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Eritema ab igne: relato de um caso

Resumos

A lesão cutânea do eritema ab igne é caracterizada por eritema reticulado, hiperpigmentação, descamação fina, atrofia epidérmica e telangiectasias. Atualmente, a região lombar é a mais atingida, devido ao uso de bolsas de água quente, para alívio de dores crônicas, e por constantes exposições a calor profundo em sessões de fisioterapia. Os autores alertam sobre uma dermatose pouco diagnosticada e que talvez seja mais prevalente pela alta freqüência com que são realizados tratamentos fisioterápicos.

Eritema; Fisioterapia; Radiação térmica


The cutaneous lesion of erythema ab igne is characterized by a reticulate erythema, hyperpigmentation, fine scaling, epidermal atrophy and telangiectasis. Currently the lumbar region is the most affected, due to the use of hot water bottles to relieve chronic pains, and by constant exposure to deep heat in physiotherapy sessions. The authors call attention to a dermatosis that is not often diagnosed, and that may be more prevalent, because of the high frequency with which such physiotherapeutic treatments are performed.

Erythema; Physical therapy; Thermal radiation


COMUNICAÇÃO

Eritema ab igne: relato de um caso* * Trabalho realizado na Universidade Luterana do Brasil - ULBRA, Porto Alegre (RS).

Magda Blessmann WeberI; Humberto Antonio PonzioI; Francine Batista CostaII; Leandra CaminiIII

IProfessor adjunto; mestre de Dermatologia. Universidade Luterana do Brasil - ULBRA, Porto Alegre (RS)

IIMédica residente do Hospital Nossa Senhora de Fátima, Caxias do Sul (RS)

IIIMédica formada pela Universidade Luterana do Brasil - ULBRA, Porto Alegre (RS)

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Francine Batista Costa Av. Nilo Peçanha 2863/603 91330-001 - Porto Alegre - RS Tel.: (51) 3328-3271 E-mail: frc.poa@terra.com.br

RESUMO

A lesão cutânea do eritema ab igne é caracterizada por eritema reticulado, hiperpigmentação, descamação fina, atrofia epidérmica e telangiectasias. Atualmente, a região lombar é a mais atingida, devido ao uso de bolsas de água quente, para alívio de dores crônicas, e por constantes exposições a calor profundo em sessões de fisioterapia. Os autores alertam sobre uma dermatose pouco diagnosticada e que talvez seja mais prevalente pela alta freqüência com que são realizados tratamentos fisioterápicos.

Palavras-chave: Eritema; Fisioterapia (especialidade); Radiação térmica.

Atualmente o eritema ab igne (EAI) ou eritema calórico é raro ou pouco relatado.1-3 Caracteriza-se por eritema reticulado, hiperpigmentação, descamação, atrofia epidérmica e telangiectasias, presentes em áreas de exposição prolongada à radiação térmica.4-6 Geralmente é assintomático, mas os pacientes podem referir ardência e prurido.6 A lesão é adquirida pela exposição repetida e prolongada7 à radiação infravermelha em temperatura de até 45ºC.4,7,8

A radiação infravermelha pode ser produzida a partir de diversas fontes de calor, tais como bolsas de água quente, braseiros, fornos a gás ou a carvão e radiadores a vapor.1,2,7-9 Atualmente, o predomínio das lesões é na região lombosacral devido às dores crônicas nessa área e o conseqüente uso repetido e prolongado de calor no local para alívio desses sintomas.1,2,10 Imamura et al. relatam que os tratamentos fisioterápicos, recomendados com mais freqüência nos dias de hoje, usam o ultra-som e a diatermia de ondas curtas para promover, através de ondas mecânicas de alta freqüência, uma vibração extremamente rápida nos tecidos de forma a gerar calor e conseqüente dilatação dos vasos locais e alívio da dor.9

As alterações histopatológicas incluem atrofia epidérmica e perda da junção dermoepidérmica com alterações vacuolares na camada basal.1,3-5 Ocorre fragmentação do colágeno,1,3 deposição de melanina e hemossiderina, e formação de telangiectasias,1,3-5,8 além de infiltração perivascular de leucócitos polimorfonucleares, linfócitos e histiócitos.5 Há também acúmulo de tecido elástico na derme superior.5,6 Alguns casos mostram hiperceratose e displasia epidérmica, similares à ceratose actínica.3,4,6

A lesão característica do EAI associada à história de exposição excessiva ao calor na área de aparecimento facilita o diagnóstico clínico da doença.8,10 A duração das exposições repetidas necessárias para provocar alterações na pele varia de alguns meses a anos, e o dano parece ser cumulativo.7 Uma complicação rara e tardia é a transformação maligna do EAI em carcinoma epidermóide.4,6-8.

Há relatos de boa resposta terapêutica ao uso tópico do creme de 5-FU, pela inibição do metabolismo dos queratinócitos displásicos.7 A simples e precoce suspensão das fontes de calor é suficiente para o desaparecimento espontâneo da lesão ou para que sua coloração fique menos aparente.10 A lesão pode tornar-se permanente se a exposição ao calor for recorrente.5

Paciente do sexo feminino, branca, 40 anos, há um ano apresentando dores na região lombossacra, em acompanhamento com fisioterapeuta. Compareceu à consulta com queixa de mancha assintomática na região lombar, de evolução lenta, há seis meses. Desde o início do quadro de dor, há um ano, vinha fazendo uso diário de calor no local, com bolsa de água quente, aliada à fisioterapia, com aplicações de ultra-som e ondas curtas, de forma cíclica. Ao exame da pele, apresentava mancha eritêmato-acastanhada, reticulada, abrangendo toda a região lombossacra (Figura 1). O exame histopatológico revelou discreto edema dérmico, sobretudo perivascular, onde havia discreta infiltração linfocitária focal (Figura 2). Com o diagnóstico de eritema ab igne, a paciente foi orientada a suspender o uso de calor local e não aplicar medicamento tópico ou sistêmico. A reavaliação, três meses depois, mostrou o desaparecimento quase total das lesões.



O eritema ab igne é dermatose dependente de calor que resulta em pigmentação reticulada com telangiectasia e atrofia. Geralmente, é assintomática, sendo o diagnóstico realizado por meio da história de exposição ao calor na área acometida e pelas características morfológicas da lesão.

No caso aqui apresentado, a localização da dermatose é coerente com os casos atualmente descritos, em função do uso cada vez mais freqüente da fisioterapia e seus procedimentos terapêuticos associados, como o ultra-som, a diatermia de ondas curtas e as bolsas de água quente, caracterizando, assim, lesões iatrogênicas.

Embora a histopatologia do caso descrito não demonstre significativas alterações, houve reconhecimento de infiltração linfocitária discreta perivascular, uma característica histopatológica do eritema ab igne.

Nesse caso, a correlação causa/efeito pôde ser facilmente estabelecida. O diagnóstico, portanto, é essencialmente clínico. Quando ocorre involução espontânea do quadro, após suspensão das fontes de calor, ou seja, por meio de um teste terapêutico, a suspeita diagnóstica de eritema ab igne é reforçada.

Os pacientes que se submetem a tratamento fisioterápico por tempo prolongado devem ser orientados no sentido de observar o aparecimento de manchas na região de aplicação de calor, e assim tornar possível o diagnóstico de uma dermatose de solução terapêutica simples, mas com possibilidade de degeneração maligna, quando de longa evolução. q

Recebido em 25.08.2003.

Aprovado pelo Conselho Consultivo e aceito para publicação em 29.10.2004.

  • 1. Galvin S, Buchness MR. Rectangular reticulate patches on the pretibial areas. Erythema ab igne Arch Dermatol. 1990;126:386 -7.
  • 2. Meffert JJ, Davis BM. Furniture-induced erythema ab igne J Am Acad Dermatol. 1996;34:516-7.
  • 3. Page EH, Shear NH. Temperature-dependent skin disorders. J Am Acad Dermatol. 1988;18:1003-19.
  • 4. Arrington JH, Lockman DS. Thermal keratoses and squamous cell carcinoma in situ associated with erythema ab igne Arch Dermatol. 1979;115:1226-8.
  • 5. Finlayson GR, Sams WM, Smith JG. Erythema ab igne: a histopathological study. J Invest Dermatol. 1966;46:104-8.
  • 6. Hurwitz RM, Tisserand ME. Erythema ab igne Arch Dermatol. 1987;123:21-2.
  • 7. Sahl W, Taira JW. Erythema ab igne: treatment with 5-fluorouracil cream. J Am Acad Dermatol. 1992;27:109-10.
  • 8. Milligan A, Graham-Brown RAC. Erythema ab igne affecting the palms. Clin Exp Dermatol. 1989;14:168-9.
  • 9. Imamura MT, Imamura ST, Hsing WT. Agentes físicos em reabilitação. In: Lianza S, editores. Medicina de reabilitação. 2a ed. São Paulo: Guanabara-Koogan,1995. p.103-7.
  • 10. Dvoretzky I, Silverman NR. Reticular erythema of the lower back. Erythema ab igne Arch Dermatol. 1991;127:405-9.
  • Endereço para correspondência
    Francine Batista Costa
    Av. Nilo Peçanha 2863/603
    91330-001 - Porto Alegre - RS
    Tel.: (51) 3328-3271
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    Trabalho realizado na Universidade Luterana do Brasil - ULBRA, Porto Alegre (RS).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      13 Jun 2005
    • Data do Fascículo
      Abr 2005

    Histórico

    • Aceito
      29 Out 2004
    • Recebido
      25 Ago 2003
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