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PROTEÍNA C REATIVA EM DIABÉTICOS ANTES DO BYPASS GÁSTRICO COMO POSSÍVEL MARCADOR DE COMPLICAÇÃO PÓS-OPERATÓRIA

Resumos

Racional

: Obesidade e diabete melito tipo 2 são associadas a estado inflamatório desencadeado pelo tecido adiposo, uma vez que é órgão metabolicamente ativo e que pode gerar estado de inflamação crônica leve.

Objetivo

: Avaliar a correlação entre os níveis de proteína C reativa pré-operatória e o risco de complicações pós-operatórias em obesos graus II e III após bypass gástrico em Y-de-Roux, em um grupo com e outro sem diabete melito tipo 2.

Métodos

: Entre 2008 e 2013 foram analisados 209 pacientes (107 diabéticos) com índice de massa corpórea acima de 40 kg/m2 ou maior que 35 kg/m2com comorbidades. No pós-operatório foi avaliado um grupo com e outro sem complicações. A proteína C reativa ultrassensível pré-operatória foi mensurada pela técnica de imunonefelometria.

Resultados

: Complicações ocorreram em sete pacientes (tromboembolismo pulmonar, fístula, dois casos de vazamento de sutura, pancreatite, evisceração e hemorragia digestiva alta). Não houve diferença estatística significativa em relação ao perfil lipídico e níveis séricos de proteína C reativa entre os grupos com e sem diabete. Quando comparados, os dois grupos (com e sem complicações) apresentaram significância estatística entre os níveis de proteína C reativa (7,2 mg/dl vs 3,7 mg/dl, p=0,016), sendo semelhantes em relação à percentagem de perda de peso após seguimento de 3, 6 e 12 meses.

Conclusões

: O nível sérico de proteína C reativa pré-operatória foi mais elevado no grupo com complicações após bypass gástrico em Y-de-Roux do que no grupo sem complicações.

Cirurgia bariátrica; Diabetes mellitus tipo 2; Obesidade; Derivação gástrica em Y-de-Roux; Derivação gástrica; Proteina C reativa; Complicações pós-operatórias


Background

: Obesity and type 2 diabetes mellitus are associated to inflammatory state, which can be set off by the adipose tissue, once it is a metabolically active organ that can cause a chronic mild inflammatory state.

Aim

: To evaluate the correlation between preoperative C-reactive protein and postoperative complications risk in obese patients (grades II and III) after Roux-en-Y gastric bypass, with and without type 2 diabetes mellitus.

Methods :

Between 2008 and 2013 were analysed 209 patients (107 with diabetes), presenting body mass index >40 kg/m2or >35 kg/m2with comorbidities. During the postoperative period, two groups were evaluated: with and without complications. Preoperative ultra-sensitive C-reactive protein was measured by immunonephelometry method.

Results

: Complications occurred in seven patients (pulmonary thromboembolism, fistula, two cases of suture leak, pancreatitis, evisceration and upper digestive hemorrhage). No statistical significance was found regarding lipid profile and C-reactive protein between patients with and without type 2 diabetes mellitus. When compared to each other, both groups (with and without complications) presented with statistical significance regarding C-reactive protein level (7,2 mg/dl vs 3,7 mg/dl, p=0,016) and had similar weight loss percentage after 3, 6 and 12 months follow-up.

Conclusions

: Preoperative C-reactive protein serum level was higher in the group which presented complications after Roux-en-Y gastric bypass when compared to the group without postoperative complications.

Bariatric Surgery; Diabetes Mellitus, Type 2; Obesity; Roux-en-Y anastomosis; Gastric bypass; C-reactive protein; Postoperative complications


INTRODUÇÃO

A prevalência do sobrepeso e da obesidade está aumentando em todo o mundo, o que torna mais frequente comorbidades como diabete melito tipo 2 (DM2). A obesidade e a DM2 são condições frequentemente associadas a estado de inflamação crônica2828. Wellen KE, Hotamisligil GS. Inflammation, stress, and diabetes. J Clin Invest. 2005 May;115(5):1111-9. PMID: 15864338. Central PMCID: 1087185. Epub 2005/05/03.. Essa relação pode ser explicada pelo aumento dos níveis circulantes de vários marcadores inflamatórios, como as citocinas pró-inflamatórias e as proteínas de fase aguda, tais como interleucina 6 (IL-6), fator de necrose tumoral α e proteína C-reativa (PCR). Esta última tem importante participação na resposta à inflamação sistêmica, aumentando a concentração plasmática durante processos inflamatórios66. Bullo M, Garcia-Lorda P, Megias I, Salas-Salvado J. Systemic inflammation, adipose tissue tumor necrosis factor, and leptin expression. Obes Res. 2003 Apr;11(4):525-31. PMID: 12690081. Epub 2003/04/12.,2424. Trayhurn P, Wood IS. Adipokines: inflammation and the pleiotropic role of white adipose tissue. Br J Nutr. 2004Sep;92(3):347-55. PMID: 15469638. Epub 2004/10/08..

A cirurgia bariátrica é procedimento seguro que apresenta taxa de mortalidade inferior a 0,3%55. Buchwald H, Estok R, Fahrbach K, Banel D, Sledge I. Trends in mortality in bariatric surgery: a systematic review and meta-analysis. Surgery. 2007 Oct;142(4):621-32; discussion 32-5. PMID: 17950357. Epub 2007/10/24.. Complicações precoces podem ocorrer em até 13% dos pacientes2323. Sjostrom L, Lindroos AK, Peltonen M, Torgerson J, Bouchard C, Carlsson B, et al. Lifestyle, diabetes, and cardiovascular risk factors 10 years after bariatric surgery. N Engl J Med. 2004 Dec 23;351(26):2683-93. PMID: 15616203. Epub 2004/12/24.. Entretanto, ainda não existem marcadores que determinem com segurança o risco de complicações pós-operatórias. Na literatura não há estudos que avaliem a relação entre níveis de PCR pré-operatório e o risco de complicações após bypass gástrico em Y-de-Roux (BGYR).

Alguns estudos que envolvem diferentes especialidades cirúrgicas, relacionam elevados níveis séricos de PCR com complicações infecciosas pós-operatórias88. Cappabianca G, Paparella D, Visicchio G, Capone G, Lionetti G, Numis F, et al. Preoperative C-reactive protein predicts mid-term outcome after cardiac surgery. Ann Thorac Surg. 2006 Dec;82(6):2170-8. PMID: 17126130. Epub 2006/11/28.,1717. Owens CD, Ridker PM, Belkin M, Hamdan AD, Pomposelli F, Logerfo F, et al. Elevated C-reactive protein levels are associated with postoperative events in patients undergoing lower extremity vein bypass surgery. J Vasc Surg. 2007 Jan;45(1):2-9; discussion. PMID: 17123769. Central PMCID: 3488442. Epub 2006/11/25.. O aumento de PCR pré-operatória foi considerado fator de risco para infecção e aumento da mortalidade hospitalar na cirurgia cardíaca, além de elevar o risco de vazamento de sutura e outras complicações infecciosas após cirurgia colorretal eletiva88. Cappabianca G, Paparella D, Visicchio G, Capone G, Lionetti G, Numis F, et al. Preoperative C-reactive protein predicts mid-term outcome after cardiac surgery. Ann Thorac Surg. 2006 Dec;82(6):2170-8. PMID: 17126130. Epub 2006/11/28.,2929. Woeste G, Muller C, Bechstein WO, Wullstein C. Increased serum levels of C-reactive protein precede anastomotic leakage in colorectal surgery. World J Surg. 2010 Jan;34(1):140-6. PMID: 19953248. Epub 2009/12/03..

Há evidência de associação entre o acúmulo de tecido adiposo e o aumento de níveis de PCR, reconhecendo o tecido adiposo como um órgão metabolicamente ativo, que pode gerar estado de inflamação crônica de baixa intensidade1111. Frisch A, Chandra P, Smiley D, Peng L, Rizzo M, Gatcliffe C, et al. Prevalence and clinical outcome of hyperglycemia in the perioperative period in noncardiac surgery. Diabetes Care. 2010 Aug;33(8):1783-8. PMID: 20435798. Central PMCID: 2909062. Epub 2010/05/04.,,2020. Rizvi AA. Hypertension, obesity, and inflammation: the complex designs of a deadly trio. Metab Syndr Relat Disord. 2010 Aug;8(4):287-94. PMID: 20367224. Epub 2010/04/07.,2222. Santos J, Salgado P, Santos C, Mendes P, Saavedra J, Baldaque P, et al. Effect of bariatric surgery on weight loss, inflammation, iron metabolism, and lipid profile. Scand J Surg. 2014Mar;103(1):21-5. PMID: 24177986. Epub 2013/11/02.,2525. Umpierrez G. How to manage type 2 diabetes in medical and surgical patients in the hospital. Cleveland Clinic Journal of Medicine. 2011 June;78(6)..

O efeito da perda de peso após cirurgia bariátrica sobre os níveis de citocinas inflamatórias e marcadores de inflamação já foi demonstrado1313. Manco M, Fernandez-Real JM, Equitani F, Vendrell J, Valera Mora ME, Nanni G, et al. Effect of massive weight loss on inflammatory adipocytokines and the innate immune system in morbidly obese women. J Clin Endocrinol Metab. 2007 Feb;92(2):483-90. PMID: 17105839. Epub 2006/11/16.,3030. Zagorski SM, Papa NN, Chung MH. The effect of weight loss after gastric bypass on C-reactive protein levels. Surg Obes Relat Dis. 2005 Mar-Apr;1(2):81-5. PMID: 16925219. Epub 2006/08/24.. Após o procedimento cirúrgico, há redução dos níveis séricos da PCR (65%, em média), de acordo com a perda ponderal33. Agrawal V, Krause KR, Chengelis DL, Zalesin KC, Rocher LL, McCullough PA. Relation between degree of weight loss after bariatric surgery and reduction in albuminuria and C-reactive protein. Surg Obes Relat Dis. 2009 Jan-Feb;5(1):20-6. PMID: 18951068. Epub 2008/10/28.. Entretanto, ainda não há estudos que avaliem a relação entre níveis elevados de PCR no pré-operatório de BGYR e a ocorrência de complicações pós-operatórias.

O objetivo deste estudo foi avaliar a correlação entre os níveis da PCR pré-operatória e o risco de complicações em obesos graus II e III após BGYR, em um grupo com e outro sem DM2.

MÉTODOS

Foram analisados retrospectivamente 209 pacientes (65 homens e 144 mulheres), submetidos à BGYR, no Serviço de Cirurgia Geral do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco, Recife, PE, Brasil entre 2008 e 2013. A média de idade foi de 40,2 anos e a do índice de massa corpórea (IMC) foi de 41,5 kg/m2. Diabete melito tipo 2 estava presente em 107 pacientes, cujo diagnóstico seguiu os critérios da Associação Americana de Diabetes. A média de tempo de diagnóstico da DM2 foi de 4,4 anos. A indicação de cirurgia bariátrica incluía IMC acima de 40 kg/m2 ou maior que 35 kg/m2 com comorbidade.

A PCR ultrassensível foi mensurada pela técnica de imunonefelometria no pré-operatório. Para avaliação de processos inflamatórios/infecciosos, o valor de referência usado foi maior que 5 mg/dl. Valor de referência usado para avaliação de risco cardiovascular foi o seguinte: risco baixo: <1,00 mg/l; risco moderado: 1,00 a 3,00 mg/dl; risco alto: >3,00 mg/dl.

Para a realização de exames bioquímicos no soro, foram coletadas amostras de sangue (20 ml) em veia periférica por punção única, obtidas pela manhã na véspera da operação, após período de repouso e jejum mínimo de 8 h. A avaliação laboratorial constou dos seguintes exames: glicemia jejum, colesterol total e frações, e triglicerídeos.

A determinação do colesterol total e frações foram realizadas em soro utilizando o conjunto diagnóstico Analisa, cujo princípio analítico é o método enzimático colorimétrico. O colesterol total teve valor de referência desejável <200 mg/dl e triglicerídeos desejável <150 mg/dl.

Todos os pacientes foram submetidos à BGYR laparotômica com confecção de bolsa gástrica com volume aproximado de 50 ml, alça biliopancreática com 100 cm de comprimento e alça alimentar com 150 cm. No transoperatório a glicose foi monitorizada através da glicemia capilar e corrigida com insulina regular subcutânea, de acordo com a necessidade, mantendo a glicemia entre 80 e 140 mg/dl.

Os pacientes foram divididos em dois grupos: sem e com complicações pós-operatórias (até 30 dias). O seguimento ambulatorial foi iniciado 15 dias após o BGYR, com retorno após 1, 2, 6 e 12 meses, sendo mantido com pelo menos uma consulta anual (Figura 1).

Foi adotado o nível de significância de 5% para os testes estatísticos. Para análise dos dados, foram utilizadas técnicas de estatística inferencial através dos seguintes testes: t-Student e de Mann-Whitney.

FIGURA 1
- Fluxograma

RESULTADOS

Os pacientes (com e sem DM2) apresentaram perfil lipídico e padrão inflamatório semelhantes no pré-operatório (Tabela 1).

Após o BGYR, foram analisados os dados do grupo com e sem complicações pós-operatórias que ocorreram em sete pacientes: tromboembolismo pulmonar, fístula, vazamento de sutura (n=2), pancreatite, evisceração e hemorragia digestiva alta. O grupo com complicações apresentava PCR significativamente mais alta que o grupo sem complicações (p=0,016) (Figura 2).

FIGURA 2
- PCR pré-operatória vs complicações cirúrgicas

Em relação à percentagem de perda de peso com 3, 6 e 12 meses, a comparação entre os dois grupos não mostrou diferença. A ocorrência da complicação cirúrgica não influenciou na perda de peso após o seguimento. A média da perda de peso após um ano de seguimento foi de 33,42 kg (±6,97) e 33,79 kg (±5,80) nos pacientes com e sem complicações, respectivamente (Tabelas 2 e 3).

TABELA 1
- Comparação dos grupos diabéticos e não diabéticos
TABELA 2
- Comparação da perda de peso nos grupos com complicações e sem complicações
TABELA 3
- Variáveis do grupo com complicações

DISCUSSÃO

O perfil inflamatório como marcador para complicações pós-operatórias já vem sendo estudado dentro de algumas especialidades cirúrgicas, através da dosagem de PCR22. Adamina M, Steffen T, Tarantino I, Beutner U, Schmied BM, Warschkow R. Meta-analysis of the predictive value of C-reactive protein for infectious complications in abdominal surgery. Br J Surg. 2015 May;102(6):590-8. PMID: 25776855. Epub 2015/03/18.,88. Cappabianca G, Paparella D, Visicchio G, Capone G, Lionetti G, Numis F, et al. Preoperative C-reactive protein predicts mid-term outcome after cardiac surgery. Ann Thorac Surg. 2006 Dec;82(6):2170-8. PMID: 17126130. Epub 2006/11/28.,1717. Owens CD, Ridker PM, Belkin M, Hamdan AD, Pomposelli F, Logerfo F, et al. Elevated C-reactive protein levels are associated with postoperative events in patients undergoing lower extremity vein bypass surgery. J Vasc Surg. 2007 Jan;45(1):2-9; discussion. PMID: 17123769. Central PMCID: 3488442. Epub 2006/11/25.,2929. Woeste G, Muller C, Bechstein WO, Wullstein C. Increased serum levels of C-reactive protein precede anastomotic leakage in colorectal surgery. World J Surg. 2010 Jan;34(1):140-6. PMID: 19953248. Epub 2009/12/03.. Entretanto, a relação entre níveis séricos de PCR e complicações após BGYR foi pouco descrita2121. Romain B, Chemaly R, Meyer N, Chilintseva N, Triki E, Brigand C, et al. Diagnostic markers of postoperative morbidity after laparoscopic Roux-en-Y gastric bypass for obesity. Langenbecks Arch Surg. 2014Apr;399(4):503-8. PMID: 24643459. Epub 2014/03/20.,2727. Warschkow R, Tarantino I, Folie P, Beutner U, Schmied BM, Bisang P, et al. C-reactive protein 2 days after laparoscopic gastric bypass surgery reliably indicates leaks and moderately predicts morbidity. J Gastrointest Surg. 2012 Jun;16(6):1128-35. PMID: 22528569. Epub 2012/04/25..

Pacientes obesos podem apresentar níveis elevados de PCR devido ao aumento da produção de interleucina-6 e fator de necrose tumoral nos adipócitos, regulando a produção hepática da PCR e induzindo estado de inflamação crônica de baixo grau1919. Pelascini E, Disse E, Pasquer A, Poncet G, Gouillat C, Robert M. Should we wait for metabolic complications before operating on obese patients? Gastric bypass outcomes in metabolically healthy obese individuals. Surg Obes Relat Dis. 2015 May 8. PMID: 26164112. Epub 2015/07/15.,2222. Santos J, Salgado P, Santos C, Mendes P, Saavedra J, Baldaque P, et al. Effect of bariatric surgery on weight loss, inflammation, iron metabolism, and lipid profile. Scand J Surg. 2014Mar;103(1):21-5. PMID: 24177986. Epub 2013/11/02.,2424. Trayhurn P, Wood IS. Adipokines: inflammation and the pleiotropic role of white adipose tissue. Br J Nutr. 2004Sep;92(3):347-55. PMID: 15469638. Epub 2004/10/08.. Publicações têm mostrado que pacientes com DM2 apresentavam níveis de PCR mais elevados, podendo indicar ainda que pacientes obesos com níveis elevados dessa proteína apresentariam maior risco de desenvolver DM21010. Dehghan A, van Hoek M, Sijbrands EJ, Stijnen T, Hofman A, Witteman JC. Risk of type 2 diabetes attributable to C-reactive protein and other risk factors. Diabetes Care. 2007 Oct;30(10):2695-9. PMID: 17623828. Epub 2007/07/12..

Hiperglicemia e DM2 têm sido associados com maior morbidade pós-operatória1111. Frisch A, Chandra P, Smiley D, Peng L, Rizzo M, Gatcliffe C, et al. Prevalence and clinical outcome of hyperglycemia in the perioperative period in noncardiac surgery. Diabetes Care. 2010 Aug;33(8):1783-8. PMID: 20435798. Central PMCID: 2909062. Epub 2010/05/04.. Dessa maneira, alguns autores defendem que a maioria dos pacientes diabéticos hospitalizados deveriam receber insulinoterapia, de acordo com a gravidade do DM2, visando diminuir os riscos de complicações2525. Umpierrez G. How to manage type 2 diabetes in medical and surgical patients in the hospital. Cleveland Clinic Journal of Medicine. 2011 June;78(6)..

Neste estudo não houve diferença nos níveis plasmáticos de PCR, triglicerídeos e colesterol total entre diabéticos e não-diabéticos. Essa semelhança poderia ser justificada pelo fato de que os pacientes sem diabete eram obesos graves e, por isso, apresentavam grande atividade inflamatória, risco cardiovascular aumentado e maior chance de progressão para DM244. Bochud M, Marquant F, Marques-Vidal PM, Vollenweider P, Beckmann JS, Mooser V, et al. Association between C-reactive protein and adiposity in women. J Clin Endocrinol Metab. 2009 Oct;94(10):3969-77. PMID: 19584180. Epub 2009/07/09.,99. Compher C, Badellino KO. Obesity and inflammation: lessons from bariatric surgery. JPEN J Parenter Enteral Nutr. 2008 Nov-Dec;32(6):645-7. PMID: 18974245. Epub 2008/11/01.. Além disso, os pacientes com DM2 incluídos nesse estudo apresentavam curto tempo de doença, em média. Outro ponto a ser considerado é a pequena amostra incluída.

A identificação de fatores associados com maior risco de complicações cirúrgicas é importante para adequada seleção de pacientes no pré-operatório. A inclusão destes em escalas de estratificação de risco cirúrgico permitem melhora na qualidade do tratamento cirúrgico e dos resultados1414. Martins-Filho ED, Câmara-Neto JB, Ferraz ÁAB, Amorim M, Ferraz EM. Evaluation of risk factors in superobese patients submitted to conventional Fobi-Capella surgery. Arquivos de Gastroenterologia. 2008;45:3-10.,1515. Martins-Filho ED, Katz L, Amorim M, Ferraz ÁAB, Ferraz EM. Prediction of severe complicatons and death in superobese patients undergoing open gastric bypass with the Recife Score. Arquivos de Gastroenterologia. 2011;48:8-14..

BGYR tem baixa taxa de complicações quando comparado aos outros procedimentos cirúrgicos. A incidência de complicações precoces, como fístula, no pós-operatório varia, em média, de 0,4 a 5,2% na maioria dos estudos1212. Griffith PS, Birch DW, Sharma AM, Karmali S. Managing complications associated with laparoscopic Roux-en-Y gastric bypass for morbid obesity. Can J Surg. 2012 Oct;55(5):329-36. PMID: 22854113. Central PMCID: 3468646. Epub 2012/08/03.. Entretanto, estas complicações podem ser de difícil tratamento, requerendo abordagem precoce e apresentando elevada morbidade77. Campos JM, Pereira EF, Evangelista LF, Siqueira L, Neto MG, Dib V, et al. Gastrobronchial fistula after sleeve gastrectomy and gastric bypass: endoscopic management and prevention. Obes Surg. 2011 Oct;21(10):1520-9. PMID: 21643779. Epub 2011/06/07.. Dessa forma, a identificação de um marcador sérico de fator de risco para complicações pós-operatórias, como a PCR, poderia antecipar o surgimento de complicação grave após BGYR, diminuindo os riscos do procedimento.

Nesse estudo, identificou-se o valor da PCR pré-operatório acima de 3 mg/dl como maior risco de complicações pós-operatórias. Tem sido demonstrada que a mensuração de PCR no pré-operatório ou a curva de PCR tem importância na estratificação de risco de complicações cirúrgicas precoces11. Ackland GL, Scollay JM, Parks RW, de Beaux I, Mythen MG. Pre-operative high sensitivity C-reactive protein and postoperative outcome in patients undergoing elective orthopaedic surgery. Anaesthesia. 2007Sep;62(9):888-94. PMID: 17697214. Epub 2007/08/19.,1717. Owens CD, Ridker PM, Belkin M, Hamdan AD, Pomposelli F, Logerfo F, et al. Elevated C-reactive protein levels are associated with postoperative events in patients undergoing lower extremity vein bypass surgery. J Vasc Surg. 2007 Jan;45(1):2-9; discussion. PMID: 17123769. Central PMCID: 3488442. Epub 2006/11/25.,2626. Warschkow R, Beutner U, Steffen T, Muller SA, Schmied BM, Guller U, et al. Safe and early discharge after colorectal surgery due to C-reactive protein: a diagnostic meta-analysis of 1832 patients. Ann Surg. 2012 Aug;256(2):245-50. PMID: 22735714. Epub 2012/06/28..

Na cirurgia vascular de bypass de membro inferior, pacientes com PCR maior que 5 mg/dl imediatamente antes da operação tinham maior risco de complicações vasculares no pós-operatório. O seguimento mostrou que 60% dos pacientes (21/35) tiveram complicações quando comparado a 32% (18/56) do grupo com PCR menor que 5 mg/dl (p=0,004)2727. Warschkow R, Tarantino I, Folie P, Beutner U, Schmied BM, Bisang P, et al. C-reactive protein 2 days after laparoscopic gastric bypass surgery reliably indicates leaks and moderately predicts morbidity. J Gastrointest Surg. 2012 Jun;16(6):1128-35. PMID: 22528569. Epub 2012/04/25..

Em estudo publicado em 2012, foi realizada análise retrospectiva de pacientes submetidos a BGYR laparoscópico. Do total, 4,1% (n=17) apresentaram fístula após, em média, cinco dias. Valores mais altos de PCR dois dias após o BGYR mostrou ser de alto valor diagnóstico para complicações pós-operatórias, em especial para o vazamento intestinal2727. Warschkow R, Tarantino I, Folie P, Beutner U, Schmied BM, Bisang P, et al. C-reactive protein 2 days after laparoscopic gastric bypass surgery reliably indicates leaks and moderately predicts morbidity. J Gastrointest Surg. 2012 Jun;16(6):1128-35. PMID: 22528569. Epub 2012/04/25..

Em geral, paciente com idade mais avançada e na presença de comorbidades, principalmente diabete e hipertensão, apresentam maior risco de desenvolver fístula e maior risco de morte. Assim, este grupo de pacientes deve ser evitado no início da curva de aprendizado, para a prevenção de complicações pós-operatórias. A dosagem sérica de PCR pré-operatória poderia ser mais um potencial preditor da ocorrência de complicações, como o surgimento de fístulas.

Apesar de a relação entre valores elevados de PCR e a ocorrência de complicações no período pós-operatório ter sido sugerida por vários estudos, alguns parecem discordar dessa hipótese. Em metanálise realizada por Padayache, em 2009, valores elevados de PCR não foram relacionados com maior incidência de morbidade e/ou mortalidade em até 30 dias de pós-operatório1818. Padayachee L, Rodseth RN, Biccard BM. A meta-analysis of the utility of C-reactive protein in predicting early, intermediate-term and long term mortality and major adverse cardiac events in vascular surgical patients. Anaesthesia. 2009 Apr;64(4):416-24. PMID: 19317708. Epub 2009/03/26..

A possibilidade de outros marcadores séricos preditores de complicações, além da PCR, também vem sendo analisada. Em estudo de coorte prospectivo, não randomizado, publicado em 2011, foram avaliados níveis de procalcitonina como possível parâmetro prognóstico para complicação infecciosa em pacientes com lesão aguda de coluna vertebral com e sem infecção pós-operatórias. Os pacientes que apresentaram complicações (7,7%) tinham níveis de procalcitonina e PCR significativamente mais elevados quando comparados com os sem complicações, sendo a procalcitonina mais sensível que a PCR1616. Nie H, Jiang D, Ou Y, Quan Z, Hao J, Bai C, et al. Procalcitonin as an early predictor of postoperative infectious complications in patients with acute traumatic spinal cord injury. Spinal Cord. 2011 Jun;49(6):715-20. PMID: 21243003. Epub 2011/01/19..

O marcador inflamatório PCR poderia ter espaço na rotina pré-operatória dos obesos graus II ou III candidatos à cirurgia bariátrica como marcador de risco de complicações no pós-operatório imediato ou fazer parte dos escores de estratificação de risco cirúrgico. Níveis elevados de PCR poderiam indicar adiamento ou suspensão do procedimento cirúrgico até a normalização desta proteína, através da perda de peso e melhor controle metabólico, a fim de evitar maior ocorrência de complicações no pós-operatório imediato.

CONCLUSÃO

O nível sérico de proteína C reativa pré-operatória foi mais elevado no grupo com complicações após bypass gástrico em Y-de-Roux do que no grupo sem complicações.

REFERENCES

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  • Fonte de financiamento: não há

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2015

Histórico

  • Recebido
    26 Fev 2015
  • Aceito
    02 Jun 2015
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