Acessibilidade / Reportar erro

Piomiosite tropical

Resumos

Piomiosite tropical é infecção bacteriana do músculo esquelético, mais freqüente em homens e que se apresenta com edema e hiperestesia na área afetada. Staphylococcus aureus é o agente prevalente. É relatado caso de homem com piomiosite de músculo gastrocnêmio, secundário a pioderma gangrenoso em membro inferior direito. Ultra-sonografia demonstrou coleção de líquido permeando feixes musculares. A drenagem cirúrgica e antibioticoterapia prolongada levaram à resolução do quadro.

Agentes antibacterianos; Infecções dos tecidos moles; Miosite


Tropical pyomyositis is a bacterial infection of the skeletal muscle. It is more frequent in men, and is characterized by local swelling and tenderness. Staphylococcus aureus is the most common agent. We report the case of a male patient with pyomyositis of the gastrocnemius muscle secondary to pyoderma gangrenosum in the right lower limb. Ultrasonography showed a fluid collection permeating muscular bundles. Surgical drainage and prolonged antibiotic therapy led to complete resolution of the infection.

Anti-bacterial agents; Soft tissue infections; Myositis


COMUNICAÇÃO

Piomiosite tropical* * Trabalho realizado no Serviço de Dermatologia, Hospital Universitário Clementino Fraga Filho - Universidade Federal do Rio de Janeiro / UFRJ, Rio de Janeiro (RJ), Brasil.

Angélica de Oliveira GonçalvesI; Nurimar Conceição FernandesII

IMestranda do Serviço de Dermatologia do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho - Universidade Federal do Rio de Janeiro / UFRJ, Rio de Janeiro (RJ), Brasil

IIProfessora Adjunta de Dermatologia, Faculdade de Medicina - Universidade Federal do Rio de Janeiro / UFRJ, Rio de Janeiro (RJ), Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Angélica de Oliveira Gonçalves Rua Gruçaí, 506 21020-250 - Rio de Janeiro - RJ Tel.: (21) 2564-0541 E-mail: angelicaoliver@yahoo.com

RESUMO

Piomiosite tropical é infecção bacteriana do músculo esquelético, mais freqüente em homens e que se apresenta com edema e hiperestesia na área afetada. Staphylococcus aureus é o agente prevalente. É relatado caso de homem com piomiosite de músculo gastrocnêmio, secundário a pioderma gangrenoso em membro inferior direito. Ultra-sonografia demonstrou coleção de líquido permeando feixes musculares. A drenagem cirúrgica e antibioticoterapia prolongada levaram à resolução do quadro.

Palavras-chave: Agentes antibacterianos; Infecções dos tecidos moles; Miosite

Doença rara, a miosite infecciosa é causada por microorganismos que invadem o músculo esquelético por contigüidade ou disseminação hematogênica de foco a distância. Piomiosite tropical (PT) é infecção bacteriana do músculo, mais comum nos trópicos; em percentual que varia de 20-50% dos casos há história de trauma ou exercício vigoroso na área envolvida.1-3Diabetes mellitus,4 hepatopatia alcoólica, artrite reumatóide, LES, desnutrição,4 desordens hematológicas,5 neutropenia, imunossupressores e infecção por HIV também são referidos,1,6 Apresenta três estágios clínicos: no primeiro, início subagudo com febre, aumento de volume, eritema, dor, consistência endurecida ou lenhosa; o segundo estágio ocorre entre 10 e 21 dias após o primeiro, com sensibilidade, aumento do volume, estado febril, ausência de eritema e presença de pus; no terceiro ocorrem manifestações de sepse, eritema, intensa sensibilidade e flutuação. Os sítios mais envolvidos são grandes músculos dos membros inferiores e tronco. Podem ocorrer leucocitose, aumento de enzimas musculares,1 elevação de proteína C reativa,5 eosinofilia, aumento de IgE e do VHS;1,4 eventualmente ocorre rabdomiólise com mioglobinúria e insuficiência renal.1 O S. aureus é responsável por 95% dos casos em áreas tropicais; também são referidos estreptococos do grupo A (de um a 5%), estreptococos dos grupos B, C e G; S. pneumoniae. Raramente Enterobacteriaceae (E. coli, Klebsiella oxytoca, Serratia marcescens, M. morganii, Citrobacter freundii, Salmonella spp), Y. enterocolitica, N. gonorrhoeae, H. influenzae, Aeromonas hydrophila e anaeróbios. A tomografia computadorizada (TC) revela volume muscular aumentado e coleção de fluido, e a ultra-sonografia (USG), aumento muscular e coleção hipoecóica. A TC ou a ressonância magnética (RNM) são melhores para o diagnóstico precoce. A drenagem cirúrgica (aberta ou percutânea) é essencial. A antibioticoterapia inicial é com penicilina betalactamase resistente, devido ao predomínio do S. aureus. A mudança do antibiótico (ATB) é baseada nas culturas e testes de susceptibilidade.1 Se não tratada, a infecção progride com abscessos a distância e complicações como, pneumonia, osteomielite, abscesso pulmonar, choque/sepse, síndrome compartimental, insuficiência renal, empiema e trombose venosa.2,7

Considerando as dificuldades diagnósticas/terapêuticas da PT e potencial gravidade, relata-se o único caso na enfermaria de Dermatologia-HUCFF no período de 25 anos.

Homem de 59 anos, com diagnóstico de carcinoma renal, submetido a nefrectomia e supradrenalectomia à direita. Nesse período surgiram em membros inferiores lesões papulopustulosas que evoluíram para ulcerações dolorosas. Recebeu diagnóstico de pioderma gangrenoso sendo iniciado prednisona 60mg/dia. À internação apresentava úlceras em terço inferior de membro inferior esquerdo e em região sacra. No terço inferior da panturrilha direita, área de edema e calor (sugestivo de celulite) associada à ulceração com exposição do tendão de Aquiles. Iniciado amoxicilina/clavulanato 3g/dia e mantida prednisona 60mg/dia. Após 14 dias de ATB, com pouca melhora, foi colhido material purulento para cultura que evidenciou Enterobacter cloacae, C. freundii, E. coli e M. morganii; trocado ATB para ciprofloxacin (800mg/dia IV). Realizada USG de panturrilha direita que demonstrou hipoecogenicidade de músculo gastrocnêmio medial. A RNM (Figuras 1 e 2) revelou extensa e volumosa coleção fusiforme encapsulada, sugestiva de piomiosite. Firmado o diagnóstico optou-se por associar clindamicina (2,4g/dia VO) à ciprofloxacin devido ao crescimento polimicrobiano na cultura. Os exames laboratoriais revelaram 32.600 leucócitos, 11% de bastões e VHS de 30. Realizada drenagem percutânea; como a TC de controle não mostrou melhora, optou-se pela exploração cirúrgica. Devido ao isolamento do S. aureus no material cirúrgico foi feito uso de oxacilina por 21 dias, com melhora clínica e tomográfica, recebeu alta em uso de cefalexina que foi mantida até normalização da TC (dois meses). Evoluiu com cicatrização das ulcerações e resolução da piomiosite; a prednisona foi suspensa.



Neste caso a infecção ocorreu por contigüidade às lesões de pioderma gangrenoso, e a imunodepressão (tumor renal e corticoterapia) foi o fator predisponente. Clinicamente semelhante à celulite, o diagnóstico de PT foi firmado pelo exame de imagem (USG, TC, RNM) e isolamento dos agentes. Como a PT é facilmente confundida com processos infecciosos/inflamatórios (celulite, osteomielite, tromboflebite, paniculite, doenças sistêmicas e ruptura muscular),1 exige alto grau de suspeição diagnóstica.

Recebido em 07.07.2003.

Aprovado pelo Conselho Consultivo e aceito para publicação em 08.12.2004.

  • 1. Swartz MN. Myositis. In: Mandell GL, Bennett JE, Dolin R. Mandell D, Bennett's. Principles and Practice of Infectious Diseases. Philadelphia: Churchill Livingstone; 2000. p. 1058 - 60.
  • 2. Marques GC, Mauro Filho GL, Valiatti M, et al. Piomiosite tropical: estudo retrospectivo de 27 casos. Rev Bras Reumatol. 1995;35:193-200.
  • 3. Jayoussi R, Bialik V, Eyal A, Shehadeh N, Etzioni A. Pyomyositis caused by vigorous exercise in a boy. Acta Paediatr. 1995; 84:226-7.
  • 4. Gomez-Reino JJ, Aznar JJ, Pablos JL, Diaz-Gonzales F, Laffon A. Nontropical pyomyositis in adults. Semin Arthritis Rheum. 1994; 23:396-405.
  • 5. Hayashi T,nozaki M, Nonaka Y, et al. Pyomyositis as a focus of infection in hematological disorders: report of 3 cases. Int J Hematol. 2003; 77:171-4.
  • 6. Siqueira NG, Siqueira CMVM. Piomiosite tropical. Rev Col Bras Cir. 1998; 25:205-7.
  • 7. Malhotra P, Singh S, Sud A, Kumari S. Tropical pyomiositis: experience of a tertiary care hospital in north-west India. J Assoc Physicians India. 2000; 48:1057-9.
  • 8. Husain S, Singh N. Pyomyositis associated with bacillary angiomatosis in patient with HIV infection. Infection. 2002; 30:50-3.
  • 9. Marques GC, Valiatti M, Pereira ER, Barbieri V, Mauro Filho GL. Piomiosite tropical de localização cervical em pacientes com lúpus eritematoso sistêmico. Rev Bras Reumatol. 1996; 36:47-50.
  • 10. Waites MD, Roberts JV, Scott-Coombbes D, Al-Hamali S. Cyclic neutropenia and pyomyositis: a rare cause of overwhelming sepsis. Ann R Coll Surg Engl. 2002; 84:26-8.
  • Endereço para correspondência
    Angélica de Oliveira Gonçalves
    Rua Gruçaí, 506
    21020-250 - Rio de Janeiro - RJ
    Tel.: (21) 2564-0541
    E-mail:
  • *
    Trabalho realizado no Serviço de Dermatologia, Hospital Universitário Clementino Fraga Filho - Universidade Federal do Rio de Janeiro / UFRJ, Rio de Janeiro (RJ), Brasil.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      13 Dez 2006
    • Data do Fascículo
      Ago 2005

    Histórico

    • Aceito
      08 Dez 2004
    • Recebido
      07 Jul 2003
    Sociedade Brasileira de Dermatologia Av. Rio Branco, 39 18. and., 20090-003 Rio de Janeiro RJ, Tel./Fax: +55 21 2253-6747 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
    E-mail: revista@sbd.org.br