Acessibilidade / Reportar erro

Avaliação do peptídeo natriurético tipo B no diagnóstico de rejeição após transplante cardíaco pediátrico

Resumos

FUNDAMENTO: A rejeição constitui-se em uma das principais causas de mortalidade após o transplante cardíaco pediátrico. O peptídeo natriurético tipo B (BNP) tem sido estudado como método no diagnóstico de rejeição aguda, especialmente em pacientes adultos submetidos a transplante cardíaco. OBJETIVO:Correlacionar o nível sérico de BNP à rejeição aguda diagnosticada pela biópsia endomiocárdica em pacientes do grupo de transplante cardíaco pediátrico. MÉTODOS:Foram coletadas 50 amostras de BNP de 33 crianças em pós-operatório de transplante cardíaco e analisados dados de idade, sexo, cor, grupo sangüíneo, painel imunológico, tempo de evolução após o transplante, classe funcional, imunossupressão utilizada e número de rejeições. RESULTADOS:Foram 33 crianças com idade mediana de 10,13 anos, predomínio do sexo feminino (54%) e da cor branca (78%). No momento da dosagem de BNP o tempo médio de transplante foi 4,25 anos. A biópsia endomiocárdica diagnosticou nove rejeições em oito pacientes (27%), sendo três com grau 3 A, cinco com grau 2 e um com rejeição humoral. No momento da biópsia, a maioria dos pacientes encontrava-se assintomática. O nível sérico de BNP foi em média 77,18 pg/ml, sendo 144,22 pg/ml no grupo com rejeição e 62,46 pg/ml no grupo sem rejeição, com p = 0,02. CONCLUSÃO: Crianças assintomáticas podem apresentar rejeição aguda no pós-operatório de transplante cardíaco. O nível sérico de BNP apresentou diferença estatisticamente significante no grupo com rejeição, podendo ser método adicional no diagnóstico de rejeição cardíaca.

Transplante de coração; rejeição do enxerto; peptídeo natriurético tipo B; biópsia; crianças


FUNDAMENTO: El rechazo constituye una de las principales causas de mortalidad tras el transplante cardiaco pediátrico. El péptido natriurético tipo B (BNP) ha sido estudiado como método en el diagnóstico de rechazo agudo, sobre todo en pacientes adultos sometidos a transplante cardiaco. OBJETIVO:Correlacionar el nivel sérico de BNP al rechazo agudo diagnosticado por biopsia endomiocárdica en pacientes del grupo de transplante cardiaco pediátrico. MÉTODOS:Se recolectaron 50 muestras de BNP de 33 niños en postoperatorio de transplante cardiaco, y se analizaron datos como edad, sexo, color, grupo sanguíneo, cuadro inmunológico, tiempo de evolución tras el transplante, clase funcional, inmunosupresión utilizada y número de rechazos. RESULTADOS:Se seleccionaron a 33 niños con edad promedio de 10,13 años, predominio del sexo femenino (54%) y de color blanca (78%). Al momento de la dosificación de BNP, el tiempo promedio de transplante fue de 4,25 años. La biopsia endomiocárdica diagnosticó nueve rechazos en ocho pacientes (27%), de ellos tres presentaron grado 3A, cinco grado 2 y uno rechazo humoral. Ya al momento de la biopsia, la mayoría de los pacientes se encontraba asintomática. El nivel sérico de BNP tuvo como promedio, 77,18 pg/ml; 144,22 pg/ml en el grupo con rechazo y 62,46 pg/ml en el grupo sin rechazo, con p = 0,02. CONCLUSIÓN: Niños asintomáticos pueden presentar rechazo agudo en el postoperatorio de transplante cardiaco. El nivel sérico de BNP presentó diferencia estadísticamente significante en el grupo con rechazo, lo que lo convierte en posible método adicional en el diagnóstico de rechazo cardiaco.

Transplante de corazón; rechazo del injerto; péptido natriurético tipo B; biopsia; niños


BACKGROUND: Rejection is one of the major causes of mortality following pediatric heart transplant. B-type natriuretic peptide (BNP) has been studied as a method for the diagnosis of acute rejection, especially in adult patients undergoing heart transplant. OBJECTIVE: To correlate serum BNP levels with acute rejection as diagnosed by endomyocardial biopsy in patients of the pediatric heart transplant group. METHODS: A total of 50 BNP samples were collected from 33 children in the postoperative period of heart transplant, and data on age, gender, skin color, blood group, immune panel, follow-up time after transplant, functional class, immunosuppressive regimen used and number of rejections were analyzed. RESULTS: Thirty three children with median age of 10.13 years were analyzed; of these, 54% were females and 78% were Caucasians. BNP levels were determined at a mean time from transplant of 4.25 years. Nine episodes of rejection were diagnosed in eight patients (27%) by means of endomyocardial biopsy; of these, three were grade 3A, five were grade 2, and one had humoral rejection. At the moment of biopsy, most patients were asymptomatic. The mean serum BNP level was 77.18 pg/ml, with 144.22 pg/ml in the group with rejection and 62.46 pg/ml in the group without rejection, with p = 0.02. CONCLUSION: Asymptomatic children can present acute rejection in the postoperative period of heart transplant. Serum BNP levels show a statistically significant difference in the group with rejection and thus can be an additional method in the diagnosis of cardiac rejection.

Natriuretic peptide, B-type; graft rejection; heart transplantation; biopsy; children


ARTIGO ORIGINAL

TRANSPLANTE CARDÍACO - CLÍNICO

Avaliação do peptídeo natriurético tipo B no diagnóstico de rejeição após transplante cardíaco pediátrico

Cristina de Sylos; Estela Azeka; Luis Kajita; Luis Benvenutti; Célia Cassaro Strunz; Klébia Castello Branco; Arlindo Almeida Riso; Carla Tanamati; Marcelo Jatene; Miguel Barbero-Marcial

Instituto do Coração (InCor) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina Universidade de São Paulo (HCFMUSP), São Paulo, SP - Brasil

Correspondência Correspondência: Cristina de Sylos Rua Fernando Pessoa, 53 (Vila Giglio) 12946-240 - Atibaia, SP - Brasil E-mail: cristinasylos@hotmail.com

RESUMO

FUNDAMENTO: A rejeição constitui-se em uma das principais causas de mortalidade após o transplante cardíaco pediátrico. O peptídeo natriurético tipo B (BNP) tem sido estudado como método no diagnóstico de rejeição aguda, especialmente em pacientes adultos submetidos a transplante cardíaco.

OBJETIVO:Correlacionar o nível sérico de BNP à rejeição aguda diagnosticada pela biópsia endomiocárdica em pacientes do grupo de transplante cardíaco pediátrico.

MÉTODOS:Foram coletadas 50 amostras de BNP de 33 crianças em pós-operatório de transplante cardíaco e analisados dados de idade, sexo, cor, grupo sangüíneo, painel imunológico, tempo de evolução após o transplante, classe funcional, imunossupressão utilizada e número de rejeições.

RESULTADOS:Foram 33 crianças com idade mediana de 10,13 anos, predomínio do sexo feminino (54%) e da cor branca (78%). No momento da dosagem de BNP o tempo médio de transplante foi 4,25 anos. A biópsia endomiocárdica diagnosticou nove rejeições em oito pacientes (27%), sendo três com grau 3 A, cinco com grau 2 e um com rejeição humoral. No momento da biópsia, a maioria dos pacientes encontrava-se assintomática. O nível sérico de BNP foi em média 77,18 pg/ml, sendo 144,22 pg/ml no grupo com rejeição e 62,46 pg/ml no grupo sem rejeição, com p = 0,02.

CONCLUSÃO: Crianças assintomáticas podem apresentar rejeição aguda no pós-operatório de transplante cardíaco. O nível sérico de BNP apresentou diferença estatisticamente significante no grupo com rejeição, podendo ser método adicional no diagnóstico de rejeição cardíaca.

Palavras-chave: Transplante de coração, rejeição do enxerto, peptídeo natriurético tipo B, biópsia, crianças.

Introdução

Apesar dos recentes avanços descritos na terapêutica da insuficiência cardíaca congestiva em crianças, o transplante cardíaco ainda tem sido opção terapêutica em grande número de crianças portadoras de cardiopatias congênitas complexas e cardiomiopatias refratárias à terapêutica convencional1,2.

O décimo registro da Sociedade Internacional de Transplante Cardíaco Pediátrico (2007)3 refere que a rejeição ainda é uma importante causa de mortalidade pós-transplante cardíaco pediátrico, apesar dos novos agentes imunossupressores e do desenvolvimento de novas estratégias no seu tratamento.

O diagnóstico precoce é essencial e métodos não-invasivos4-6 têm sido investigados em crianças, pois a biópsia endomiocárdica, apesar de ser considerada método de escolha, apresenta limitações pelas dificuldades técnicas, custos e complicações quando realizada em crianças7-9.

O nível sérico do peptídeo natriurético tipo B (BNP), neuro-hormônio produzido pelo miocárdio em resposta à distensão do ventrículo ou aumento da tensão da parede10-12, tem sido utilizado no transplante cardíaco, em pacientes adultos, como método diagnóstico de rejeição aguda13, e como preditor de coronariopatia14-16. Na população pediátrica são poucos relatos, com pequeno número de pacientes e resultados controversos, o que nos motivou à realização deste estudo17,18.

A pesquisa consiste na avaliação do nível sérico de BNP em comparação aos achados histopatológicos da biópsia endomiocárdica, visando ao diagnóstico de rejeição aguda em crianças submetidas ao transplante cardíaco ortotópico.

Métodos

Realizou-se estudo transversal em 33 pacientes na faixa etária pediátrica, em seguimento após transplante cardíaco no Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, durante o período compreendido entre junho de 2005 e outubro de 2006, totalizando 50 biópsias.

Os critérios de inclusão utilizados para a realização do estudo foram: pacientes com mais de seis meses de evolução após o transplante cardíaco, cujos responsáveis concordaram com a realização do cateterismo cardíaco e do protocolo do estudo, assinando um termo de consentimento.

Foram excluídos: pacientes que não realizaram cateterismo cardíaco no período do estudo e casos com falha na coleta ou armazenamento do material.

Os parâmetros clínicos avaliados foram: alteração de humor (irritabilidade, apatia, agitação, sonolência) ou presença de anorexia, febre, arritmia ou sinais de insuficiência cardíaca congestiva.

Foram coletados dados evolutivos como tempo de evolução após transplante, número total de episódios de rejeição, idade no momento do transplante e imunossupressão utilizada, além de necessidade de agentes vasoativos e/ou medicação anticongestiva, assim como presença de coronariopatia, insuficiência renal ou diabete melito.

Coleta do BNP

O BNP foi coletado no momento da biópsia endomiocárdica das crianças submetidas a transplante cardíaco. O método de dosagem de BNP utilizado foi o teste TriageR (Biosite Diagnostics), teste de imunofluorescência para determinação quantitativa do BNP em sangue ou plasma conservados com EDTA como anticoagulante. Depois de colocada a amostra de sangue no dispositivo, o sangue é separado do plasma por um filtro. Uma quantidade predeterminada de plasma é colocada sob reação com anticorpos fluorescentes. Depois de um período de incubação, a amostra segue para uma análise que detecta os complexos formados com os anticorpos fluorescentes.

Neste estudo foi utilizado material com período máximo de seis meses de coleta, congelado a menos 20º Celsius.

Biópsia endomiocárdica

As biópsias foram feitas de forma consecutiva, e indicadas nos casos com suspeita de rejeição aguda e durante a realização do cateterismo anual.

Para análise dos dados os pacientes foram divididos em grupo com rejeição e sem rejeição, sendo avaliados os níveis de BNP nos dois grupos. Foi considerada rejeição aguda celular quando a biópsia endomiocárdica mostrou achados compatíveis com rejeição celular grau igual ou maior que 2 ou presença de rejeição humoral, de acordo com os critérios da Sociedade Internacional de Transplante Cardíaco e Pulmonar (ISHLT)19.

Ecocardiograma

O ecocardiograma foi realizado segundo as recomendações da Sociedade Americana de Ecocardiografia20 visando analisar os seguintes parâmetros: diâmetro de septo e parede na diástole, diâmetro sistólico e diastólico do ventrículo esquerdo, grau de insuficiência valvar, presença de derrame pericárdico e sinais de disfunção diastólica (com observação do fluxo transmitral e análise do Doppler tecidual no nível do anel mitral). A fração de ejeção foi calculada por meio do método de Teichholz.

A função diastólica foi avaliada por meio do fluxo transvalvar mitral obtido pelo Doppler pulsado no plano apical quatro câmaras, sendo observado o padrão de velocidades das ondas mitrais E (fase de enchimento rápido) e A (contração atrial), e considerado normal a razão E/A maior ou igual a 1,0, alteração de relaxamento ventricular com razão E/A menor que 1,0 e padrão restritivo com razão E/A maior que 1,5.

O Doppler tecidual, técnica que avalia a velocidade de movimentação do miocárdio, foi avaliado no nível do ânulo mitral lateral no plano apical quatro câmaras, sendo anormal a inversão do padrão normal das ondas E' (onda diastólica precoce) e A' (onda diastólica tardia) com E'<A' ou redução da velocidade da onda E'. Quando observada alguma alteração na morfologia ou na amplitude das ondas, realizou-se estudo nas demais paredes do ventrículo esquerdo e ventrículo direito.

Análise estatística

Foi realizada análise descritiva dos dados dos 33 pacientes, quanto às informações referentes aos dados demográficos, clínicos, de exames pré e pós-transplante.

As variáveis quantitativas foram resumidas pelas medidas de tendência central e de dispersão (valores mínimo, máximo, mediana, média e desvio padrão). Os dados qualitativos foram analisados por tabelas de freqüências absolutas e relativas. Foram elaborados gráficos com a finalidade de ilustrar os dados.

Para avaliação das diferenças entre as concentrações de BNP nos grupos com ou sem rejeição utilizou-se o teste Mann-Whitney (não-paramétrico). Além disso, foram calculadas a sensibilidade e a especificidade por meio da curva ROC para estabelecer como cut-off o valor de maior sensibilidade na detecção dos pacientes com rejeição aguda, adotando-se como padrão de referência o resultado da biópsia.

Para avaliar comparativamente o ecocardiograma e a dosagem de BNP (exames não-invasivos) com o padrão de referência (a biópsia endomiocárdica) no diagnóstico de rejeição aguda foram calculados índices de sensibilidade e especificidade, valor preditivo positivo e valor preditivo negativo.

Os resultados foram interpretados utilizando-se o nível de significância (α) de 5%21,22.

Procedimentos éticos para realização da pesquisa

O trabalho foi realizado de acordo com os critérios de seguimento para os pacientes transplantados no Instituto do Coração (InCor) do Hospital das Clínicas da FMUSP e não acarretou nenhum risco suplementar aos envolvidos no estudo. O exame do BNP, como método de diagnóstico e experimento, não apresentou contra-indicações, preparo especial do paciente ou efeitos colaterais. As medidas de coleta do material e de proteção aos pacientes foram aquelas já empregadas na instituição para pacientes imunossuprimidos de acordo com as normas da comissão de controle de infecção hospitalar.

Resultados

Foram 33 crianças estudadas com idade média de 11 anos (4 a 19 anos), com mediana de 10,13 anos e desvio padrão de 4,55 anos; predomínio do sexo feminino (54,5%) e da raça branca (84,8%). Dados antropométricos: peso de 12 a 78 kg, com mediana de 29,0 kg; estatura de 90 a 170 cm com mediana de 136,0 cm e índice de massa corpórea (IMC) com mediana de 16,35 e desvio padrão de 3,78.

A indicação de transplante cardíaco se deu por cardiomiopatia dilatada em 22 (67%) pacientes, cardiomiopatia restritiva em dois (6%), cardiopatia congênita em oito (24%) e cardiopatia reumática em um paciente (3%).

Quanto à distribuição dos pacientes segundo o grupo sangüíneo, 15 (45,0%) eram do Grupo O; 12 (36,0%) eram do grupo A; três (9,0%), do grupo B; e três (9,0%). do grupo AB.

O tempo de evolução após o transplante no momento da dosagem de BNP apresentou mediana de 4,25 anos (seis meses a 13,6 anos). A idade média no momento do transplante foi de 4,90 anos (quatro meses a 15 anos).

Em relação à imunossupressão, inibidor de calcineurina e micofenolato mofetil foram os agentes mais utilizados (78,7% e 66,6%, respectivamente), sendo menor a proporção de pacientes em uso crônico de inibidor de calcineurina e azatioprina e corticóide. O número de rejeições foi em média de 3, mais ou menos 1,4 rejeição por paciente.

A biópsia endomiocárdica diagnosticou rejeição em nove pacientes (27%), sendo três com grau 3 A, cinco com grau 2 e uma rejeição humoral sem sinais de rejeição celular (gráfico 1).


Em relação à sintomatologia, a maioria dos pacientes encontrava-se assintomática no momento do exame, sendo realizado o cateterismo durante procedimento de rotina em 36 amostras (72%). A suspeita clínica de rejeição (alteração de humor, presença de arritmia ou alteração ao ecocardiograma) ocorreu em 10 pacientes (20%), e quatro amostras (8%) foram coletadas como controle após tratamento de rejeição.

O nível sérico de BNP foi em média 79,9 pg/ml, sendo de 144,2 pg/ml no grupo com rejeição e de 65,80 no grupo sem rejeição, com p = 0,02 (Gráfico 2). Análise por curva ROC encontrou-se o valor de 38 pg/ml como o valor de sensibilidade 100% e especificidade 56% para diagnóstico de rejeição cardíaca, com área sobre a curva de 0,74 e p 0,01 (Gráfico 3).



Ecocardiograma

A análise ecocardiográfica (tab.1) encontrou alterações em 4 das 9 amostras com rejeição (44%) e em 4 das 41 biópsias sem rejeição (10%), com valor preditivo positivo de 50% e valor preditivo negativo de 88%, A sensibilidade do método foi de 44% e especificidade de 90% (p 0,02).

As alterações encontradas nos pacientes com rejeição foram: disfunção sistólica moderada biventricular em paciente com rejeição humoral, disfunção sistólica discreta de ventrículo esquerdo em paciente com rejeição grau 2 e em dois pacientes com grau 3 A foram observadas, respectivamente, insuficiência mitral moderada e alteração de função diastólica tipo alteração de relaxamento, com inversão do padrão das ondas E' e A' ao Doppler tecidual.

Hemodinâmica

Comparados os grupos com e sem rejeição (tab.2), não se observou diferença em relação a pressão sistólica pulmonar, pressão capilar pulmonar, débito cardíaco, resistência vascular pulmonar ou sistêmica.

Em relação à presença ou não de coronariopatia e alterações do BNP, observaram-se níveis maiores que 100 pg/ml em três dos quatro pacientes com coronariopatia (p=0,01).

BNP e insuficiência renal

Observou-se elevação dos níveis de BNP não relacionado à rejeição em dois pacientes com alteração de função renal, BNP= 208 pg/ml e 291 pg/ml, (p=0,02).

Discussão

Diante de quadros de rejeição importante em pacientes assintomáticos com possibilidade de morte súbita, a procura por métodos não-invasivos, com alta sensibilidade e especificidade, que possam ser repetidos de forma rápida e em curto período de tempo, tem ocupado grande parte da literatura mundial em transplante cardíaco.

Estudos mostram o BNP e o NT- proBNP como marcadores fidedignos em transplante e insuficiência cardíaca, orientando terapêutica e colaborando no diagnóstico e no prognóstico23,24.

Avaliação da expressão gênica de pacientes pós-transplante em fase crônica, sem alterações hemodinâmicas e livres de rejeição, correlaciona o aumento sérico de BNP com genes presentes em processos inflamatórios iniciais, remodelamento cardíaco, ativação imune e alterações vasculares25, sendo assim passível predizer de forma precoce o desenvolvimento de coronariopatia ou rejeição.

Lan e cols.26, estudando crianças em pós-operatório de transplante cardíaco, observaram níveis elevados de BNP no primeiro mês após o transplante, com decline gradual após esse período, e normalização dos valores (< 100 pg/ml) em 14 semanas.

A rejeição aguda, como demonstrado em nosso estudo, pode ocorrer em crianças de maneira assintomática no pós-operatório de transplante cardíaco, e a avaliação dos níveis séricos de BNP pode ser um indicador precoce dessa rejeição, especialmente nas formas mais graves como a rejeição humoral27-31.

A praticidade na realização do exame, podendo ser feito no consultório com resultado imediato, possibilita a repetição em casos com suspeita clínica de rejeição ou mesmo nas consultas ambulatoriais de rotina, permitindo com isso postergar a realização do cateterismo cardíaco, reduzindo as taxas de morbidade dessas crianças.

O valor encontrado neste estudo como corte para diagnóstico de rejeição cardíaca aguda avaliado por meio de curva ROC, com sensibilidade de 100%, foi de 38 pg/ml, podendo ser esse dado um indicativo de que podemos levar em conta valores menores, priorizando a sensibilidade do método.

O ecocardiograma, apesar da baixa sensibilidade para o diagnóstico de rejeição cardíaca, é um exame de fácil execução e de alta especificidade, achados consistentes com os relatados por Akioka e cols.32, devendo ser utilizado de forma comparativa e dispondo de todos os recursos atuais disponíveis, incluindo a análise por meio do Doppler tecidual. Mais estudos são necessários visando aumentar a sensibilidade do método.

A avaliação de medidas hemodinâmicas, exceto pela redução do débito cardíaco, não apresentou neste estudo correlação com os resultados de biópsia, dados concordantes com descrições da literatura33-35. A correlação entre aumento de BNP e presença de coronariopatia foi significativa nessa amostra, mostrando a importância do método também como triagem de doença vascular do enxerto.

Limitações do estudo

O número limitado de pacientes, e conseqüentemente o pequeno grupo com rejeição, dificultou a análise de subgrupos.

Implicações clínicas

O BNP demonstrou ser um exame auxiliar importante no diagnóstico de rejeição cardíaca, especialmente nos casos mais graves, como rejeição humoral.

Trata-se de exame de fácil execução, pouco invasivo e de resultado imediato, podendo ser repetido de forma seriada visando postergar a realização da biópsia endomiocárdica.

A correlação com coronariopatia também ressalta a importância do método no seguimento de longo prazo das crianças em pós-operatório tardio de transplante cardíaco, considerando que essa é uma importante causa de mortalidade após cinco anos de transplante, e muitas vezes se manifestando com morte súbita em pacientes ambulatoriais.

Conclusão

A rejeição aguda pode ocorrer de forma assintomática em crianças no pós-operatório tardio de transplante cardíaco e a dosagem do nível sérico de BNP, realizada de forma seriada, pode auxiliar no diagnóstico dessa rejeição.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflito de interesses pertinentes.

Fontes de Financiamento

O presente estudo foi parcialmente financiado por FAPESP.

Vinculação Acadêmica

Este artigo é parte de tese de Doutorado de Cristina de Sylos, pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.

Artigo recebido em 11/04/08; revisado recebido em 04/07/08; aceito em 31/07/08.

  • 1. Azeka E, Barbero-Marcial M, Jatene M, Auler JO, Ramires JA. Eight years experience of pediatric heart transplantation: clinical outcome using non-invasive methods for the evaluation of acute rejection. Pediatr Transplant. 2002; 6 (3): 208-13.
  • 2. Azeka E, Ramires JA, Valler C, Bocchi E. Delisting of infants and children from the heart transplantation waiting list after carvedilol treatment. J Am Coll Cardiol. 2002; 40 (11): 2034-8.
  • 3. Boucek MM, Aurora P, Edwards LB, Taylor DO, Trulock EP, Christie J, et al. Registry of the International Society for Heart and Lung Transplantation: tenth official pediatric heart transplantation report - 2007. J Heart Lung Transplant. 2007; 26 (8): 796-807.
  • 4. Azeka E, Barbero Marcial M, Soares J, Camargo PR, Jatene M, Auler JO, et al. The importance of noninvasive methods on the evaluation of acute rejection in pediatric transplantation: Gallium 67 scintigraphy as an option. In: 2nd World Congress Pediatric Cardiology and Cardiac Surgery, Honolulu, 1998. Proceedings. Honolulu; 1998. p. 133-6.
  • 5. Azeka E. Transplante cardíaco em crianças - análise clínica evolutiva. [Tese]. São Paulo: Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo; 1998.
  • 6. Zales VR, Crawford S, Backer CL, Pahl E, Webb CL, Lynch P, et al. Role of endomyocardial biopsy in rejection surveillance after heart transplantation in neonates and children. J Am Coll Cardiol. 1999; 23 (3): 766-71.
  • 7. Wagner K, Oliver MC, Boyle GJ, Miller SA, Law YM, Pigula F, et al. Endomyocardial biopsy in pediatric heart transplant recipients; a useful exercise? (Analysis of 1169 biopsies). Pediatr Transplant. 2000; 4 (3): 186-92.
  • 8. Siaplaouras J, Thul J, Kramer U, Bauer J, Schranz D. Cardiac troponin I: a marker of acute heart rejection in infant and child heart recipients. Pediatr Transplant. 2003; 7 (1): 43-5.
  • 9. Arnau-Vives MA, Almenar L, Hervas I, Osa A, Martinez-Dolz L, Rueda J, et al. Preditive value of brain natriuretic peptide in the diagnosis of heart transplant rejection. J Heart Lung Transplant. 2004; 23 (7): 850-6.
  • 10. Park MH, Uber PA, Scott RL, Mehra MR. B-type natriuretic peptide in heart transplantation: an important marker of allograft performance. Heart Fail Rev. 2003, 8 (4): 359-63.
  • 11. Abramson LP, Pahl E, Huang L, Stellmach V, Rodgers S, Mavroudis C, et al. Serum vascular endothelial growth factor as a surveillance marker for cellular rejection in pediatric cardiac transplantation. Transplantation. 2002; 73 (1): 153-6.
  • 12. Troughton RW, Prior DL, Pereira JJ, Martin M, Fogarty A, Morehead A, et al. Plasma brain natriuretic peptide levels in systolic heart failure: importance of left ventricular diastolic function and right ventricular systolic function. J Am Coll Cardiol. 2004; 43 (3): 416-22.
  • 13. Bibbins-Domingo K, Ansari M, Schiller NB, Massie B, Whooley MA. B-natriuretic peptide and ischemia in patients with stable coronary disease. Circulation. 2003; 108 (24): 2987-92.
  • 14. Mayer SA, De Lemos JA, Murphy SA, Brooks S, Robert BJ, Grayburn PA. Comparison of B-natriuretic peptide levels in patients with heart failure versus without mitral regurgitation. Am J Cardiol. 2004; 15 (8): 1002-6.
  • 15. Kruger S, Graf J, Kumz D, Stickel T, Hanrath P, Jansens U. Brain natriuretic peptide levels predict functional capacity in patients with chronic heart failure. J Am Coll Cardiol. 2002; 21 (4): 718-22.
  • 16. Tang WH, Girod JP, Lee MJ, Starling RC, Ypung JB, Van Lente F, et al. Plasma brain natriuretic peptide levels in ambulatory patients with established chronic symptomatic systolic heart failure. Circulation. 2003; 208 (24): 2964-6.
  • 17. Wang TJ, Larson MG, Levy D, Benjamin E, Leip EP, Omland T, et al. Plasma natriuretic peptide levels and the risk of cardiovascular events and death. N Engl J Med. 2004; 350 (7): 655-63.
  • 18. Groenning B, Raymond I, Hildebrandt PR, Nilsson JC, Baumann M, Pedersen F. Diagnostic and prognostic evaluation of left ventricular systolic heart failure by Plasma N terminal pro-Brain natriuretic peptide concentration in a large sample of general population. Heart. 2004; 90 (3): 297-303.
  • 19. Billingham ME, Cary NR, Hammond ME, Kemnitz J, Marboe C, McCallister HA, et al. A working formulation for the standardization of nomenclature in the diagnosis of heart and lung rejection: Heart Rejection Study Group. The International Society for Heart Transplantation. J Heart Transplant. 1990; 9: 587-93.
  • 20. Schiller NB, Shaw PK, Crawford M, De Maria A, Devereux R, Feigenbaun H. Recommendations for quantitation of the left ventricle by two-dimensional echocardiography. American Society of Echocardography Committee on Standars. Subcommittee on quantitation of two dimensional echocardiograms. J Am Soc Echocardiogr. 1989; 2: 358-67.
  • 21. Bickel PJ, Doksum KA. Mathematical statistics: basic ideas and select topics. San Francisco: Holden Day; 1997. p. 153-91.
  • 22. Costa Neto PLO. Estatística. São Paulo: Ed Edgard Blucher; 1977. p. 78.
  • 23. Shou M, Gustafsson F, Nielsem PH, Madsen LH, Kjaer A, Hildebrandt R. Unexplained week-to-week variation in BNP and NT-proBNP is low in chronic heart failure during steady state. Eur J Heart Fail. 2007; 9: 68-74.
  • 24. Shaw S, Williams SG. Is brain natriuretic peptide clinically useful after cardiac transplantation. J Heart Lung Transplant. 2005; 12: 1396-401.
  • 25. Mehra MR, Uber WE, Walther D, Vesely M, Wohlgemuth JG, Prentice J, et al. Gene expression profiles and B-type natriuretic peptide elevation in heart transplantation: more than a hemodynamic marker. Circulation. 2006; 4: 21-6.
  • 26. Lan YT, Chang RK, Alejos JC, Burch C, Wetzel GT. B-type natriuretic peptide in children after cardiac transplantation. J Heart Lung Transplant. 2004; 23 (5): 558-63.
  • 27. Hervas I, Almenar L, Perez-Pastor JL, Chirivella M, Osa A, Martinez-Doltz P, et al. Radioimmunometric assay of B-type natriuretic peptide (BNP) in heart transplantation: correlation between BNP determination and biopsy grading of rejection. Nucl Med Commun. 2003; 24 (8): 925-31.
  • 28. Ationu A, Sorensen K, Whitehead B, Singer D, Burch M, Carter ND. Ventricular expression of brain natriuretic peptide gene following orthotopic cardiac transplantation in children - a three year follow up. Cardiovasc Res. 1993; 27 (12): 2135-9.
  • 29. Ilene Claudius MD, Yueh-Tze Lan MD, Chang RK, Wetzel GT, Alejos J. Usefulness of B-type natriuretic peptide as a noninvasive screening tool for cardiac allograft pathology in pediatric heart transplant recipients. Am J Cardiol. 2003; 92 (11): 1368-70.
  • 30. O'Neill JO, Mcrae AT, Troughton RW, Kenneth NG, Taylor DO, Yamani MH, et al. Brain natriuretic peptide levels do not correlate with acute cellular rejection in de novo orthotopic heart transplant recipients. J Heart Lung Transplant. 2005; 24 (4): 416-20.
  • 31. Hammerer-Lercher A, Mair J, Antretter H, Ruttmann E, Poeltzl G, Laufer G, et al. B-type natriuretic peptide as a marker of allograft rejection after heart transplantation. J Heart Lung Transplant. 2005; 24 (9): 1444-7.
  • 32. Akioka K, Takeuchi K, Yanagi S, Hirota K, Sakamoto K, Yoshimura T, et al. Prognostic value of Doppler transmitral flow patterns and cardiac natriuretic peptides in patients with chronic congestive heart failure admitted for episodes of acute descompensation. Heart Vessels. 2000; 15 (2): 53-60.
  • 33. Mehra MR, Uber WE, Park MH, Scott RL. Anything but a biopsy: monitoring for cardiac allograft rejection. Curr Opin Cardiol. 2002; 17: 131-6.
  • 34. Wagner K, Oliver MC, Boyle GJ, Miller SA, Law YM, Pigula F, et al. Endomyocardial biopsy in pediatric heart transplantation: a useful exercise (analysis of 1169 biopsies). Pediatric Transplant. 2000; 4: 186-92.
  • 35. Stehlik J, Starling RC, Movsesian MA, Fang JC, Brown RN, Hess MI, et al. Utility of long term surveillance endomyocardial biopsy: a multi-institutional analysis. J Heart Lung Transplant. 2006; 25: 1402-9.
  • Correspondência:
    Cristina de Sylos
    Rua Fernando Pessoa, 53 (Vila Giglio)
    12946-240 - Atibaia, SP - Brasil
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      17 Abr 2009
    • Data do Fascículo
      Mar 2009

    Histórico

    • Aceito
      31 Jul 2008
    • Revisado
      04 Jul 2008
    • Recebido
      11 Abr 2008
    Sociedade Brasileira de Cardiologia - SBC Avenida Marechal Câmara, 160, sala: 330, Centro, CEP: 20020-907, (21) 3478-2700 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil, Fax: +55 21 3478-2770 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: revista@cardiol.br