências Econômicas, UFMG
IIIDepartamento de Economia, Universidade Federal de Alfenas
IVCampus Dona Lindu, Divinópolis, Universidade Federal de São João del Rey
VDepartamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da UFMG
VINúcleo de Avaliação de Tecnologias do Hospital das Clínicas da UFMG, afiliado ao Instituto para Avaliação de Tecnologia em Saúde - CNPq- Brasil
Correspondência Correspondência: Antônio Luiz Pinho Ribeiro Rua Campanha, 98 / 101 - Carmo 30310-770 - Belo Horizonte, MG - Brasil E-mail: antonior@cardiol.br, antonior@uai.com.br
RESUMO
FUNDAMENTO: A telecardiologia é instrumento que pode auxiliar na atenção cardiovascular, principalmente em municípios localizados em áreas remotas. Entretanto, as avaliações econômicas sobre o assunto são escassas e com resultados controversos.
OBJETIVO: Avaliar o custo-benefício da implantação do serviço de telecardiologia em municípios remotos, de pequeno porte, no estado de Minas Gerais, Brasil.
MÉTODOS: O estudo utilizou a base de dados do Projeto Minas Telecardio (MTC), desenvolvido de junho/2006 a novembro/2008, em 82 municípios do interior do estado. Cada município recebeu um microcomputador com eletrocardiógrafo digital, com possibilidade de envio dos traçados e comunicação com plantão de cardiologia em pólo universitário. A análise custo-benefício foi realizada comparando o custo de realização de um ECG no projeto MTC ao custo de realizar este exame por encaminhamento em outra localidade.
RESULTADOS: O custo médio de um ECG no projeto MTC foi de R$ 28,92, decomposto em R$ 8,08 referente ao custo de implantação e R$ 20,84 ao de manutenção do programa. A simulação do custo do ECG com encaminhamento variou de R$ 30,91 a R$ 54,58, sendo a relação custo-benefício sempre favorável ao programa MTC, independente da forma de cálculo da distância de encaminhamento. Nas simulações, foram consideradas as abordagens do financiador e da sociedade. A análise de sensibilidade com variação dos parâmetros de calibração confirmou esses resultados.
CONCLUSÃO: A implantação de sistema de telecardiologia como apoio a atenção primária em cidades brasileiras de pequeno porte é factível e economicamente benéfica, podendo ser transformada em programa regular do sistema público de saúde.
Palavras-chave: Análise custo-benefício, telemedicina, Brasil, assistência à saúde.
Introdução
Minas Gerais é um Estado brasileiro com elevado número de municípios que apresenta significativa heterogeneidade socioeconômica, que se reflete no perfil epidemiológico, na estrutura demográfica, na estrutura de oferta de serviços de saúde e, consequentemente, no acesso aos serviços de saúde1,2.
No contexto de elevado número de municípios com pequeno porte populacional, a gestão da oferta de serviços de saúde pode ficar comprometida. O provimento eficiente desses serviços, tanto do ponto de vista da eficácia, quanto da viabilidade financeira, depende da escala populacional.
Uma tecnologia de cuidado da saúde relativamente pouco difundida no Brasil, mas que pode ser uma alternativa viável para contornar as dificuldades impostas pelo nosso desenho geopolítico, é o uso de serviços de telessaúde. A telemedicina é o exercício da medicina à distância através dos meios de telecomunicações3. Diversos países têm utilizado os serviços de telessaúde como alternativa de tratamento4,5, inclusive no caso das doenças cardiovasculares6. Entretanto, a qualidade metodológica da maioria dos estudos em telemedicina e telecardiologia tem sido considerada questionável5,7 e não são suficientes para comprovação de eventuais benefícios econômicos da telecardiologia7.
Em 2006, em Minas Gerais, foi iniciado o projeto Minas Telecardio (MTC), que implantou os serviços de telecardiologia em 82 municípios mineiros de pequeno porte8-10. Os serviços foram prestados a partir do estabelecimento da rede de telecardiologia, constituída por cinco hospitais universitários que recebem a transmissão de eletrocardiogramas pela internet e exercem outras atividades de telemedicina. O projeto foi bem sucedido no que se refere à implantação e à manutenção, sendo bem avaliado pelas equipes de saúde dos municípios e reduzindo substancialmente os encaminhamentos desnecessários8.
O objetivo deste trabalho é avaliar a relação custo-benefício do projeto MTC, considerando a hipótese de que há benefício econômico na realização do eletrocardiograma através da telecardiologia, em comparação com o encaminhamento do paciente para realização do exame em outras localidades de referência.
Métodos
O projeto Minas Telecardio
O projeto MTC se propôs a implantar atividades de telecardiologia em municípios de pequeno porte do interior de Minas Gerais (MG) e aferir a efetividade e o custo do sistema no atendimento às doenças cardiovasculares isquêmicas. A metodologia do projeto foi descrita detalhadamente em outros artigos e serão revistos aqui apenas os aspectos essenciais8-10.
O projeto foi elaborado pelos hospitais universitários públicos de Minas Gerais no âmbito do edital no 008/2005 da Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais (FAPEMIG), com apoio da Secretaria de Estado da Saúde de Minas Gerais (SES-MG) e da FINEP Financiadora de Estudos e Projetos. O Edital solicitou propostas de pesquisa para subsidiarem a implantação, aperfeiçoamento e avaliação da efetividade de um sistema piloto de telemedicina em cardiologia. Dentro dessa proposta, foi constituída a Rede Mineira Telecardiologia com integração de cinco instituições universitárias e públicas mineiras que dispunham de hospital-escola: Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), que detém a coordenação do projeto, Universidade Federal de Uberlândia (UFU), Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM), Universidade Estadual de Montes Claros (UNIMONTES) e a Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF).
Cada instituição universitária originária se constituiu num pólo de implantação e acompanhamento das atividades do MTC. Os médicos cardiologistas que realizam a análise dos eletrocardiogramas ficam sediados nos pólos, os quais se revezam em esquema de plantão para prestar atendimento a todo o Estado de Minas Gerais.
Um total de 82 municípios do interior do Estado de Minas Gerais foi incluído no estudo, de acordo com os seguintes critérios de elegibilidade: taxa de atendimento pelo Programa Saúde da Família - PSF igual ou maior que 70%; população de até 10.500 habitantes; municípios carentes e com taxas pequenas de morbimortalidade por infarto agudo do miocárdio, como forma de controlar o viés de subnotificação, habitualmente mais expressivo em regiões mais carentes9-10. Cada município recebeu um microcomputador de configuração avançada, uma webcam, uma impressora e um eletrocardiógrafo digital de 12 derivações. O software do ECG inclui informações de identificação do paciente, comorbidades e fatores de risco para as doenças cardiovasculares, medicamentos em uso, investigação de dor torácica e hipótese diagnóstica.
O projeto atendeu aos municípios durante período de 30 meses, de junho de 2006 a novembro de 2008, oferecendo atividades clínicas em telemedicina por meio de plantões realizados por especialistas em cardiologia, responsáveis pela análise de todos os eletrocardiogramas enviados pelos municípios e discussões online dos casos clínicos. O plantão em cardiologia funcionou em esquema de rodízio entre os pólos universitários e atendeu a todos os municípios participantes. Para cada ECG foi emitido um laudo que foi devolvido prontamente ao município de origem. Utilizou-se software de comunicação para interação via chat, voz, imagem e arquivos entre os usuários, e um sistema WEB desenvolvido pela equipe do projeto para gerenciamento de teleconsultorias online e offline8-10.
Aferição dos custos do projeto Minas Telecardio
A aferição dos custos do projeto MTC foi realizada mediante a contabilização de todos os gastos realizados pelo mesmo. Nesse caso, os gastos e custos são equivalentes dado que os desembolsos foram realizados a preços de mercado e não foram concedidos subsídios específicos aos dispêndios do projeto. O projeto MTC foi financiado pela FAPEMIG (com aportes de recursos da FINEP e SES/MG), com apoio do CNPq.
A instituição executora do projeto foi a Universidade Federal de Minas Gerais, que tem como unidade gestora dos recursos financeiros dos projetos de pesquisa a Fundação de Desenvolvimento a Pesquisa Fundep. As informações sobre os gastos relativos ao projeto MTC foram obtidas junto ao site da Fundep (www.fundep.br). O site disponibiliza o extrato e toda a movimentação financeira do projeto separada por rubrica. Para a análise do custo do projeto foram coletados os dados de cada uma das rubricas, sendo os valores computados a preços de junho de 2008, inflacionados segundo o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). Para fins de referência, a cotação do dólar em 15 de junho de 2008 era de 1,64 reais. Os gastos relacionados à compra de 30 computadores e 05 equipamentos de videoconferência, destinados aos centros de telessaúde dos hospitais universitários foram excluídos dos custos por não estarem diretamente relacionados às atividades avaliadas neste estudo (Valor nominal de R$191.099,98).
Tipologia dos custos
Os custos do projeto MTC foram classificados em três categorias, custo de implantação, custo de manutenção e custo de avaliação. Essa tipologia reflete as categorias de custos associadas às distintas atividades. O custo de implantação refere-se ao gasto total realizado para a implantação do projeto nos 82 municípios mineiros contemplados. A implantação do projeto ocorreu no período de agosto de 2006 a dezembro de 2006, de forma que todos os registros financeiros incluídos nessa categoria foram realizados neste período. No cômputo dos custos de implantação, para fins da avaliação custo-benefício, consideramos uma taxa de depreciação de 20%/ano. Como a mudança tecnológica no setor de telecomunicações tem sido muito intensa é razoável supor que os equipamentos não têm vida útil superior a 5 anos.
Os custos com a manutenção do projeto compreendem todos os gastos realizados para manter o projeto ativo e os custos de avaliação se referem aos valores gastos no estudo de avaliação do projeto, sendo constituído basicamente de remuneração aos pesquisadores.
O Quadro 1 sintetiza as três categorias de gasto e seus componentes.
Análise custo-benefício
A análise custo-benefício compara os custos de realização da intervenção aos benefícios desta em valores monetários, sendo um instrumento usual na decisão de política econômica e consiste da comparação dos custos aos benefícios de determinada intervenção ou programa na métrica monetária. A principal vantagem da análise custo-beneficio é que esta gera diretamente uma indicação de política econômica. Uma relação custo-benefício negativa significa que os benefícios superam os custos da intervenção, sendo, portanto, favorável à implementação.
Essa abordagem tem como pressuposto a necessidade de realização dos exames de ECG, sendo que, neste trabalho, a análise custo-benefício foi realizada conforme diretrizes estabelecidas11,12, comparando o custo de realização de um ECG no projeto MTC aos custos projetados para realizar o mesmo exame em outra localidade, tendo o município como a unidade de análise. O benefício do programa refere-se ao acesso ao ECG no próprio município de residência dos pacientes. Para aferir esse benefício é necessário calcular o custo do deslocamento que os indivíduos teriam que realizar para obter o ECG na ausência do programa.
Como o município de destino não foi empiricamente observado e não existem parâmetros institucionais pré-determinados na Programação Pactuada Integrada para o caso específico do ECG, aferimos o benefício do programa supondo dois cenários possíveis de deslocamento dos pacientes. No cenário um, consideramos que os pacientes realizam o ECG no município de menor distância geográfica onde exista disponibilidade de oferta do serviço de ECG e de médico cardiologista. No cenário dois, consideramos que os pacientes seriam atendidos no pólo microrregional, o qual, segundo os parâmetros definidos pela SES-MG, deve apresentar a oferta de procedimentos de média complexidade. Esse segundo cenário pode ser interpretado como a distância máxima de deslocamento dos pacientes, o que nos permite inferir o custo máximo de deslocamento dos pacientes, que nos permite inferir o benefício máximo do programa.
Para calcular o custo de deslocamento dos pacientes, incluímos as seguintes categorias de dispêndio: o custo de transporte, que em geral é realizado pelas prefeituras, o custo com alimentação durante o período de ausência do domicílio e o custo de oportunidade do indivíduo por perder o dia de trabalho. O custo de oportunidade se refere ao valor da renda do trabalho que o indivíduo está deixando de ganhar por despender o tempo deslocando-se para outro município, em busca da realização do serviço médico. Essas categorias se referem aos custos diretos associados ao deslocamento do indivíduo. A inclusão ou não de determinadas categorias de dispêndio está associada à perspectiva do estudo11,12. Na perspectiva da sociedade, é usual a inclusão tanto dos custos diretos de responsabilidade do governo (no caso, as prefeituras) como os custos de responsabilidade do indivíduo. Na perspectiva do governo, que equivale à ótica do financiamento, é razoável incluir apenas o custo de transporte dos indivíduos ao município vizinho. Avaliamos, assim, o custo-benefício sem inclusão (situação A) e com inclusão (situação B) de custos de alimentação e de oportunidade dos indivíduos.
No cálculo do benefício do programa, computamos, além do custo do deslocamento, do custo de alimentação e do custo de oportunidade, o custo do ECG que seria realizado pelo SUS na ausência do projeto MTC e da consulta médica em atenção especializada. O exame de ECG em valores de julho de 2008 é tabelado pelo SUS em R$ 5,15 (cinco reais e quinze centavos) e a consulta médica em R $10,00 (dez reais).
O Quadro 2 descreve as categorias de custo incluídas na análise. O custo de transporte é composto do custo com o combustível e o custo com a remuneração do motorista. Não foi computado valor para aluguel de veículo, pois, em geral, as prefeituras possuem carro próprio para realização desse tipo de atendimento.
Para proceder à análise custo-benefício é necessário calcular o custo médio do ECG realizado no projeto MTC, incluindo o custo de implantação e de manutenção do projeto. Nesse caso, não incluímos os custos de avaliação, uma vez que estes não estão diretamente relacionados à produção do ECG propriamente dita. Os custos de implantação, que pela taxa de depreciação de 20% ao ano seriam dissolvidos em 5 anos, foram calculados proporcionalmente ao período de 30 meses de vigência do projeto.
Calculo de benefício
Com o objetivo de apurar os benefícios do programa, foram selecionados inicialmente os municípios que não dispunham de eletrocardiógrafo e médico cardiologista. Para realizar essa análise, utilizamos duas fontes de informações: o Sistema de Informações Ambulatorial SIA-SUS referente ao período de segundo semestre de 2006 ao segundo semestre de 2007 e as informações do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES), referente ao período de novembro de 2006.
No SIA, apuramos a produção de eletrocardiogramas no município. O SIA é o sistema de pagamento dos procedimentos ambulatoriais do Sistema Único de Saúde, de maneira que constitui a informação mais fidedigna sobre a disponibilidade de um determinado tipo de serviço no município. Muitas vezes, pode ocorrer do município declarar no CNES a existência de um equipamento, mas este não estar sendo utilizado por falta de mão de obra, por exemplo. No CNES apuramos a existência de médico cardiologista no município. Nesse caso, utilizamos as informações mais atualizadas do cadastro. Como o CNES é um sistema dinâmico que vai sendo alimentado mensalmente, as informações podem variar em função da variação da oferta de profissionais no município. Utilizamos as informações do CNES referentes a novembro de 2006, período de implantação do projeto MTC.
O segundo procedimento no cálculo do beneficio do MTC consiste em identificar o município vizinho ao município integrante do programa com oferta de médico cardiologista e produção de ECG. Identificado o município, foram calculadas as distâncias entre os municípios. O cálculo da distância entre os municípios foi realizado considerando as malhas municipal e rodoviária do Estado de Minas Gerais (Banco de dados INGEO/ Ministério do Planejamento, 2002). Para calcular o custo do combustível necessário para realizar o deslocamento, parametrizamos o número de quilômetros percorridos pelo veículo. Esse parâmetro foi calibrado considerando os valores de 8 a 10 quilômetros por litro de gasolina.
O cálculo do salário/hora do motorista foi realizado utilizando a Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios (PNAD) de 2007. Através da PNAD, obtivemos o valor do salário-hora médio que constitui o valor de referência do parâmetro. O intervalo de variação foi construído considerando o intervalo de um a quatro salários mínimos como remuneração mensal e supondo uma jornada de 40 horas semanais. O número de horas gasto para realizar o deslocamento dos pacientes foi calibrado em dois valores: 4 ou 8 horas. A hipótese é que o motorista, dependendo da distância, pode realizar um ou dois deslocamentos com pacientes por dia. Os custos de transporte foram calculados supondo que o número de pessoas transportadas no veículo varia de um a quatro pessoas.
No caso do salário/hora dos indivíduos, que é a proxy para o custo de oportunidade de perda de um dia de trabalho, o valor de referência foi calculado utilizando o valor do salário-hora médio para os indivíduos residentes em Minas Gerais e que utilizam o sistema público de saúde. Esses dados só estão disponíveis na PNAD 2003. Os valores foram inflacionados para junho de 2008. O intervalo de variação do salário-hora dos usuários foi construído considerando o mesmo intervalo do salário-hora dos motoristas, qual seja remuneração mensal variando de um a quatro salários mínimos.
O Quadro 3 resume todos os parâmetros utilizados e os intervalos que serão testados na análise de sensibilidade.
Aspectos éticos
Esta investigação foi aprovada por Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais, sob parecer 0507/2006, com consentimento livre e esclarecido para todo participante do estudo, incluindo gestores, equipe de saúde e paciente. Todo profissional envolvido com manuseio de dados no âmbito desta investigação assinou um termo de sigilo e confidencialidade em relação às informações, comprometendo-se a resguardar o prontuário eletrônico do paciente. O Centro de Telessaúde do Hospital das Clínicas da UFMG, responsável pela implantação do sistema de telecardiologia, encontra-se registrado no Conselho Regional de Medicina, seguindo as normas da resolução CFM nº 1.643/2002.
Resultados
Resultados de custos
A Tabela 1 apresenta o total dos custos do programa no período de junho de 2006 a dezembro de 2008, discriminados por categoria a preços de junho de 2008, sendo que os custos de implantação são referentes ao período 6 meses iniciais. Todos os valores foram inflacionados considerando o IPCA. O custo total do projeto é de R$ 2.133.941,18, sendo que a categoria mais relevante são os custos de manutenção do programa, que respondem por 61% do custo total.
A fim de apurar o custo médio de cada exame de ECG, computamos os eletrocardiogramas realizados em cada município no projeto MTC, no período de agosto de 2006 a dezembro de 2008. Em todo o Estado de Minas Gerais, nos 30 meses do projeto, foram realizados 64.000 ECGs, dos quais 62.865 estavam disponíveis para análise com dados completos (97%). O custo médio de um ECG no projeto MTC, no período de agosto de 2006 a dezembro de 2008, foi de R$ 28,92, sendo o custo de implantação de R$ 8,08 e o de manutenção de R$ 20,84.
Resultados da análise custo-benefício
Nas Tabelas 2 e 3, apresentamos os parâmetros calibrados nos valores de referência e os resultados encontrados, considerando os dois cenários de deslocamento dos pacientes. A Tabela 2 apresenta os resultados quando supomos que os pacientes se deslocam para o município mais próximo que apresenta oferta de ECG e de médico cardiologista (Cenário 1). A Tabela 3 apresenta os resultados quando supomos os deslocamentos dos pacientes para o pólo-microrregional (Cenário 2). Em cada tabela, simulamos duas situações. Na situação A, apenas o custo do transporte com o paciente está incluído no benefício, e, na situação B, o custo do deslocamento inclui os componentes de custo de oportunidade do paciente e o custo com alimentação.
Os resultados apresentados mostram que a relação custo-benefício do programa MTC é sempre favorável, independente da forma de cálculo da distância. Considerando que o deslocamento é realizado ao município mais próximo (cenário 1), na situação A, quando incluímos como benefício do programa apenas o custo do deslocamento somado ao custo do ECG e da consulta especializada, a relação custo-benefício é favorável ao projeto MTC, mas a diferença é pequena, cerca de R$2,00. Nesse caso, o benefício parametrizado nos valores de referência é de R$30,91, enquanto o custo do ECG no programa é de R$28,92. Na situação B, na qual incluímos, além do custo de transporte, os custos de oportunidade do indivíduo e de alimentação, a relação custo-benefício é bastante favorável. Nessa situação, o benefício do programa é de R$49,83, ou seja, bastante superior ao custo do ECG no programa que é de R$28,92. No cenário 2, que compara o projeto MTC com o deslocamento até o pólo microrregional, a relação é sempre mais amplamente favorável em ambas as situações A e B.
A Tabela 4 apresenta os resultados da análise de sensibilidade, supondo o deslocamento para o município mais próximo. Em cada linha, apresentamos o resultado variando um dos parâmetros, mantendo os demais parâmetros calibrados segundo os valores apresentados na Tabela 2, considerando as duas situações. Na situação A, que é construída na perspectiva do sistema de saúde, ou seja, considerando os gastos realizados pelo Estado, a relação custo-benefício apresenta sensibilidade aos parâmetros de salário-hora do motorista e número de pessoas transportadas. Apenas nas calibrações extremas, quando consideramos o motorista recebendo um salário mínimo ao mês, ou quando consideramos o maior número possível de pessoas transportadas por veículo, a relação custo-benefício do MTC deixa de ser favorável. Na situação B, construída na perspectiva da sociedade, na qual incluímos os custos de oportunidade do paciente e os gastos com alimentação, a relação custo-benefício do MTC é sempre favorável.
A Tabela 5 apresenta a análise de sensibilidade quando supomos o deslocamento dos pacientes para o pólo microrregional. Nesse caso, a relação custo-benefício do projeto MTC também é sempre favorável, não sendo sensível a nenhum dos parâmetros da calibração.
Discussão
O presente estudo demonstra que, no contexto da atenção à saúde em pequenos municípios de Minas Gerais, a utilização de sistema de telecardiologia, que inclui eletrocardiogramas e consultoria à distância, é favorável nos cenários originalmente avaliados e em praticamente todas as situações testadas através da análise de sensibilidade. Esse resultado é extremamente relevante para o planejamento da oferta de serviços de saúde no país, considerando que mostra que a implantação de sistemas de telecardiologia é factível e pode reduzir os recursos gastos com a realização dos eletrocardiogramas e da atenção cardiovascular.
As doenças cardiovasculares se constituem na principal causa de morte no Brasil, respondendo por cerca de 30% dos óbitos. Embora comumente associadas ao modo de vida das grandes cidades, são também a principal causa de morte em cidades de pequeno e médio porte, onde se observa elevada prevalência dos fatores de risco cardiovasculares13.
O ECG é um método de investigação do aparelho cardiovascular estabelecido, de fácil realização, baixo custo e grande utilidade clínica na detecção e no manejo das doenças cardiovasculares. O ECG transmitido à distância pode ser usado em diferentes situações clínicas, por métodos distintos, como linha telefônica e internet. Embora existam diversas experiências de tele-eletrocardiografia no Brasil e no mundo5,6, são limitados os dados acerca da viabilidade e benefício econômico de sua implantação no sistema público de saúde, em apoio à atenção primária5,7. Molinari e cols.14 descreveram a experiência com 106.942 pacientes na Itália, na qual o ECG foi realizado para esclarecimento de sintomas cardiovasculares ou para consultas de rotina, mas não descreveu eventuais benefícios econômicos. Scalvini e cols.15 estudaram 892 pacientes consecutivos, atendidos por clínicos gerais também na Itália, observando que a avaliação por cardiologistas consultores foi capaz de reduzir significativamente os encaminhamentos para serviços de urgência e novos exames cardiológicos, com redução significativa do custo.
Nosso estudo é uma contribuição original ao tema, já que relata experiência bem sucedida, factível e com custo-benefício favorável do uso da telecardiologia no sistema público de saúde como forma de apoio a estratégia de saúde da família, com potencial para melhoria da atenção cardiovascular no país.
Um aspecto importante a ser ressaltado diz respeito à qualidade dos estudos publicados de análise econômica em telecardiologia. Hailey e cols.7 realizaram revisão sistemática dos artigos de telecardiologia com desfechos clínicos, econômicos ou administrativos e encontraram 12 estudos com desfechos econômicos. Analisando os estudos pelos critérios de qualidade de Drummond e cols.12, os autores apontam para a baixa qualidade dos estudos, que apresentaram escore médio de 2,7, numa escala que varia de 0 a 107. O presente estudo seguiu deliberadamente as recomendações estabelecidas11,12 e atende especificamente os quesitos de qualidade avaliados nas análises econômicas, com destaque para a definição das alternativas avaliadas, com seus custos definidos de forma clara, mensurados e estimados em unidades adequadas e críveis, e ajustada para os diferentes momentos de coleta. Também se ressalta o estudo de sensibilidade, que permite a avaliação dos resultados com variação dos cenários, e a utilização de duas perspectivas: a do governo, sob a ótica do financiamento; e a da sociedade, que inclui também os custos dos pacientes16.
Neste trabalho, consideramos como benefício do programa o acesso aos serviços de ECG, finalidade principal do programa, mas há que se considerar que o projeto MTC apresenta outros benefícios diretos e indiretos, resultantes da implantação do sistema de telessaúde. Na verdade, recomenda-se que as análises econômicas em telessaúde considerem o ganho social, que é a soma de benefícios e desfechos econômicos relacionados a efeitos externos, não previstos na análise inicial16.
Em muitos dos municípios avaliados, a introdução da telessaúde significou primariamente a possibilidade de comunicação rápida e direta dos médicos e trabalhadores de saúde com pólos universitários de excelência, rompendo o isolamento geográfico e social dessas localidades. Para montar o posto do MTC, os municípios se prepararam para obter uma conexão estável e de boa qualidade à internet, de modo que um primeiro benefício foi a própria inclusão digital dos centros de saúde onde se instalou o MTC.
Benfeitorias aos municípios atendidos não avaliadas neste estudo incluem outras atividades de telessaúde empreendidas durante o projeto, como as teleconsultorias online e offline (discussão de casos clínicos com os plantonistas em tempo real ou por resposta posterior, respectivamente), em cardiologia e em outras especialidades, além da possibilidade de educação continuada dos profissionais de saúde dos municípios remotos por meio da participação em oficinas de implantação do programa ou cursos oferecidos por especialistas em atividades de teleconferência.
Vale mencionar, entretanto, algumas limitações das análises relacionadas.
Em relação à aferição dos custos do projeto MTC, é importante ressaltar que, embora todos os dispêndios realizados para a implantação do sistema de telessaúde tenham sido incluídos no estudo, existem gastos necessários à implantação do projeto que não foram incluídos nesta análise, seja pela dificuldade de obtenção de valores reais, seja pelo fato de que estavam intrinsecamente relacionados a outras atividades das secretarias municiais de saúde. Seria impossível, com os dados disponíveis, avaliar qual fração deveria ser atribuída à realização dos eletrocardiogramas, como no caso dos gastos administrativos das prefeituras e do pessoal local envolvido no projeto, assim como os gastos com instalações já existentes que foram utilizadas para o projeto MTC.
Analogamente à aferição dos custos, existem dificuldades na mensuração do benefício do programa, especificamente no cálculo do deslocamento do paciente a outro município. Nesse caso, optamos por não incluir o custo do automóvel que realiza o transporte dos pacientes, que pode ter sido obtido por convênios com o governo federal ou estadual, sem ônus direto para os municípios, mas que muitas vezes é adquirido ou alugado pelo próprio município. Somem-se ainda os custos de manutenção do automóvel que são relevantes. De modo geral, a inclusão desses custos resultaria em relações custo-benefício ainda mais favoráveis do que as observadas em nossos resultados.
Outro aspecto que poderia ser mais bem mensurado é a distância percorrida para a realização do ECG na ausência do programa. No estudo em questão, foram testados dois cenários distintos, o encaminhamento para o município mais próximo onde existe cardiologista e o encaminhamento para o pólo da microrregião, já que os encaminhamentos se reduziram marcadamente nos municípios após a implantação do sistema e a distância percorrida não foi medida em casos reais. Essa foi uma limitação decorrente do edital original da FAPEMIG e SES/MG que motivou a realização do estudo, que indicava para a necessidade de pronto início das atividades de telemedicina, sem deixar tempo suficiente para o estabelecimento de uma linha de base.
De todo o modo, as análises de sensibilidade realizadas apontam para benefício significativo na quase totalidade das situações estudadas, indicando que o benefício econômico se mantém com variações consideráveis dos parâmetros estudados.
Com os resultados iniciais alcançados, o projeto MTC foi transformado em programa pela SES-MG, com forte expansão desde 2007 e gradual extensão de suas atividades a outras áreas da medicina, além de enfermagem, odontologia, nutrição, psicologia, fisioterapia e farmácia. Além disto, em 2007, foi implantado, em Minas Gerais, o Projeto Nacional de Telessaude, do Ministério da Saúde, sendo o Centro de Telessaúde do HC/UFMG responsável pelas atividades de telecardiologia para os 100 municípios contemplados e teleconsultorias assíncronas para 50 desses municípios. Em 2007/2008, a SES decidiu pela expansão do sistema para outros 97 municípios e em 2009 para mais 328, configurando-se a partir de então como um Serviço de Teleassistência, chamado Tele Minas Saúde. Em 2009, a Universidade Federal de São João Del Rey (UFSJ) foi integrada à Rede Mineira de Teleassistência, que presta hoje serviços de Telessaúde a mais de 650 pontos de atenção.
Os resultados de custo-efetividade relatados neste estudo e a experiência consolidada do programa Minas Telecardio, hoje Tele Minas Saúde, sugerem fortemente que o uso da telecardiologia no apoio a atenção primária possa ser custo-efetiva e viável em outras regiões do Brasil e do mundo, resguardando-se os limites de variação dos parâmetros considerados no estudo de sensibilidade e os cenários estudados. Na verdade, com a expansão do programa, os custos de implantação tendem a se diluir e os custos para a realização de cada ECG pelo sistema caem, fazendo com que a relação custo-benefício possa se tornar mais favorável ainda.
Deve-se ressaltar que o programa utilizou tecnologia comercialmente disponível e de baixo custo e serviços de saúde providos pelo sistema público, cujo custo foi computado. Assim, não é garantido que os mesmos resultados econômicos favoráveis do ponto de vista do gestor e da sociedade possam ser obtidos quando o prestador é privado e se inclui a margem de lucro deste, ou quando se utiliza tecnologia proprietária e de maior custo.
Conclusões
A análise custo-benefício realizada demonstra a factibillidade e o benefício econômico do projeto MTC, mesmo quando se considera apenas o benefício direto da realização do ECG. Como a implantação do sistema de telecardiologia nos municípios trouxe outros benefícios não mensurados nesta investigação, o projeto tem um saldo global francamente favorável. A implantação de um sistema de telecardiologia, como apoio à atenção primária em cidades brasileiras de pequeno porte, pode ser transformada em programa regular do sistema público de saúde, com benefício econômico, impactos potenciais sobre o cuidado às doenças cardiovasculares e, eventualmente, sobre a morbimortalidade relacionada a tais agravos.
Agradecimentos
À Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG, processos n0 EDT 2372/05 e PPM-00328-08), à Secretaria de Estado da Saúde de Minas Gerais (SES-MG) e à Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP), que financiaram o Edital FAPEMIG no 008/2005; ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq, processo nº 400934/2005-1) pelo cofinanciamento do projeto Minas Telecardio; a todos os colaboradores dos pólos universitários (UFJF, UFTM, UFU, UFMG, UFSJ, UNIMONTES) e dos municípios envolvidos nesta investigação.
O projeto Minas Telecardio foi agraciado com o prêmio Saúde 2008, da editora Abril, na categoria Saúde do Coração.
Antônio Luiz Pinho Ribeiro é bolsista de produtividade em pesquisa nível 1A do CNPq e pesquisador do Instituto para Avaliação de Tecnologia em Saúde IATS/CNPq.
Potencial Conflito de Interesses
Declaro não haver conflito de interesses pertinentes.
Fontes de Financiamento
O presente estudo foi financiado pela FAPEMIG, SES-MG, FINEP e CNPq.
Vinculação Acadêmica
Não há vinculação deste estudo a programas de pós-graduação.
Artigo recebido em 09/01/11; revisado recebido em 17/01/11; aceito em 22/03/11.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
29 Jul 2011 -
Data do Fascículo
Out 2011
Histórico
-
Aceito
22 Mar 2011 -
Revisado
17 Jan 2011 -
Recebido
09 Jan 2011