Acessibilidade / Reportar erro

Efetividade de Biomarcadores em Cardiologia

Marcadores Biológicos; Efet ividade; Doenças Cardiovasculares/genética; Prevenção de Doenças; Prática Clínica Baseada em Evidências

Além de acurácia diagnóstica ou prognóstica, é necessário que um biomarcador seja efetivo para garantir a utilidade de sua implementação na rotina clínica. Efetividade pode ser entendida como o potencial do indivíduo se beneficiar com a utilização do biomarcador. Este benefício diz respeito à prevenção de eventos clínicos indesejados ou à melhora na qualidade de vida do indivíduo.

A avaliação da efetividade de um biomarcador deve passar por dois critérios sequenciais. Primeiro, o biomarcador deve ter valor prognóstico incremental em relação a dados clínicos e laboratoriais básicos. Segundo, a informação oferecida pelo biomarcador deve promover mudança de conduta médica que, em última instância, beneficie o paciente. Começando pela análise do valor prognóstico, um novo biomarcador deve possuir valor preditor independentemente de marcadores de risco clássicos. No entanto, esse critério de significância estatística não é suficiente para garantir significância clínica. Uma vez confirmada a significância estatística em análise multivariada, deve-se prosseguir e avaliar se o biomarcador incrementa nossa capacidade de discriminar indivíduos que apresentarão o desfecho indesejado. Isso se faz pela análise incremental da estatística C e análise de reclassificação líquida1Hlatky MA, Greenland P, Arnett DK, Ballantyne CM, Criqui MH, Elkind MS et al. Criteria for evaluation of novel markers of cardiovascular risk: A scientific statement from the American Heart Association. Circulation. 2009;119(17):2408-16.. Por exemplo, embora a proteína C reativa de alta sensibilidade tenha associação independente com risco cardiovascular, esta pouco incrementa a capacidade discriminatória do escore de Framingham2Yeboah J, McClelland RL, Polonsky TS, Burke GL, Sibley CT, O’Leary D, et al. Comparison of novel risk markers for improvement in cardiovascular risk assessment in intermediate-risk individuals. JAMA. 2012;308(8):788-95.. Já o escore de cálcio coronário é capaz de incrementar a estatística C de Framingham, além de reclassificar corretamente parte dos pacientes3Moyer VA, U.S. Preventive Services Task Force. Screening for coronary heart disease with electrocardiography: Us preventive services task force recommendations. Ann Intern Med. 2012;157(7):512-8.. Esse valor incremental é condição essencial para que um biomarcador seja efetivo, pois só assim seu resultado pode modificar corretamente a decisão clínica.

Entretanto, o valor incremental ainda não é a última instância na definição de efetividade, porque é necessário que o resultado do biomarcador promova ações que tragam benefício ao paciente. Para facilitar essa discussão, usaremos o exemplo do teste ergométrico, o qual deve ser considerado inapropriado para pesquisa de doença coronária em indivíduos assintomáticos3Moyer VA, U.S. Preventive Services Task Force. Screening for coronary heart disease with electrocardiography: Us preventive services task force recommendations. Ann Intern Med. 2012;157(7):512-8.,4Chou R, Arora B, Dana T, Fu R, Walker M, Humphrey L. Screening asymptomatic adults with resting or exercise electrocardiography: A review of the evidence for the U.S. Preventive Services Task Force. Ann Intern Med. 2011;155(6):375-85.. A incompreensão de alguns do porquê da classificação de inapropriado para o teste ergométrico nessa circunstância deriva da incorreta crença de que o valor prognóstico per si justifica a implementação de um teste. No entanto, esse argumento se restringe à primeira etapa da avaliação da efetividade de um biomarcador, descrita anteriormente. O diagnóstico de doença coronária no assintomático talvez seja o melhor exemplo de uma informação que não modifica a conduta clínica a ponto de beneficiar o paciente. Primeiro, porque estratégias de controle de fatores de risco já são bem direcionadas com base na avaliação do risco global do indivíduo. Segundo, o eventual diagnóstico de doença coronária obstrutiva no assintomático não deve induzir a estratégias invasivas, visando à revascularização, pois o benefício desse tipo de tratamento reside no controle de sintomas, sem redução de risco de infarto ou morte5August P, Brooks MM, Hardinson RM, Kelsey SF, MacGregor JM, Orchard TJ, et al,The BARI 2D Study Group. A randomized trial of therapies for type 2 diabetes and coronary artery disease. N Engl J Med. 2009;360(24):2503-15.,6De Bruyne B, Pijls NHJ, Kalesan B, Barbato E, Tonino PAL, Piroth Z, et al. Fractional flow reserve guided pci versus medical therapy in stable coronary disease. N Engl J Med.2012;367(11):991-1001.. Não há sentido em instituir um tratamento para controle de sintomas em paciente assintomático. Além disso, alguns desses pacientes sofrem prejuízo, desfechos indesejados decorrentes de procedimentos desnecessários7Becker MC, Galla JM, Nissen SE. Left main trunk coronary artery dissection as a consequence of inaccurate coronary computed tomographic angiography. Arch Intern Med.2011;171(7):698-701.. Esse tipo de raciocínio pode ser complementado por ensaios clínicos randomizados, que comparam o desfecho de pacientes entre grupos randomizados para a utilização de um teste versus a não utilização. É o exemplo do estudo DIAD, que randomizou diabéticos assintomáticos para realização ou não de cintilografia miocárdica, sugerindo que a evolução clínica dos pacientes foi igual, sem redução de eventos cardiovasculares no grupo cintilografia8Young LH, Wackers FJ, Chyun DA, Davey JA, Barrett EJ, Taillefer R, et al. Cardiac outcomes after screening for asymptomatic coronary artery disease in patients with type 2 diabetes: the diad study. A randomized controlled trial. JAMA. 2009;301(15):1547-55.. Por esse motivo, a campanha Choosing Wisely, do American Board of Internal Medicine, com apoio do American College of Cardiology, recomenda que não se utilizem exames de imagem para pesquisa anual de doença coronária em pacientes assintomáticos9Cassel CK, Guest JA. Choosing wisely: Helping physicians and patients make smart decisions about their care. JAMA. 2012;307(17):1801-2.. Pelo mesmo motivo, a utilização de PSA como triagem de câncer de próstata foi proscrito pelo US Prevention Taks Force1010 Moyer VA. Screening for prostate cancer: U.S. Preventive Services Task Force recommendation statement. Ann Intern Med. 2012;157(8):120-34.. Esses são exemplos de recomendações do uso de testes diagnósticos tendo o conceito de efetividade em mente.

Mesmo assim, alguém poderia trazer um exemplo de paciente assintomático cuja avaliação (inapropriada) de isquemia levou ao diagnóstico de doença grave no tronco de coronária esquerda. Se o número de pacientes a se beneficiar fosse maior que o número de pacientes que sofrem prejuízo (isso não está demonstrado), nesse momento entraria a análise de custo-efetividade. Quantos pacientes devem realizar o exame para que um se beneficie do uso desse biomarcador? E a que custo? Isso pode ser entendido como rendimento (yield) do exame, muitas vezes descrito pelo número necessário a testar de indivíduos para que um se beneficie (NNTestar).

No artigo “Biomarcadores em cardiologia”, apresentamos o potencial de novos testes sob a ótica crítica do conceito de efetividade.

References

  • 1
    Hlatky MA, Greenland P, Arnett DK, Ballantyne CM, Criqui MH, Elkind MS et al. Criteria for evaluation of novel markers of cardiovascular risk: A scientific statement from the American Heart Association. Circulation. 2009;119(17):2408-16.
  • 2
    Yeboah J, McClelland RL, Polonsky TS, Burke GL, Sibley CT, O’Leary D, et al. Comparison of novel risk markers for improvement in cardiovascular risk assessment in intermediate-risk individuals. JAMA. 2012;308(8):788-95.
  • 3
    Moyer VA, U.S. Preventive Services Task Force. Screening for coronary heart disease with electrocardiography: Us preventive services task force recommendations. Ann Intern Med. 2012;157(7):512-8.
  • 4
    Chou R, Arora B, Dana T, Fu R, Walker M, Humphrey L. Screening asymptomatic adults with resting or exercise electrocardiography: A review of the evidence for the U.S. Preventive Services Task Force. Ann Intern Med. 2011;155(6):375-85.
  • 5
    August P, Brooks MM, Hardinson RM, Kelsey SF, MacGregor JM, Orchard TJ, et al,The BARI 2D Study Group. A randomized trial of therapies for type 2 diabetes and coronary artery disease. N Engl J Med. 2009;360(24):2503-15.
  • 6
    De Bruyne B, Pijls NHJ, Kalesan B, Barbato E, Tonino PAL, Piroth Z, et al. Fractional flow reserve guided pci versus medical therapy in stable coronary disease. N Engl J Med.2012;367(11):991-1001.
  • 7
    Becker MC, Galla JM, Nissen SE. Left main trunk coronary artery dissection as a consequence of inaccurate coronary computed tomographic angiography. Arch Intern Med.2011;171(7):698-701.
  • 8
    Young LH, Wackers FJ, Chyun DA, Davey JA, Barrett EJ, Taillefer R, et al. Cardiac outcomes after screening for asymptomatic coronary artery disease in patients with type 2 diabetes: the diad study. A randomized controlled trial. JAMA. 2009;301(15):1547-55.
  • 9
    Cassel CK, Guest JA. Choosing wisely: Helping physicians and patients make smart decisions about their care. JAMA. 2012;307(17):1801-2.
  • 10
    Moyer VA. Screening for prostate cancer: U.S. Preventive Services Task Force recommendation statement. Ann Intern Med. 2012;157(8):120-34.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Dez 2014

Histórico

  • Recebido
    26 Set 2014
  • Revisado
    06 Out 2014
  • Aceito
    06 Out 2014
Sociedade Brasileira de Cardiologia - SBC Avenida Marechal Câmara, 160, sala: 330, Centro, CEP: 20020-907, (21) 3478-2700 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil, Fax: +55 21 3478-2770 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revista@cardiol.br