Acessibilidade / Reportar erro

RELAÇÃO ENTRE A PRESENÇA DO HELICOBACTER PYLORI COM ALTERAÇÕES ENDOSCÓPICAS INFLAMATÓRIAS NA MUCOSA GASTRODUODENAL

RESUMO

Racional:

A influência do Helicobacter pylori (HP) nas alterações inflamatórias das mucosas digestivas tem sido objeto de vários estudos uma vez que fatores socioeconômicos, pessoais e ambientais são implicados na transmissão da bactéria, facilitando-a.

Objetivo:

Relacionar os achados inflamatórios endoscópicos com a infecção pelo HP e o aparecimento de doenças mucosas do trato digestivo alto.

Método:

Estudo observacional comparativo, o qual foram coletados dados de 2247 pacientes submetidos à endoscopia digestiva alta e biópsias para HP com teste de urease. Os pacientes foram divididos em dois grupos: HP+ e o controle HP-dentro dos quais foram observados os achados endoscópicos referentes às seguintes alterações: esofagite, úlcera esofágica, gastrite, gastrite erosiva, úlcera gástrica, bulboduodenite, úlcera bulbar e sem doença.

Resultados:

Quanto à esofagite, observou-se pequena desproporção na distribuição, favorável ao grupo HP+ (HP+ =67,11% e HP- =69,89%) bem como na úlcera esofágica (HP+ =0% e HP- =0,21%). Na gastrite foi favorável ao grupo HP- (HP+ =78.34% e HP- =73.63%), assim como na gastrite erosiva (HP+ = 67,11% e HP- = 64,55%), na bulboduodenite (HP+ = 1,87% e HP- 1,23%), na úlcera gástrica (HP+ =2,14% e HP- =2,03%) e na ausência de alterações no grupo HP+ (4.81%) com o grupo controle HP- (6,30%), nos quais há pequena desproporção favorável ao grupo HP-, porém, sem significância estatística. Já quanto à úlcera bulbar (HP+ =10,16% e HP- =4,48%), houve significância estatística (p=0,00001).

Conclusão:

Não há diferenciação entre os grupos HP+ e HP- nas alterações endoscópicas inflamatórias na mucosa gastroduodenal, exceto para a relação entre HP e úlcera bulbar.

DESCRITORES:
Endoscopia; Esofagite; Gastrite; Duodenite; Helicobacter pylori; Inflamação.

ABSTRACT

Background:

The influence of Helicobacter pylori (HP) in inflammatory disorders of the digestive mucosa has been the subject of several studies since socioeconomic, personal and environmental factors were implicated in the bacteria transmission.

Aim:

To correlate the inflammatory endoscopic findings with HP infection and the onset of mucosal diseases mucous of the upper digestive tract.

Method:

Comparative observational study, in which were collected data from 2247 patients who underwent upper endoscopy and biopsies for HP with urease test. The patients were divided into two groups: HP+ and HP- (control) in which endoscopic findings were observed for the following changes: esophagitis, esophageal ulcer, gastritis, erosive gastritis, gastric ulcer, bulboduodenitis, bulbar ulcer and without disease.

Results:

As for esophagitis, there was little disparity in the distribution favorable to HP+ group (HP+ =67.11% and HP- =69.89%) and esophageal ulcer (HP+ =0% and HP- =0, 21%). Gastritis was favorable to HP- group (HP+ =78.34% and HP- =73.63%), as well as erosive gastritis (HP+ = 67,11% and HP- = 64,55%), in bulboduodenitis (HP+ =1,87% and HP- 1,23%), in gastric ulcer (HP+ =2,14% and HP- =2,03%) and in the absence of alterations in the HP+ group (4.81%) with the HP- control group (6,30%), in which there was little disproportion in favor of HP- group, but without statistical significance. As for the bulbar ulcer (HP +=10.16% and HP- =4.48%), there was statistically significant (p=0.00001).

Conclusion:

There is no difference between HP+ and HP- groups in inflammatory changes in endoscopic gastroduodenal mucosa, except for the relationship between HP and bulbar ulcer.

HEADINGS:
Endoscopy; Esophagitis; Gastrites; Duodenitis; Helicobacter pylori; Inflammation.

INTRODUÇÃO

A descoberta do Helicobacter pylori (HP) e a análise de sua correlação com as alterações inflamatórias das mucosas digestivas tem sido objeto de inúmeros estudos. Muitos apontam correlação entre esta bactéria e ampla gama de doenças gastroduodenais, modificando o entendimento da fisiopatologia que as produz, bem como interrogando se o tratamento dela pode prevenir complicações.

É sabido, que a aquisição da infecção tem padrão de transmissão interpessoal, relacionado a fatores socioeconômicos e ambientais, sendo mais prevalente em países em desenvolvimento44. Ddine LC, Ddine CC, Rodrigues CCR, Kirsten VR, Colpo E. Fatores associados com a gastrite crônica em pacientes com presença ou ausência do Helicobacterpylori. ArqBrasCirDig 2012;25(2):96-100,1818. Ratin ACF, ORSO IRB. Minimal endoscopic changes in non-erosive reflux disease. ArqBrasCirDig, 2015; 28(1): 20-23,2626. Vomero ND, Colpo E. Nutritional care in peptic ulcer. Arq Bras Cir Dig, 2014; 27(4):298-302.

HP é bacilo gram-negativo espiralado, flagelado. Não costuma ser invasivo, permanecendo na superfície da mucosa gástrica. Pequena proporção de células bacterianas adere ao epitélio da mucosa. Sua forma espiralada e flagelos a tornam móvel no ambiente mucoso e sua eficaz urease a protege contra o ácido, catalisando a hidrólise de ureia para produzir tampão de amônia77. Go MF. Review article: natural history and epidemology of Helicobacter pylori infection. AlimentPharmacolTher. 2002; 16(suppl1):3-15.

A infecção pelo HP é relacionada ao desenvolvimento de lesões e linfomas gástricos; porém, ainda não se sabe ao certo se há correlação com a doença do refluxo gastroesofágico e esofagite de refluxo33. Cremonini F, Di Caro S, Delgado-Aros S, Sepulveda A, Gasbarrini G, Gasbarrini A, et al. Meta-analysis: the relationship between Helicobacter pylori infection and gastrooesophageal reflux disease. Aliment PharmacolTher 2003; 18:279-289,2020. Rokkas T, Ladas SD, Triantafyllou K, Liatsos C, Petridou E, Papatheodorou G, Karameris A, Raptis SA: The association between CagA status and the development of esophagitis after the eradication of Helicobacter pylori. Am J Med 2001; 110:703-707. A literatura já descreve sua associação com duodenite66. Genta RM, Kinsey RS, Singhal A, Suterwala S. Gastric foveolar metaplasia and gastric heterotopia in the duodenum: no evidence of an etiologic role for Helicobacter pylori. Hum Pathol. 2010; 41:1593-1600. 26

7. Go MF. Review article: natural history and epidemology of Helicobacter pylori infection. AlimentPharmacolTher. 2002; 16(suppl1):3-15
-88. Guimaraes J, Corvelo TC, Barile KA. Helicobacterpylori: fatores relacionados a sua patogênese. Revista Paraense de Medicina. 2008; 22(1):33-38 e com a dispepsia funcional55. Ferreira LEVVC, Meirelles GSP, Vieira RLR, Bragagnolo Jr MA, Chebli JMF, Souza AFM. Alterações no teste ultra-rápido da uréase e no exame anatomopatológico para Helicobacterpylori induzidas por drogas anti-secretoras. ArqGastroenterol. 2001; 38(1): 3-8,88. Guimaraes J, Corvelo TC, Barile KA. Helicobacterpylori: fatores relacionados a sua patogênese. Revista Paraense de Medicina. 2008; 22(1):33-38

9. Kawaguchi H, Haruma K, Komoto K, Yoshihara M, Sumii K, Kajiyama G. Helicobacter pylori infection is the major risk factor for atrophic gastritis. Am JGastroenterol1996; 51:959-62

10. Kidd M, Lastovica AJ, Atherton JC, Louw JA. Heterogeneity in the Helicobacter pylorivacA and cagA genes: association with gastroduodenal disease in south Africa? Gut. 1999; 45:499-502

11. Kodaira MS, Escobar AMU, Grisi S. Aspectos epidemiológicos do Helicobacterpylori na infância e adolescência Rev Saúde Pública 2002; 36(3):356-69

12. Marques, SB. Prevalência de infecção pelo Helicobacterpylori associada às afecções diagnosticadas por endoscopia digestiva alta: análise retrospectiva de 1478 casos. Dissertação de Mestrado - Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Departamento de Gastroenterologia, 2009
-1313. Mirbagheri SS, Mirbagheri SA, Nabavizadeh B, Entezari P, Ostovaneh MR, Hosseini SME, et al. Impact of Microscopic Duodenitis on Symptomatic Response to Helicobacter pylori Eradication in Functional Dyspepsia. Dig Dis Sci. 2015; 60:163-167.

Estabelecer corretamente a relação com as diversas doenças gastroduodenais é desafiante, pois a presença de infecção acaba por influenciar em um mesmo paciente positivamente em alguns aspectos e negativamente em outros.

O objetivo deste estudo foi relacionar os achados inflamatórios encontrados endoscopicamente com grupos HP positivo e negativo, a fim de analisar se há relação com o aparecimento das principais doenças das mucosas do trato digestivo alto.

MÉTODOS

É estudo observacional comparativo. Foram coletados dados de 2247 pacientes submetidos à endoscopia digestiva alta e biópsias para HP com teste de urease atendidos pelo Serviço de Endoscopia, Hospital Nove de Julho, São Paulo, SP, Brasil.

Os critérios de inclusão foram: pacientes maiores de 18 anos de ambos os gêneros que realizaram endoscopia digestiva alta com teste da urease, independente da razão da solicitação do exame, doença em curso ou uso de medicamentos. Os critérios de exclusão foram: sangramento ativo durante o exame; uso de anticoagulante; sem resultado de HP por urease; HIV positivos; com operações prévias; tumores no esôfago, estômago e duodeno; e quando não foi possível a realização do exame completo e detalhado (resistentes à sedação ou com hipóxia ou arritmia durante o exame).

Baseado nos 2247 pacientes formaram-se dois grupos: HP+ com 16,6% e HP- com 83,4%. Dentro deles, observaram-se os achados endoscópicos referentes às seguintes alterações: esofagite, segundo a classificação de Los Angeles, úlcera esofágica, gastrite não erosiva, segundo a classificação de Sidney, gastrite erosiva, úlcera gástrica, bulboduodenite, úlcera bulbar e sem doença. Para a identificação de úlcera, usou-se a definição da classificação de Paris.

Para o teste de urease e/ou histológico foram realizadas biópsias em corpo e antro com pinça de biópsias tipo fórceps e o material colocado em reagente pré-fabricado para o teste da urease.

Os pacientes foram previamente submetidos ao preparo habitual para realização da endoscopia - jejum prévio de 8 h para sólidos e líquidos. Imediatamente antes do exame, foi solicitado que ingerissem 10 ml de água com 40 gotas de simeticona e borrifado entre 5-10 puffs de lidocaína spray em orofaringe.

Análise estatística

Para as análises dos dados foi utilizado o software estatístico SPSS 23.0. Os pacientes cujo teste de urease deu resultado negativo (HP-) serviram de grupo controle para aqueles cujo teste foi positivo (HP+), a fim de que se pudesse comparar se a presença do HP influenciava positivamente ou negativamente as afecções estudadas. Para determinar se as amostras apresentavam resultado estatisticamente significativos, utilizou-se o teste do qui-quadrado de Pearson, com precisão de 5%, ou seja p<0.5, a fim de afastar resultados que pudessem ter sido gerados ao acaso.

RESULTADOS

Análise comparativa por alterações nas mucosas

Esofagite nos grupos HP+ e HP-

Comparando a incidência da esofagite no grupo HP+ (67,11%) com o grupo controle HP- (69,89%) observou-se pequena desproporção na distribuição, favorável ao grupo HP+ que apresentava percentil ligeiramente menor desta doença. Contudo, a análise dos dados dessa desproporção não apresentou significância estatística (p=0,287464, >.05, Tabela 1A)

TABELA 1
Incidência da esofagite (A) e úlcera de esôfago (B) nos grupos HP+ e HP-

Úlcera de esôfago nos grupos HP+ e HP-

Comparando a incidência da úlcera de esôfago no grupo HP+ (0%) com o HP- (0,21%) observou-se baixa incidência em ambos os grupos, com pequena desproporção na distribuição favorável ao grupo HP+ que não apresentou casos desta doença. Contudo, a análise dos dados da desproporção não apresentou significância estatística (p=0,371051, >.05, Tabela 1B).

Gastrite nos grupos HP+ e HP-

Comparando a incidência da gastrite no grupo HP+ (78,34%) com o grupo controle HP- (73,63%) observou-se certa desproporção na distribuição, favorável ao grupo HP- que apresentou percentil menor. Contudo, a análise dos dados dessa desproporção não apresentou significância estatística (p=0,56, >.05, Tabela 2).

TABELA 2
Incidência da gastrite nos grupos HP+ e HP-

Gastrite erosiva nos grupos HP+ e HP-

Comparando-se a incidência da gastrite erosiva nos grupos HP+ (67,11%) e HP- (64,55%) observou-se pequena desproporção na distribuição favorável ao grupo HP- que apresentou percentil ligeiramente menor. Contudo, a análise dos dados dessa desproporção não apresentou significância estatística (p=0,343, >.05, Tabela 3).

TABELA 3
Incidência da gastrite erosiva nos grupos HP+ e HP-

Bulboduodenite nos grupos HP+ e HP-

Comparando-se a incidência da bulboduodenite nos grupos HP+ e HP- (1,23%) observou-se pequena desproporção na distribuição favorável ao grupo HP-que apresentou percentil ligeiramente menor. Contudo, a análise dos dados dessa desproporção não apresentou significância estatística (p=0,322, >.05, Tabela 4).

TABELA 4
Incidência de bulboduodenite nos grupos HP+ e HP-

Úlcera gástrica nos grupos HP+ e HP-

Comparando-se a incidência da úlcera gástrica nos grupos HP+ (2,14%) e HP- (2,03%) observou-se pequena desproporção na distribuição, favorável ao grupo HP- que apresentou percentil ligeiramente menor. Contudo, a análise dos dados dessa desproporção não apresentou significância estatística (p=0,523, >.05, Tabela 5).

TABELA 5
Incidência da úlcera gástrica nos grupos HP+ e HP-

Úlcera bulbar nos grupos HP+ e HP-

Comparando-se a incidência da úlcera bulbar no grupo HP+ (10,16%) com o grupo controle HP- (4,48%) observou-se desproporção na distribuição, favorável ao grupo HP- que apresentou percentil menor. Ademais, a análise dos dados dessa desproporção apresentou elevada significância estatística (p=0,00001,<.05, Tabela 6A).

TABELA 6
Incidência da úlcera bulbar (A) e ausência de lesões (B) nos grupos HP+ e HP-

Ausência de alterações nos grupos HP+ e HP-

Comparando-se a incidência da ausência de alterações no grupo HP+ (4.81%) com o grupo controle HP- (6,30%) observou-se certa desproporção na distribuição favorável ao grupo HP- que apresentou percentil um pouco maior de ausência de doenças. Contudo, a análise dos dados dessa desproporção não apresentou significância estatística (p=0,2708, >.05, Tabela 6B).

DISCUSSÃO

A colonização mucosa pelo HP predispõe à doença ulcerosa péptica, atrofia gástrica e subsequente câncer gástrico devido às várias alterações na secreção ácida gástrica.

Neste estudo as doenças mais frequentes para os pacientes com HP+ foram gastrite (78,34%), esofagite (67,11%) e gastrite erosiva (67,11%). As outras doenças tiveram prevalência muito pequena e foram úlcera bulbar (10,16%), úlcera gástrica (2,14%), bulboduodenite (1,87%) e úlcera de esôfago (0,00%), com resultados semelhantes já apresentados33. Cremonini F, Di Caro S, Delgado-Aros S, Sepulveda A, Gasbarrini G, Gasbarrini A, et al. Meta-analysis: the relationship between Helicobacter pylori infection and gastrooesophageal reflux disease. Aliment PharmacolTher 2003; 18:279-289,55. Ferreira LEVVC, Meirelles GSP, Vieira RLR, Bragagnolo Jr MA, Chebli JMF, Souza AFM. Alterações no teste ultra-rápido da uréase e no exame anatomopatológico para Helicobacterpylori induzidas por drogas anti-secretoras. ArqGastroenterol. 2001; 38(1): 3-8,1717. Nwokediuko SC, Ijoma UN, Obienu O, Anigbo GE, Okafor O. High degree of duodenal inflammation in Nigerians with functional dyspepsia. ClinExpGastroenterol. 2013; 7:7-12,2323. Take S, Mizuno M, Ishiki K, Nagahara Y, Yoshida T, Yokota K, Oguma K, Okada H, Yamamoto K: Helicobacter pylori eradication may induce de novo, but transient and mild, reflux esophagitis: prospective endoscopic evaluation. J GastroenterolHepatol 2009; 24:107-113.

Apesar da bactéria ter sido inicialmente implicada na patogênese da doença do refluxo gastroesofágico e esofagite, vários estudos demonstraram que a prevalência de sua infecção é menor que no resto da população1919. Rauws EAJ, Tytgat GNJ. Cure of duodenal ulcer associated with eradication of Helicobacter pylori.Lancet 1990; 335:1233-5,2222. Suzuki H, Moayyedi P. Helicobacter pylori infection in functional dyspepsia. Nat Rev GastroenterolHepatol. 2013; 10:168-174,2525. Vicari JJ, Peek RM, Falk GW, Goldblum JR, Easley KA, Schnell J. et al. The seroprevalence of cagApositiveHelicobacter pylori strains in the spectrum of gastroesophageal reflux disease. Gastroenterology. 1998; 115(1):50-57,2828. Werdmuller BF, Loffeld RJLF. Helicobacterpylori infection has no role in the pathogenesis of reflux esophagitis. Dig Dis Sci. 1997; 42(1):103-105. Explica-se isso pela atrofia gástrica e subsequente redução da secreção ácida gástrica causada o que levaria à menor lesão esofágica. Apesar disso, pela sua implicação na carcinogênese gástrica, orienta-se a sua erradicação1515. Muller LB, Fagundes RB, Moraes CC, Rampazzo A. Prevalência da infecção por Helicobacterpylori e das lesões precursoras do câncer gástrico em pacientes dispépticos. ArqGastroenterol. 2007; 44(2): 93-8,1919. Rauws EAJ, Tytgat GNJ. Cure of duodenal ulcer associated with eradication of Helicobacter pylori.Lancet 1990; 335:1233-5.

Não foram analisados no presente estudo os efeitos carcinogênicos, diretos ou indiretos, nem tampouco a atrofia gástrica ou o refluxo gastroesofágico, associados à infecção por HP. Pôde-se analisar dados referentes às úlceras do trato digestivo, onde confirmou-se relação direta entre a presença de úlceras e HP+; mas, apenas para úlcera bulbar esta relação demonstrou-se significante. Fato observado sem correlação com a literatura foi à relação inversa entre HP e úlcera de esôfago, mas com desproporção muito pequena e estatisticamente insignificante.

Os dados também demonstraram relação inversa entre a presença de HP e esofagite, com certa desproporção percentual a menor para o grupo HP+ em relação ao HP-. Os números desta relação não chegaram a apresentar significância estatística, mas confirmaram a literatura citada.

A infecção pelo HP é considerada a principal causa de gastrite crônica ativa11. Ashorn M. What are the specific features of Helicobacter pylori gastritis in Children? Ann Med 1995; 27:617-20,99. Kawaguchi H, Haruma K, Komoto K, Yoshihara M, Sumii K, Kajiyama G. Helicobacter pylori infection is the major risk factor for atrophic gastritis. Am JGastroenterol1996; 51:959-62 e estudos sugerem que esse agente desempenha importante papel na gênese da úlcera péptica1919. Rauws EAJ, Tytgat GNJ. Cure of duodenal ulcer associated with eradication of Helicobacter pylori.Lancet 1990; 335:1233-5. Após a constatação de que sua erradicação acarreta a cicatrização da úlcera, decidiu-se que os pacientes com ela relacionada ao HP deveriam receber tratamento específico para o agente. A erradicação da bactéria visa restabelecer a mucosa gástrica e acabar com a evolução carcinogênica da gastrite aguda (gastrite crônica - atrofia - metaplasia - displasia - câncer). Muller et. al.1212. Marques, SB. Prevalência de infecção pelo Helicobacterpylori associada às afecções diagnosticadas por endoscopia digestiva alta: análise retrospectiva de 1478 casos. Dissertação de Mestrado - Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Departamento de Gastroenterologia, 2009 encontraram que os pacientes com HP+ apresentaram razão de chances 10 vezes maior (IC 95%=6,50%-17%) de apresentar algum dos graus de lesão da mucosa gástrica do que aqueles com ausência. Estima-se que somente parcela dos indivíduos infectados pelo HP desenvolverão doenças gastroduodenais devido à diferente patogenicidade das cepas. Estudos têm demonstrado que a infecção com HP Cag-A+ é associada às alterações no ciclo celular e apoptose do epitélio gástrico e com níveis mais acentuados de inflamação1111. Kodaira MS, Escobar AMU, Grisi S. Aspectos epidemiológicos do Helicobacterpylori na infância e adolescência Rev Saúde Pública 2002; 36(3):356-69,1414. Moss SF, Sordillo EM, Abdalla AM, Makarov V, Hanzely Z, Perez-Perez GI, et al. Increased gastric epithelial cell apoptosis associated with colonization with CagA+ Helicobacter pylori strains. Cancer Res. 2001; 61:1406-11. O HP Cag-A+ também tem sido associado com maior intensidade de atrofia e metaplasia intestinal1010. Kidd M, Lastovica AJ, Atherton JC, Louw JA. Heterogeneity in the Helicobacter pylorivacA and cagA genes: association with gastroduodenal disease in south Africa? Gut. 1999; 45:499-502,1616. Nogueira C, Figueiredo C, Carneiro F, Gomes AT, Barreira R, Figueira P, et al. Helicobacterpylorigenotypesmay determine gastrichistopathology. Am J Pathol. 2001; 158:647-54,2121. Sharma P, Vakil N. Review article: Helicobacter pylori and reflux disease. Aliment PharmacolTher. 2003; 17: 297-305,2424. Vaezi MF, Falk GW, Peek RM, Vicari JJ, Goldblum JR, Perez-Perez GI et al. CagApositive strains of Helicobacter pylori may protect against Barrett's esophagus. Am J Gastroenterol. 2000; 95(9): 2206-2211.

Estudos demonstraram ainda a forte relação entre úlcera duodenal e HP2626. Vomero ND, Colpo E. Nutritional care in peptic ulcer. Arq Bras Cir Dig, 2014; 27(4):298-302,2727. Walker TD, Karemera M, Ngabonziza F, Kyamanywa P. Helicobacter pylori status and associated gastroscopic diagnoses in a tertiary hospital endoscopy population in Rwanda. Trans R Soc Trop Med Hyg 2014; 108:305-307. Encontraram úlcera duodenal como lesão mais comum em seu trabalho2727. Walker TD, Karemera M, Ngabonziza F, Kyamanywa P. Helicobacter pylori status and associated gastroscopic diagnoses in a tertiary hospital endoscopy population in Rwanda. Trans R Soc Trop Med Hyg 2014; 108:305-307. Caetano et. al.22. Caetano A, Felix VN, Coimbra FTV, Ganc AJ. Helicobacterpylori e doença péptica. Estudo comparativo de métodos diagnósticos. Arq. Gastroenterol 2008; 45(3):255-257, avaliando prospectivamente 150 pacientes do total de 1.043 atendimentos, evidenciaram gastrite crônica em 109 pacientes (72,6%), úlcera gástrica em seis (4%), duodenite crônica em nove (6%) e úlcera duodenal em 26 (17,4%). Depois, agruparam os pacientes em que 103 (68,67%) apresentaram teste da urease positivo, 104 (69,33%) positividade histológica e 98 (65,33%) positividade sorológica para HP. Marques1212. Marques, SB. Prevalência de infecção pelo Helicobacterpylori associada às afecções diagnosticadas por endoscopia digestiva alta: análise retrospectiva de 1478 casos. Dissertação de Mestrado - Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Departamento de Gastroenterologia, 2009, analisando 1478 casos, tiveram como achados endoscópicos mais frequentes: gastrites (n=810, 54,8%); úlceras pépticas duodenais e gástricas (n=494, 33,4%); duodenites (n=287, 19,4%) e esofagites (n=217, 14,7%); prevalência da infecção por HP em 53% (n=786) aumentando o risco de úlceras gástrica e duodenal em 1,9 e 1,6 vezes.

Os dados aqui apresentados possuíam percentual bem menor que o referido na literatura (16,6%). Contudo, denotam certa propensão, ainda que pequena e pouco significativa, dos indivíduos do grupo HP+ apresentarem alterações nas mucosas, sendo que, em análise global, apenas 6,30% do grupo HP+ não apresentou qualquer outro tipo de alteração contra 4,81% do grupo HP- (controle). Cumpre-se ressaltar, novamente, que para relação específica entre HP e úlcera bulbar os números mostraram-se significativos.

CONCLUSÃO

Não há diferenciação entre os grupos HP+ e HP- nas alterações endoscópicas inflamatórias na mucosa gastroduodenal, exceto para a relação entre HP e úlcera bulbar.

REFERENCES

  • 1
    Ashorn M. What are the specific features of Helicobacter pylori gastritis in Children? Ann Med 1995; 27:617-20
  • 2
    Caetano A, Felix VN, Coimbra FTV, Ganc AJ. Helicobacterpylori e doença péptica. Estudo comparativo de métodos diagnósticos. Arq. Gastroenterol 2008; 45(3):255-257
  • 3
    Cremonini F, Di Caro S, Delgado-Aros S, Sepulveda A, Gasbarrini G, Gasbarrini A, et al. Meta-analysis: the relationship between Helicobacter pylori infection and gastrooesophageal reflux disease. Aliment PharmacolTher 2003; 18:279-289
  • 4
    Ddine LC, Ddine CC, Rodrigues CCR, Kirsten VR, Colpo E. Fatores associados com a gastrite crônica em pacientes com presença ou ausência do Helicobacterpylori. ArqBrasCirDig 2012;25(2):96-100
  • 5
    Ferreira LEVVC, Meirelles GSP, Vieira RLR, Bragagnolo Jr MA, Chebli JMF, Souza AFM. Alterações no teste ultra-rápido da uréase e no exame anatomopatológico para Helicobacterpylori induzidas por drogas anti-secretoras. ArqGastroenterol. 2001; 38(1): 3-8
  • 6
    Genta RM, Kinsey RS, Singhal A, Suterwala S. Gastric foveolar metaplasia and gastric heterotopia in the duodenum: no evidence of an etiologic role for Helicobacter pylori. Hum Pathol. 2010; 41:1593-1600. 26
  • 7
    Go MF. Review article: natural history and epidemology of Helicobacter pylori infection. AlimentPharmacolTher. 2002; 16(suppl1):3-15
  • 8
    Guimaraes J, Corvelo TC, Barile KA. Helicobacterpylori: fatores relacionados a sua patogênese. Revista Paraense de Medicina. 2008; 22(1):33-38
  • 9
    Kawaguchi H, Haruma K, Komoto K, Yoshihara M, Sumii K, Kajiyama G. Helicobacter pylori infection is the major risk factor for atrophic gastritis. Am JGastroenterol1996; 51:959-62
  • 10
    Kidd M, Lastovica AJ, Atherton JC, Louw JA. Heterogeneity in the Helicobacter pylorivacA and cagA genes: association with gastroduodenal disease in south Africa? Gut. 1999; 45:499-502
  • 11
    Kodaira MS, Escobar AMU, Grisi S. Aspectos epidemiológicos do Helicobacterpylori na infância e adolescência Rev Saúde Pública 2002; 36(3):356-69
  • 12
    Marques, SB. Prevalência de infecção pelo Helicobacterpylori associada às afecções diagnosticadas por endoscopia digestiva alta: análise retrospectiva de 1478 casos. Dissertação de Mestrado - Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Departamento de Gastroenterologia, 2009
  • 13
    Mirbagheri SS, Mirbagheri SA, Nabavizadeh B, Entezari P, Ostovaneh MR, Hosseini SME, et al. Impact of Microscopic Duodenitis on Symptomatic Response to Helicobacter pylori Eradication in Functional Dyspepsia. Dig Dis Sci. 2015; 60:163-167
  • 14
    Moss SF, Sordillo EM, Abdalla AM, Makarov V, Hanzely Z, Perez-Perez GI, et al. Increased gastric epithelial cell apoptosis associated with colonization with CagA+ Helicobacter pylori strains. Cancer Res. 2001; 61:1406-11
  • 15
    Muller LB, Fagundes RB, Moraes CC, Rampazzo A. Prevalência da infecção por Helicobacterpylori e das lesões precursoras do câncer gástrico em pacientes dispépticos. ArqGastroenterol. 2007; 44(2): 93-8
  • 16
    Nogueira C, Figueiredo C, Carneiro F, Gomes AT, Barreira R, Figueira P, et al. Helicobacterpylorigenotypesmay determine gastrichistopathology. Am J Pathol. 2001; 158:647-54
  • 17
    Nwokediuko SC, Ijoma UN, Obienu O, Anigbo GE, Okafor O. High degree of duodenal inflammation in Nigerians with functional dyspepsia. ClinExpGastroenterol. 2013; 7:7-12
  • 18
    Ratin ACF, ORSO IRB. Minimal endoscopic changes in non-erosive reflux disease. ArqBrasCirDig, 2015; 28(1): 20-23
  • 19
    Rauws EAJ, Tytgat GNJ. Cure of duodenal ulcer associated with eradication of Helicobacter pylori.Lancet 1990; 335:1233-5
  • 20
    Rokkas T, Ladas SD, Triantafyllou K, Liatsos C, Petridou E, Papatheodorou G, Karameris A, Raptis SA: The association between CagA status and the development of esophagitis after the eradication of Helicobacter pylori. Am J Med 2001; 110:703-707
  • 21
    Sharma P, Vakil N. Review article: Helicobacter pylori and reflux disease. Aliment PharmacolTher. 2003; 17: 297-305
  • 22
    Suzuki H, Moayyedi P. Helicobacter pylori infection in functional dyspepsia. Nat Rev GastroenterolHepatol. 2013; 10:168-174
  • 23
    Take S, Mizuno M, Ishiki K, Nagahara Y, Yoshida T, Yokota K, Oguma K, Okada H, Yamamoto K: Helicobacter pylori eradication may induce de novo, but transient and mild, reflux esophagitis: prospective endoscopic evaluation. J GastroenterolHepatol 2009; 24:107-113
  • 24
    Vaezi MF, Falk GW, Peek RM, Vicari JJ, Goldblum JR, Perez-Perez GI et al. CagApositive strains of Helicobacter pylori may protect against Barrett's esophagus. Am J Gastroenterol. 2000; 95(9): 2206-2211
  • 25
    Vicari JJ, Peek RM, Falk GW, Goldblum JR, Easley KA, Schnell J. et al. The seroprevalence of cagApositiveHelicobacter pylori strains in the spectrum of gastroesophageal reflux disease. Gastroenterology. 1998; 115(1):50-57
  • 26
    Vomero ND, Colpo E. Nutritional care in peptic ulcer. Arq Bras Cir Dig, 2014; 27(4):298-302
  • 27
    Walker TD, Karemera M, Ngabonziza F, Kyamanywa P. Helicobacter pylori status and associated gastroscopic diagnoses in a tertiary hospital endoscopy population in Rwanda. Trans R Soc Trop Med Hyg 2014; 108:305-307
  • 28
    Werdmuller BF, Loffeld RJLF. Helicobacterpylori infection has no role in the pathogenesis of reflux esophagitis. Dig Dis Sci. 1997; 42(1):103-105
  • Fonte de financiamento:

    não há

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Sep 2016

Histórico

  • Recebido
    29 Jan 2016
  • Aceito
    14 Abr 2016
Colégio Brasileiro de Cirurgia Digestiva Av. Brigadeiro Luiz Antonio, 278 - 6° - Salas 10 e 11, 01318-901 São Paulo/SP Brasil, Tel.: (11) 3288-8174/3289-0741 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revistaabcd@gmail.com