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HEPATECTOMIA ABERTA, VIDEOLAPAROSCÓPICA E ASSISTIDA POR ROBÓTICA EM RESSECÇÃO DE TUMORES HEPÁTICOS: UMA REVISÃO NÃO SISTEMÁTICA

RESUMO

Introdução:

Nas últimas décadas, inúmeros fatores transformaram as hepatectomias em operações mais seguras. A quimioterapia, juntamente com novas drogas para o tratamento de metástases propiciaram melhores respostas, o que possibilitou a indicação cirúrgica em pacientes que inicialmente não eram candidatos a ela. Lesões hepáticas muitas vezes requerem ressecção, que pode ser realizada tanto por laparotomia, por videolaparoscopia ou assistida por plataforma robótica.

Objetivo:

Comparar as técnicas cirúrgicas para ressecção de tumores hepáticos.

Métodos:

Trata-se de revisão com base em artigos científicos publicados nos últimos anos, sobre as indicações dessas técnicas e em artigos que comparam-nas. A pesquisa foi realizada nas bases de dados Lilacs/Pubmed/Scielo.

Resultados:

O estudo evidenciou vantagens da videolaparoscopia sobre a laparotomia, tais como menores incisões, redução na dor pós-operatória, menor tempo de recuperação dos doentes, dentre outras. No entanto, a necessidade de equipe especializada e a restrição na manipulação da área, consistem, ainda, em desvantagens consideráveis da técnica laparoscópica. Atualmente, ainda não está claro se o auxílio robótico demonstra vantagem substancial sobre a técnica laparoscópica, sendo o alto custo de aquisição e manutenção importante fator limitante.

Conclusão:

Apesar dos obstáculos e desafios, a hepatectomia laparoscópica demonstra vantagens sobre a laparotômica. A técnica assistida por robótica ainda está em evolução, sendo poucos os centros no mundo que a realizam nas ressecções hepáticas. Dessa forma, indica-se a laparoscopia, a menos que haja alguma contraindicação para sua realização.

DESCRITORES:
Hepatectomia; Laparoscopia; Cirurgia Geral; Fígado; Robótica

ABSTRACT

Introduction:

Several factors have made hepatectomy an increasingly safe surgery and new drugs allowed surgical treatment for patients who initially were not candidates for resection. Lesions often require resection, which can be performed by open, laparoscopic, or robotic assisted hepatectomy.

Aim:

Compare the surgical techniques in open, laparoscopic, and robotic assisted hepatectomy for resection of liver tumors.

Methods:

Literature review based on scientific papers published on Lilacs/Pubmed/Scielo in the last 17 years regarding the indications of these techniques for liver tumor resections and on papers comparing such techniques.

Results:

The comparative study shows the benefits of laparoscopic surgery over open surgery, such as smaller incisions, less postoperative pain, shorter recovery time, smaller immune and metabolic response, and quicker restoration of oral ingestion as well as lower morbidity rates. However, the need for a specialized surgical team and the reduction in handling area still remain as disadvantages in the laparoscopic technique. It is yet not clear whether robotic assistance presents considerable benefits over the laparoscopic technique considering that high acquisition and maintenance costs are limiting factors.

Conclusion:

Despite all challenges, laparoscopic hepatectomy presents many benefits over open surgery. The robotic assisted technique is still in evolution as many centers in the world perform hepatic resections with the platforms but only after a thorough patient selection. Thus, laparoscopy stands as the best option, unless there is some contraindication to the procedure.

HEADINGS:
Hepatectomy; Laparoscopy; General Surgery; Liver; Robotics.

INTRODUÇÃO

Durante os últimos anos, inúmeros fatores transformaram as hepatectomias em operações cada vez mais seguras. Colaboraram para isso, o melhor conhecimento da anatomia hepática, o desenvolvimento dos exames de imagem, uma avaliação mais completa do paciente e da função hepática e o trabalho multidisciplinar no pré-operatório, bem como o aprimoramento das técnicas operatórias e anestésicas2828 Salim T, Cutait R. Videolaparoscopy complications in the management of biliary diseases. Arquivos Brasileiros de Cirurgia Digestiva. 2009 Oct;21(4), 153-157. doi: 10.1590/S0102-67202008000400001.
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De acordo com Lopes-Júnior et al. (2014), algumas estratégias foram desenvolvidas para aumentar o índice de ressecção em pacientes com tumores primários e metástases no fígado. A quimioterapia se desenvolveu e, junto dela, novas drogas para o tratamento de metástases, propiciando melhores respostas e possibilitando a indicação de tratamento cirúrgico em pacientes que inicialmente não eram candidatos à ressecção.

As lesões hepáticas podem ser benignas ou malignas e ambas podem requerer ressecção33 Araujo, Raphael L. C. et al. Central hepatectomy for biliary cystadenoma: parenchyma-sparing approach for benign lesions. ABCD, arq. Bras. Cir. Dig., Dec 2016, vol.29, no.4, p.295-296. ISSN 0102-6720.. As lesões benignas são os hemangiomas, os adenomas e a hiperplasia nodular focal. Tais lesões são geralmente assintomáticas, sendo ressecadas apenas quando se tornam sintomáticas. Entretanto, os adenomas, apesar de benignos, possuem elevado risco de complicação e exigem exérese mesmo na ausência de sintomas. Os tumores malignos do fígado podem ser divididos em primários e secundários. Dos primários, o carcinoma hepatocelular constitui 70-85% das neoplasias e requer tratamento cirúrgico2626 Rao AM, Ahmed I. Laparoscopic versus open liver resection for benign and malignant hepatic lesions in adults. Cochrane database of systematic reviews. 2013 may 31; (5):CD010162. PMID: 23728700..

O Instituto Nacional do Câncer elabora anualmente estimativa da incidência de câncer no Brasil. Na de 2014 não constam dados estimados para o câncer de fígado e vias biliares, mas afirma-se a importância do mesmo pela sua alta letalidade e sensibilidade a ações de prevenção, como cobertura vacinal44 Brasil. Ministério da Saúde. Câncer de fígado. Instituto Nacional do Câncer. 2016.. Os dados epidemiológicos referentes ao município de São Paulo, de 2014, divulgados pelo Sistema Único de Saúde (SUS), mostram que a incidência do câncer primário de fígado foi de 2,07/100.000 habitantes. A idade média dos doentes foi de 54,7 anos, com relação masculino/feminino de 3,4:11313 Gomes MA, Priolli DG, Tralhão JG, Botelho MF. Carcinoma hepatocelular: epidemiologia, biologia, diagnóstico e terapias. Rev. Assoc. Med. Bras., 2013 oct; 514-24. doi: 10.1016/j.ramb.2013.03.005.
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Quanto à propedêutica, exames como ultrassonografia, tomografia computadorizada, ressonância magnética, angiografia e biópsia podem ser realizados para auxiliar o diagnóstico de câncer hepático.

A cirurgia é o tratamento mais indicado para os tumores primários, na ausência de metástases à distância, e nos tumores hepáticos metastáticos nos quais a lesão primária foi ressecada ou é passível de ser ressecada de maneira curativa. A indicação da operação de ressecção hepática dependerá do estado clínico do paciente e da quantidade prevista de parênquima hepático restante, que deve ser em torno de 10% do peso corporal. Nos pacientes cirróticos, somente aqueles com a classificação de Child A (cirrose inicial) são candidatos à ressecção hepática segura55 Bredt LC, Zanini JC, Fernandes F, Mierzwa TC, Rachid AF. Tratamento cirúrgico do carcinoma hepatocelular em estado inicial. Sociedade Brasileira de Cirurgia Oncológica. 2015 Oct..

Outra possibilidade de tratamento é o transplante hepático, mas apenas uma pequena parcela de pacientes preenche os critérios relacionados ao tamanho e à quantidade de tumores. Atualmente, ele é indicado caso haja pequenos tumores (nódulo único até 5 cm, ou até três nódulos menores de no máximo 3 cm), em que não houve invasão de vasos sanguíneos, ou em casos em que o tumor não pode ser totalmente removido ou que o fígado se encontre muito comprometido2525 Pimenta JR, Massabki PS. Carcinoma Hepatocelular: um panorama clínico. Rev Bras Clin Med, 2010; 8:59-67..

Assim, o objetivo desse artigo foi comparar as técnicas cirúrgicas para ressecção de tumores hepáticos: aberta, videolaparoscópica e assistida por plataforma robótica.

MÉTODOS

Esta revisão tem como base artigos científicos publicados sobre as indicações das técnicas cirúrgicas de hepatectomia aberta, videolaparoscópica e assistida por robótica, em ressecções de tumores hepáticos, e artigos que as compararam. A pesquisa foi realizada usando os bancos de dados LILACS/Pubmed/Scielo, selecionando-se os artigos publicados nos últimos 17 anos relacionados ao tema supracitado.

RESULTADOS

Preparo do paciente

Para que haja correta preparação pré-operatória, deve-se levar em consideração a natureza da doença hepática, sua gravidade e o tipo de operação a ser realizada2323 Paes-Barbosa FC, Ferreira FG, Szutan LA. Hepatectomy preoperative planning. Rev. col. bras. cir., 2010 oct; (5)370-75. PMID: 21181004.

A avaliação da função hepática é essencial, com o uso da classificação de Child-Turcotte-Pugh (CTP) se destacando como a forma mais simples de se executar essa tarefa. Até mesmo pequenas ressecções hepáticas não são possíveis na maioria dos pacientes classificados como CTP B ou C2323 Paes-Barbosa FC, Ferreira FG, Szutan LA. Hepatectomy preoperative planning. Rev. col. bras. cir., 2010 oct; (5)370-75. PMID: 21181004 (Tabela 1).

TABELA 1
Classificação de Child-Turcotte-Pugh

As ressecções hepáticas necessitam ser avaliadas quanto ao parênquima residual, principalmente em cirróticos e pacientes portadores de hipertensão porta. A ausência de hipertensão porta (gradiente de pressão na veia hepática inferior a 10 mmHg) e concentração sérica normal de bilirrubina se mostraram os melhores preditores de bom prognóstico pós-operatório, atingindo-se sobrevida em cinco anos de 70% nesses pacientes. Em contrapartida, oscilações no gradiente de pressão da veia hepática e elevação de bilirrubinas foram associadas com sobrevida em cinco anos de apenas 30% após hepatectomias, independente da classificação de CTP2323 Paes-Barbosa FC, Ferreira FG, Szutan LA. Hepatectomy preoperative planning. Rev. col. bras. cir., 2010 oct; (5)370-75. PMID: 21181004.

A presença de hipertensão portal (varizes de esôfago, ascite, esplenomegalia com plaquetopenia) deve ser avaliada, uma vez que é fator preditor de pior prognóstico do que os critérios de CTP em pacientes submetidos a ressecções hepáticas2323 Paes-Barbosa FC, Ferreira FG, Szutan LA. Hepatectomy preoperative planning. Rev. col. bras. cir., 2010 oct; (5)370-75. PMID: 21181004.

A escala MELD (Model for End Stage Liver Disease), que se baseia nos valores de creatinina, bilirrubina e RNI, também pode ser utilizada como parâmetro pré-operatório. Uma vantagem dessa escala é o fato de ela ser contínua, podendo ser realizada inúmeras vezes ao longo do acompanhamento do paciente. Ao apresentar redução, indica que o quadro do paciente compensou, podendo-se então recomendar a realização do procedimento cirúrgico quando o MELD está abaixo de 10. Quando a escala MELD indicar valores entre 10 e 15, deve-se ter cautela para realizar operações, sendo elas indicadas somente em casos estritamente necessários. Porém, em enfermos com MELD acima de 15, procedimentos cirúrgicos não são indicados2323 Paes-Barbosa FC, Ferreira FG, Szutan LA. Hepatectomy preoperative planning. Rev. col. bras. cir., 2010 oct; (5)370-75. PMID: 21181004 (Tabela 2).

TABELA 2
MELD score

O preparo pré-operatório incluiu também jejum, sonda vesical de demora, antibiótico profilático (cefalotina) e dois acessos venosos periféricos, variando de caso a caso2121 Machado MAC. Carcinoma hepatocelular. Resultados da hepatectomia parcial e análise dos fatores prognósticos. 1999..

Ressecção hepática por procedimento cirúrgico aberto

A operação aberta é feita com o paciente em posição supina com braço direito a 90º e Trendelenburg a 15º. A incisão cirúrgica é feita transversalmente na parte superior do abdome, acompanhando a curvatura das costelas. Pode ser subcostal bilateral para ressecções maiores ou apenas com prolongamento à esquerda para ressecções menores. Quando a massa a ser abordada é muito grande (toracofrenolaparotomias, toracotomia anterolateral associada com laparotomia mediana, etc.) pode-se acessar o abdome e o tórax ao mesmo tempo1212 Goffi SF. Técnica cirúrgica: bases anatômicas, fisiopatológicas e técnicas de cirurgia. 3. ed. Atheneu, 2006/2007; 671-76.. Calne (1968) popularizou a incisão subcostal bilateral com prolongamento mediano-subxifóide. O uso de afastadores é essencial para manter os gradis costais afastados e permitir melhor visualização do campo cirúrgico por longos períodos1212 Goffi SF. Técnica cirúrgica: bases anatômicas, fisiopatológicas e técnicas de cirurgia. 3. ed. Atheneu, 2006/2007; 671-76..

A utilização de ultrassonografia transoperatória é fundamental para identificar a localização dos nódulos durante a operação, tal como a relação deles com os vasos sanguíneos do fígado. Com isso é possível também identificar novos nódulos não visualizados na tomografia computadorizada ou na ressonância magnética1212 Goffi SF. Técnica cirúrgica: bases anatômicas, fisiopatológicas e técnicas de cirurgia. 3. ed. Atheneu, 2006/2007; 671-76..

É importante ressaltar os métodos de controle de sangramento, destacando-se a manobra de Pringle (compressão temporária da tríade portal: artéria hepática, ducto biliar comum e veia porta) e a exclusão vascular total hepática (interrupção do fluxo da veia cava inferior supra e infra-hepática associada ao pinçamento do hilo portal). Após esse controle vascular, a parte do fígado comprometida é retirada. Ao final da operação, um dreno pode ser deixado próximo a superfície onde o fígado foi cortado para monitorar sangramentos e vazamento de bile1212 Goffi SF. Técnica cirúrgica: bases anatômicas, fisiopatológicas e técnicas de cirurgia. 3. ed. Atheneu, 2006/2007; 671-76..

A extensão da ressecção depende da função hepática do paciente e, se não existir cirrose, até dois terços do fígado podem ser removidos cirurgicamente. Quando as lesões são maiores, deve-se realizar, sempre que possível, grandes ressecções hepáticas, uma vez que elas, quando ampliadas, estão relacionadas ao aumento da sobrevida livre de progressão77 Coutinho AK, Hoff PMG, Costa FP, Gil RA, Sabbaga J, Marinho F, Herman P, Bastos J, Oliveira A, Menezes M. In: Revista da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica. Manual de Condutas. 2011 Oct. 279-298.. Nesse caso, pode-se utilizar a embolização portal pré-operatória do lobo a ser ressecado para promover a hipertrofia do fígado remanescente, tornando a ressecção mais segura e com menores taxas de morbimortalidade22 Amico, Enio Campos et al. immediate complications after 88 hepatectomies - brazilian consecutive series. ABCD, arq. bras. cir. dig., Sept 2016, vol.29, no.3, p.180-184. ISSN 0102-6720.,99 Fernandes, Eduardo de Souza Martins et al. The largest western experience with hepatopancreatoduodenectomy: lessons learned with 35 cases. ABCD, arq. bras. cir. dig., Mar 2016, vol.29, no.1, p.17-20. ISSN 0102-6720.,1414 Herman P. Carcinoma hepatocelular - ressecção cirúrgica. GED gastroenterol. endosc. dig. 2011; 30(Supl.3):10-72..

Não há consenso na literatura sobre as margens ideais de ressecção cirúrgica. Alguns estudos mostram que ressecções segmentares de todo o segmento ou setor onde o tumor está localizado, incluindo-se o seu pedículo portal, apresentam resultados superiores às enucleações, mas há trabalhos que não demonstram esta superioridade. Diversas pesquisas mostram que a obtenção de margens maiores do que 1 cm de extensão estão associadas com maiores taxas de sobrevida77 Coutinho AK, Hoff PMG, Costa FP, Gil RA, Sabbaga J, Marinho F, Herman P, Bastos J, Oliveira A, Menezes M. In: Revista da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica. Manual de Condutas. 2011 Oct. 279-298..

Quando há invasão vascular macroscópica a ressecção está contraindicada, pois esse é sabidamente um fator de mau prognóstico associado com altas taxas de recidiva tumoral com índices de sobrevida global <10%77 Coutinho AK, Hoff PMG, Costa FP, Gil RA, Sabbaga J, Marinho F, Herman P, Bastos J, Oliveira A, Menezes M. In: Revista da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica. Manual de Condutas. 2011 Oct. 279-298..

A operação dura cerca de 3-4 h, e o paciente deve ficar na UTI (24 h) para monitorização de sangramentos e da função hepática, retornando ao quarto quando estiver estável, onde pode permanecer internado por até 10 dias. Após a remoção cirúrgica de parte do fígado (em um fígado normal até 75% pode ser retirado), o órgão começa a se regenerar em 48 h e atinge tamanho próximo ao normal em 3-4 semanas. A função volta ao normal em 6-8 semanas1212 Goffi SF. Técnica cirúrgica: bases anatômicas, fisiopatológicas e técnicas de cirurgia. 3. ed. Atheneu, 2006/2007; 671-76..

As complicações clínicas mais comuns são pneumonia, trombose venosa profunda, tromboembolismo pulmonar e insuficiência hepática. Já em relação às complicações cirúrgicas, podem ocorrer sangramentos e extravasamento de bile pela superfície do fígado que foi ressecada. É importante ressaltar que a ressecção hepática apresenta uma elevada taxa de recidiva tumoral, que pode chegar a 50%. Isso pode estar relacionado à metástase do tumor ressecado ou ao surgimento de novos focos, uma vez que o parênquima hepático remanescente permanece doente. Entretanto, a ressecção hepática preserva a possibilidade de realização de transplante de fígado, técnicas de ablação ou novas ressecções em casos de recidiva77 Coutinho AK, Hoff PMG, Costa FP, Gil RA, Sabbaga J, Marinho F, Herman P, Bastos J, Oliveira A, Menezes M. In: Revista da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica. Manual de Condutas. 2011 Oct. 279-298..

As contraindicações cirúrgicas mais comuns são: pacientes com a função cardiopulmonar comprometida, desnutrição severa, função hepática comprometida, doença metastática extra-hepática e invasão da bifurcação da veia porta ou da trifurcação das veias hepáticas1212 Goffi SF. Técnica cirúrgica: bases anatômicas, fisiopatológicas e técnicas de cirurgia. 3. ed. Atheneu, 2006/2007; 671-76..

A ressecção hepática por operação aberta foi o tratamento de escolha por muitos anos, mas era limitado devido às altas taxas de morbimortalidade e de recidiva da doença hepática subjacente1414 Herman P. Carcinoma hepatocelular - ressecção cirúrgica. GED gastroenterol. endosc. dig. 2011; 30(Supl.3):10-72.. Atualmente, a ressecção hepática pode ser realizada em centros especializados, com mortalidade inferior a 5%, e pode atingir sobrevida em cinco anos de até 70%, se os pacientes forem bem selecionados (presença de tumor assintomático e boa função hepática). As recidivas tumorais podem ocorrer, chegando a 50% dos casos em três anos, mesmo com seleção adequada77 Coutinho AK, Hoff PMG, Costa FP, Gil RA, Sabbaga J, Marinho F, Herman P, Bastos J, Oliveira A, Menezes M. In: Revista da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica. Manual de Condutas. 2011 Oct. 279-298..

Algumas vantagens da ressecção hepática que podem ser citadas são: a) disponibilidade imediata em centros especializados; b) baixo risco em pacientes bem selecionados; c) avaliação histológica precisa; d) taxas de sobrevida global comparáveis às da intenção de transplantar; e) possibilidade de transplante hepático de resgate em casos de recidiva, desde que os pacientes sejam monitorados de perto para diagnosticar precocemente as recorrências; e f) diminuição de custos sobre a economia global do transplante hepático1414 Herman P. Carcinoma hepatocelular - ressecção cirúrgica. GED gastroenterol. endosc. dig. 2011; 30(Supl.3):10-72..

Ressecção hepática por videolaparoscopia

Os avanços técnicos da laparoscopia vêm revolucionando a terapêutica cirúrgica de um grande número de doenças. Nos últimos anos, eles têm possibilitado a ressecção videoassistida de órgãos sólidos como rim e baço. No entanto, algumas operações, como a ressecção hepática, ainda são vistas com certo ceticismo, já que fatores como a transecção do parênquima, o potencial de hemorragia intra-operatória e o risco de embolia gasosa tornam esse procedimento um tema controverso2020 Machado MAC, Makdissi FF, Surjan RCT. Hepatectomia videolaparoscópica: experiência pessoal com 107 casos. Rev. Col. Bras. Cir. 2012 Dec; 39( 6): 483-488. doi: 10.1590/S0100-69912012000600007.
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A hepatectomia por videolaparoscopia é procedimento difícil e trabalhoso que requer profissionais com capacitação técnica em cirurgia laparoscópica avançada e em cirurgia hepática, além da disponibilidade de equipamento adequado2020 Machado MAC, Makdissi FF, Surjan RCT. Hepatectomia videolaparoscópica: experiência pessoal com 107 casos. Rev. Col. Bras. Cir. 2012 Dec; 39( 6): 483-488. doi: 10.1590/S0100-69912012000600007.
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A maior parte dos estudos utilizados como base indicam essa técnica para a ressecção de tumores benignos ou tratamento de cistos hepáticos. Os melhores candidatos seriam pacientes jovens com tumores benignos superficiais ou periféricos, com indicação de ressecção limitada do parênquima. Recomenda-se ainda que esse método seja empregado nas ressecções das porções anterolaterais do fígado, segmentos II, III, IVb, V, VI ou na porção esquerda do lobo caudado. Dentro desses critérios, os resultados são encorajadores com índices mínimos de morbidade e ausência de complicações como hemorragia ou embolia gasosa2020 Machado MAC, Makdissi FF, Surjan RCT. Hepatectomia videolaparoscópica: experiência pessoal com 107 casos. Rev. Col. Bras. Cir. 2012 Dec; 39( 6): 483-488. doi: 10.1590/S0100-69912012000600007.
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A padronização técnica, com o uso de tecnologia já existente para a operação convencional e adaptada para a laparoscopia é, segundo Buell et al. (2005), um ponto importante para facilitação do procedimento. Dentre as novas tecnologias disponíveis, deve-se destacar os transdutores de ultrassonografia laparoscópica e os equipamentos com auxílio da mão, “hand-assisted”, que consistem em um anel colocado sobre uma pequena incisão na pele de cerca de 7 cm ligado a um saco plástico, onde se pode introduzir a mão na cavidade abdominal sem que haja vazamento de gás do pneumoperitônio. Fong et al. (2005) reforçam que, com o uso desta tecnologia, o procedimento se torna mais fácil e seguro, além de aumentar a confiança na obtenção das margens e facilitar a remoção do espécime2727 Reddy SK, Tsung A, Geller DA. Laparoscopic liver resection. World journal of surgery. World J Surg. 2011 Jul;35(7):1478-86. PMID: 21181472.

A hemorragia representa a maior complicação e o grande desafio intra-operatório. A maior parte das conversões para procedimento aberto, cerca de 70%, se dá pelo sangramento intra-operatório. A seleção adequada dos pacientes, a técnica meticulosa e os métodos de clampeamento do pedículo hepático podem reduzir essa temida complicação. Dessa forma, o controle vascular é grande preocupação nas hepatectomias, especialmente na ressecção de tumores próximos a grandes vasos ou nas ressecções maiores. O pinçamento do pedículo hepático - manobra de Pringle - pode ser realizado com facilidade, colocando-se um cadarço ao redor do hilo hepático e confeccionando-se um torniquete para o controle do fluxo hepático88 D'Albuquerque LAC, Herman P. Hepatectomia por videolaparoscopia: realidade? Arq. Gastroenterol. 2006 Sep. 43(3): 243-246. doi:10.1590/S0004-28032006000300017.
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Outra preocupação é a possibilidade de se semear células tumorais no momento da retirada do fragmento. A peça cirúrgica deve ser sempre introduzida em um saco de material resistente e sua retirada deve ser feita através da incisão umbilical, quando menor que 3 cm, ou por uma incisão supra-púbica ou de apendicectomia, nas peças maiores. Não restam dúvidas de que para o tratamento dos tumores benignos, especialmente o adenoma hepático que acomete mulheres jovens, a hepatectomia videolaparoscópica tem papel importante. A grande discussão deve ser reservada para os casos de neoplasia em que a laparoscopia poderia aumentar o risco de implantação de células neoplásicas, fato ainda não demonstrado por estudos88 D'Albuquerque LAC, Herman P. Hepatectomia por videolaparoscopia: realidade? Arq. Gastroenterol. 2006 Sep. 43(3): 243-246. doi:10.1590/S0004-28032006000300017.
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Ressecção hepática por procedimento robótico

A robótica foi introduzida na medicina há cerca de duas décadas com o objetivo de superar as limitações de movimento dos instrumentos laparoscópicos bem como propiciar melhor visualização do campo cirúrgico. A estação da Vinci, a mais utilizada para esse tipo de procedimento, foi introduzida em 2000, contando com uma câmera de visão tridimensional que permite melhor noção de profundidade e a possibilidade de movimentos além da capacidade da mão humana2222 Montalti R, Berardi G, Patriti A, Vivarelli M, Troisi RI. Outcomes of robotic vslaparoscopic hepatectomy: A systematic review and meta-analysis. World Journal of Gastroenterology. 2015 Jul. 21(27):8441-8451. doi:10.3748/wjg.v21.i27.8441
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Na operação assistida por robótica, o paciente é colocado em decúbito dorsal, na posição de Trendelenburg, com as pernas separadas. Geralmente utilizam-se cinco portais, posicionadas ao longo de um arco semicircular. O procedimento segue então em três fases: dissecção portal, mobilização hepática e transecção do parênquima. O primeiro cirurgião fica sentado em frente ao aparelho robótico, enquanto o cirurgião assistente se posiciona ao lado direito do paciente1717 Lai EC, Tang CN, Li MK. Robot-assisted laparoscopic hemi-hepatectomy: technique and surgical outcomes. Int J Surg. 2012;10:11-15. PMID: 22079835.

Na primeira fase, o fígado é retraído cefalicamente para expor a região do hilo. O pedículo portal é dissecado e seus componentes expostos. A continuidade do procedimento depende de quais segmentos hepáticos serão retirados, com um dos ramos da veia porta e da artéria hepática sendo seccionados. O fígado, então, é mobilizado por meio da transecção do ligamento falciforme e do ligamento triangular, mas outras estruturas também podem ser seccionadas, individualizando cada procedimento1717 Lai EC, Tang CN, Li MK. Robot-assisted laparoscopic hemi-hepatectomy: technique and surgical outcomes. Int J Surg. 2012;10:11-15. PMID: 22079835.

Após essas etapas, é feita a incisão da cápsula por meio da cauterização e inicia-se a transecção hepática. Dois braços robóticos podem facilitar a transecção por meio da abertura do local da operação com a retração do fígado. Os outros dois braços carregam um dispositivo de dissecção ultrassônica e uma tesoura diatérmica. Ocorre a aplicação de um clipe de titânio ou endostapler para clampear os principais ramos vasculares e ductos biliares. Após a conclusão da transecção do parênquima, a superfície é inspecionada para verificar qualquer vazamento de bile ou exsudação. O espécime, então, é obtido através de uma incisão de Pfannenstiel dentro de uma bolsa chamada de endobag1717 Lai EC, Tang CN, Li MK. Robot-assisted laparoscopic hemi-hepatectomy: technique and surgical outcomes. Int J Surg. 2012;10:11-15. PMID: 22079835.

A técnica assistida por robótica também pode ocorrer guiada por fluorescência, a partir da aplicação de Indocyanine Green (ICG). A ICG pode ser injetada na corrente sanguínea e torna-se fluorescente em contato com luz de comprimento de onda específico, no espectro de infravermelho próximo (aproximadamente 820 nm) ou de um feixe de laser. A fluorescência pode ser detectada usando âmbitos e câmaras específicas e, em seguida, transmitida para um monitor padrão que permita a identificação das estruturas anatômicas em que o corante está presente66 Buell JF, Koffron AJ, Thomas MJ, Rudich S, Abecassis M, Woodle ES. Laparoscopic liver resection. J Am Coll Surg. 2005 Mar;200:472-480. PMID: 15737861. O sistema de imagens de fluorescência ICG associado à robótica oferece ao cirurgião informações adicionais sobre a anatomia, a perfusão, a drenagem linfática e a reserva funcional do fígado. A técnica pode tornar-se o padrão no futuro, considerando suas diferentes capacidades de diagnóstico.

A plataforma robótica tem se mostrado ferramenta eficaz, principalmente no âmbito das operações urológicas e ginecológicas. O grande inconveniente até então são os custos demasiadamente elevados, bem como a dificuldade de oferecer treinamento on-board aos cirurgiões. Hoje existem poucos centros no mundo que realizam ressecções hepáticas pela plataforma da Vinci e ainda assim somente em pacientes altamente selecionados2222 Montalti R, Berardi G, Patriti A, Vivarelli M, Troisi RI. Outcomes of robotic vslaparoscopic hepatectomy: A systematic review and meta-analysis. World Journal of Gastroenterology. 2015 Jul. 21(27):8441-8451. doi:10.3748/wjg.v21.i27.8441
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Comparação das técnicas

Dentre as operações laparoscópicas, a hepatectomia foi uma das últimas a ser realizada. Ela era vista com certo ceticismo devido a preocupações com o vazamento de bile, a ressecção incompleta e, principalmente, o controle do sangramento, já que a perda de sangue é praticamente inevitável nas ressecções de tumores hepáticos. Além disso, a dissecção hilar, a mobilização do fígado e a transecção do parênquima apresentam demandas técnicas avançadas e um conhecimento apurado da anatomia da região, sendo assim, potencialmente mais perigosas que os procedimentos laparoscópicos em geral1010 Fong Y, Jarnagin W, Conlon KC, DeMatteo R, Dougherty E, Blumgart LH. Hand-assisted laparoscopic liver resection: lessons from an initial experience. Arch Surg. 2000 Jul;135(7):854-9. PubMed. PMID: 10896382.

Apesar dos vários obstáculos e desafios, a hepatectomia laparoscópica demonstra inúmeras vantagens sobre a laparotômica. Essas vantagens são as mesmas de todos os procedimentos cirúrgicos laparoscópicos, nos quais se pode destacar o fato de o paciente referir menos dor no pós-operatório, apresentar menor incidência de íleo funcional, menor cicatriz, tempo de recuperação e de internação hospitalar mais curto e menor taxa de complicações1818 Laurent A, Cherqui D, Lesurtel M, Brunetti F, Tayar C, Fagniez PL. Laparoscopic liver resection for subcapsular hepatocellular carcinoma complicating chronic liver disease. Arch Surg. 2003 Jul;138(7):763-9. PMID: 12860758..

Um estudo caso-controle conduzido por Lee et al. em 2007 ajudou a corroborar isso pois demonstrou que a hepatectomia laparoscópica causou menor perda sanguínea, menor taxa de morbidade e menos complicações operatórias em geral. Em outro estudo conduzido em 2009, Zhang et al. observaram 78 pacientes que foram submetidos à hepatectomia laparoscópica. O procedimento foi bem sucedido em todos os pacientes, sem conversão para procedimentos abertos, e apenas quatro receberam transfusões.

Fonseca et al. (2003) e Machado et al. (2013) conduziram estudos com 57 e 107 pacientes, respectivamente, sendo submetidos à hepatectomia laparoscópica. Houve necessidade de transfusão em 29,8% e 18,7% dos pacientes, respectivamente. Não houve mortalidade operatória em ambos os estudos. O índice de complicações pós-operatórias foi de 57,9% no primeiro estudo e de 14,9% no segundo. Percebe-se, dessa forma, um avanço na técnica das hepatectomias laparoscópicas, visto que o percentual de complicações e o volume de perda sanguínea diminuíram ao longo dos anos.

Alhomaidhi (2012) realizou estudo comparativo em 2012 por meio de revisão bibliográfica que demonstrou que entre 1990 e 2010 foram realizadas 751 hepatectomias abertas e 4207 laparoscópicas. Ele ilustra que, em média, se gasta 65 min a menos para se realizar a laparoscópica. O volume de sangue perdido foi de 260 ml em pacientes submetidos à hepatectomia laparoscópica enquanto a perda na laparotomia era de 1290 ml, em média. A morbidade pós-operatória foi relativamente baixa em ambas as operações. O tempo de internação e a mortalidade também foram reduzidos.

Franken et al. (2014) realizaram estudo comparativo com 104 pacientes, sendo 52 submetidos à hepatectomia laparoscópica (grupo 1) e 52 à aberta (grupo 2). Eles observaram que a perda de sangue estimada foi menor em pacientes submetidos à laparoscopia (237 ml) do que naqueles com procedimento aberto (387 ml). O tempo médio de permanência hospitalar foi de cinco dias no grupo 1 e de seis no 2. Embora a perda sanguínea tenha sido menor com a hepatectomia laparoscópica, a necessidade de transfusão de sangue não foi significativamente diferente entre os grupos, assim como a gravidade de complicações.

Koffron et al. (2007) realizaram estudo com 300 ressecções hepáticas laparoscópicas que foram comparadas a procedimentos abertos. Eles observaram que a abordagem laparoscópica foi superior à técnica aberta. As vantagens foram significantes nos seguintes aspectos: duração da operação (99 vs. 182 min), perda de sangue (102 vs. 325 ml), necessidade de transfusão (duas dentre 300 casos vs. oito dentre 100 casos), período de hospitalização (1,9 vs. 5,4 dias), complicações operatórias em geral (9,3 vs. 22%) e recorrência local de malignidade (2 vs. 3%).

Wakabayashi et al. (2014) e Wang et al. (2015) também realizaram estudos comparativos indicando que a hepatectomia laparoscópica é melhor que a técnica aberta. Percebeu-se que a exposição da região é melhor, o tempo de internação é mais curto, a incisão e a perda sanguínea são menores e o custo é mais baixo para o hospital. Apesar dessas vantagens, foi elucidado por Wakabayashi et al. que a restrição na manipulação da área é uma desvantagem considerável. Wang et al. também observaram que a possibilidade de disseminação tumoral e a dificuldade de manutenção de margens adequadas são potenciais desvantagens.

Segundo Machado et al. (2012), nos pacientes em que se identifica previamente dificuldade técnica para o uso exclusivo da laparoscopia, pode-se utilizar técnicas híbridas com o uso de mão auxiliar ou liberação laparoscópica seguida de secção do fígado por meio de pequena incisão. O uso de técnica assistida com a mão torna mais fácil a exposição do fígado e a secção do parênquima, especialmente em fígados cirróticos, e ainda restaura ao cirurgião a sensação tátil perdida na laparoscopia. Acredita-se que o uso sistemático desta técnica não é necessário e ela deve ser utilizada como um passo antes da conversão completa à laparotomia ou em casos que dificuldades para a realização de técnica totalmente laparoscópica são antecipadas.

A análise da literatura evidencia crescimento exponencial no número de hepatectomias laparoscópicas realizadas e de indicações da técnica. Em 2009, revisão de todos os casos publicados de hepatectomia laparoscópica, com 2804 casos identificados, demonstrou mortalidade de apenas 0,3% e morbidade de 10,5%1212 Goffi SF. Técnica cirúrgica: bases anatômicas, fisiopatológicas e técnicas de cirurgia. 3. ed. Atheneu, 2006/2007; 671-76.. Assim, sob a ótica de Pais-Costa et al. (2011), as dúvidas levantadas inicialmente sobre o uso da videolaparoscopia para tratamento de neoplasias malignas não persistem e, atualmente, a técnica é realizada com certa frequência, sendo considerada procedimento bastante seguro e eficaz.

Portanto, se a hepatectomia é indicada, desde que não haja contraindicação ao método (obstrução intestinal, peritonite generalizada, doença cardiopulmonar grave, choque hipovolêmico grave, dentre outros), a laparoscopia deve ser a técnica de escolha2020 Machado MAC, Makdissi FF, Surjan RCT. Hepatectomia videolaparoscópica: experiência pessoal com 107 casos. Rev. Col. Bras. Cir. 2012 Dec; 39( 6): 483-488. doi: 10.1590/S0100-69912012000600007.
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Quando se comparam as técnicas laparoscópica e robótica, pode-se ver, de acordo com Montalti et al. (2015), que apesar da técnica laparoscópica ter tido difusão mundial desde a sua introdução, a robótica não tem seguido a mesma evolução, possivelmente devido aos custos iniciais significativos e aos diferentes níveis de aprendizagem requeridos. Estudos mostram que não há diferença significativa na taxa de morbidade entre as duas técnicas analisadas, embora tenha sido observada tendência para menor número de complicações no grupo robótico.

Em revisão sistemática e metanálise, Montalti et al. (2015) afirmam que a plataforma robótica é ferramenta com a qual muitas limitações da cirurgia laparoscópica convencional de fígado podem ser superadas, como a amplificação da imagem e o tremor bidimensional, o efeito de fulcro contra o portal, os limitados graus de liberdade para a manipulação e a má ergonomia. Além disso, a destreza aumentada, ativada pelos movimentos endowristed, o software de filtração de movimentos do cirurgião e a visão tridimensional de alta definição fornecida pela câmara estereoscópica combinam-se para garantir constante e cuidadosa dissecação das estruturas, levando à minimização de vazamentos biliares e decréscimo nas complicações pós-operatórias gerais2222 Montalti R, Berardi G, Patriti A, Vivarelli M, Troisi RI. Outcomes of robotic vslaparoscopic hepatectomy: A systematic review and meta-analysis. World Journal of Gastroenterology. 2015 Jul. 21(27):8441-8451. doi:10.3748/wjg.v21.i27.8441
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Apesar dessas vantagens, a hepatectomia assistida por robótica tem evoluído lentamente ao longo dos últimos anos e atualmente não é capaz de fornecer ferramentas úteis para explorar plenamente o potencial dos movimentos e da visão oferecida pelo robô, por exemplo, principalmente quando o espaço de ressecção é limitado.

É importante destacar que para se realizar a técnica robótica é necessário um cirurgião adicional e os custos para aquisição do robô, instrumentação e manutenção anual são elevados. Além disso, ainda são poucos os centros no mundo que realizam ressecções hepáticas robóticas. A seleção rigorosa de pacientes limita o número de procedimentos e os mantém fora do padrão mesmo com a superação da curva de aprendizado.

Os resultados da metanálise feita por Montalti et al. (2015) mostram aumento significativo de hemorragias na hepatectomia assistida por robótica, o que pode ser explicado devido às diferentes técnicas usadas para a transecção fígado. A técnica mais utilizada para transecção hepática por videolaparoscopia demanda a utilização de um bisturi harmônico para transecção superficial do fígado e do Cavitron Ultrasonic Surgical Aspirador para corte transversal mais profundo, a fim de propiciar dissecção mais meticulosa e precisa das estruturas parenquimatosas. Por sua vez, quando se utiliza a robótica para transecção do fígado, a técnica utilizada é baseada na fixação por esmagamento, exigindo, na maioria dos casos, o uso de uma oclusão afluxo intermitente (manobra de Pringle).

Outro fator importante diz respeito ao tempo cirúrgico, o qual foi significativamente maior na hepatectomia robótica. Esse fato pode ser consequência da própria técnica, mas também pode ser consequência do fato da técnica robótica ser mais recente, necessitando ainda de maior experiência e refinamento.

Como se sabe, um dos princípios da ressecção oncológica de doenças malignas é a manutenção de margem livre suficiente para evitar a ressecção incompleta do tumor e possível disseminação iatrogênica. Por isso, a mesma metanálise já citada objetivou realçar as diferenças entre a largura da margem feita em cada uma das duas técnicas. Não foi vista diferença estatística entre elas, apesar de existir tendência à redução da margem de ressecção na técnica laparoscópica, o que pode sugerir maior dificuldade na identificação da lesão tumoral pelo ultrassom intra-operatório com a técnica robótica. Isso pode ser explicado pelo fato do cirurgião que realiza o ultrassom não ser o mesmo responsável pela hepatectomia robótica. No entanto, são necessários estudos futuros para melhor análise desses dados. Assim, o estudo de Montalti et al. (2015) considerou que a ressecção hepática laparoscópica apresentou menor perda de sangue e menor tempo cirúrgico quando comparada à ressecção hepática robótica.

Dessa forma, ainda não está claro se o auxílio robótico possui alguma vantagem substancial sobre a técnica laparoscópica, pois ambas abordagens são consideradas minimamente invasivas, sem diferenças em relação à segurança ou eficácia2222 Montalti R, Berardi G, Patriti A, Vivarelli M, Troisi RI. Outcomes of robotic vslaparoscopic hepatectomy: A systematic review and meta-analysis. World Journal of Gastroenterology. 2015 Jul. 21(27):8441-8451. doi:10.3748/wjg.v21.i27.8441
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CONCLUSÃO

A abordagem de tumores hepáticos é considerada complexa, uma vez que envolve fatores relacionados às condições clínicas do paciente, ao estadiamento e características da doença quando maligna e, também, à função do fígado. Alguns tumores se desenvolvem em fígados considerados normais enquanto outros atingem órgãos comprometidos por obstrução da via biliar ou doenças hepáticas como esteatose, fibrose e cirrose. Pode-se dizer que cada um desses fatores influencia o resultado das operações; assim sendo, atenção cuidadosa a todos esses aspectos é necessária para se alcançar bons resultados. A videolaparoscopia apresenta menor duração, menor hospitalização, menor incidência de complicações e menor taxa de recorrência local. Quando se comparam as técnicas laparoscópica e robótica, percebe-se que o auxílio robótico pode promover a superação de muitas limitações presentes na cirurgia laparoscópica. Porém, devido ao alto custo e aos diferentes níveis de aprendizagem necessários, a técnica robótica não tem apresentado difusão mundial significativa. Ainda não está bem elucidado se o auxílio robótico apresenta vantagem sobre a técnica laparoscópica, já que o tempo de internação hospitalar, a taxa de morbidade e a perda de sangue estimada são semelhantes.

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  • Fonte de financiamento:

    não há

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Apr-Jun 2017

Histórico

  • Recebido
    13 Out 2016
  • Aceito
    12 Dez 2016
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