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Índice de massa corporal e circunferência da cintura como marcadores de hipertensão arterial em adolescentes

Resumos

OBJETIVO: Avaliar a sensibilidade e a especificidade de medidas antropométricas de gordura corporal em uma amostra de adolescentes brasileiros, na predição da hipertensão. MÉTODOS: A pressão arterial de uma amostra de 456 estudantes de 12 a 17 anos, de escolas públicas e privadas do bairro do Fonseca (Niterói, RJ), entre 2003 e 2004, foi medida em duas visitas, definindo-se como hipertenso o adolescente com pressão arterial sistólica e pressão arterial diastólica superiores ao percentil 95 por sexo, idade e altura. Foi aplicado questionário e foram medidos o índice de massa corporal (IMC) e a circunferência da cintura (CC). RESULTADOS: Houve associação estatisticamente significativa entre hipertensão e os pontos de corte considerados desfavoráveis, tanto para IMC como para CC. A maior associação foi com o ponto de corte proposto para a população brasileira. Os valores da sensibilidade do IMC, usados para as populações americanas negra e branca ou para a população brasileira, foram de 52,4% a 57,1% e de 52,4%, respectivamente. Já os valores da especificidade foram de 69,3%, 70,0% e 80,88%. A sensibilidade encontrada na amostra deste estudo, relativa aos pontos de corte para CC propostos para todas as etnias americanas, também foi baixa (45,0%), e a especificidade foi um pouco mais elevada (77,6% e 74,5%, respectivamente). CONCLUSÃO: As medidas referentes à CC americana mostraram baixos níveis de sensibilidade e especificidade para a hipertensão na população brasileira. Em relação ao IMC, os pontos de corte disponíveis também demonstraram baixa sensibilidade. Há necessidade de se estabelecer pontos de corte de gordura corporal, que possam melhor predizer o risco cardiovascular.

Adolescentes; prevalência; hipertensão; obesidade; circunferência abdominal


OBJECTIVE: To evaluate the sensitivity and specificity of anthropometric measurements of body fat in a sample of Brazilian adolescents for the prediction of hypertension. METHODS: The arterial blood pressure was measured on two visits in a sample of 456 students aged 12 to 17 years, from public and private schools of the Fonseca neighborhood, in Niterói, between 2003 and 2004. A subject was defined as hypertensive if he/she had systolic and diastolic pressures above the 95th percentile for sex, age and height. A questionnaire was applied and Body Mass Index (BMI) and waist circumference (WC) measurements were made. RESULTS: A statistically significant correlation was observed between hypertension and the cutoff points considered unfavorable, both for BMI and WC. The greatest association was with the cutoff point proposed for the Brazilian population. As to the BMI sensitivity used for American Black or White populations or for the Brazilian population, we found 52.4% to 57.1% and 52.4%, respectively. And BMI specificity was 69.3%, 70.0% and 80.88%, respectively. The sensitivity found in our sample, relative to the cutoff points for WC proposed for all American ethnic groups, was also low (45.0%) and specificity was a little higher (77.6% and 74.5%, respectively). CONCLUSION: Existing American WC measurements showed low sensitivity and specificity for hypertension in our population. As to BMI, the available cutoff points also showed a low level of sensitivity. There is a need to establish body fat cutoff points that can provide a better prediction of cardiovascular risk.

Adolescents; prevalence; hypertension; obesity; abdominal circunference


ARTIGO ORIGINAL

Índice de massa corporal e circunferência da cintura como marcadores de hipertensão arterial em adolescentes

Maria Luiza Garcia Rosa; Evandro Tinoco Mesquita; Emanuel Ribeiro Romeiro da Rocha; Vânia de Matos Fonseca

Universidade Federal Fluminense (Instituto de Saúde da Comunidade e Departamento de Medicina Clínica)/Fundação Oswaldo Cruz (Instituto Fernandes Figueira) – Niterói, RJ

Correspondência Correspondência: Vânia de Matos Fonseca Estrada Caetano Monteiro, 2301 24320-570 – Niterói, RJ E-mail: mluizagr@vm.uff.br

RESUMO

OBJETIVO: Avaliar a sensibilidade e a especificidade de medidas antropométricas de gordura corporal em uma amostra de adolescentes brasileiros, na predição da hipertensão.

MÉTODOS: A pressão arterial de uma amostra de 456 estudantes de 12 a 17 anos, de escolas públicas e privadas do bairro do Fonseca (Niterói, RJ), entre 2003 e 2004, foi medida em duas visitas, definindo-se como hipertenso o adolescente com pressão arterial sistólica e pressão arterial diastólica superiores ao percentil 95 por sexo, idade e altura. Foi aplicado questionário e foram medidos o índice de massa corporal (IMC) e a circunferência da cintura (CC).

RESULTADOS: Houve associação estatisticamente significativa entre hipertensão e os pontos de corte considerados desfavoráveis, tanto para IMC como para CC. A maior associação foi com o ponto de corte proposto para a população brasileira. Os valores da sensibilidade do IMC, usados para as populações americanas negra e branca ou para a população brasileira, foram de 52,4% a 57,1% e de 52,4%, respectivamente. Já os valores da especificidade foram de 69,3%, 70,0% e 80,88%. A sensibilidade encontrada na amostra deste estudo, relativa aos pontos de corte para CC propostos para todas as etnias americanas, também foi baixa (45,0%), e a especificidade foi um pouco mais elevada (77,6% e 74,5%, respectivamente).

CONCLUSÃO: As medidas referentes à CC americana mostraram baixos níveis de sensibilidade e especificidade para a hipertensão na população brasileira. Em relação ao IMC, os pontos de corte disponíveis também demonstraram baixa sensibilidade. Há necessidade de se estabelecer pontos de corte de gordura corporal, que possam melhor predizer o risco cardiovascular.

Palavras-chave: Adolescentes, prevalência, hipertensão, obesidade, circunferência abdominal.

Introdução

Estudos longitudinais têm demonstrado que as condições de risco durante a infância e a adolescência tendem a se expressar na vida adulta (tracking). Tal é o caso da hipertensão arterial1, da obesidade2,3, dos níveis alterados de colesterol de lipoproteína de alta densidade (HDL-colesterol), dos triglicerídeos e da glicemia de jejum4. Esses mesmos fatores tendem a se agregar (cluster), mesmo em crianças5,6. Desde o final da década de 1990, tanto a Organização Mundial da Saúde (OMS) como o National Heart, Lung, and Blood Institute (NHLBI) propõem que se classifique a anormalidade do peso corporal pelo índice de massa corporal (IMC) e a distribuição da gordura corporal pela circunferência abdominal (CA) ou pela circunferência da cintura (CC)7,8. Em relação às duas últimas medidas, muitos autores usam termos distintos para se referir à mesma medida, fazem medições em locais diferentes e comparam resultados incomparáveis. A OMS preconiza a utilização da CA, tomada na metade da distância entre a crista ilíaca e o rebordo costal inferior, no plano horizontal. O NHLBI, por sua vez, recomenda a CC, tomada na parte mais alta da crista ilíaca direita. O guia de identificação e tratamento de obesidade em adultos, publicado em 1998, refere-se a vários estudos prospectivos, demonstrando que a gordura abdominal correlaciona-se com aumento da mortalidade e do risco de diabetes, hiperlipidemia, hipertensão, doença arterial coronariana e doença cerebral e periférica8. Estudos publicados na mesma época demonstravam que a associação entre gordura abdominal e hipertensão9 e gordura intra-abdominal e risco cardiovascular10 também estava presente em crianças. Apesar da necessidade de se estabelecer pontos de corte para a predição de risco para crianças e adolescentes, no tocante à CC ou à CA, isso não foi proposto até 2004, embora tenham sido publicados alguns artigos com distribuições de percentis em diferentes populações11. Até então, utilizavam-se os pontos de corte propostos para adultos pelo NHLBI8, de 88 centímetros para mulheres e de 102 centímetros para homens. Em 2004, Katzmarzyk e cols.11 compararam a utilidade do uso do IMC e da CA para a predição de risco de agregação de fatores de risco cardiovascular (factor clustering). Os autores concluíram que o uso do IMC e da CA em crianças e adolescentes tem boa utilidade clínica, não sendo muito diferentes entre si, na predição de risco. Os valores encontrados para o IMC foram inferiores ao percentil 85 da curva do Centers for Disease Control (CDC)12 e a outros pontos de corte para diferentes populações, inclusive de crianças e adolescentes brasileiros, proposta por Sichieri e Allam13. Fernández e cols.14 publicaram, na mesma época, um trabalho apresentando os percentis de CC em amostra representativa da população americana, sem relacioná-los à predição de risco. O objetivo deste artigo foi avaliar a sensibilidade e a especificidade de medidas antropométricas de gordura corporal, em uma amostra de adolescentes brasileiros, na predição da hipertensão, a partir dos pontos de corte: a) de IMC, propostos por Katzmarzyk e cols.11, para a população americana de brancos e negros, com a finalidade de discriminar agregação de risco cardiovascular; b) de IMC, propostos para sobrepeso/obesidade em adolescentes brasileiros, por Sichieri e Allam13; e c) de CC, propostos por Fernández e cols.14, para todas as etnias, para a população americana.

Métodos

Este estudo faz parte de uma pesquisa realizada nas escolas do bairro do Fonseca, em Niterói, Rio de Janeiro, no período de outubro de 2003 a junho de 2004. Trata-se de um estudo seccional, em que foram avaliados adolescentes entre 12 e 17 anos, de ambos os sexos. A amostra estudada foi proporcional ao número de alunos matriculados por idade em todas as escolas públicas e privadas do bairro investigado, que tivessem 50 ou mais alunos regulares nessa faixa etária identificados pelo censo escolar de 2001. Essas escolas foram visitadas e as listagens de alunos por faixa etária e turmas foram registradas e serviram de base para o sorteio da amostra de 480 alunos (400 mais 20% de perdas), calculada para o poder de 80% e significância estatística de 5%, para identificar prevalências de 8%15 de hipertensão na população do estudo. Foram listados 4.530 alunos, com variação entre 14% a 20% por ano de idade. Participaram do estudo 456 alunos do total dos matriculados, sendo as 24 perdas decorrentes de faltas ou recusa (três casos). A coleta de dados foi realizada em duas visitas. Na primeira visita foi aplicado um questionário de autopreenchimento, foi realizada a primeira aferição da pressão arterial e foram realizadas as medidas antropométricas. Na segunda visita, foi feita a segunda aferição da pressão arterial. As medidas de circunferência da cintura foram feitas na borda da crista ilíaca com fita métrica inextensível, com o adolescente em expiração16. Para a estatura e a cintura foram realizadas três mensurações em cada aluno, tomando-se a média de cada uma delas como estimativa. Foi considerado adolescente sexualmente maduro o menino que tivesse pêlos axilares e a menina que já tivesse tido a menarca17. Para a determinação da hipertensão arterial foram usados os aparelhos de pressão automáticos Omrom Hem-711 e o Omron 905, validados conforme protocolos internacionais18. A medida da pressão arterial foi tomada três vezes, com um intervalo mínimo de um minuto entre as medidas, em cada uma das duas visitas, realizadas com intervalos entre 15 dias e três meses, conforme as orientações da IV Diretriz de Hipertensão Arterial, utilizando-se três tamanhos de manguito19. Foi considerada a média das seis medidas (três em cada visita), classificando-se como adolescente hipertenso aquele que apresentasse a média das medidas da pressão arterial sistólica (PAS) e da pressão arterial diastólica (PAD) superior ao percentil 95 para sexo, idade e altura, tal como proposto pelo Fourth Report on the Diagnosis, Evaluation, and Treatment of High Blood Pressure in Children and Adolescents20. As medidas antropométricas foram tomadas por uma médica ou por uma nutricionista, previamente testadas quanto à confiabilidade das aferições antropométricas em estudo piloto. Foi utilizado o IMC, definido como peso em quilogramas dividido pela altura em metros quadrados. O peso foi medido utilizando-se balança eletrônica da marca Filizola (modelo PL18 (Indústrias Filizola SA, São Paulo - SP, Brasil). Foram feitas três pesagens consecutivas, sempre retornando a balança ao marco zero antes de cada pesagem. Para aferição da altura, foi afixada uma fita métrica plástica na parede. Os estudantes, de meias ou descalços, deveriam manter os calcanhares juntos e encostados à parede, com a cabeça no plano horizontal, utilizando-se um esquadro de madeira para a localização exata da medida na fita. Tanto no peso como na altura o valor utilizado foi a média das medidas. As medidas da pressão arterial foram tomadas por médicas ou estudantes de medicina, previamente treinados. Foram consideradas condições desfavoráveis de IMC: a) aquelas acima das quais, no estudo de Katzmarzyk e cols.11, foi observada maior probabilidade de agregação de fatores de risco cardiovascular (mais de três); e b) aquelas acima do percentil 90, definidas por Sichieri e Allam13 como sobrepeso/obesidade. Para a CC, foram consideradas condições desfavoráveis os pontos de corte acima do percentil 75, propostos por Fernández e cols.14 para todas as etnias. Foi selecionado o percentil 75 para cintura, uma vez que os valores, para todas as idades estudadas, estão aquém daqueles estabelecidos para adultos (102 cm para homens e 88 cm para mulheres), e também por serem os mais próximos do proposto por Katzmarzyk e cols.11. Todos os participantes com idade igual ou superior a 15 anos assinaram o consentimento informado, e os participantes de 12 a 14 anos trouxeram o consentimento assinado pelos responsáveis. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário Antonio Pedro da Universidade Federal Fluminense.

Na análise estatística, foram estimadas as prevalências de hipertensão e seus respectivos intervalos com 95% de confiança. A sensibilidade, a especificidade e a acurácia para a predição da hipertensão (PAS e PAD), dos diferentes pontos de corte de IMC e CC considerados desfavoráveis, e seus intervalos com 95% de confiança foram calculados segundo a fórmula21: p + 1,96 x sqrt[p(1-p)/n], em que p = prevalência, sqrt = raiz quadrada e n = população total.

Os dados foram analisados pelo programa EpiInfo, versão 3.2, de domínio público (CDC).

Resultados

Do total de 456 adolescentes pesquisados, 55,5% eram meninas e 44,5%, meninos. Quanto à idade, 48,2% tinham entre 12 e 14 anos e 51,8%, entre 15 e 17 anos. Foram classificados como maduros sexualmente 83,6% do total estudado, 88,1% das meninas e 78,0% dos meninos. Estudavam em escolas públicas 71,7% dos adolescentes e 28,3%, em escolas privadas.

A prevalência de hipertensão arterial para ambos os sexos foi de 4,6%, sendo de 5,9% para os meninos e de 3,6% para as meninas. A prevalência de hipertensão arterial sistólica foi ligeiramente superior à diastólica entre os meninos e à diastólica entre as meninas, embora essa diferença não tenha sido estatisticamente significativa (tab. 1).

Na amostra estudada, a correlação de Pearson entre IMC e CC foi de 0,889, significante em 0,001 (fig. 1).


Houve associação estatisticamente significativa entre hipertensão e os pontos de corte considerados desfavoráveis, tanto para IMC como para CC. Todas as razões de prevalência foram maiores que um e nenhum dos intervalos de confiança incluiu a unidade. A maior associação foi com o ponto de corte proposto para a população brasileira (tab. 2).

A sensibilidade para predição da hipertensão pelos pontos de corte das medidas antropométricas variou entre 45,0% e 57,1% e a especificidade, entre 80,9% e 69,3%. A acurácia, considerando o ponto de corte para IMC proposto para brasileiros (66,6%), foi 10% superior à proposta para americanos negros ou brancos (60,9%) (tab. 3).

Discussão

A acurácia dos pontos de corte do IMC propostos para predizer risco cardiovascular para adolescentes americanos negros e brancos ou aqueles propostos para definir sobrepeso/obesidade em adolescentes brasileiros não se mostrou útil para a predição de hipertensão em estudantes de uma comunidade brasileira, multirracial e de diferentes níveis socioeconômicos. Os valores da sensibilidade do IMC, para as populações americanas negra e branca ou para a população brasileira (52,4% a 57,1% e 52,4%, respectivamente), foram inferiores àqueles encontrados para a população de Bogalusa (67% a 74%). Já a especificidade foi mais próxima (69,3%, 70,0% e 80,88% vs 66,8% a 73,6%)11. A sensibilidade encontrada na amostra deste estudo, relativa aos pontos de corte para CC propostos para todas as etnias americanas, também foi baixa (45%), inferior à encontrada pelo estudo americano (67,5%)14, e a especificidade foi um pouco mais elevada (77,6% e 74,5%, respectivamente).

Embora a associação (razão de prevalência) entre hipertensão e sobrepeso/obesidade e os pontos de corte propostos para a população brasileira tenha sido forte (4,2) e maior que a observada quando considerados os pontos de corte propostos para a população americana (2,38 e 2,94), a sensibilidade da primeira proposta ficou próxima a 50%.

A importância de se procurar estabelecer pontos de corte para medidas antropométricas de adiposidade central foi reforçada com o estudo de Yusuf e cols.22, publicado em novembro de 2005. Esses autores demonstraram, com a população do estudo INTERHEART, que as medidas de obesidade central (relação cintura-quadril e CA) têm forte associação com a ocorrência de infarto agudo do miocárdio. Essa preocupação estende-se a crianças e adolescentes, a partir das evidências de que a obesidade e os demais fatores de risco cardiovascular tendem a se agregar mesmo na infância e permanecer até a vida adulta.

O Brasil é o país com maior população de ancestrais africanos no continente Americano. A miscigenação é parte da história do Brasil23. Assim, o estabelecimento e a utilização de padrões antropométricos para a população brasileira precisam levar em conta referências da população como um todo, sem distinção de etnias, o que não ocorre em estudos populacionais de outros países. Como os pontos de corte propostos por Katzmarzyk e cols.11 levaram em consideração as populações de brancos e negros americanos separadamente, optou-se, no presente estudo, por testar os parâmetros antropométricos das duas populações e para todas as etnias para CC14, dada a ausência de referências populacionais para medidas de cintura para a população brasileira.

Procurou-se examinar a correlação entre IMC e CC para afastar a possibilidade de existência de falhas maiores na mensuração desses valores. A correlação observada foi muito próxima à descrita por Iwao e cols.24 para mulheres e homens adultos (0,84 e 0,88, respectivamente). A prevalência de hipertensão aqui estimada foi semelhante à encontrada por Rosner e cols.25 (1979 a 1996) em estudo para populações americanas de não-obesos (entre 2,9% e 4,2% para hipertensão sistólica e entre 2,4% e 3% para hipertensão diastólica). Assim, seria de se esperar que, em princípio, as medidas propostas para a população americana tivessem utilidade comparável para a população ora investigada, o que não ocorreu.

Hoje sabe-se que o tecido adiposo tem múltiplas funções importantes na regulação do balanço tanto energético como metabólico. O maior impacto negativo da gordura visceral tem sido atribuído a propriedades biológicas distintas desse depósito em relação aos depósitos de outros tecidos26. A associação entre obesidade e pressão arterial é explicada por outros mecanismos e sua relação com a atividade funcional dos adipócitos ainda não está muito clara. Embora a CC não possa discriminar entre gordura visceral e gordura subcutânea, pesquisas dão suporte à idéia de que indivíduos com CC elevadas têm maior probabilidade de ter hipertensão, diabetes, dislipidemia ou síndrome metabólica, acrescentando informação àquela fornecida pelo IMC.24,27 Em investigações nas quais foram usadas medidas mais precisas de gordura foi demonstrado que as associações entre gordura intra-abdominal e várias desordens metabólicas começam a ocorrer na infância28.

A necessidade de se estabelecer pontos de corte para adiposidade central, expressa pela CA, pela CC ou pela relação cintura-quadril, fica evidente. No entanto, não foi identificado nenhum artigo propondo esses pontos de corte para a população brasileira. As medidas existentes para a CC americana demonstraram baixa sensibilidade e especificidade para hipertensão na população brasileira. Em relação ao IMC, os pontos de corte disponíveis também demonstraram baixa sensibilidade.

O presente estudo apresenta diversas limitações: a amostra, de faixa etária restrita (12 a 17 anos), não incluiu crianças; abrange apenas um bairro de uma cidade brasileira de médio porte; não estavam disponíveis dosagens bioquímicas para a construção de um indicador de risco cardiovascular mais abrangente; e, por último, as medidas de CA e a relação cintura-quadril não estavam disponíveis. Em que pesem todas essas restrições, fica clara a necessidade de se fazer um estudo para a identificação de pontos de corte mais acurados para predição de hipertensão e outros riscos cardiovasculares. A medida da cintura pode se incorporar aos hábitos de vida, tornando-se indicador da saúde cardiovascular para a população de crianças, adolescentes e adultos. As transformações dos hábitos de vida, alcançadas por meio de políticas públicas de promoção à saúde com as quais se busca atingir a população de forma indiscriminada, podem ser acompanhadas de ações mais orientadas, visando a utilização de abordagens mais específicas para parcelas da população de maior risco.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.

Artigo recebido em 03/07/06; revisado recebido em 03/07/06; aceito em 27/12/06.

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  • Correspondência:

    Vânia de Matos Fonseca
    Estrada Caetano Monteiro, 2301
    24320-570 – Niterói, RJ
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      15 Jun 2007
    • Data do Fascículo
      Maio 2007

    Histórico

    • Revisado
      03 Jul 2006
    • Recebido
      03 Jul 2006
    • Aceito
      27 Dez 2006
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