Acessibilidade / Reportar erro

Chlamydia pneumoniae e Mycoplasma pneumoniae nos nódulos de calcificação da estenose da valva aórtica

Resumos

OBJETIVO: Investigar se chlamydia pneumoniae (CP) ou mycoplasma pneumoniae (MP) estão presentes na estenose da valva aórtica (EA). MÉTODOS: Imuno-histoquímica foi utilizada para identificar os antígenos de CP (Ag-CP), a hibridização in situ para identificar o DNA de MP, e microscopia eletrônica para avaliação dos dois agentes, nos grupos: normal - 11 valvas normais de autópsia; aterosclerose - 10 valvas de pacientes com aterosclerose sistêmica de autópsia e sem EA; e EA - 14 espécimes cirúrgicos provenientes de pacientes com EA analisados em 3 sub-regiões: EA-preservada - regiões mais preservadas na periferia da valva; EA-fibrose - tecido fibrótico peri-calcificação; e EA-calcificação - nódulos calcificados. RESULTADOS: As medianas da fração de área positiva para Ag-CP foram 0,09; 0,30; 0,18; 1,33; e 3,3 nos grupos acima descritos, respectivamente. A densidade de CP foi significativamente maior nos grupos aterosclerose e EA-calcificação em relação ao normal (p<0,05). Dentro do grupo EA, a quantidade de CP foi maior nas regiões de fibrose e calcificação (p<0,05). As frações de área positivas para MP-DNA (medianas) foram 0,12; 0,44; 0,07; 0,36; e 1,52 nos grupos acima descritos, respectivamente. A quantidade de MP-DNA foi maior na EA-calcificação em relação ao normal (p<0,05). Dentro do grupo EA, maior quantidade de MP-DNA foi encontrada nas regiões de calcificação e fibrose (p<0,05). CONCLUSÃO: Os nódulos de calcificação da EA tinham maior concentração de CP e MP sugerindo que essas bactérias possam estar associadas ao desenvolvimento de calcificação e inflamação, apontando novas semelhanças entre os processos de EA e aterosclerose, que podem ter mecanismos infecciosos envolvidos.

mycoplasma pneumoniae; chlamydia pneumoniae; estenose da valva aórtica; aterosclerose; idoso


OBJECTIVE: We investigated whether Chlamydia pneumoniae (CP) and Mycoplasma pneumoniae (MP) are present in aortic valve stenosis (AS). METHODS: Immunohistochemistry was utilized to identify CP antigens, in situ hybridization to identify MP DNA, and electron microscopy was used to evaluate the following three groups: Normal - 11 normal autopsy valves; Atherosclerosis - 10 autopsy valves from patients with systemic atherosclerosis and no AS; and AS - 14 surgical specimens of AS analyzed in 3 sub-regions: AS-Preserved - peripheral, preserved regions; AS-Fibrosis - peri-calcified fibrotic tissue; and AS-Calcification - calcified nodules. RESULTS: The positive area fraction of CP antigen median values were 0.09, 0.30, 0.18, 1.33, and 3.3 in groups Normal, Atherosclerosis, AS-Preserved, AS-Fibrosis, and AS-Calcification, respectively. CP density was significantly greater in Atherosclerosis and AS-Calcification than in Normal (P<0.05). Within the AS group, the amount of CP was greater in the Calcification and Fibrosis regions (P<0.05). MP-DNA positive area fraction (median values) were 0.12, 0.44, 0.07, 0.36, and 1.52 in groups Normal, Atherosclerosis, AS-Preserved, AS-Fibrosis, and AS-Calcification, respectively. The amount of MP-DNA was greater in AS-Calcification than in Normal (P<0.05). Within the AS group, MP-DNA was in larger quantity in the Calcification and Fibrosis regions (P<0.05). CONCLUSION: AS Calcified nodes present higher concentration of CP and MP suggesting that these bacteria may be associated with the development of calcification and inflammation. This adds novel similarities between AS and the atherosclerosis process, which may have infection mechanisms involved.

Mycoplasma pneumoniae; Chlamydia pneumoniae; Aortic Valve Stenosis; Atherosclerosis; Elderly


ARTIGO ORIGINAL

Chlamydia pneumoniae e Mycoplasma pneumoniae nos nódulos de calcificação da estenose da valva aórtica

Marilia Harumi Higuchi-dos-Santos; Humberto Pierri; Maria de Lourdes Higuchi; Amit Nussbacher; Sueli Palomino; Nadia Vieira Sambiase; José Antonio Franchini Ramires; Maurício Wajngarten

Instituto do Coração do Hospital das Clínicas - FMUSP - São Paulo, SP

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Marilia Harumi Higuchi dos Santos Rua Capote Valente, 361/142 05409-001 São Paulo, SP E-mail: mhhsantos@yahoo.com

RESUMO

OBJETIVO: Investigar se chlamydia pneumoniae (CP) ou mycoplasma pneumoniae (MP) estão presentes na estenose da valva aórtica (EA).

MÉTODOS: Imuno-histoquímica foi utilizada para identificar os antígenos de CP (Ag-CP), a hibridização in situ para identificar o DNA de MP, e microscopia eletrônica para avaliação dos dois agentes, nos grupos: normal - 11 valvas normais de autópsia; aterosclerose - 10 valvas de pacientes com aterosclerose sistêmica de autópsia e sem EA; e EA - 14 espécimes cirúrgicos provenientes de pacientes com EA analisados em 3 sub-regiões: EA-preservada - regiões mais preservadas na periferia da valva; EA-fibrose - tecido fibrótico peri-calcificação; e EA-calcificação - nódulos calcificados.

RESULTADOS: As medianas da fração de área positiva para Ag-CP foram 0,09; 0,30; 0,18; 1,33; e 3,3 nos grupos acima descritos, respectivamente. A densidade de CP foi significativamente maior nos grupos aterosclerose e EA-calcificação em relação ao normal (p<0,05). Dentro do grupo EA, a quantidade de CP foi maior nas regiões de fibrose e calcificação (p<0,05). As frações de área positivas para MP-DNA (medianas) foram 0,12; 0,44; 0,07; 0,36; e 1,52 nos grupos acima descritos, respectivamente. A quantidade de MP-DNA foi maior na EA-calcificação em relação ao normal (p<0,05). Dentro do grupo EA, maior quantidade de MP-DNA foi encontrada nas regiões de calcificação e fibrose (p<0,05).

CONCLUSÃO: Os nódulos de calcificação da EA tinham maior concentração de CP e MP sugerindo que essas bactérias possam estar associadas ao desenvolvimento de calcificação e inflamação, apontando novas semelhanças entre os processos de EA e aterosclerose, que podem ter mecanismos infecciosos envolvidos.

Palavras-chave:mycoplasma pneumoniae; chlamydia pneumoniae; estenose da valva aórtica; aterosclerose; idoso

O processo de degeneração aórtica associado com a estenose da valva aórtica (EA) no paciente idoso compartilha várias semelhanças com a aterosclerose das artérias coronárias1. Placas ateromatosas e a calcificação de valvas aórticas sem doença reumática parecem exibir patogênese similar. As valvas com EA freqüentemente exibem alterações inflamatórias com infiltração de macrófagos e linfócitos T ao redor dos nódulos de calcificação, que lembram a resposta inflamatória vista na aterosclerose coronariana2. Além disso, depósitos de colesterol precedem os nódulos de calcificação na EA. Os mesmos fatores de risco clínicos usualmente associados com a doença arterial coronariana estão associados com a estenose aórtica calcificada não reumática2-7 e incluem idade avançada, sexo masculino, níveis aumentados de lipoproteína de baixa densidade (LDL) e lipoproteína Lp(a)8, tabagismo, hipertensão, diabetes, hipercolesterolemia9. Polimorfismos genéticos podem também ser relevantes no desenvolvimento da aterosclerose10 e na doença aórtica valvar11. A oesteopontina, uma glicoproteína fosforilada que pode ser ativamente sintetizada por macrófagos tem sido ligada à calcificação e relacionada à gravidade da doença arterial coronariana12 e a lesões avançadas da estenose aórtica13. Entretanto, a identificação das causas e fatores associados com o desenvolvimento da calcificação na EA permanece um desafio.

Sugere-se que a Chlamydia pneumoniae (CP) possa estar envolvida na patogênese da aterosclerose, relacionada a polimorfismos genéticos14 e inflamação15, porém, isto ainda é assunto controverso16-18. CP também foi associada com os processos inflamatórios das lesões da valva aórtica19. Nosso grupo demonstrou, previamente, que Mycoplasma pneumoniae (MP) está presente em associação com CP em placas de artérias coronárias de síndromes coronarianas instáveis, usualmente associadas à inflamação da parede e freqüentemente apresentando calcificação15,17. Tendo em vista as similaridades entre aterosclerose coronariana e EA, elaboramos a hipótese de que MP e CP poderiam estar presentes também na estenose aórtica calcificada do idoso.

Métodos

Três grupos de valvas aórticas foram analisados: grupo normal, 11 valvas obtidas através da autópsia de pacientes de 52±16 anos (7 mulheres, 4 homens) sem aterosclerose sistêmica ou estenose aórtica; grupo aterosclerose, 10 valvas obtidas de autópsia de pacientes de 69±9 anos (5 mulheres, 5 homens) com aterosclerose sistêmica, porém sem EA; e grupo estenose da valva aórtica (EA), 14 espécimes cirúrgicos de pacientes de 71±8 anos (4 mulheres, 10 homens) submetidos à substituição da valva aórtica por EA. EA severa foi definida como uma valva contendo áreas de calcificação e difuso espessamento por fibrose e evidência clínica de obstrução severa. Critérios de exclusão foram: evidência de doença reumática, endocardite, síndrome de Marfan, ou doença valvar coexistente em outras valvas (exceto calcificação do anel valvar). As válvulas do grupo EA forma analisadas em três sub-regiões: áreas distantes dos nódulos de calcificação (EA-preservada), tecido fibrótico peri-calcificação (EA-fibrose), e focos de calcificação (EA-calcificação).

Uma seção representativa da porção central das válvulas foi fixada em formalina 10%. A descalcificação foi realizada quando necessário em ácido fórmico 25%. Seções de 5-mm de espessura foram submetidas a colorações com hematoxilina e eosina, técnica de imuno-histoquímica (IQ) para detecção de CP e técnica de hibridização in situ (HIS) para detecção de MP. A especificidade da reação de IQ foi confirmada por HIS em três casos positivos para CP.

Análise quantitativa foi realizada com o analisador de imagens Quantimet 500-Leica detectando-se a fração de área ocupada por antígenos de CP (Ag-CP) e DNA de MP.

Fragmentos valvares adjacentes aos obtidos para microscopia ótica de todos os casos foram analisados à microscopia eletrônica.

Técnica de imuno-histoquímica (IQ) - Seções de 5-mm de espessura de cada espécime foram submetidas à recuperação antigênica por calor (microondas) e incubadas com um anticorpo monoclonal anti-CP (clone RR-402, Dako, Carpinteria, CA, USA, contra a membrana externa principal de CP), por 20 h, a 4º C. Esse anticorpo não reage de forma cruzada com os seguintes agentes: adenovírus, vírus respiratório, vírus A e B da gripe, Chlamydia trachomatis, e alguns sorotipos de Chlamydia psittaci. Confirmamos tal especificidade realizando simultaneamente reações em seções histológicas positivas para citomegalovírus e herpes vírus. O anticorpo secundário foi uma imunoglobulina anti-rato produzida em coelho, conjugada com a biotina (Dako, Carpinteria, CA, USA), diluída a 1:2000, por uma hora a 37º C. A reação foi revelada com streptavidina conjugada com peroxidase (Amersham International, England), diluída a 1:1000, por uma hora a 37º C, e 3,3-diaminobenzidina (Sigma Chemical Corporation, St. Louis, MO). As seções foram contra-coradas com hematoxilina de Harri, desidratadas, clareadas, e montadas com Entellan (Merck, Germany).

Técnica de hibridização in situ (HIS) para MP e CP - A permeabilização celular das seções histológicas foi feita com 0,01M de solução de tampão citrato, pH 6,0±0,1, no forno de microondas. A peroxidase endógena foi bloqueada com H202 a 3%. As seções foram incubadas com a mistura de hibridização contendo: a sonda, formamida deionizada, sulfato dextran 50%, 20 X SSC, solução de Denhardt, DNA de esperma de salmão, tRNA de fungo, poli A e C, e água pura com dietilpirocarbonato. Duplas-fitas de DNA foram denaturizadas a 95±5º C. O sinal foi amplificado utilizando-se o sistema de amplificação de sinais para HIS, Dakogen Point (Dako, Carpinteria, CA, USA). A reação foi revelada com o cromógeno 3,3-diaminobenzidina (Dako, Carpinteria, CA, USA). As seções foram contra-coradas com a hematoxilina de Harri.

Controles: controles negativos para HIS e IQ foram realizados omitindo-se a sonda ou o anticorpo primário. Seções histológicas humanas, previamente diagnosticadas como positivas para MP e CP foram utilizadas como controles para ambas as reações. Além disso, como controle positivo para HIS, utilizamos uma sonda de seqüência Alu repetitiva (alu1/alu2) (Genetic Research, AL, USA) e como controle negativo, um DNA plasmídio, coberto com biotina (Dako, Carpinteria, CA, USA).

Sondas: A sonda marcada de Mycoplasma pneumoniae foi preparada pela técnica de nick translation de um clone altamente específico para M. pneumoniae. O clone foi caracterizado como sendo altamente específico para MP para exclusão de outras espécies de micobactéria e outras espécies de bactérias (Enzo Diagnostics, Farmingdale, NY, USA). A sonda de Chlamydia pneumoniae foi uma seqüência de oligonucleotídeos biotinilados (20 bp) sintetizada pela GIBCO/BRL, Rockville, MD, USA.

Microscopia eletrônica - Os fragmentos de valvas coletados para a microscopia eletrônica foram previamente descalcificados se necessário, como descrito anteriormente, e fixados em glutaraldeído 3%, pós-fixados em tetróxido de ósmio 1% e contrastados com 0,5% de acetato de uranil. Os fragmentos foram emblocados em resina de araldita. Seções ultra-finas (60 a 90 hm) foram obtidas e contrastadas com solução de citrato de chumbo 5%20.

Análise estatística - A variável fração de área foi descrita pelos valores mínimo e máximo, média, mediana e desvio-padrão.

Como não foi encontrada distribuição normal, um teste não paramétrico (distribuição-livre) foi utilizado para comparação dos dados dos três grupos independentes (normal, aterosclerose e EA). O teste de Kruskal-Wallis foi utilizado para testar a hipótese de igualdade entre os três grupos, teste de comparações múltiplas, e o grupo diferente foi determinado pelo teste de Dunn.

Para testarmos a igualdade das médias nas diferentes regiões da mesma valva no grupo de estenose aórtica (EA-preservada, EA-fibrose, e EA-calcificação), o teste não paramétrico de Friedman foi utilizado21.

O nível de significância utilizado foi de 5%.

Resultados

Análise de antígenos de C. pneumoniae em valvas calcificadas e não calcificadas - A imuno-histoquímica demonstrou várias granulações positivas (pontos marron escuro) dentro do foco de calcificação e no tecido fibrótico adjacente (fig. 1B). As valvas normais e não calcificadas de pacientes ateroscleróticos exibiram menor número de antígenos de CP (fig. 1A).



Mediana, média e desvio-padrão (DP) das frações de área positiva para Ag-CP nos diferentes grupos de valvas são mostrados na tabela I.

A análise comparativa da fração de área positiva para Ag-CP revelou número significativamente maior de Ag-CP apenas em EA-calcificação comparado ao grupo normal (p<0,05).

A comparação entre as diferentes regiões valvares do grupo EA mostrou que EA-preservada tinha quantidade significativamente menor de Ag-CP em relação aos grupo EA-Fibrose e EA-calcificação (P<0.05).

Análise do DNA de M. pneumoniae em valvas calcificadas e não calcificadas - A hibridização in situ revelou concentrações de MP-DNA (em marrom) nos focos de calcificação (fig. 1C). Algumas áreas das valvas do grupo Aterosclerose também exibiram várias granulações positivas, porém pouca CP.


Mediana, média e desvio-padrão (DP) das frações de área positiva para MP-DNA nos diferentes grupos são mostrados na tabela II.

A comparação dos grupos: normal, aterosclerose, e EA-preservada revelou que o grupo aterosclerose apresentava valores maiores em relação a EA-preservada (p<0,05). O grupo EA-calcificação (focos de calcificação) tinha uma quantidade significativamente maior de MP-DNA em relação aos grupos normal e aterosclerose (p<0,05). Não houve diferença entre os grupos normal, aterosclerose e EA-fibrose (p=0,16).

A análise das diferentes regiões do grupo EA revelou que as regiões mais preservadas da valva (EA-preservada) apresentavam números menores de MP-DNA em relação aos nódulos de calcificação (EA-calcificação) e a região peri-calcificação (EA-fibrose) (p<0,05).

Densidade de C. pneumoniae e M. Pneumoniae nas valvas - As densidades de Ag-CP e MP-DNA foram similares nas valvas dos grupos: normal e aterosclerose. No grupo com estenose aórtica, as densidades tanto de Ag-CP quanto de MP-DNA na região de calcificação foram maiores que as densidades encontradas na região mais preservada da valva e no grupo Normal. Na região de fibrose, as densidades de Ag-CP e MP-DNA também foram maiores do que na região mais preservada da valva (fig. 2).


Discussão

Várias similaridades entre o processo de aterosclerose e da EA sugerem que agentes causadores comuns possam estar presentes em ambas as doenças. Mohler e cols.22 encontrou que 88% das valvas cardíacas retiradas cirurgicamente de pacientes que tinham sido submetidos à troca de valva continham placas ateroscleróticas, 83% apresentava calcificação distrófica e, mastócitos estavam presentes nas valvas calcificadas e ossificadas, de forma proeminente nas regiões ateromatosas.

Nosso grupo descreveu previamente que CP e MP estão presentes em placas ateroscleróticas15,17,18. Dada a similaridade entre a aterosclerose e a estenose aórtica valvar, fizemos a hipótese de que tais agentes poderiam também estar presentes na EA, podendo ter papel importante na patogênese da doença. No presente estudo, procuramos por CP e MP em valvas aórtica com e sem estenose e em valvas sem estenose de pacientes ateroscleróticos, utilizando diferentes técnicas anatomopatológicas.

A sonda utilizada contra MP é altamente específica, assim como o anticorpo monoclonal contra a membrana externa da CP. Os resultados mostraram que as duas bactérias estão freqüentemente presentes em todas as valvas aórticas, independentemente de calcificação. Entretanto, quantidade significativamente maior de ambas foi encontrada nos focos de calcificação. O tecido fibrótico adjacente também exibiu grandes quantidades de Ag-CP.

MP e CP foram encontrados em 100% das valvas estudadas. As valvas aórticas de pacientes sem EA apresentaram pequena quantidade, independentemente se havia aterosclerose sistêmica ou não. Por outro lado, pacientes com EA apresentavam maiores quantidades dos dois agentes. Esses resultados sugerem que MP e CP possam desempenhar um papel no desenvolvimento da calcificação na EA. A detecção das duas bactérias nos nódulos de calcificação foi obtida por todas as três técnicas - hibridização in situ, imuno-histoquímica, e microscopia eletrônica - reforçando o conceito de que os resultados não são artefatuais. A análise ultra-estrutural demonstrou que nos nódulos de calcificação essas bactérias têm aspecto degenerado, porém pudemos reconhecer em muitas delas a membrana externa dupla e a forma em pêra que caracterizam os corpos elementares da Chlamydia pneumoniae (figs. 3A e 3B).



Diferenças significativas existem quanto à incidência de CP relatada em valvas de pacientes com EA na literatura. Andreasen e cols.9 encontrou 0% utilizando o PCR (reação de polimerase em cadeia ou polymerase chain reaction) e cultura, enquanto Juvonen e cols.16 reportou 53% utilizando a imuno-histoquímica e 18% pelo PCR em espécimes cirúrgicos de pacientes submetidos a troca da valva aórtica por estenose não reumática severa.

O PCR foi o método mais comumente utilizado para detecção de C.pneumoniae em estudos prévios. Este fato talvez explique em parte a ampla variação de positividade entre os resultados. Estudos demonstraram que existe grande variação na habilidade de métodos entre laboratórios clínicos para detectar agentes infecciosos de forma confiável23,24.

Por outro lado, a maior parte dos estudos, não quantificou a concentração dos agentes infecciosos presentes no tecido no sentido de correlacionar com a intensidade e o grau de lesão e inflamação. O PCR é uma técnica que apenas detecta a presença ou não de uma seqüência de DNA procurada.

No presente estudo, preferimos utilizar a técnica de hibridização in situ que fornece informação não apenas quanto à presença, mas também quanto à localização e quantidade das seqüências de DNA. Para certificar-se da confiabilidade dos resultados, procuramos simultaneamente pela presença de antígenos específicos utilizando a técnica de imuno-histoquímica com o anticorpo anti C.pneumoniae mais comumente utilizado. Finalmente, procuramos, pela microscopia eletrônica, pela presença de estruturas compatíveis com as formas de C.pneumoniae e encontramos grande número delas, sobretudo ao redor dos nódulos de calcificação.

A demonstração de que as bactérias CP e MP estão presentes em concentrações significativamente maiores em valvas aórticas de pacientes com estenose aórtica não parece ser um achado coincidente. Do ponto de vista fisiopatológico, essas bactérias têm o potencial de ativamente participar na gênese dos achados patológicos dessa doença. A demonstração desses dois agentes nas valvas aórticas ainda não havia sido realizada e abre um novo caminho na pesquisa acerca da estenose aórtica.

Chlamydia pneumoniae são bactérias gram-negativas que se multiplicam exclusivamente dentro de outras células como os macrófagos. São capazes de induzir a produção de enzimas pela célula hospedeira tais como as metaloproteinases e gelatinase 92-kDA. Essas enzimas podem danificar os componentes da matriz extracelular, resultando em alterações que são similares àquelas observadas em condições inflamatórias crônicas, tais como aterosclerose e estenose aórtica25,26.

Mycoplasma pneumoniae são bactérias pequenas, simples e únicas, capazes de utilizar colesterol para sua reprodução. Estão freqüentemente associadas com infecções respiratórias, mas também podem estar envolvidas em doenças vasculares e são capazes de induzir estados inflamatórios crônicos. Têm a membrana externa rica em fosfolipídios, o que pode induzir à oxidação da membrana celular do hospedeiro. Adicionalmente, podem induzir produção de citocinas nas células do hospedeiro e ampliar a virulência de outras bactérias27.

Dessa forma, é plausível que essas duas bactérias estejam participando ativamente no processo da doença aórtica valvar. O MP pode estimular a virulência da CP levando a um intenso processo inflamatório, resultando em debris de membranas celulares da bactéria e das células hospedeiras, com acúmulo de colesterol-LDL28 e Lp(a)8 oxidados e um processo inflamatório local29. A presença de grande quantidade de fosfolipídios provenientes das membranas degradadas de CP e MP é um substrato adequado para a deposição de cálcio, culminando na calcificação da valva. Em lesões iniciais, calcificação microscópica está presente em áreas com acúmulo de lipoproteínas8,28. Com o progresso da doença, as áreas anormais tornam-se confluentes. O micro-ambiente da valva danificada na presença de agentes infecciosos, deposição de colesterol e inflamação, resulta em condições favoráveis para o desenvolvimento da calcificação e danificação da valva.

Concluindo, CP e MP estão presentes em maiores concentrações na estenose aórtica valvar calcificada. Nossos resultados sugerem que essas bactérias estão associadas ao desenvolvimento da calcificação e inflamação, adicionando novas similaridades entre os processos de estenose da valva aórtica e aterosclerose, ambos podendo ter a infecção envolvida em sua patogênese.

Recebido em 4/07/03

Aceito em 3/09/04

  • 1. Otto CM, Kuusisto J, Reichenbach DD, Gown AM, O'Brien KD. Characterization of the early lesion of 'degenerative' aortic stenosis. Histological and immunohistochemical studies. Circulation 1994; 90: 844-53.
  • 2. Pohle K, Mäffert R, Ropers D et al. Progression of aortic valve calcification - Association with coronary atherosclerosis and cardiovascular risk factors. Circulation 2001; 104: 1927-32.
  • 3. Stewart BF, Siscovick D, Lind BK et al. Clinical factors associated with calcific aortic valve disease. Cardiovascular Health Study. J Am Coll Cardiol 1997; 29: 630-4.
  • 4. Mohler ER, Sheridan MJ, Nichols R, Harvey WP, Waller BF. Development and progression of aortic valve stenosis: atherosclerosis risk factors-a causal relationship? A clinical morphologic study. Clin Cardiol 1991; 14: 995-9.
  • 5. Aronow WS, Schwartz KS, Koenigsberg M. Correlation of serum lipids, calcium, and phosphorus, diabetes mellitus and history of systemic hypertension with presence or absence of calcified or thickened aortic cusps or root in elderly patients. Am J Cardiol 1987; 59: 998-9.
  • 6. Otto CM, O'Brien KD. Why is there discordance between calcific aortic stenosis and coronary artery disease? Heart 2001; 85: 601-2.
  • 7. Juvonen J, Juvonen T, Laurila A et al. Can degenerative aortic valve stenosis be related to persistent Chlamydia pneumoniae infection? Ann Intern Med 1998; 128: 741-4.
  • 8. O'Brien KD, Reichenbach DD, Marcovina SM, Kuusisto J, Alpers CE, Otto CM. Apolipoproteins B, (a), and E accumulate in the morphologically early lesion of 'degenerative' valvular aortic stenosis. Arterioscler Thromb Vasc Biol 1996; 16: 523-32.
  • 9. Andreasen JJ, Farholt S, Jensen JS. Failure to detect Chlamydia pneumoniae in calcific and degenerative arteriosclerotic aortic valves excised during open heart surgery. APMIS 1998; 106: 717-20.
  • 10. Oliveira SA, Mansur AP, Ribeiro CC, Ramires JA, Annichino-Bizzacchi JM. PON1 M/L55 mutation protects high-risk patients against coronary artery disease. Int J Cardiol 2004; 94: 73-7.
  • 11. Ortlepp JR, Hoffmann R, Ohme F, Lauscher J, Bleckmann F, Hanrath P. The vitamin D receptor genotype predisposes to the development of calcific aortic valve stenosis. Heart. 2001; 85: 635-8.
  • 12. Ohmori R, Momiyama Y, Taniguchi H et al. Plasma osteopontin levels are associated with the presence and extent of coronary artery disease. Atherosclerosis 2003; 170: 333-7.
  • 13. O'Brien KD, Kuusisto J, Reichenbach DD et al. Osteopontin is expressed in human aortic valvular lesions. Circulation 1995; 92: 2163-8.
  • 14. Momiyama Y, Hirano R, Taniguchi H, Nakamura H, Ohsuzu F. Effects of interleukin-1 gene polymorphisms on the development of coronary artery disease associated with Chlamydia pneumoniae infection. J Am Coll Cardiol 2001; 38: 712-7.
  • 15. Higuchi M de L, Reis MM, Sambiase NV et al. Coinfection with Mycoplasma pneumoniae and Chlamydia pneumoniae in ruptured plaques associated with acute myocardial infarction. Arq Bras Cardiol 2003; 81: 12-22, 1-11.
  • 16. Juvonen J, Laurila A, Juvonen T et al. Detection of Chlamydia pneumoniae in human nonrheumatic stenotic aortic valves. J Am Coll Cardiol 1997; 29: 1054-9.
  • 17. Higuchi ML, Sambiase N, Palomino S et al. Detection of Mycoplasma pneumoniae and Chlamydia pneumoniae in ruptured atherosclerotic plaques. Braz J Med Biol Res 2000; 33: 1023-6.
  • 18. Higuchi ML, Castelli JB, Aiello VD et al. Great amount of Chlamydia pneumoniae in ruptured plaque vessel segments at autopsy. A comparative study of stabela plaques. Arq Bras Cardiol 2000; 74: 149-51.
  • 19. Nystrom-Rosander C, Thelin S, Hjelm E, Lindquist O, Pahlson C, Friman G. High incidence of Chlamydia pneumoniae in sclerotic heart valves of patients undergoing aortic valve replacement. Scand J Infect Dis 1997; 29: 361-5.
  • 20. Reynolds ES. The use of lead citrate at high pH as an electron-opaque stain in electron microscope. J Cell Biol 1963; 17: 208-12.
  • 21. Rosner B. Fundamentals of Biostatistics. 2nd ed. Boston: PWS Publishers; 1986.
  • 22. Mohler ER, Gannon F, Reynolds C, Zimmerman R, Keane MG, Kaplan FS. Bone formation and inflammation in cardiac valves. Circulation 2001; 103: 1522-8.
  • 23. Noordhlek GT, van Embden JD, Am Kolk AH. Reliability of nucleic acid amplification for detection of Mycobacterium tuberculosis: an international collaborative quality control study among 30 laboratories. J Clin Microbiol 1996; 34: 2522-5.
  • 24. Van Vliet KE, Muir P, Echevarria JM, Klapper PE, Cleator GM, van Loon AM. Multicenter proficiency testing of nucleic acid amplicification methods for the detection of enteroviruses. J Clin Microbiol 2001; 39: 3390-2.
  • 25. Vehmaan-Kreula P, Poulakkainen M, Sarvas M, Velgus HG, Kovanen RT. Chlamydia pneumoniae proteins induce secretion of the 92-kDa gelatinase by human monocyte-derived macrophages. Arterioscler Thromb Vasc Biol 2001; 21: e1-e8.
  • 26. Skowasch D, Yeghiazaryan K, Schrempf S et al. Persistence of Chlamydia pneumoniae in degenerative aortic valve stenosis indicated by heat shock protein 60 homologues. J Heart Valve Dis 2003; 12: 68-75.
  • 27. Razin S, Yogev D, Naot Y. Molecular biology and pathogenicity of mycoplasmas. Microbiol Mol Biol Rev 1998; 62:1094-156.
  • 28. Olsson M, Thyberg J, Nilsson J. Presence of oxidized low density lipoprotein in nonrheumatic stenotic aortic valves. Arterioscler Thromb Vasc Biol 1999; 19: 1218-22.
  • 29. Galante A, Pietroiusti A, Vellini M et al. C-reactive protein is increased in patients with degenerative aortic valvular stenosis. J Am Coll Cardiol 2001; 38: 1078-82.
  • Endereço para correspondência
    Marilia Harumi Higuchi dos Santos
    Rua Capote Valente, 361/142
    05409-001
    São Paulo, SP
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      28 Jun 2005
    • Data do Fascículo
      Jun 2005

    Histórico

    • Recebido
      03 Set 2003
    • Aceito
      03 Set 2004
    Sociedade Brasileira de Cardiologia - SBC Avenida Marechal Câmara, 160, sala: 330, Centro, CEP: 20020-907, (21) 3478-2700 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil, Fax: +55 21 3478-2770 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: revista@cardiol.br