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Caso para diagnóstico

QUAL O SEU DIAGNÓSTICO?

Caso para diagnóstico* * Trabalho realizado no Serviço de Dermatologia do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná - UFPR.

Cyntia Sumire CootiI; Lílian NishinoII; Sérgio Zuñeda SerafiniIII

IEspecializanda do segundo ano do Serviço de Dermatologia do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paran&aacute

IIMédica assistente e preceptora do Serviço de Dermatologia do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paran&aacute

IIIProfessora-Auxiliar do Serviço de Dermatologia do Hospital de Clinicas da UFPR

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Cyntia Sumire Cooti Rua Coronel Amazonas Marcondes, 262 - Cabral Curitiba PR 80035-230 Tel./Fax: (41) 252-3586 E-mail: takicyntia@hotmail.com

HISTÓRIA DA DOENÇA

Paciente de 48 anos, do sexo masculino, branco, casado, mestre-de-obras, natural e procedente de Campo Mourão (oeste do Paraná), foi atendido no ambulatório do Serviço de Dermatologia. Queixava-se de úlcera na coxa esquerda e lesão eritêmato-infiltrada na face.

Referia aparecimento (na infância) de úlcera na coxa esquerda de longa duração, pauci-sintomática, além de lesão eritêmato-infiltrada na glabela, de aparecimento recente. Negava trauma local. Já havia sido atendido em outro serviço (hospital de oncologia), quando foi submetido a três exames histopatológicos que revelavam apenas inflamação crônica e aguda com fibrose e ausência de malignidade. Quanto à história patológica pregressa e familiar, não apresentava dados relevantes, não havendo casos semelhantes entre os conviventes.

Ao exame dermatológico, observou-se úlcera profunda de aproximadamente 15cm na região anterior da coxa esquerda, com bordas a pique e fundo granuloso, grosseiro, coberto por secreção purulenta, cremes e pomadas dentro da úlcera. Na região da glabela apresentava lesão eritêmato-infiltrada com diâmetro de 3cm (Figuras 1 e 2).



Foi submetido a novas biópsias e exames laboratoriais.

Após avaliação clínica, foram feitas as seguintes hipóteses diagnósticas: leishmaniose, pioderma gangrenoso, tuberculose, dermatite factícia, neoplasia, criptococose, micobacteriose atípica e lues terciária

Exames laboratoriais de rotina (hemograma, bioquímico e metabólico) estavam normais. VDRL e FTA-Abs não reagentes. Pesquisa para fungos, BAAR, micobactérias atípicas e germes comuns resultou negativa. Exames histopatológicos revelaram epiderme discretamente reativa e infiltrado inflamatório predominantemente mononuclear com esparsos neutrófilos na derme, ausência de granulomas e microorganismos (Figura 3).


O caso foi apresentado e discutido na II Jornada Paranaense de Dermatologia, sendo sugerida a hipótese diagnóstica de pioderma gangrenoso, com indicação de corticoterapia sistêmica.

Após 60 dias do uso de Prednisona 1mg/kg/dia, o paciente evoluiu com piora das lesões, incluindo ulceração da lesão da face, sendo submetido a nova biópsia.

O novo exame histopatológico demonstrou infiltrado inflamatório mononuclear com esparsos neutrófilos, mas com a presença de abundantes microorganismos e pequena quantidade de histiócitos epitelióides (Figura 4). O paciente foi então submetido a dois ciclos de glucantime, evoluindo com cicatrização das lesões (Figuras 5 e 6).




DIAGNÓSTICO E COMENTÁRIOS

Leishmaniose Tegumentar Americana

A leishmaniose cutâneo-mucosa é doença infecciosa crônica, não contagiosa, envolvendo pele e, dependendo da espécie de leishmânia e de outros fatores, pode envolver mucosas e cartilagens.1 A transmissão é feita por fêmeas infectadas de mosquitos flebotomíneos, conhecidos no Brasil por birigui, mosquito-palha ou tatuquira.2 As manifestações dermatológicas da leishmaniose tegumentar americana são variadas e pouco específicas, podendo apresentar-se como lesões ulceradas (como observado no caso aqui discutido), ulcerocrostosas, ulcerovegetantes, tuberosas, verrucosas, com aspecto impetigóide, ectimatóide e liquenóide.3 O diagnóstico pode ser estabelecido por meio dos dados clínicos e epidemiológicos, além dos exames microbiológicos e imunobiológicos. Em casos de lesões inespecíficas e de longa duração, os exames imunobiológicos podem ser necessários para confirmar o diagnóstico, devido à raridade de microorganismos. No Brasil, são descritos Leishmania (Leishmania) amazonensis, Leishmania (Viannia) braziliensis e Leishmania (Viannia) guyanensis. A leishmaniose cutânea localizada é endêmica nas Américas Central e do Sul, sendo causada por espécies pertencentes aos complexos Leishmania braziliensis e Leishmania mexicana.4

Leishmania (V.) braziliensis tem como vetor no interior de São Paulo e Paraná a Lutzomyia intermédia. Apresenta-se principalmente em regiões florestais dos estados de São Paulo, Paraná, Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso. É responsável pela forma mais destrutiva da leishmaniose cutânea no Novo Mundo, caracterizada por úlcera única ou em pequeno número, freqüentemente grande, persistente e desfigurante, com abundante reação inflamatória tissular e escassez de parasitas.4 A leishmaniose depende de fatores de virulência da espécie leishmânia infectante e da resposta imune estabelecida pelo hospedeiro. Assim, dependendo desses fatores, podem ser observadas desde infecção subclínica, lesões localizadas, lesões generalizadas, lesões mucosas, até a forma anérgica. Em modelo experimental de leishmaniose, foram estabelecidas as respostas dos linfócitos tipos Th1 e Th2, na dependência de a espécie do animal inoculado ser resistente ou sensível à espécie de leishmânia inoculada e de acordo com a produção de citocinas. Esse modelo foi transportado para o homem, mostrando que, na forma localizada, há predomínio da produção de IL-2 e, nas formas mucocutânea e difusa, há predomínio de IL-4 e IL-10, configurando a resposta Th1 e Th2, respectivamente.4

Sabe-se que o corticóide suprime a função de monócitos e linfócitos (respostas Th1 e Th2); e esse efeito é clinicamente importante, pois as doenças infecciosas granulomatosas são propensas à exacerbação e recaída durante a corticoterapia prolongada.5

Diante de lesões atípicas, em áreas endêmicas, é sempre importante pensar em leishmaniose, principalmente diante de quadros dermatológicos de difícil diagnóstico.1 No caso relatado, um ato médico equivocado acabou possibilitando a definição do caso e o correto tratamento.

REFERÊNCIAS

1. Talhari S, Talhari AC, Ferreira LCL, Naiff R. Leishmaniose cutâneo-mucosa. In Dermatologia Tropical. São Paulo: MEDSI, 1995: 23-45.

2. Sampaio SAP, Rivitti EA. Leishmaniose e outras dermatoses por protozoários. In: Dermatologia. São Paulo: Artes Médicas, 1998: 565-74.

3. Brotas AM, Diniz AR, Volta AC, Russi DC, André ASD. An bras Dermatol 2002; 77(1): 109-112.

4. Medeiros ACR, Roselino AMF. Leishmaniose tegumentar americana: do histórico aos dias de hoje. An bras Dermatol 1999; 74(4): 329-336.

5. Werten VP, Lazarus GS. Dermatology in General Medicine. 5th ed, vol II, section 36, 2783-89.

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    Trabalho realizado no Serviço de Dermatologia do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná - UFPR.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      03 Ago 2004
    • Data do Fascículo
      Maio 2004
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