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Pseudomixoma peritoneal: operação citorredutora e quimio-hipertermia intraperitoneal - Relato de dois casos

CARTA AO EDITOR

Pseudomixoma peritoneal: operação citorredutora e quimio-hipertermia intraperitoneal - Relato de dois casos

Jimmy Ali Saadallah Ayoub; Carlos Eduardo Dainezzi Bolognani; Detlev Mauri Bellandi; Alberto Monteiro Meyer; Ismail Ayoub

Complexo Hospitalar Edmundo Vasconcelos, Departamento de Gastrocirurgia, São Paulo, SP, Brasil

Correspondência Correspondência: Jimmy Ali Saadallah Ayoub e-mail dr.jimmyayoub@gmail.com

INTRODUÇÃO

Pseudomixoma peritoneal (PMP) pode ser definido como carcinoma de baixo grau de malignidade que se caracteriza por fenômeno de redistribuição tumoral envolvendo grande quantidade de mucina extracelular3,5. Os tumores primários geralmente estão no apêndice ou ovário, podendo haver acometimento de outros órgãos3,10. É um processo de doença lentamente progressiva, caracterizada pelo acúmulo de muco dentro do abdômen e pelve8.

Apesar deste tumor não ser considerado biologicamente agressivo, pois não se metastatiza por via hematogênica ou linfática como adenocarcinomas gastrointestinais, ele resulta em processo mortal. O espaço dentro do abdômen e pelve torna-se substituído por tumor mucinoso. Sendo assim, ele sempre resulta na morte do paciente, a não ser que seja definitivamente tratado8.

O tumor primário raramente causa sintomas. Quando originário do apêndice cecal surge dentro de um adenoma, e com o crescimento progressivo, obstruí sua luz resultando em distensão causada pelo muco produzido pelo tecido normal e pelo tumor mucinoso.8 Com a ruptura do apêndice há o vazamento lento de muco contendo células epiteliais do adenoma para cavidade peritoneal, seguida pela implantação.

RELATO DOS CASOS

Caso 1 - Mulher de 42 anos relata que há oito anos está com queixa de aumento da circunferência abdominal. Constatou-se ascite através de ultrassonografia transvaginal. Há seis anos, após uma série de exames laboratoriais e radiológicos com resultados inespecíficos, realizou-se videolaparoscopia diagnóstica com biópsias. Evidenciou-se tecido ovariano com espessamento fibroso sem sinais de malignidade, peritonite crônica não específica e pesquisa de BAAR negativa. Ao longo dos anos realizou ultrassonografias abdominais com laudos muito semelhantes, que citavam grande quantidade de líquido livre com debris na região pélvica. Em 2009, foi realizada tomografia computadorizada de abdome e pelve com contraste oral e venoso que evidenciou borramento da gordura do omento maior, presença de líquido livre e provável massa cística em região retrocecal. Foi submetida à laparotomia exploradora para diagnóstico. Constatou-se carcinomatose e presença de grande quantidade de líquido de aspecto mucinoso na cavidade. Foi realizada ooforectomia esquerda com apendicectomia e enviado para estudo anatomopatológico e imunoistoquímico. Confirmou-se cistoadenoma mucinoso e pseudomixoma peritoneal, submetendo-se à operação citorredutora e quimio-hipertermia.

Caso 2 - Homem de 45 anos foi admitido no pronto atendimento com suspeita clinica de abdome agudo inflamatório por apendicite aguda. Foi submetido à apendicectomia onde constatou-se a presença de grande quantidade de líquido de aspecto mucinoso na cavidade. O laudo anatomopatológico e imunoistoquímico foi de adenoma de apêndice com presença de mucina e pseudomixoma peritoneal. Foi submetido à operação citorredutora e quimio-hipertermia pela mesma técnica apresentada no caso 1, 20 dias após o diagnóstico. Adicionalmente nos dois casos realizou-se colectomia direita, esplenectomia, omentectomia, colecistectomia, histerectomia, salpigooforectomia direita (caso 1), peritonectomia diafragmática bilateral, de goteiras parieto-cólica direita, esquerda e pélvica. Após a citorredução foi realizada a quimio-hipertermia pela técnica de perfusão intra-abdominal fechada, com a utilização de mitomicina C na dose de 35 mg/mt2 associada à solução de diálise aquecida a 42º C. O tempo total da operação foi de 11 horas sem intercorrências no intra-operatório. A alta hospitalar ocorreu no 8º dia.

DISCUSSÃO

Acreditava-se que a maioria dos casos de pseudomixoma peritoneal era proveniente de tumores de ovário. Essa crença diminuiu recentemente após estudos imunoistoquímicos e genética molecular mostrarem que grande proporção desses tumores são secundários à tumores de apêndice cecal, devendo sempre avaliar-se a região do apêndice cecal e realizar-se apendicectomia quando se tem neoplasia mucinosa do ovário11.

Pseudomixoma peritoneal é o implante de epitélio mucinoso na cavidade peritoneal, após a ruptura de uma mucocele do apêndice. Pode ocorrer de cinco a 35 anos após a lesão primária do apêndice, principalmente pela lenta progressão e dificuldade de diagnóstico6.

As células adenomucinosas peritoneais se acumulam em sítios abdominais e pélvicos específicos. Os fatores mais importantes que determinam a localização destas células são a absorção do líquido peritoneal e a gravidade. Depósitos volumosos são frequentemente encontrados no omento maior, omento menor e abaixo da cúpula diafragmática direita, assim como no fundo de saco retovaginal, espaço retrohepático direito, goteira abdominal esquerda e na fossa criada pelo ligamento duodenojejunal, tornando estes locais preenchidos com massa de tumor mucóide8.

Apesar das várias modalidades terapêuticas, ele permanece de cura difícil, com taxas de sobrevida em cinco e dez anos entre 75% e 60%, respectivamente12. Ascites mucinosas recorrentes e obstrução intestinal estão associadas com maior morbidade1.

O sustentáculo atual do tratamento continua sendo a ressecção cirúrgica da lesão. De fato, a atual estratégia de tratamento inclui operação citorredutora combinada com a quimio-hipertermia. Baseado na operação de Sugarbacker - a peritonectomia - Deraco et al.2 demonstraram a citorredução associada à quimio-hipertermia com mitomicina C a 42ºC permitia remoção completa do tumor, proporcionando melhor controle local e melhor sobrevida15. A mitomicina C é molécula de alto peso molecular, por isso permanece confinada na cavidade peritoneal por longo período, sendo mais eficaz no controle local da doença9.

A administração intraperitoneal intraoperatória do quimioterápico permite administração de maior concentração de droga com menor nefrotoxidade e melhor distribuição do quimioterápico na cavidade peritoneal. A hipertermia também traz benefícios. É antineoplásica, potencializa a penetração e a citotoxidade da droga nos tecidos7.

CONCLUSÃO

A melhor compreensão da história natural desta doença tem permitido desenvolver melhores planos terapêuticos com melhora na sobrevida dos pacientes.

Fonte de financiamento: não há

Conflito de interesses: não há

Trabalho realizado no Complexo Hospitalar Edmundo Vasconcelos, Departamento de Gastrocirurgia, São Paulo, SP, Brasil.

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  • Correspondência:

    Jimmy Ali Saadallah Ayoub
    e-mail
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      03 Maio 2012
    • Data do Fascículo
      Mar 2012
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