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Perfil epidemiológico e morbimortalidade dos pacientes submetidos à reconstrução de trânsito intestinal: experiência de um centro secundário do Nordeste Brasileiro

Epidemiologic profile and morbimortality of patients undergoing reconstruction intestinal transit: experience of a secundary health service in the Northeast of Brazil

Resumos

RACIONAL: A reconstrução do trânsito intestinal não está isenta de riscos cirúrgicos e apresenta taxas consideráveis de complicações pós-operatórias, sendo que a infecção continua a ser um dos maiores desafios existentes neste procedimento. OBJETIVO: Perfil epidemiológico e morbimortalidade dos pacientes submetidos à reconstrução de trânsito intestinal. MÉTODOS: Foram analisados retrospectivamente 86 prontuários de pacientes com colostomia ou ileostomia, através de fatores que tivessem impacto sobre a morbimortalidade após a reconstrução de trânsito intestinal, de janeiro de 2003 a abril de 2009. RESULTADOS: Houve 20 mulheres e 60 homens, com idade média de 43 anos. A colostomia em alça (n=34) e o trauma abdominal indicando colostomia ou ileostomia foram as condições mais frequentes. O intervalo médio entre a confecção do estoma e a reconstrução de trânsito intestinal foi 15,7 meses. O índice de morbidade foi 56,8%, sendo a infecção incisional a complicação mais comum (27.47%). A permanência hospitalar média foi 7,6 dias. Houve regressão linear positiva entre permanência hospitalar pós-operatória e a idade do paciente. Demonstrou-se associação estatisticamente significativa entre o prolongamento da permanência hospitalar e a ocorrência de complicações (p<0,001). CONCLUSÃO: Pode-se inferir que ocorrência de complicações pós-operatórias e idade associaram-se a prolongamento da permanência hospitalar.

Reconstrução; Complicações pós-operatórias; Indicadores de morbi-mortalidade


BACKGROUND: The reconstruction of the intestinal tract is not surgical complications risk-free and is associated to postoperative complications high rates; furthermore, infection remains the hardest challenge in this procedure. AIM: Epidemiological profile and mortality and morbidity in patients undergoing reconstruction of intestinal transit. METHODS: Retrospectively, 86 patients with intestinal stomas were analyzed through factors that impact on the morbimortality afterwards intestinal transit reconstruction, since January 2003 to April 2009. RESULTS: Loop colostomy (n=34) and abdominal trauma implicating 38.2% of indications to colostomy or ileostomy, were the most frequent conditions. The mean interval between stoma confection and intestinal transit reconstruction was 15.7 months. The morbidity frequency was 56.8% and incisional infection was its commonest complication (27.47%). The mean inpatient length of stay was 7.6 days. There was positive linear regression between post-operative inpatient length of stay and inpatient's age. Inpatient length of stay prolongation is associated to occurrence of complications (p<0,001). CONCLUSION: It can be inferred that the occurrence of postoperative complications and age were associated with prolonged hospital stay.

Reconstruction; Postoperative complications; Indicators of morbidity and mortality


ARTIGO ORIGINAL

Perfil epidemiológico e morbimortalidade dos pacientes submetidos à reconstrução de trânsito intestinal: experiência de um centro secundário do Nordeste Brasileiro

Epidemiologic profile and morbimortality of patients undergoing reconstruction intestinal transit: experience of a secundary health service in the Northeast of Brazil

Jeany Borges e Silva; Djalma Ribeiro Costa; Francisco Julimar Correia de Menezes; José Marconi Tavares; Adryano Gonçalves Marques; Rodrigo Dornfeld Escalante

Serviço de Cirurgia Geral do Hospital Geral Dr. Waldemar de Alcântara, Fortaleza, CE, Brasil

Correspondência Correspondência: Jeany Borges e Silva e-mail jeanyborges@yahoo.com.br

RESUMO

RACIONAL: A reconstrução do trânsito intestinal não está isenta de riscos cirúrgicos e apresenta taxas consideráveis de complicações pós-operatórias, sendo que a infecção continua a ser um dos maiores desafios existentes neste procedimento.

OBJETIVO: Perfil epidemiológico e morbimortalidade dos pacientes submetidos à reconstrução de trânsito intestinal.

MÉTODOS: Foram analisados retrospectivamente 86 prontuários de pacientes com colostomia ou ileostomia, através de fatores que tivessem impacto sobre a morbimortalidade após a reconstrução de trânsito intestinal, de janeiro de 2003 a abril de 2009.

RESULTADOS: Houve 20 mulheres e 60 homens, com idade média de 43 anos. A colostomia em alça (n=34) e o trauma abdominal indicando colostomia ou ileostomia foram as condições mais frequentes. O intervalo médio entre a confecção do estoma e a reconstrução de trânsito intestinal foi 15,7 meses. O índice de morbidade foi 56,8%, sendo a infecção incisional a complicação mais comum (27.47%). A permanência hospitalar média foi 7,6 dias. Houve regressão linear positiva entre permanência hospitalar pós-operatória e a idade do paciente. Demonstrou-se associação estatisticamente significativa entre o prolongamento da permanência hospitalar e a ocorrência de complicações (p<0,001).

CONCLUSÃO: Pode-se inferir que ocorrência de complicações pós-operatórias e idade associaram-se a prolongamento da permanência hospitalar.

Descritores: Reconstrução. Complicações pós-operatórias. Indicadores de morbi-mortalidade.

ABSTRACT

BACKGROUND: The reconstruction of the intestinal tract is not surgical complications risk-free and is associated to postoperative complications high rates; furthermore, infection remains the hardest challenge in this procedure.

AIM: Epidemiological profile and mortality and morbidity in patients undergoing reconstruction of intestinal transit.

METHODS: Retrospectively, 86 patients with intestinal stomas were analyzed through factors that impact on the morbimortality afterwards intestinal transit reconstruction, since January 2003 to April 2009.

RESULTS: Loop colostomy (n=34) and abdominal trauma implicating 38.2% of indications to colostomy or ileostomy, were the most frequent conditions. The mean interval between stoma confection and intestinal transit reconstruction was 15.7 months. The morbidity frequency was 56.8% and incisional infection was its commonest complication (27.47%). The mean inpatient length of stay was 7.6 days. There was positive linear regression between post-operative inpatient length of stay and inpatient's age. Inpatient length of stay prolongation is associated to occurrence of complications (p<0,001).

CONCLUSION: It can be inferred that the occurrence of postoperative complications and age were associated with prolonged hospital stay.

Headings: Reconstruction. Postoperative complications. Indicators of morbidity and mortality.

INTRODUÇÃO

Desde a primeira descrição da realização de colostomia pelo francês Littré11, a utilização de estomas e suas indicações foram modificadas conforme a evolução da medicina. Sua utilização como auxílio terapêutico das afecções colorretais é bem definido, porém a morbimortalidade associada à reconstrução do trânsito intestinal é ainda motivo de preocupações1.

A confecção de um estoma é procedimento comum, realizado por diversas especialidades cirúrgicas, sobretudo em situações de urgência, visando à redução da morbimortalidade pós-operatória10.

A reconstrução do trânsito intestinal não está isenta de riscos cirúrgicos e apresenta taxas consideráveis de complicações pós-operatórias, sendo que a infecção continua a ser um dos maiores desafios existentes neste procedimento4. Relatam-se na literatura taxas de morbidade variando de 0 a 50% e de mortalidade 0 a 4,5%1.

Assim, este artigo tem como objetivo analisar as características demográficas, a mortalidade e morbidade associada ao procedimento de reconstrução de trânsito intestinal em um ambiente de hospital secundário, relacionar a permanência hospitalar com as características epidemiológicas do paciente e com o número de complicações pós-operatórias.

MÉTODOS

Estudo retrospectivo de uma série de 86 pacientes portadores de ostomias intestinais (cólon e intestino delgado) encaminhados pela rede de atendimento público do estado de Ceará, no período compreendido entre janeiro de 2003 a abril de 2009.

Analisaram-se as seguintes variáveis: sexo e idade dos pacientes; a indicação e os tempos de permanência hospitalar e da ostomia; complicações pós-operatórias e óbitos.

Realizaram-se estatísticas descritiva e inferencial através dos testes Qui-quadrado de Pearson e regressão linear.

Os dados foram agrupados no programa Microsoft Office Excel 2007TM e todas as análises realizadas pelo Medcalc v8.0TM. O nível de significância considerado foi p<0,05.

RESULTADOS

A idade média foi de 43 anos, e houve predomínio do sexo masculino (76,74%) (Tabela 1). Lesões traumáticas (38,2%) e câncer colorretal (22,47%) foram as indicações de ostomização mais frequentes (Tabela 2). Perfuração por arma de fogo, com 58,82% dos casos, foi a principal lesão traumática motivadora de ostomização. A colostomia em alça foi o tipo de ostomia preferencialmente realizada (38,46% dos pacientes) (Tabela 2). O tempo médio de permanência com a ostomia, antes do seu fechamento, foi de 15,7 meses com variação de três a 284 meses (χ2: 278, 355 DF=3, p<0, 0001) (Tabela 1).

O índice de morbidade global foi de 56,80% (n=52), sendo a infecção incisional a condição mórbida mais documentada, acometendo 27,47% dos pacientes (Tabela 3).

Foram realizadas seis relaparotomias (6,59%), sendo três por evisceração, uma por deiscência de ferida operatória, uma por hematoma de ferida e uma por estenose da anastomose, sendo submetido à nova ileostomia. A taxa de insucesso nas reconstruções de trânsito foi de 6,59%. A perda de seguimento após alta hospitalar foi de 9,89%. Sete pacientes (7,69%) evoluíram em pós-operatório tardio com hérnia incisional. Não houve registro de óbito (Tabela 4).

Os pacientes tiveram tempo médio de permanência hospitalar no pós-operatório de 7,6 dias, variando de dois a 45 dias (P<0,0001,(χ2:86,037 DF=6). (Tabela 1). A permanência hospitalar no pós-operatório apresentou curva de regressão linear positiva em função da idade (P=0,001) (Figura 1).


Utilizando-se do teste do Qui-quadrado, houve relação significativa entre a permanência hospitalar e o número de complicações (P<0,001, χ2:19,31 DF=1) (Tabela 5).

DISCUSSÃO

Em um estudo retrospectivo de 46 pacientes submetidos a fechamento de colostomia houve média de 41,8 anos, semelhante a encontrada no presente estudo, mas com predominância do sexo feminino, o que diverge desta casuística9.

A reconstrução do trânsito intestinal está associada a índices elevados de morbimortalidade. Bocic et al.5 estudaram 132 pacientes portadores de ileostomias e colostomias que foram submetidos à reconstrução do trânsito intestinal, relatando incidência de morbidade da ordem de 36,2% e mortalidade de 1,7%. Bannura et al.2, estudando 100 pacientes submetidos à reconstrução do trânsito intestinal, observaram índice de morbidade de 34% e mortalidade de 1,7%. Habr-Gama et al.8, avaliando 73 pacientes submetidos à reconstrução do trânsito intestinal após colostomia à Hartmann observaram índice de complicações de 34,2%, sendo a infecção da ferida operatória a mais frequente (12,2%), e as fístulas com 8,2%; a mortalidade observada nesta série foi de 3,6%. Carreiro et al.6, estudando 35 pacientes portadores de colostomias em alça, após lesões traumáticas de reto e que foram submetidos ao seu fechamento, observaram taxa global de complicações de 25,7%, sendo a infecção da ferida operatória a mais frequente com 17,1%; não houve óbitos nesta série. Curi et al.7, avaliando 67 pacientes portadores de estomas intestinais observaram índice de morbidade de 19,2%, sendo o abscesso de parede (10,4%) a complicação mais comum. Na presente casuística, observou-se a taxa global de complicações de 56,8% após o procedimento de reconstrução do trânsito intestinal, níveis esses que poderiam ser justificados pela alta morbidade associada à ostomia pós-trauma. Em um estudo retrospectivo de 40 pacientes submetidos à colostomia pós-trauma, houve taxa significativa de morbidade de 30% dos pacientes3.

O trauma é a causa mais comum de indicação das ostomias7, e o presente artigo corrobora com esta informação; o trauma abdominal foi a principal causa. Houve predomínio das colostomias em alças (36,26%) em detrimento das ileostomias (24,09%), apesar de haver tendência, cada vez maior, em optar-se pela ileostomia ao invés das clássicas colostomias6.

O tempo médio entre a confecção e o fechamento das ostomias foi de 15,7 meses, superior ao encontrado na literatura consultada de 6,9 meses9. A presente casuística revelou regressão linear positiva estatisticamente significativa da permanência hospitalar no pós-operatório de reconstrução de trânsito intestinal em função da idade, bem como relação também estatisticamente significativa do número de complicações com a permanência hospitalar no pós-operatório de reconstrução intestinal.

CONCLUSÃO

O procedimento de reconstrução intestinal está associado à alta morbidade, sendo que a ocorrência de complicações pós-operatórias e a idade dos pacientes estão diretamente relacionadas com o prolongamento do tempo de permanência hospitalar.

REFERÊNCIAS

1. Bahten LCV, Nicoluzzi JEL, Silveira F, Nicollelli, GM, Kumagai LY, De Lima VZ. Morbimortalidade da Reconstrução de Transito Intestinal Colônica em Hospital Universitário - Análise de 42 Casos. 2006; 26(2): 123-127.

Recebido para publicação: 02/06/2010

Aceito para publicação: 01/07/2010

Fonte de financiamento: não há

Conflito de interesses: não há

  • 2. Bannura GC, Perales CG, Contreras JP, Valencia CE, Melo CL. Reconstituición de tránsito intestinal luego de la operación de Hartmann: análisis de 100 pacientes. Rev Chil Cir 1999; 51(4): 359-66.
  • 3. Berne JD, Velmahos GC, Chan LS, Asensio JA, Demetriades D. The high morbidity of colostomy closure after trauma: further support for the primary repair of colon injuries.
  • 4. Biondo-Simões MLP, Brenner S, Lemos R, Duck D, Rey SD. Análise das complicações pós-operatórias em decolostomias. Acta Cir Bras 2000; 15(3): 53-57.
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  • 7. Curi A, Moreira Júnior H, Mascarenhas JCS, Moreira JPT, Almeida AC, Azevedo IF, Louza LR, Moreira H. Morbimortalidade associada à reconstrução de trânsito intestinal. - Análise de 67 casos. Rev Bras Coloproct 2002; 22(2): 88-97.
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  • 11. Stumm EMF, Oliveira ERA, Kirschner RM. Perfil de pacientes ostomizados, Scientia Medica. 2008; 18(1)26-30.
  • Correspondência:

    Jeany Borges e Silva
    e-mail
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      25 Out 2010
    • Data do Fascículo
      Set 2010

    Histórico

    • Recebido
      02 Jun 2010
    • Aceito
      01 Jul 2010
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