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Molusco contagioso em tatuagem

Resumos

Molusco contagioso é uma dermatovirose causada por poxvírus e caracterizada por erupção benigna e autolimitada de uma ou múltiplas pápulas esféricas e brilhantes. A transmissão habitualmente ocorre por contato direto com indivíduos infectados. Relata-se caso de doente masculino, 22 anos, com história de surgimento de numerosas pápulas umbilicadas localizadas estritamente sobre a região de uma tatuagem. Exame histopatológico de uma das pápulas confirmou a hipótese clínica de molusco contagioso. Os autores descrevem uma manifestação pouco frequente da disseminação desse vírus em tatuagens e apresentam uma revisão da literatura, enfatizando as vias de transmissão e a terapêutica do molusco contagioso.

Infecções por Poxviridae; Molusco contagioso; Tatuagem


Molluscum contagiosum is a disease caused by a poxvirus characterized by benign self-limited eruption of single or multiple cutaneous spherical and pearly papules. Transmission usually occurs by direct contact with infected hosts. It is reported the case of a 22-year-old Caucasian male who presented characteristic pearly and umbilicated papules strictly located on the region of a tattoo. Histopathologic exam confirmed the diagnosis of molluscum contagiosum. The authors describe an uncommomn manifestation of dissemination of this virus in tattoos and also present a literature review emphasizing the transmission pathways and treatment of Molluscum contagiosum.

Molluscum Contagiosum; Poxviridae Infections; Tattoo


CASO CLÍNICO

Molusco contagioso em tatuagem* * Trabalho realizado em consultório particular.

Luciana MolinaI; Ricardo RomitiII

IMédica dermatologista - São Paulo (SP), Brasil

IIMédico assistente do Departamento de Dermatologia do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP) - São Paulo (SP), Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Luciana Molina Rua Turiassu, 127 nono andar 05005 001 Perdizes São Paulo-SP Telefone: 11-3662 4869 e-mail: lumolina35@hotmail.com

RESUMO

Molusco contagioso é uma dermatovirose causada por poxvírus e caracterizada por erupção benigna e autolimitada de uma ou múltiplas pápulas esféricas e brilhantes. A transmissão habitualmente ocorre por contato direto com indivíduos infectados. Relata-se caso de doente masculino, 22 anos, com história de surgimento de numerosas pápulas umbilicadas localizadas estritamente sobre a região de uma tatuagem. Exame histopatológico de uma das pápulas confirmou a hipótese clínica de molusco contagioso. Os autores descrevem uma manifestação pouco frequente da disseminação desse vírus em tatuagens e apresentam uma revisão da literatura, enfatizando as vias de transmissão e a terapêutica do molusco contagioso.

Palavras-chave: Infecções por Poxviridae; Molusco contagioso; Tatuagem

INTRODUÇÃO

A família dos poxvírus é constituída por um abrangente grupo de DNA-vírus de alto peso molecular. É responsável por enfermidades que variam de formas graves e frequentemente fatais, como a varíola, até infecções localizadas e autolimitadas, como o ectima contagioso e o molusco contagioso.1

O molusco contagioso destaca-se por representar a afecção mais frequente desse grupo. Apresenta distribuição universal, sendo mais frequente em crianças em idade escolar. Em adultos, atinge preferencialmente a região anogenital por transmissão sexual. Formas disseminadas, atípicas ou gigantes não raramente acometem pacientes imunossuprimidos.2,3 O período de incubação é variável e lesões individuais tendem a regredir espontaneamente em dois a três meses. Nas crianças, regressão completa do quadro tende a ocorrer em até três anos.

O contágio ocorre após contato direto com outros indivíduos acometidos, principalmente irmãos e colegas de escola. Ressalta-se o aumento da incidência associado ao uso de piscinas em comunidades. Nos adultos, geralmente ocorre como doença sexualmente transmitida.

Os autores relatam caso de paciente imunocompetente evoluindo com quadro de molusco contagioso disseminado restrito a área de tatuagem realizada sete meses antes.

RELATO DO CASO

Doente masculino, 22 anos, branco. Referia, há cerca de dois meses, surgimento de numerosas pápulas localizadas estritamente sobre a região de uma tatuagem realizada há sete meses no dorso. A realização da tatuagem fora desenvolvida por tatuador profissional utilizando pigmento preto, em várias sessões, num período total de quatro meses. Cerca de quatro semanas após a finalização da tatuagem, o doente notou o surgimento de pequenas pápulas brilhantes no local da tatuagem. As lesões eram assintomáticas e, segundo o doente, estavam aumentando em número progressivamente durante os últimos meses. O doente negava antecedentes pessoais ou familiares relevantes e não fazia uso de quaisquer medicações.

Exame dermatológico do dorso evidenciou a presença de cerca de 50 pápulas de superfície lisa e cor branco-perolada, a maioria com umbilicação central, medindo de 2 a 4 mm de diâmetro. As lesões estavam distribuídas de forma irregular sobre a tatuagem no dorso do doente (Figuras 1 e 2). Lesões semelhantes não foram evidenciadas em outras áreas da pele ou mucosas.



Exame anatomopatológico obtido a partir de material de biópsia de amostras extraídas por curetagem no dorso do doente demonstrou a presença de corpos de inclusão viral grandes dentro do citoplasma das células, deslocando o núcleo para a periferia (Figura 3).


Sorologias para hepatites B e C, HIV e sífilis foram negativas. Novas sorologias foram repetidas devido à possibilidade de janela imunológica no caso de aquisição de outra infecção durante o processo de realização da tatuagem e permaneceram negativas.

O tratamento foi realizado por meio da curetagem das lesões.

DISCUSSÃO

A lesão clínica do molusco contagioso caracteriza-se por pápula semiesférica e brilhante, geralmente nitidamente umbilicada ou com discreta depressão central, de poucos milímetros de diâmetro. Acomete a pele e excepcionalmente as mucosas. Em atópicos, pode ser observada área de eczematização ao redor das lesões de molusco, designada eczema molluscatum. Em imunodeprimidos, as lesões são numerosas, tendem a ser disseminadas e podem assumir grandes dimensões.

O quadro dermatológico do molusco contagioso geralmente é bem característico e não apresenta dificuldades quanto ao diagnóstico. Variantes clínicas, tais como molusco gigante e variantes foliculares, podem dificultar a diagnose. Quando indicado, o exame histopatológico é bastante característico, com material viral eosinofílico (corpúsculos de Henderson-Patterson) ocupando o citoplasma e deslocando o núcleo dos queratinócitos para a periferia. A epiderme cresce para o interior da derme, formando múltiplos lóbulos muitas vezes estreitamente agregados.4 Estudo do perfil das citoqueratinas em lesões de molusco contagioso demonstrou alteração na diferenciação dos queratinócitos, evidenciada pela presença de citoqueratina K14 e pela expressão de p63 nas camadas suprabasal e espinhosa, bem como pela expressão precoce de involucrina e filagrina. O estado hiperproliferativo da epiderme, desencadeado pela infecção, pode ser confirmado pela presença de citoqueratina K16.5

O tratamento eletivo do molusco contagioso é a curetagem de todas as lesões. Em crianças, o procedimento pode ser feito após a anestesia tópica com lidocaína-prilocaína, aplicada previamente por uma a duas horas sobre cada lesão.6 Geralmente ocorre regressão sem deixar cicatrizes.

Quando da presença de lesões numerosas e disseminadas, o arsenal terapêutico pode abranger o uso do nitrogênio líquido em consultório, ou ainda a aplicação de medicações tópicas como a podofilotoxina ou o ácido retinoico. O uso de injeções intradérmicas com antígeno de Candida tem sido relatado com resultados variáveis.7 Mais recentemente, demonstramos a eficácia e o perfil de segurança do uso do hidróxido de potássio (KOH) de 5 a 10% em solução aquosa no tratamento do molusco contagioso em crianças imunocompetentes.8-10 A solução deve ser aplicada em casa pelo próprio doente ou pelos seus pais, com o uso de cotonete, sobre cada lesão. As aplicações devem ser repetidas diariamente até que ocorram sinais de eritema ou edema local. Nesse momento, o tratamento deve ser interrompido, a fim de evitar irritação local. As lesões que não regredirem após as primeiras sessões de tratamento são passíveis de novos tratamentos seriados, até que ocorra regressão completa do quadro. O uso do KOH oferece uma alternativa segura, extremamente eficaz e de baixo custo para o manejo do molusco contagioso.

Embora qualquer infecção possa teoricamente ser inoculada acidentalmente por meio de tatuagens, na prática as mais observadas são sífilis, tuberculose, hepatites e verrugas virais.11 No caso do molusco contagioso, existem poucos casos na literatura relatando a disseminação das lesões em tatuagens. Foulds12 relatou em 1982 o primeiro caso de um jovem masculino, 20 anos, imunocompetente, que apresentou sete lesões sobre tatuagem multicolorida após três semanas do seu término, estando as pápulas umbilicadas localizadas apenas sobre a coloração preta. O autor sugeriu que a inoculação do vírus provavelmente ocorreu por meio da tinta. O segundo caso foi relatado por Salmaso e cols.13 em 2001: tratavase de uma jovem de 20 anos, imunocompetente, que apresentou 10 lesões sobre tatuagem de pigmento preto realizada três semanas antes. Em 2006, Perez e cols.11 descreveram o terceiro caso de lesões de molusco contagioso sobre tatuagem de pigmento marromacinzentado após cinco meses do término do procedimento em jovem masculino, 20 anos e imunocompetente. Até o momento, nos últimos três anos, mais três casos já foram relatados, todos em pacientes do sexo masculino e imunocompetentes.14-16 Há pelo menos duas hipóteses para explicar a patogenia das lesões de molusco contagioso sobre tatuagens: os vírus serem transmitidos pelos instrumentos utilizados no processo da tatuagem ou as tintas estarem contaminadas com os vírus. Além do mais, alguns autores sugerem que o pigmento preto pode diminuir localmente a imunidade humoral e celular.17

Relatamos caso de molusco contagioso inoculado de forma acidental em área de realização de tatuagem. Essa dermatovirose relativamente frequente deve ser incluída no diagnóstico diferencial de infecções ocorrendo nas áreas de tatuagens.

Recebido em 11.11.2009.

Aprovado pelo Conselho Consultivo e aceito para publicação em 05.05.10.

Suporte financeiro: Nenhum

Conlito de interesse: Nenhum

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  • 3. Porro AM, Yoshioka MCN. Manifestações dermatológicas da infecção por HIV. An Bras Dermatol. 2000;75:665-691.
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  • Endereço para correspondência:
    Luciana Molina
    Rua Turiassu, 127 nono andar
    05005 001 Perdizes São Paulo-SP
    Telefone: 11-3662 4869
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    Trabalho realizado em consultório particular.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      16 Maio 2011
    • Data do Fascículo
      Abr 2011

    Histórico

    • Recebido
      11 Nov 2009
    • Aceito
      05 Maio 2010
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