Resumos
FUNDAMENTO: O manejo ideal da anticoagulação oral (ACO) no período pré- e pós-ablação de fibrilação atrial (FA) ainda é motivo de controvérsia. OBJETIVO: Comparar duas estratégias de anticoagulação: suspensão da warfarina com a utilização de heparina de baixo peso molecular (HBPM) e a realização da ablação sem a suspensão da warfarina, mantendo o RNI terapêutico (entre 2,0 e 3,0). MÉTODOS: 140 pacientes (pt) portadores de FA persistente/ permanente submetidos à ablação por cateter de FA foram divididos em dois grupos: no grupo I (70 pt), a warfarina foi suspensa cinco dias antes do procedimento e utilizada terapia de transição com HBPM (enoxaparina 1 mg/kg 2x/dia pré-ablação e 0,5 mg/kg 2x/dia após o procedimento); no grupo II (70 pt), a warfarina não foi suspensa e o procedimento foi realizado com RNI terapêutico. Ambos os grupos receberam heparina intravenosa (TCA > 350 seg) durante o procedimento. RESULTADOS: No Grupo I, observou-se complicação hemorrágica maior (1,4%) e 4 pt (5,7%) com complicações hemorrágicas menores. No Grupo II, 2 pt (2,8%) apresentaram complicações hemorrágicas menores e 1 pt apresentou sangramento maior; porém, este ocorreu após uso de HBPM por RNI < 2,0. Não houve complicação tromboembólica ou morte cardiovascular nos dois grupos após 16 ± 8 meses. CONCLUSÃO: A realização de ablação por cateter de FA sem a suspensão de ACO e RNI terapêutico é uma estratégia semelhante em segurança e eficácia quando comparada à tradicional transição com HBPM, evitando um período inicial pós-ablação de anticoagulação potencialmente inadequada.
Fibrilação atrial; ablação por cateter; resultado de tratamento; suspensão de tratamento; varfarina; heparina de baixo peso molecular
BACKGROUND: The ideal management of oral anticoagulation (OAC) before and after catheter ablation for atrial fibrillation (AF) is still controversial. OBJECTIVE: To compare two anticoagulation strategies for catheter ablation for AF: warfarin withholding and use of low-molecular-weight heparin (LMWH); and maintenance of warfarin and therapeutic INR (between 2.0 and 3.0). METHODS: 140 patients (pt) with persistent/permanent AF undergoing catheter ablation for AF were divided into two groups: Group I (70 pt), in which warfarin was withheld five days prior to the procedure and transition to LMWH was used (enoxaparin: 1 mg/kg 2x/day before ablation, and 0.5 mg/kg 2x/day after ablation); Group II (70 pt), in which warfarin was not withheld and the procedure was performed with therapeutic INR. Both groups received intravenous heparin (ACT > 350 seconds) during ablation. RESULTS: In Group I, one pt (1.4%) had a major hemorrhagic complication and four pts (5.7%) had minor hemorrhagic complications. In Group II, two pts (2.8%) had minor hemorrhagic complications and one pt had a major bleeding, which occurred after using LMWH due to INR < 2.0. None of the groups had thromboembolic complications or cardiovascular death over a period of 16 ± 8 months. CONCLUSION: Catheter ablation for AF without withholding OAC and with therapeutic INR is a strategy that has similar safety and efficacy when compared with the traditional transition to LMWH, avoiding the potentially inadequate anticoagulation of the initial post-ablation period.
Atrial fibrillation; catheter ablation; treatment outcome; withholding treatment; warfarin; heparin, low-molecular-weight
Segurança da ablação de fibrilação atrial com RNI terapêutico: comparação com a transição com heparina de baixo peso
Eduardo B. SaadI; Ieda P. CostaII; Rodrigo E. da CostaI; Luiz Antônio O. Inácio Jr.I; Charles SlaterI; Angelina CamilettiI; Dario G. de Moura NetoI; Paulo MaldonadoI; Luiz Eduardo CamanhoI; Carisi A. PolanczykIII
I Hospital Pró-Cardíaco, Setor de Arritmia Invasiva e Centro de Fibrilação Atrial, Rio de Janeiro, RJ
II Hospital de Messejana, Fortaleza, CE
III Hospital de Clinicas de Porto Alegre, Instituto para Avaliação de Tecnologias em Saúde (IATS) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil
Correspondência Correspondência Eduardo B. Saad Av. Borges de Medeiros, 3607/303 Lagoa 22470-001 Rio de Janeiro, RJ, Brasil E-mail: ebsaad@cardiol.br, eduardobsaad@hotmail.com
RESUMO
FUNDAMENTO: O manejo ideal da anticoagulação oral (ACO) no período pré- e pós-ablação de fibrilação atrial (FA) ainda é motivo de controvérsia.
OBJETIVO: Comparar duas estratégias de anticoagulação: suspensão da warfarina com a utilização de heparina de baixo peso molecular (HBPM) e a realização da ablação sem a suspensão da warfarina, mantendo o RNI terapêutico (entre 2,0 e 3,0).
MÉTODOS: 140 pacientes (pt) portadores de FA persistente/ permanente submetidos à ablação por cateter de FA foram divididos em dois grupos: no grupo I (70 pt), a warfarina foi suspensa cinco dias antes do procedimento e utilizada terapia de transição com HBPM (enoxaparina 1 mg/kg 2x/dia pré-ablação e 0,5 mg/kg 2x/dia após o procedimento); no grupo II
(70 pt), a warfarina não foi suspensa e o procedimento foi realizado com RNI terapêutico. Ambos os grupos receberam heparina intravenosa (TCA > 350 seg) durante o procedimento.
RESULTADOS: No Grupo I, observou-se complicação hemorrágica maior (1,4%) e 4 pt (5,7%) com complicações hemorrágicas menores. No Grupo II, 2 pt (2,8%) apresentaram complicações hemorrágicas menores e 1 pt apresentou sangramento maior; porém, este ocorreu após uso de HBPM por RNI < 2,0. Não houve complicação tromboembólica ou morte cardiovascular nos dois grupos após 16 ± 8 meses.
CONCLUSÃO: A realização de ablação por cateter de FA sem a suspensão de ACO e RNI terapêutico é uma estratégia semelhante em segurança e eficácia quando comparada à tradicional transição com HBPM, evitando um período inicial pós-ablação de anticoagulação potencialmente inadequada. (Arq Bras Cardiol. 2011; [online].ahead print, PP.0-0)
Palavras-chave: Fibrilação atrial, ablação por cateter, resultado de tratamento, suspensão de tratamento, varfarina, heparina de baixo peso molecular.
Introdução
A fibrilação atrial (FA) representa a arritmia sustentada mais comum na prática clínica1-3. Devido à baixa eficácia das drogas antiarrítmicas4-6, o tratamento ablativo foi largamente difundido na última década e se afirmou como uma alternativa eficaz e segura7-13. No entanto, a ablação envolve extensa manipulação no átrio esquerdo, revelando-se fundamental uma agressiva anticoagulação com heparina durante a intervenção14-16.
Embora o acidente vascular cerebral (AVC) represente uma das complicações mais temidas quando associadas à ablação, as complicações hemorrágicas são mais prevalentes17, devido à necessidade de anticoagulação no contexto de múltiplas punções venosas.
A abordagem clássica é a descontinuação da warfarina 3 a 5 dias antes, a fim de se obter a normalização do RNI, com a utilização de terapia de transição com heparina de baixo peso molecular (HBPM) até a véspera do procedimento, sendo a warfarina reiniciada imediatamente após a intervenção11. Esse representa um momento crítico, devido à reversão da FA e à presença de extensas lesões no átrio esquerdo realizadas no procedimento; porém, esse também é o momento em que a utilização de dose plena de HBPM (1 mg/Kg de enoxaparina em duas tomadas) aumenta substancialmente as chances de haver uma complicação hemorrágica. Por tal razão, recomenda-se o uso da metade da dose habitual da HBPM (0,5 mg/Kg de enoxaparina em duas tomadas), com vistas à redução da incidência de complicações hemorrágicas. Dessa forma, porém, o paciente fica temporariamente submetido a um esquema de anticoagulação potencialmente inadequado.
Para evitar possíveis complicações relacionadas a esse esquema, a estratégia de realizar o procedimento sem a suspensão da warfarina (com RNI terapêutico e sem o uso da HBPM) foi proposta em centros de excelência18,19. Tal estratégia representa uma mudança de paradigma, na medida em que se acredita, classicamente, que procedimentos invasivos em pacientes que se encontram sob anticoagulação oral (ACO) apresentam risco elevado de complicações hemorrágicas. Além disso, a estratégia envolve o mesmo protocolo de heparinização durante o procedimento, o que aumenta o receio de se associarem drogas anticoagulantes e de haver complicações mecânicas durante a intervenção.
O objetivo deste trabalho é avaliar a segurança e a eficácia da realização da ablação por cateter de FA em uso de ACO e RNI terapêutico.
Métodos
Entre janeiro de 2008 e agosto de 2010, 140 pt portadores de FA persistente ou permanente refratários a pelo menos uma droga antiarrítmica e submetidos à ablação por cateter no Hospital Pró-Cardíaco (RJ) foram divididos em dois grupos, de acordo com a preferência do operador: Grupo I (HBPM) – suspensão da warfarina com transição utilizando HBPM – e Grupo II – realização da ablação com RNI terapêutico (entre 2,0 e 3,0).
No Grupo I, a warfarina era suspensa 5 dias antes do procedimento, iniciando-se enoxaparina (1 mg/Kg em duas tomadas diárias). A última dose de HBPM era administrada 24h antes do procedimento e o RNI era dosado na véspera, sendo o procedimento realizado se inferior a 2,0. A ACO era reintroduzida após a ablação e a enoxaparina em dose reduzida (0,5 mg/Kg em duas tomadas diárias) iniciada na manhã seguinte e mantida até se atingir novamente um RNI > 2,0.
No Grupo II, a ACO não era suspensa e o RNI era realizado periodicamente, mostrando-se obrigatório 5 dias antes, na véspera e no dia do procedimento. Nesses pacientes, a tipagem sanguínea era realizada no momento da internação, reservando-se plasma fresco e fatores de coagulação recombinantes para a reversão imediata em caso de complicações hemorrágicas e/ou mecânicas. Caso o RNI estivesse fora da faixa desejada, o procedimento era adiado e a dose de warfarina, reajustada, até se alcançar a faixa terapêutica, quando, então, o procedimento era realizado.
Técnica da ablação
Sob anestesia geral, todos os pacientes foram submetidos a ecocardiograma transesofágico no momento do procedimento. A técnica de ablação consistia no isolamento elétrico do antro das veias pulmonares e da veia cava superior guiado por ecocardiograma intracardíaco (EIC)15,20-22, em associação a extensas lesões no átrio esquerdo realizadas em regiões nas quais se obtinha registro de potenciais elétricos fracionados. Os seguintes acessos venosos eram obtidos: duas punções de veia femoral direita, uma punção de veia femoral esquerda e uma punção de veia jugular interna direita. Esta última podia ser guiada fluoroscopicamente por um cateter posicionado na veia através do acesso femoral (Figura 1). A sonda do EIC (Acunav, Mountain View, California) era posicionada no átrio direito e um cateter duodecapolar era utilizado para mapeamento do seio coronário e da crista terminalis; na impossibilidade de uso, um cateter decapolar era utilizado para registrar os sinais elétricos no seio coronário. Imediatamente após os acessos venosos, iniciava-se heparinização sistêmica, a fim de se obter um TCA > 350 seg (alvo – entre 350 e 400 segundos); somente após realizava-se o acesso transeptal, que era guiada pelo EIC (Figura 2). Após dupla punção transeptal, posicionavam-se um cateter decapolar circular (20 mm) de mapeamento (Lasso, Biosense Webster, Baldwin Park, California) e um cateter de ablação com irrigação externa e ponta de 3,5mm (Biosense Webster, Diamond Bar, California). A potência e a temperatura máximas eram, respectivamente, 35W e 43ºC, com fluxo de 30ml/min. A temperatura esofágica era monitorada através da inserção de um termômetro multipolar (Figura 3). Quando havia elevação da temperatura esofágica acima de 39ºC, a aplicação era interrompida e reiniciada com potência menor.
Após todas as lesões de radiofrequência no átrio esquerdo, realizava-se cardioversão elétrica caso o ritmo não fosse revertido à sinusal durante as aplicações. Após a restauração do ritmo sinusal, realizava-se infusão de alta dose de isoprenalina intravenosa (20µg/ min) durante 10 minutos, com o objetivo de avaliar a reconexão de veias e deflagrar focos ectópicos situados fora das veias pulmonares que, se presentes, eram então mapeados e ablacionados. Por fim, efetuava-se ablação do istmo cavotricuspídeo para prevenir flutter atrial.
Imediatamente após a retirada das bainhas do átrio esquerdo, a heparinização sistêmica era revertida com protamina para atingir um TCA < 200 seg. Realizava-se compressão vascular por 20 minutos e o curativo compressivo era mantido por 6 horas.
Acompanhamento após o procedimento
A alta hospitalar ocorria na manhã seguinte ao procedimento, com a realização de visitas ambulatoriais rotineiras após 30, 90 e 180 dias, ocasiões em que se efetuavam ECG e holter de 24h. Angiotomografia computadorizada ou angiorressonância magnética das veias pulmonares eram executadas antes e 3 meses após o procedimento, para a detecção de eventual estenose.
Os pacientes eram instruídos a checar o pulso diariamente e reportar imediatamente qualquer sintoma ou irregularidade observada, quando, então, tinham acesso imediato à equipe médica.
As drogas antiarrítmicas eram mantidas por 4 semanas e ACO por, no mínimo, 3 meses, sendo suspensos na ausência de sintomas ou documentação de arritmias sustentadas, desde que o risco tromboembólico não fosse superior ao moderado (CHADS2 < 2). Em casos tais, a ACO era mantida ou discutida individualmente com cada paciente.
Todos os pacientes assinaram termo de consentimento informado, e o estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa do Hospital Pró-Cardíaco.
Variáveis analisadas
As seguintes variáveis foram analisadas: complicações hemorrágicas, menores e maiores (tamponamento cardíaco e/ ou complicações que necessitassem de transfusão sanguínea); fenômenos tromboembólicos e mortalidade cardiovascular. Os eventos foram avaliados por revisão de prontuário e seguiram critérios estabelecidos pelo médico assistente. O período de acompanhamento médio foi de 16 ± 8 meses (5 a 31 meses), sem perdas.
Análise estatística
A análise estatística descritiva das variáveis numéricas foi realizada através de média e desvio-padrão, sendo a análise inferencial realizada através do Teste t de Student para amostras independentes. As variáveis categóricas foram analisadas usando os testes exato de Fisher e qui-quadrado de Pearson. Considerou-se valor de significância p< 0,05.
Resultados
Cento e quarenta pacientes com idade média de 72 ± 8,2 anos (83% do sexo masculino) foram submetidos a ablação por cateter.
O ecocardiograma transesofágico revelou remora do fluxo na cavidade atrial esquerda em 80% (56 pt) do Grupo I e 91% (64 pt) do Grupo II (p = ns). Havia, contudo, história prévia de trombo em auriculeta esquerda em 2 pt do Grupo I (2,8%) e 12 pt do Grupo II (17% – p < 0.05).
No Grupo I (70 pt – 50%), o tamanho médio do AE era de 44 ± 7mm, e a fração de ejeção média era de 60 ± 15%. Em 35% dos casos, havia cardiopatia estrutural, sendo a etiologia isquêmica a mais comum (67%). Treze pt (18,6%) foram classificados com CHADS2 = 1, enquanto 27 (38,6%), 26 (37,1%) e 4 pt (5,7%) foram classificados com CHADS2 = 2, 3 e 4, respectivamente. O RNI no dia do procedimento estava abaixo de 2,0 em todos os pacientes. A dose média do bolus de heparina venosa utilizada para atingir o TCA alvo foi de 16.000 ± 4.000 UI. As principais características clínicas estão descritas na Tabela 1.
Nesse grupo, observou-se maior complicação hemorrágica maior – 1 pt (1,4%) desenvolveu volumoso hematoma inguinal no quarto dia pós-procedimento, que necessitou de transfusão sanguínea. Quatro pt (5,7%) apresentaram complicações hemorrágicas menores (hematoma inguinal), sendo necessária a suspensão da HBPM.
No Grupo II (70 pt – 50%), o tamanho médio do AE era de 45 ± 6,2mm e a fração de ejeção média era de 58 ± 11%. Em 33% dos casos, havia cardiopatia estrutural associada, sendo a etiologia isquêmica também a mais frequente (72%). Onze pt (15,7%) foram classificados com CHADS2 = 1, enquanto 29 (41,5%), 25 (35,7%) e 5 pt (7,1%) foram classificados com CHADS2 = 2, 3 e 4, respectivamente (p = ns). O RNI médio do dia da internação era de 2,3 ± 0,2. A dose média do bolus de heparina venosa utilizada para atingir o TCA alvo foi significativamente menor (7.000 ± 2.000 U) – p < 0,01.
Nesse grupo, foram observadas duas complicações hemorrágicas menores (2,8%). Um pt (1,4%) apresentou sangramento inguinal espontâneo 24 horas após o procedimento, que foi resolvido com uma simples compressão externa. Outro pt apresentou volumoso hematoma inguinal, porém sem necessidade de transfusão sanguínea ou suspensão do ACO. Um pt (1,4%) necessitou usar HBPM devido a RNI < 2,0 no dia seguinte ao procedimento, tendo apresentado grande hematoma em coxa direita, com necessidade de transfusão sanguínea, em virtude do desenvolvimento de uma angina instável decorrente de anemia significativa.
Não se observou complicação tromboembólica ou morte cardiovascular em ambos os grupos ao longo de 16 ± 8 meses de acompanhamento. As variáveis analisadas estão sumarizadas na Tabela 2.
Discussão
Este trabalho representa a primeira experiência nacional sobre ablação de FA sem a suspensão da ACO (RNI terapêutico) em uma população de risco tromboembólico moderado. Tal proposta representa uma mudança de paradigma, uma vez que procedimentos invasivos em pt em uso de ACO sempre foram considerados de elevado risco para complicações hemorrágicas. Os dados apresentados, porém, são contrários a essa hipótese, visto que pt em uso de ACO não apresentou aumento dessas complicações.
Estudos previamente publicados
Em 2007, Wazni e cols.18 apresentaram estudo sobre a segurança e a eficácia dessa estratégia em pacientes portadores de FA persistente, com 310 pacientes divididos em três grupos: Grupo I, em que a warfarina era suspensa antes do procedimento, com a utilização de uma transição com HBPM em dose plena (1 mg/kg de enoxaparina duas vezes/ dia) no pré- e pós-ablação; Grupo II, em que foi seguido o mesmo protocolo e utilizada HBPM em dose reduzida (0,5 mg/kg de enoxaparina duas vezes/dia); e Grupo III, em que a warfarina não foi descontinuada e o procedimento foi realizado com RNI entre 2,0 e 3,0. Esse ensaio clínico revelou a segurança da estratégia de ablação com o uso de ACO, observando-se uma taxa significativamente menor de sangramentos discretos (hematomas que não necessitam de drenagem – 22% versus 19% versus 5%, respectivamente, p < 0,001) e maiores (hematoma que requer drenagem, sangramento que requer transfusão ou tamponamento pericárdico – 8,5% versus 0% versus 0%, respectivamente, p < 0,001) no Grupo III, sem aumento do risco de complicações maiores (AVE isquêmico ou derrame pericárdico). Esses dados suportam a recomendação de doses menores de HBPM no período pós-ablação, em face do aumento significativo de complicações maiores quando doses plenas são utilizadas, apesar de haver o receio de complicações tromboembólicas quando se atingem níveis subterapêuticos.
Posteriormente, Hussein e cols.19 publicaram um estudo com um número significativo de pacientes apresentando FA paroxística e persistente, em que também se adotou a estratégia de manutenção da warfarina durante a ablação. Foram incluídos 3.052 pacientes encaminhados para ablação de FA que apresentavam RNI > 1,8 no dia da intervenção (RNI médio 2,53 ± 0,62). Mais uma vez, observou-se baixa incidência de complicações hemorrágicas com essa estratégia (1,1% – a maioria dos eventos de pouca significância clínica). Os resultados do presente trabalho também evidenciaram baixa incidência de eventos neurológicos tromboembólicos e hemorrágicos, os quais tiveram uma taxa, respectivamente, de 0,09% (AVE isquêmico) e de 0,03% (AVE hemorrágico). Já a ocorrência de derrame pericárdico foi de apenas 0,29%, sendo a maior parte de pequena monta, sem necessidade de drenagem. Essa estratégia, além de protetora contra eventos embólicos, também não apresentou maior incidência de complicações hemorrágicas, corroborando os achados anteriores relatados por Wasni e cols.18.
Cappato e cols.17 publicaram um registro mundial em que 16.309 pacientes de 182 centros (24 países) foram submetidos a intervenções entre 2003 e 2006. Nessa publicação, a warfarina foi interrompida antes do procedimento, e a anticoagulação foi realizada com heparina endovenosa, subcutânea ou HBPM, após a ablação. A maior taxa de complicações ficou em 4,5% (741 pacientes), e as mais frequentes foram: tamponamento cardíaco (1,31%), pseudoaneurisma femoral (0,93%) e ataque isquêmico transitório (0,71%). Quando comparada a esses resultados, a estratégia de continuação da warfarina foi associada a menor incidência de hemorragias graves e de complicações tromboembólicas.
Corroborando esses dados, recentemente Di Biase e cols.23 publicaram sua experiência com mais de 6.000 pt submetidos a ablação de FA, em que o risco de complicações embólicas durante o procedimento foi menor quando se realizou o procedimento com RNI terapêutico (nenhum caso contra aproximadamente 1% em procedimentos sem RNI terapêutico). Esse resultado é significativo quando se observa que esse grupo apresentava maior incidência de FA não paroxística e de CHADS2 > 2. Mais uma vez, essa estratégia não foi associada a maior índice de complicações hemorrágicas ou de derrame pericárdico.
Correlação com os achados do presente estudo
Os achados contidos neste trabalho estão de acordo com os da literatura, em que observamos baixo índice de complicações no grupo do RNI terapêutico. Não se observou complicação embólica.
Vale ressaltar que todos os trabalhos publicados foram realizados em centros de grande volume e experiência, e o EIC sempre foi utilizado. Esse método é de fundamental importância quando adotamos tal estratégia, uma vez que permite acesso transeptal sob visualização direta em tempo real sem a utilização de contraste iodado, a monitoração da localização e do contato dos cateteres com a parede atrial e a detecção precoce de complicações mecânicas (como, por exemplo, tamponamento cardíaco), o que torna o procedimento mais seguro22,24. Devem-se considerar ainda a experiência e a habilidade do operador, a cautela durante os acessos venosos e a manipulação dos cateteres no interior do átrio esquerdo fatores impactantes em relação à segurança do procedimento.
Recentemente, Page e cols.25 publicaram estudo com desenho semelhante comparando a realização do procedimento ablativo em 109 pt com o uso de HBPM com 89 pt em que a warfarina foi mantida (RNI médio 2,3 ± 0,5). Nesse trabalho, porém, não se utilizou EIC. Dois pt (2,2%) no grupo do RNI terapêutico necessitaram de drenagem pericárdica por tamponamento cardíaco.
O EIC é o único método capaz de detectar trombos intracardíacos; apesar de não estar provado que seu uso reduz significativamente a incidência de eventos embólicos clínicos, evidências recentes sugerem que podem estar presentes em até 10% dos casos durante ablação de FA26-28. Por isso, nosso protocolo envolve o uso agressivo de heparina venosa a fim de se obter TCA acima de 350 segundos, iniciada antes mesmo do acesso transeptal. Essa estratégia foi adotada após a ocorrência de um caso no qual um trombo foi visualizado no cateter circular imediatamente após o acesso ao átrio esquerdo, antes mesmo do início das aplicações de radiofrequência29. Nessa época, a heparina só era iniciada após obtidos os dois acessos transeptais. Com o uso do EIC, é seguro realizá-los mesmo sob intensa anticoagulação (oral e venosa).
A ablação da FA está associada a baixo risco de tromboembolismo cerebral sintomático; porém, há ainda receio quanto à possibilidade de haver isquemia cerebral silenciosa, algo semelhante ao que ocorre em procedimentos cirúrgicos abertos. Gaita F. e cols.30 publicaram recentemente sua experiência utilizando a ressonância magnética (RM) como instrumento diagnóstico e demonstraram que um dos fatores associados à ocorrência de lesões sem expressão clínica era a intensidade de anticoagulação durante o procedimento, expresso pelo valor do TCA. Nos pacientes em que o TCA era < 250 segundos, houve 17% de RM positiva; quando o TCA era > 250 segundos, a RM foi positiva em apenas 9% (p = 0,01).
Implicações
Além dos cuidados mencionados para se utilizar essa estratégia com segurança, deve-se ainda destacar que a dose de heparina necessária para se atingir o TCA ideal (entre 350 e 400 segundos) foi significativamente menor no Grupo II (sem suspensão da ACO) que no Grupo I, parecendo haver interação entre a warfarina e a heparina, de modo a tornar o pt mais sensível a doses menores de heparina. Fica claro que, ao se optar por essa estratégia, é fundamental monitorar o TCA antes de se dar início à manipulação, a fim de evitar níveis inaceitavelmente elevados de anticoagulação e suas possíveis complicações.
Outro aspecto digno de menção é o custo relacionado à utilização da HBPM, eliminado quando se usa a manutenção de ACO como estratégia terapêutica. Muitas vezes em nosso meio, esse é um fator impeditivo ao procedimento ablativo por ser absorvido pelo pt, embora dados recentes não apontem redução nos custos totais do tratamento por pt (incluíndo a hospitalização)25.
Dessa forma, acreditamos que é fundamental buscar uma adequada anticoagulação no período pré- e pós-ablação, sem aumentar os riscos relacionados ao procedimento. A estratégia de não suspensão da warfarina e consequente realização da ablação com RNI terapêutico se apresenta como uma proposta terapêutica interessante e segura. Além disso, destacamos o uso do EIC nesses casos, por acreditar que as vantagens associadas a esse método contribuem significativamente para a segurança e a eficácia de tal estratégia, em que pese o custo adicional de seu uso, certamente maior que o da HBPM.
Limitações
O desenho não randomizado deste relato não permite descartar a seleção preferencial de pt com maior risco para a manutenção da ACO como estratégia para ablação. A principal limitação consistiu em que os grupos não foram aleatorizados para uma ou outra estratégia, mas, na comparação das características clinicas de ambos os grupos, eles eram muito semelhantes. Além disso, a amostra foi de relativo pequeno tamanho, podendo contribuir para a ausência de fenômenos tromboembólicos no grupo que usou a HBPM, apesar da dosagem reduzida.
Conclusão
A realização de ablação por cateter de FA sem a suspensão da ACO e RNI terapêutico é uma estratégia semelhante em segurança e eficácia quando comparada à tradicional transição com HBPM, evitando-se um período inicial pós-ablação de anticoagulação potencialmente inadequada.
Potencial Conflito de Interesses
Declaro não haver conflito de interesses pertinentes.
Fontes de Financiamento
O presente estudo não teve fontes de financiamento externas.
Vinculação Acadêmica
Este artigo é parte de tese de Doutorado de Eduardo B. Saad pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Artigo recebido em 21/02/11; revisado recebido em 28/04/11; aceito em 16/05/11.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
19 Ago 2011 -
Data do Fascículo
Out 2011
Histórico
-
Recebido
21 Fev 2011 -
Aceito
16 Maio 2011