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Pythium insidiosum: relato do primeiro caso de infecção humana no Brasil

Resumos

A pitiose é causada por microorganismo aquático, fungo-símile, o Pythium insidiosum, patógeno de homens e animais. Observou-se um paciente com úlcera fagedênica no membro inferior, com exame anatomopatológico sugestivo de zigomicose, pouco sensível à terapêutica antifúngica, obtendo-se cura por meio de ampla exérese. A comprovação etiológica resultou de métodos moleculares, com amplificação e seqüenciamento de DNA de organismo isolado em ágar Sabouraud, observando-se 100% de analogia com seqüências de P. insidiosum depositadas no GenBank.

Brasil; Humanos; Pythium; Úlcera cutânea


Pythiosis is caused by an aquatic fungus-like organism, Pythium insidiosum, pathogenic to men and animals. A patient with a phagedenic ulcer on the leg is reported. Histopathological examination was suggestive of zygomycosis, response to antifungal drugs was poor and cure was obtained by means of wide surgical excision. Etiologic diagnosis was confirmed by molecular amplification and DNA sequencing of colonies isolated in Sabouraud agar. After BLAST analysis, the sequence showed 100% identity with those of P. insidiosum deposited on the GenBank.

Brazil; Humans; Pythium; Skin ulcer


COMUNICAÇÃO

Pythium insidiosum: relato do primeiro caso de infecção humana no Brasil* * Trabalho realizado na Faculdade de Medicina e Instituto de Biociências da Universidade Estadual Paulista (Unesp) – Botucatu (SP), Brasil.

Silvio Alencar MarquesI; Eduardo BagagliII; Sandra M. G. BoscoIII; Rosangela M. P. CamargoIV; Mariangela E. A. MarquesV

IProfessor Livre-Docente. Departamento de Dermatologia e Radioterapia. Faculdade de Medicina de Botucatu da Universidade Estadual Paulista (Unesp) – Botucatu (SP), Brasil

IIProfessor Livre-Docente. Departamento de Microbiologia e Imunologia. Instituto de Biociências de Botucatu da Universidade Estadual Paulista (Unesp) – Botucatu (SP), Brasil

IIIPós-Doutoranda. Departamento de Microbiologia e Imunologia. Instituto de Biociências de Botucatu da Universidade Estadual Paulista (Unesp) – Botucatu(SP), Brasil

IVBióloga. Laboratório de Micologia Médica. Departamento de Dermatologia e Radioterapia. Faculdade de Medicina de Botucatu da Universidade Estadual Paulista (Unesp) – Botucatu (SP), Brasil

VProfessor-Assistente Doutor. Departamento de Patologia. Faculdade de Medicina de Botucatu da Universidade Estadual Paulista (Unesp) – Botucatu (SP), Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Silvio Alencar Marques Departamento de Dermatologia e Radioterapia Faculdade de Medicina de Botucatu – Unesp Tel./Fax: (14) 3882-4922 E-mail: smarques@fmb.unesp.br

RESUMO

A pitiose é causada por microorganismo aquático, fungo-símile, o Pythium insidiosum, patógeno de homens e animais. Observou-se um paciente com úlcera fagedênica no membro inferior, com exame anatomopatológico sugestivo de zigomicose, pouco sensível à terapêutica antifúngica, obtendo-se cura por meio de ampla exérese. A comprovação etiológica resultou de métodos moleculares, com amplificação e seqüenciamento de DNA de organismo isolado em ágar Sabouraud, observando-se 100% de analogia com seqüências de P. insidiosum depositadas no GenBank.

Palavras-chave: Brasil; Humanos; Pythium; Úlcera cutânea

Pitiose é quadro infeccioso de localização cutâneo-subcutânea e eventualmente sistêmica, de ocorrência em homens e animais, particularmente em eqüinos.1 Ocorre principalmente em regiões tropicais e subtropicais e é causada por microorganismo aquático fungo-símile, o Pythium insidiosum (reino Straminipila, filo Oomycota, classe Oomycetes).2 Os primeiros casos humanos foram relatados em 1985, na Tailândia, e correspondiam a pacientes com úlceras cutâneas crônicas de localização nos membros inferiores.3 Desde então, apenas 32 casos humanos foram publicados. Neles, a manifestação clínica predominante foi sistêmica, com comprometimento arterial em 17 casos, ocular em nove, subcutânea em cinco e cardiopulmonar em um caso.3 Digna de nota é a predominância da Tailândia como país de origem dos casos relatados, 78% (25/32), sendo os demais procedentes dos Estados Unidos da América (dois), Austrália (dois), Nova Zelândia, Haiti e Malásia (um caso). A evolução habitualmente é grave, com índice de óbito de 47% naqueles com comprometimento vascular, expressa, em geral, por necrose de extremidades e úlceras cutâneas crônicas.3

O presente relato refere-se a paciente do sexo masculino, de 49 anos, funcionário público, procedente de Paraguaçu Paulista, SP, com queixa de úlcera cutânea na perna esquerda há três meses. A lesão iniciou-se como pústula, uma semana após pescaria em lago de águas paradas, no qual permanecera com as pernas submersas. O diagnóstico inicial foi de celulite.

Por não responder à antibioticoterapia, procedeu- se à biópsia cutânea, cujo exame anatomopatológico mostrou microorganismo sugestivo de hifa não septada, compatível com "zigomicose". Iniciouse tratamento com anfotericina B e fez-se o desbridamento da lesão. Devido à rápida degradação da função renal, com dose acumulada de 575mg, e piora do quadro, o paciente foi encaminhado ao serviço de Dermatologia da Unesp (Botucatu, SP).

À admissão, encontrava-se em bom estado geral, apresentando lesão ulcerada única, de 20cm no maior diâmetro, fundo grosseiramente granuloso, com secreção seropurulenta e bordas infiltradas eritêmato-violáceas, localizada na região pré-tibial direita (Figura 1A). A investigação laboratorial mostrou anemia, níveis elevados de uréia e creatinina, hipocalemia, glicemia normal e sorologia anti-HIV negativa. Realizou-se biópsia em fuso de borda da lesão, a qual revelou, ao exame anatomopatológico, processo granulomatoso crônico com raras estruturas coradas pela prata, compatíveis com o diagnóstico de zigomicose (Figura 2, A e B). Inúmeras tentativas de cultura em meio de Sabouraud dextrose ágar (SDA) e Mycosel® foram negativas. Itraconazol, 400mg/dia, foi a terapêutica proposta, observando-se melhora inicial, com regressão da úlcera, mas posterior aparecimento de novas tumorações (Figura 1B). Associou-se iodeto de potássio, 4g/dia, sem melhora. Após três meses de tratamento, com a progressão da lesão e sem diagnóstico definitivo, optou-se por ampla exérese após prévia delimitação tomográfica. O itraconazol foi substituído pela anfotericina B 15 dias antes do procedimento cirúrgico, administrado até a dose acumulada de 1.800mg.



Com aparente resolução e granulação do leito cirúrgico, procedeu-se à enxertia, resultando em adequada qualidade estética e aparente cura após seguimento de 24 meses (Figura 1C).

Fragmentos do tecido, produto da exérese, foram semeados em SDA e ágar-batata-dextrose, obtendo- se crescimento de colônia filamentosa com aspecto macroscópico membranoso, com hifas de largo calibre à microscopia, sem formação de corpos de frutificação (Figura 2C). Procedeu-se à investigação molecular,4 com extração do DNA e amplificação da região ITS/5,8S rDNA pelos primers ITS4 e ITS5, segundo White et al.,5 seguidas da visualização em gel de agarose, purificação em coluna de GFX (Amersham Biosciences) e seqüenciamento do DNA em equipamento ABI prism, modelo 377 (Applied Biosystem, Foster City, Ca, USA). As seqüências foram alinhadas utilizando-se do programa Clustal W e a seguir submetidas à análise pelo Blast (Basic Local Alignment Search Tool) (http:// www.ncbi.nlm.gov/BLAST), comparando-se a seqüência obtida com aquelas depositadas no Genbank e outras bases de dados. Após análise, a seqüência referente ao presente caso mostrou 100% de identidade com as seqüências registradas do P. insidiosum, com pleno anelamento das bases de 253 a 845, que inclui a quasetotalidade do gene 5.8S e da região ITS2.4

O diagnóstico de pitiose humana nesse paciente, ainda que extraordinário, é coerente com a freqüência de casos de pitiose descritos em eqüinos e ovelhas ou observados em cães,** ** Comunicação pessoal. Prodessor Carlos Eduardo Larson ( Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo). no Brasil6,7 e em outros países.8,9 A possibilidade de confusão diagnóstica com zigomicose deve ser salientada, dada a semelhança histológica, observada no presente caso e referida na literatura.10 Devido à ausência de ergosterol na membrana citoplasmática do P. insidiosum, as drogas antifúngicas são de pouca eficácia no tratamento, o que faz da abordagem cirúrgica e da imunoterapia as principais opções terapêuticas.1

AGRADECIMENTO

A presente comunicação corresponde à reprodução parcial de artigo publicado no Emerging Infectious Diseases (2005; 11(5):715- 718), devidamente autorizada pelo dr. Peter Drotman, editor chefe do periódico, editado pelo Center for Disease Control (CDC-Atlanta, USA).

Recebido em 24.04.2006.

Aprovado pelo Conselho Consultivo e aceito para publicação em 24.06.2006.

Conflito de interesse declarado: Nenhum.

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  • Endereço para correspondência:
    Silvio Alencar Marques
    Departamento de Dermatologia e Radioterapia
    Faculdade de Medicina de Botucatu – Unesp
    Tel./Fax: (14) 3882-4922
    E-mail:
  • *
    Trabalho realizado na Faculdade de Medicina e Instituto de Biociências da Universidade Estadual Paulista (Unesp) – Botucatu (SP), Brasil.
  • **
    Comunicação pessoal. Prodessor Carlos Eduardo Larson ( Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      02 Fev 2007
    • Data do Fascículo
      Out 2006

    Histórico

    • Aceito
      24 Jun 2006
    • Recebido
      24 Abr 2006
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