Resumos
Trata-se de artigo de revisão e atualização sobre a pesquisa dos anticorpos antinucleares, em especial do fator antinúcleo, em que são abordados os aspectos históricos, epidemiológicos, fisiopatogenia, métodos de identificação, suas especificidades e interpretação, correlacionando-os com sua aplicabilidade na prática clínica do dermatologista e do clínico geral.
Anticorpos antinucleares; Autoimunidade; Doenças do colágeno; Imunofluorescência
This is a review and update article on antinuclear antibodies assays, in particular the antinuclear factor, in which are approached histological and epidemiological aspects, physiopathogenesis, identification methods, their specificities and interpretation, correlating them to their applicability in the dermatologist's and general clinician's clinical practice.
Antinuclear antibodies; Autoimmunity; Collagen diseases; Fluorescent antibody technique
ARTIGO DE REVISÃO
Fator antinúcleo na dermatologia* * Trabalho realizado na Disciplina de Dermatologia - Ambulatório de Colagenoses da Faculdade de Medicina de Santo Amaro - UNISA - São Paulo (SP), Brasil.
Artur Antônio Duarte
Professor Titular II - Dermatologia - Faculdade Medicina de Santo Amaro - UNISA - São Paulo (SP), Brasil
Endereço para correspondência Endereço para correspondência Artur Antônio Duarte Rua Apinagés 1100 / 304 São Paulo - SP - 05017-000 E-mail: dr.artur@netpoint.com.br
RESUMO
Trata-se de artigo de revisão e atualização sobre a pesquisa dos anticorpos antinucleares, em especial do fator antinúcleo, em que são abordados os aspectos históricos, epidemiológicos, fisiopatogenia, métodos de identificação, suas especificidades e interpretação, correlacionando-os com sua aplicabilidade na prática clínica do dermatologista e do clínico geral.
Palavras-chave: Anticorpos antinucleares; Autoimunidade; Doenças do colágeno; Imunofluorescência
INTRODUÇÃO
O significado da pesquisa de anticorpos antinucleares (AAN) atualmente é muito amplo e abrangente, devido a novos substratos e técnicas mais apurados usados na sua detecção. Atualmente sua positividade é interpretada como presença de anticorpos não só contra elementos do núcleo celular - conforme sua denominação expressa - mas também significa a presença de auto-anticorpos contra elementos do citoplasma e do nucléolo. Assim, é provável que em breve se tenha uma mudança na sua denominação para uma expressão mais abrangente como "pesquisa de fator antinúcleo, anticitoplasmático e antinucleolar".1-3 Sua interpretação deve ser feita sempre à luz da associação clínica, padrões de depósitos da fluorescência observada na célula-alvo e positividade máxima da sua diluição.
A pesquisa do fator antinúcleo (FAN) é elemento indispensável em caso de suspeita clínica de doenças auto-imunes, em especial do grupo das colagenoses - lúpus eritematoso (LE), artrite reumatóide (AR), esclerodermia (ES), dermatomiosite (DM), síndrome de Sjögren (SS), síndrome mista e de sobreposição. Um FAN positivo não significa necessariamente a presença de colagenose, podendo significar desde característica familiar com probabilidade ou não de o portador vir a desenvolver determinada colagenose frente a estímulos variados ao longo dos anos até a real presença de doença auto-imune ou mesmo seu prognóstico. É possível ainda sua ocorrência em parcela da população normal e na presença de algumas doenças crônicas, como cirrose biliar, por exemplo, e em infecções virais agudas. Toda essa variabilidade em sua interpretação deve-se à especificidade variável decorrente da multiplicidade de elementos intranucleares, nucleolares e intracitoplasmáticos, potencialmente capazes de se comportar como antígenos frente a condições diversas, e nem sempre essa antigenicidade se traduz em doença. Assim, o conceito histórico de FAN positivo como "sinônimo de colagenose" deve hoje ser avaliado com mais rigor e sempre à luz da correlação clínica, além dos antecedentes familiares.4
ASPECTOS HISTÓRICOS
As investigações sobre a presença de auto-anticorpos iniciaram-se com os achados em soro de pacientes lúpicos das células LE (1948), que foram por anos usadas como instrumento diagnóstico para lúpus eritematoso e artrite reumatóide,5-7 principalmente. Anos mais tarde (1957), desvendou-se o mecanismo fisiopatogênico da formação das células LE,3,8-11 que são núcleos de células apoptóticas fagocitadas por polimorfonucleares neutrófilos, apoptose induzida por auto-anticorpos formados contra desoxirribonucleoproteína. Portanto, a formação da célula LE é um evento tardio em relação à produção do FAN. A partir daí, novas técnicas permitiram a pesquisa de anticorpos antinucleares - FAN, ampliando a eficácia em diagnosticar algum efeito auto-imune plasmático contra elementos celulares, ao contrário da pesquisa da célula LE, por ser evento muito mais precoce e preciso.
A detecção do FAN, a princípio, foi possível principalmente graças às técnicas de imunofluorescência indireta. Assim a pesquisa de FAN passou a ser o método de eleição na triagem diagnóstica para as doenças auto-imunes. Com o advento de outras técnicas, entre elas a imunodifusão, Elisa, imunoprecipitação, imunoblot, foi possível refinar a técnica de detecção do AAN e desvendar, de maneira específica, contra qual elemento celular estaria se formando o auto-anticorpo,12-16 isto é, AAN dirigido contra a proteína do DNA (antiDNA), contra a ribonucleoproteína (anti-RNP) e assim sucessivamente. Hoje outras técnicas são introduzidas sempre com a finalidade de aprimorar ainda mais a pesquisa do AAN.
ASPECTOS EPIDEMIOLÓGICOS
Não há dados universais que expressam a positividade do FAN na população em geral,16 mas é conhecida sua positividade, em títulos de diluição que não ultrapassam 1/160, na população sadia e principalmente acima de 60 anos, sem nenhum significado patológico, ocorrendo independente da raça, em proporções não definidas, porém mais freqüente nas mulheres com idade superior a 14 anos. Pode estar presente também em familiares sadios de portadores de lúpus eritematoso, artrite reumatóide, além de outras colagenoses.2,7,16,17
No lúpus eritematoso, em que sua expressão é mais freqüente, está presente em até 20% das formas cutâneas crônicas; em até 50% dos pacientes portadores da forma cutânea subaguda; e em quase 100% dos portadores da doença sistêmica. Em aproximadamente 5% dos pacientes em que se diagnostica doença sistêmica pode não ocorrer a positividade do FAN. Isso provavelmente se deve tanto ao emprego de técnicas inadequadas para sua detecção quanto ao momento da colheita da amostra ou ainda à presença de outros auto-anticorpos, como o anti-Ro/SSA, ou de auto-anticorpos contra elementos plasmáticos, como os antifosfolípides, antiplaquetários, além de alguns ainda desconhecidos.15-18
Sua positividade nas demais colagenoses é extremamente variável. Na artrite reumatóide pode ser positivo em até 50% dos pacientes; na esclerodermia sem manifestação sistêmica em até 20% e nas formas sistêmicas em mais de 80%. Na dermatomiosite/poliomiosite sua positividade pode chegar a 40-80%. Na síndrome de Sjögren pode ser positivo em mais de 50% dos pacientes. Ainda pode ser positivo na doença reumática, na fibromialgia, nas doenças da tireóide, na hepatite auto-imune, em portadores de implantes siliconados16 e algumas vezes na presença de infecções virais ou bacterianas, quando são transitórios.16,17,19 Podem também associar-se a malignidades, e já foi descrita sua ocorrência na hanseníase virchowiana, havendo relatos esporádicos em doenças crônicas diversas, degenerativas ou não.2,20
FISIOPATOGENIA
Por que ocorre a presença de FAN em alguns indivíduos frente a determinados estímulos poderia ser explicado, em parte, pela característica dos antígenos de histocompatibilidade presentes (HLA-B8, -DR2 e -DQ3), além de aspectos genéticos familiares. Também ocorre a presença de FAN positivo frente a estímulos, como drogas e vírus, por exemplo, que também têm dependência da característica familiar e dos antígenos de histocompatibilidade, entre outros fatores ainda desconhecidos.10,16,21,22
Em princípio, o evento inicial deve ser a apoptose celular, sendo que um dos modelos experimentais observados se dá principalmente nos ceratinócitos, quando a doença se expressa na pele, ou em células circulantes e endoteliais, entre outras, frente a estímulos específicos.5,6,23
Além da predisposição genética, vários fatores podem desencadear a apoptose celular (por exemplo, infecções virais, bacterianas e drogas). A irradiação citotóxica por ultravioleta7,10,23 é uma dessas principais causas que, incidindo sobre a pele, induzem a apoptose dos ceratinócitos. A partir daí, a exposição dos elementos, tanto do núcleo como do citoplasma, a células imunocompetentes predispostas inicia a formação de anticorpos contra determinadas proteínas nucleares ou citoplasmáticas, que passam a receber denominações diversas, de acordo com a estrutura reativa antigênica: anticorpos anti-ribonucleoproteína (RNP), anticorpos contra o DNA, entre outros. Esses auto-anticorpos na circulação depositam-se em diferentes tecidos e órgãos, desencadeiam a fixação do sistema de complemento e conseqüentemente levam à inflamação e disfunção do órgão-alvo.2,16,17,22,24
A formação do complexo "fator antinúcleo" (FAN) pode ter significado específico, sendo marcador de determinadas doenças, ter significado prognóstico ou mesmo não ter um significado importante quanto à presença de doenças auto-imunes. Daí, sua interpretação ter que estar sempre relacionada ao local observado da fluorescência, padrão de depósito, diluição máxima observada e associação clínica.2,16,17,25-27
MÉTODOS DE IDENTIFICAÇÃO
Os métodos de identificação dos auto-anticorpos incluem a imunofluorescência indireta - o método mais rápido, fácil e barato - o Elisa, o radioimunoensaio, a imunodifusão, a contra-imunoeletroforese, a imunoprecipitação e o imunoblot. Todos esses métodos são passíveis de resultados falso-positivos, principalmente quando o paciente avaliado estiver em faixa etária acima dos 60 anos.28-32
Os substratos utilizados para detecção do AAN pela imunofluorescência indireta - FAN - podem ser provenientes de células de fígado de rato ou de células humanas de tumor da laringe (células HEp-2). As células HEp-2 são mais favoráveis devido a seu grande núcleo e à fácil exposição de seus componentes. As células de fígado de rato podem não expressar todos os componentes protéicos identificáveis para os humanos. A sensibilidade das células HEp-2 em expressar o FAN é muito próxima de 100%, porém com risco maior de falso-positivos, pois consegue expressar elementos intracelulares antigênicos sem significado patogênico. As células de fígado de rato expressam o FAN em proporção próxima de 90% e são altamente específicas, com possibilidade de falso-positivos menor do que a do substrato HEp-2, porém não conseguem expressar certas proteínas, como as denominadas Ro/SSA, sendo portanto passíveis de falso-negativos. Assim, é preferível a utilização do substrato HEp-2 devido a sua alta sensibilidade e praticamente ausência de possibilidade de FAN falso-negativo. Utilizando o substrato HEp-2, a probabilidade de se encontrar, por exemplo, lúpus eritematoso FAN-negativo é extremamente baixa.1,2,16,32-35
Um FAN positivo pelo substrato HEp-2 pode ser confirmado pela detecção pelo substrato de fígado de rato, o que valida seu valor, excluindo a possibilidade de falso-positivo, portanto com alto valor para diagnóstico de determinada colagenose.1,2
De qualquer maneira, o FAN positivo deve ser avaliado e correlacionado com a suspeita clínica, com seu padrão de depósito e diluição. Os diferentes padrões de depósitos possíveis correlacionam-se com os prováveis elementos celulares que estão se comportando como antígenos. Assim, na dependência do padrão do depósito do FAN já se pode inferir contra qual elemento intracelular está ocorrendo a reação auto-antígeno/auto-anticorpo e assim saber o significado real do FAN. A partir daí deve-se pesquisar a especificidade do AAN marcador da doença suspeita em questão.2,16,17,35
Quanto à diluição de sua positividade, são consideráveis os títulos acima de 1/160, quando se utilizam as diluições padrões iniciais de 1/40, 1/80, 1/160 e assim sucessivamente. Títulos inferiores a 1/160 devem ser avaliados com reserva e sempre à luz da especificidade do FAN, correlacionada com a suspeita clínica.
Os critérios morfológicos observados devem referir-se aos padrões de depósito: nuclear, nucleolar, citoplasmático, do aparelho mitótico e na placa metafásica, sendo que a leitura deve ser feita na última diluição em que o padrão é observado. O consenso brasileiro propõe que, mesmo sendo a reatividade positiva apenas no citoplasma, deve-se considerar FAN positivo; daí as novas interpretações do FAN, passando a significar não só anticorpos antinucleares como também anticitoplasmáticos e outros.1,2,16,35,36 Na medida em que não há consenso universal, pode-se encontrar em publicações estrangeiras a designação FAN negativo para situações em que ocorra a positividade de anticorpos anticitoplasmáticos, por exemplo anti-Ro/SSA, entre outros.36
O modo como o FAN se deposita denomina-se padrão do FAN. Assim, pode-se observá-lo formando uma linha ao redor do núcleo - FAN periférico; cobrindo todo o núcleo - FAN homogêneo (Figura 1); pontos variados não uniformes - FAN pontilhado (Figura 2); depositado no centrômero - FAN centromérico (Figura 3); além de outros padrões (Figuras 4 e 5) listados no quadro 1.
Assim, associando a localização do FAN, o padrão de depósito e o título máximo de diluição observado, pode-se supor qual a especificidade do FAN e então considerá-lo marcador ou não de determinada doença. Sua positividade, ainda que inespecífica, indica a pesquisa específica para a doença suspeita. Passa-se então a pesquisar a especificidade do FAN obtido (Quadro 1).24,25,28-30
Em resumo, um FAN positivo pode significar auto-anticorpos presentes no núcleo, nucléolo e também no citoplasma das células, e deve ser interpretado conforme a última diluição positiva observada, quanto à localização da fluorescência (núcleo, nucléolo, citoplasma ou aparelho mitótico) e à morfologia do depósito, se homogêneo, salpicado, difuso, etc.1,2,16,26,36-38s
O FAN deve ser apresentado da seguinte forma: a) positivo ou reagente, diluição máxima em múltiplos de 1/40, localização da reação e padrão de depósito observado - dessa forma pode-se fazer a correlação de sua especificidade,1,16,24 como mostra o quadro 1; b) FAN negativo ou não reagente.
ESPECIFICIDADE E CARACTERÍSTICAS DOS AUTO-ANTICORPOS
Anti-DNA: subdivide-se em DNAn (nativo ou de dupla hélice) e DNAs (simples ou de única hélice) e histonas. A importância diagnóstica está na presença da antigenicidade do DNAn, presente em percentual que varia de 70 a 80% dos pacientes portadores de LES, mas pode ocorrer também na presença de artrite reumatóide e síndrome de Sjögren, em proporções menores, além de outras doenças crônicas auto-imunes. Está muito freqüentemente associado a alto índice de doença lúpica renal. Altos títulos significam atividade da doença, podendo-se correlacionar a diminuição dos títulos com a melhora da atividade e vice-versa.16,25,31,39-42
O DNAs está presente em outras colagenoses, além de outras doenças crônicas e no lúpus desencadeado por drogas.
Antinucleossomais: são anticorpos dirigidos contra proteínas que compõem os nucleossomas - DNA-proteínas codificadas por histonas (H1, H2A, H2B, H3 e H4) - anti-DNA-histonas. Sua positividade isolada é marcadora de lúpus eritematoso desencadeado por drogas, e quando associada à positividade do DNAn é marcadora de doença lúpica sistêmica. É positivo no LES em 70% dos pacientes.16,43
Anti PCNA (anticorpo antinúcleo de célula em proliferação): é marcado por uma proteína de 36KD envolvida na replicação e na reparação do DNA. Está positivo em até 5% dos pacientes portadores de LES e ainda não foi descrito em outras colagenoses, porém já foi demonstrada sua presença nas hepatites virais. Em geral está representado por FAN nucleolar pontilhado.44,45
Anti KU: esse auto-anticorpo é dirigido contra uma subunidade proteína-cromatina que está envolvida na replicação e reparação do DNA. É representado por FAN positivo nuclear difuso ou nucleolar. Sua positividade significa atividade imunobiológica. Pode estar presente, em proporções variáveis até 40%, na esclerodermia, poliomiosite, LES e artrite reumatóide.16,45
Anti-RNA-Polimerase: representado por um FAN nucleolar em pontos isolados. São auto-anticorpos dirigidos contra frações enzimáticas de polipeptídeos que compõem o RNA e que se subdividem em três classes - RNA I, II e III. É descrita sua positividade no LES, artrite reumatóide, esclerodermia, síndrome mista e em síndrome de sobreposição. Não tem ainda importância diagnóstica, sendo a positividade variável, no LES, até 14%.4,16,46
Anti-Sm e Anti-RNP: são auto-anticorpos dirigidos contra proteínas do complexo RNP (U1, U2, U4, U5) - anti-RNP, e contra polipeptídeos Sm (D1, D2, D3, E, F e G) - anti-Sm, que estão envolvidos na síntese do RNA. São representados por FAN nuclear pontilhado grosso. O anti-RNP está presente no LES em proporções de 30 a 40% e pode estar associado a quadros de fenômeno ou doença de Raynaud, miosites, esofagopatias, artralgias e artrite, esclerodactilia e LE neonatal; apesar de ser um importante marcador de possível doença lúpica sistêmica, já foi descrito em praticamente todas as colagenoses. O anti-Sm é considerado auto-anticorpo específico e marcador de lúpus eritematoso sistêmico, porém só é positivo em percentuais que variam de 20 a 30% dos pacientes.2,16,22,31,32,47
Anti-Ro/SSA e anti La/SSB: ambos são anticorpos dirigidos contra proteínas que fazem parte da composição do RNA - são ribonucleoproteínas de pesos moleculares distintos, 52 a 60KD e 43 a 52KD, respectivamente.
O anticorpo anti-Ro/SSA, quando de sua descrição, tinha a detecção dificultada devido à baixa concentração nos substratos teciduais e por isso foi relacionado aos pacientes com FAN negativo, porém hoje, com técnicas mais apuradas, sua detecção é mais precisa. Embora mais comumente relacionado à síndrome de Sjögren, está presente em torno de 40% no LES e no lúpus eritematoso cutâneo subagudo (Lecsa), significando alta probabilidade de o Lecsa vir a apresentar sistematização da doença. É ainda marcador do lúpus eritematoso neonatal (LEN), associado à fotossensibilização, linfopenia e doença sistêmica com possível comprometimento pulmonar. É comum estar associado à presença do antiLa/SSB. Sua presença pode estar relacionada à deficiência das frações C2 e C4 do complemento.2,16,31,32,43,48,49
O anticorpo antiLa/SSB está presente no LES em percentuais que variam de 10 a 15%. Também se expressa no LE neonatal, porém é menos freqüente do que o anti-Ro/SSA. Sua presença concomitante com anti-Ro/SSA, em pacientes com LES, parece conferir uma proteção renal à agressão da doença lúpica. A presença isolada de anticorpo antiLa/SSB não é habitual, e, quando ocorre, parece não haver doença sistêmica, seja no adulto ou no recém-nascido.2,16,31,32,43,48,49
Ambos os auto-anticorpos já foram descritos em artrite reumatóide, cirrose biliar primária, mieloma múltiplo, esclerodermia e dermatopoliomiosite.
Anti P-ribossomais: os anticorpos anti-ribossomais são dirigidos contra os complexos de ribonucleoproteínas envolvidas com o RNAm e são denominados anticorpos anti P-ribossomal. São representados por FAN positivo tanto no núcleo quanto no citoplasma e nucléolo, e por isso são melhores visualizados em células em divisão, nas placas metafásicas. São altamente específicos para diagnosticar o LES, ocorrendo em proporção que varia de 10 a 20 % dos pacientes, porém são também encontrados na população normal em proporções não definidas. Sua presença parece estar relacionada a distúrbios psiquiátricos lúpicos, incluindo psicose. Sua ocorrência isolada é rara e em geral está associada ao anticorpo antiDNAn, anti-Sm e também aos anticorpos antifosfolípides.4,16,31,46
Anti centrômero: anticorpo voltado contra uma porção do cromossomo que passa por uma constricção no momento da mitose - centrômero. É demonstrado por uma fluorescência puntiforme descontínua. Ocorre em até 30% dos pacientes portadores de esclerodermia sistêmica na forma Crest (calcinose, Raynaud, esofagopatia, esclerodactilia e telangiectasias). Pode estar presente também na esclerodermia cutânea generalizada em proporção que varia de 30 a 40% dos pacientes, na tireoidite de Hashimoto, no fenômeno de Raynaud e na cirrose biliar primária.16,26,31,37,50,51
Anti-Scl-70: antitopoisomerase I. Anticorpo que reconhece a porção carbóxi-terminal da DNA-topoisomerase I. Pode ser representado por FAN nuclear e nucleolar de padrões mistos. Está presente em percentual que varia de 22 a 40 % dos pacientes com esclerodermia com tendência a generalizar ou com acometimento sistêmico, em especial comprometimento pulmonar com fibrose e cardíaco, além de pontos hemorrágicos de extremidades. Marca a doença de longa evolução. Pode ser encontrado no lúpus eritematoso sistêmico e mais raramente na dermatomiosite e artrite reumatóide.31,35,50-52
Anti Pm-Scl: anticorpos dirigidos contra proteínas ribossomais em degradação. São representados por FAN nucleolar homogêneo. Estão mais associados à presença de síndrome de sobreposição, em especial na associação esclerodermia e miosite. Ocorre também na esclerodermia e LES ou miosite e LES. Associam-se também à presença de artrite, lesão cutânea de dermatomiosite e calcinose. Está presente em 3% dos pacientes com esclerodermia sistêmica, em 5% de pacientes com poliomiosite, 5% na esclerodermia cutânea e em 25% de pacientes com síndrome de sobreposição ou overlap.31,50,52
Anti-RNA-sintetases: anticorpos específicos dirigidos contra produtos de reatividade citoplasmática, ou seja, aminoácidos específicos relacionados ao RNA-sintetase. São representados por FAN citoplasmático. Cinco diferentes auto-anticorpos são identificados: anti Jo-1, anti PL-7, anti PL-12, anti EJ e anti OJ, cada qual voltado para um aminoácido diferente, histidina, treonina, alanina, glicina e isoleucina, respectivamente. A representação clínica desses auto-anticorpos é similar. O anti Jo-1 é o mais comum e está presente em até 20% dos portadores de poliomiositee em menor escala em portadores de dermatomiosite. Parece que a poliomiosite é mais comum associada ao anti Jo-1, e a dermatomiosite aos outros auto-anticorpos anti-sintetases. Em geral a presença desses auto-anticorpos indica a síndrome anti-sintetase, que se caracteriza por artrite, Raynaud, esclerodactilia, doença pulmonar intersticial, calcinose, telangiectasias faciais, hiperceratose linear e síndrome seca.31,34,47,53,54
Anti Mi-2: auto-anticorpo contra um complexo nuclear que controla a proliferação celular - uma cromatina. O antiMi-2 é representado por FAN nuclear homogêneo e ocorre em 15% dos portadores de dermatomiosite. A presença do antiMi-2 indica em 95% das vezes o diagnóstico de dermatomiosite. É menos freqüente nos portadores de poliomiosite isolada.31,53,54
Outros auto-anticorpos são possíveis16,26 de ser representados pela positividade do FAN, porém com interpretação ainda não muito bem definida, necessitando de melhores estudos, como o anti Mas, anti NOR, anti Ki-67, anti Wa, antifibrilarina, antitopoisomerase II, anti-SR, para citar os que já estão sendo investigados há mais de dois anos.
ROTEIRO DE INTERPRETAÇÃO DO FATOR ANTINÚCLEO
Na suspeita de uma colagenose, o exame inicial de triagem é sempre o FAN. A partir de sua interpretação em associação com a clínica, pode-se concluir pelo melhor diagnóstico. Assim, quando se obtiver:
FAN negativo + clínica suspeita® solicitar anti-Ro/SSA e/ou anti Jo-1 e/ou antifosfolípides. Possibilidade de LE FAN-negativo ou presença de auto-anticorpos plasmáticos (antifosfolípides), além de auto-anticorpos citoplasmáticos com fluorescência descontínua (anti Jo-1).
FAN positivo, baixo título + clínica inespecífica ® solicitar anti-Ro/SSA e/ou anti Jo-1 ou antifosfolípides. Pesquisar a especificidade que mais se correlacione com a hipótese clínica.
FAN positivo, baixo título + clínica altamente suspeita de/solicitar:
LE ® antiDNAn, anti-Sm, anti-Ro/SSA
LE induzido por droga ® antiDNA histona
Esclerodermia ® anti-Scl-70, anticentrômero, anti PM-Scl
Dermatomiosite ® antiJo-1, antiPM-Scl
S. Mista ® antiU1RNP, anti-RNA-sintetase
S. Sjögren ® anti-Ro/SSA, anti La/SSB
LE neonatal ® anti-Ro/SSA, antiLa/SSB, antiU1RNP
FAN positivo, alto título + clínica altamente suspeita: a avaliação da localização e do padrão de depósito pode ser suficiente para correlação com a especificifidade do FAN e conclusão do diagnóstico; ou solicitar os auto-anticorpos específicos para confirmação de acordo com item anterior.
CONCLUSÃO
O FAN é sem dúvida o mais importante exame para diagnóstico das colagenoses, porém deve estar sempre correlacionado com a clínica. Sua presença isolada não tem significado patológico, embora tenha, sim, um valor preditivo de maior possibilidade de o indivíduo vir a desenvolver uma colagenose ao longo dos anos. Sua negatividade também não pode ser conclusiva da ausência de colagenose. A pesquisa do FAN, assim como sua interpretação, é dinâmica, podendo ter positividade e característica variável ao longo do tempo. Técnicas laboratoriais mais refinadas vêm apurando sua pesquisa e tornando sua interpretação cada vez mais precisa, sendo um elemento laboratorial imprescindível como suporte para um melhor diagnóstico clínico das colagenoses.
Recebido em 19.05.2005.
Aprovado pelo Conselho Consultivo e aceito para publicação em 10.07.2005.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
13 Dez 2006 -
Data do Fascículo
Ago 2005
Histórico
-
Aceito
10 Jul 2005 -
Recebido
19 Maio 2005