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Efeitos da metformina na disfunção endotelial da circulação renal induzida pela hiperglicemia em coelhos não diabéticos

Effects of metformin on endothelial dysfunction of the renal circulation resulting from acute hyperglycemia in non-diabetic rabbits

Resumos

OBJETIVO: Avaliar o efeito da metformina (Met) na disfunção endotelial da circulação renal de coelhos não diabéticos induzida por concentrações de glicose usualmente observadas em pacientes com diabetes tipo 2 (DM2) em tratamento ambulatorial. METODOLOGIA: Rins isolados de coelhos não diabéticos foram expostos por 3h a concentrações normais (100mg/dl) e elevadas (270mg/dl) de glicose na presença ou ausência de Met (100µM). Os níveis de glicose utilizados correspondem à mediana da glicemia pós-prandial (270mg/dl) obtida 2h após o café da manhã em 780 pacientes com DM2 atendidos em nosso serviço. A reatividade vascular (RV) dependente do endotélio (DE) foi avaliada com acetilcolina (ACh) e independente do endotélio (IE) com nitroprussiato de sódio (NPS). RESULTADO: Houve redução significativa na vasodilatação DE no grupo com infusão elevada de glicose em comparação ao controle (redução máxima na pressão de perfusão de respectivamente 25 ± 3 vs. 41 ± 3%; p< 0,01). No grupo de infusão com concentrações elevadas de glicose associada à infusão contínua de Met, a resposta vasodilatadora DE foi restaurada sem haver diferença significativa com o grupo controle (redução da pressão de perfusão respectivamente de 43 ± 1,5% e 41 ± 3%, p> 0,05). A Met não alterou a vasodilatação induzida pela ACh na presença de níveis normais de glicose. Finalmente, a vasodilatação renal induzida por NPS não foi modificada pela infusão conjunta de glicose e Met. CONCLUSÃO: Níveis de glicose observados em pacientes com DM2 em tratamento ambulatorial são capazes de provocar alterações agudas na RV no modelo experimental estudado, sendo estes efeitos totalmente abolidos pela Met. Os mecanismos envolvidos nesta ação protetora da Met merecem investigações específicas.

Endotélio; Hiperglicemia; Metformina; Circulação renal


OBJECTIVE: To assess the effects of metformin (Met) on the endothelial dysfunction of the renal circulation of non-diabetic rabbits acutely induced by levels of glucose usually observed in diabetic patients in daily clinical practice. METHODS: Isolated perfused kidneys from non-diabetic rabbits were exposed for 3h to normal (100mg/dl - control group) or high (270mg/dl) D-glucose with or without Met (100µM). The glucose levels used correspond to 2h post-breakfast median values (272mg/dl) obtained from a cohort of 780 type 2 diabetic (DM2) outpatients seen in our service. Vascular reactivity was evaluated with endothelium-dependent (ED) [acetylcholine - ACh] and independent (EI) [sodium nitroprusside - SNP] vasodilating agents. RESULTS: Kidneys perfused with high glucose had ED maximal vasodilation blunted in comparison to controls (respectively 25 ± 3 and 41 ± 3%; p< 0.01). A 3h Met infusion restored the vasodilating effect of ACh in the renal circulation in the presence of high glucose, no different from controls (respectively 43 ± 1.5 vs. 41 ± 3% p> 0.05). Met did not affect maximum vasodilation induced by ACh in the presence of normal glucose levels. Finally, renal vasodilation induced by SNP was not modified by simultaneous infusion of glucose and Met. CONCLUSIONS: Acute hyperglycemia corresponding to the range observed in patients with DM2 induces endothelial dysfunction in the renal circulation of normal rabbits. Acute treatment with Met was able to protect the renal circulation against the effects of high glucose. The mechanisms involved in this protector effect deserve further investigation.

Endothelium; Hyperglycemia; Circulation; Metformin


ARTIGO ORIGINAL

Efeitos da metformina na disfunção endotelial da circulação renal induzida pela hiperglicemia em coelhos não diabéticos

Effects of metformin on endothelial dysfunction of the renal circulation resulting from acute hyperglycemia in non-diabetic rabbits

Marília de Brito GomesI; Solange CailleauxII; Eduardo TibiriçáII

IDisciplina de Diabetes, Departamento de Medicina, Universidade do Estado do Rio de Janeiro

IIDepartamento de Fisiologia e Farmacodinâmica, Instituto Oswaldo Cruz, FIOCRUZ, Rio de Janeiro, RJ

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Marília Brito Gomes Disciplina de Diabetes Avenida 28 setembro 77, 3º andar 20551-030 Rio de Janeiro, RJ E-mail: mariliab@uerj.br

RESUMO

OBJETIVO: Avaliar o efeito da metformina (Met) na disfunção endotelial da circulação renal de coelhos não diabéticos induzida por concentrações de glicose usualmente observadas em pacientes com diabetes tipo 2 (DM2) em tratamento ambulatorial.

METODOLOGIA: Rins isolados de coelhos não diabéticos foram expostos por 3h a concentrações normais (100mg/dl) e elevadas (270mg/dl) de glicose na presença ou ausência de Met (100µM). Os níveis de glicose utilizados correspondem à mediana da glicemia pós-prandial (270mg/dl) obtida 2h após o café da manhã em 780 pacientes com DM2 atendidos em nosso serviço. A reatividade vascular (RV) dependente do endotélio (DE) foi avaliada com acetilcolina (ACh) e independente do endotélio (IE) com nitroprussiato de sódio (NPS).

RESULTADO: Houve redução significativa na vasodilatação DE no grupo com infusão elevada de glicose em comparação ao controle (redução máxima na pressão de perfusão de respectivamente 25 ± 3 vs. 41 ± 3%; p< 0,01). No grupo de infusão com concentrações elevadas de glicose associada à infusão contínua de Met, a resposta vasodilatadora DE foi restaurada sem haver diferença significativa com o grupo controle (redução da pressão de perfusão respectivamente de 43 ± 1,5% e 41 ± 3%, p> 0,05). A Met não alterou a vasodilatação induzida pela ACh na presença de níveis normais de glicose. Finalmente, a vasodilatação renal induzida por NPS não foi modificada pela infusão conjunta de glicose e Met.

CONCLUSÃO: Níveis de glicose observados em pacientes com DM2 em tratamento ambulatorial são capazes de provocar alterações agudas na RV no modelo experimental estudado, sendo estes efeitos totalmente abolidos pela Met. Os mecanismos envolvidos nesta ação protetora da Met merecem investigações específicas.

Descritores: Endotélio; Hiperglicemia; Metformina; Circulação renal

ABSTRACT

OBJECTIVE: To assess the effects of metformin (Met) on the endothelial dysfunction of the renal circulation of non-diabetic rabbits acutely induced by levels of glucose usually observed in diabetic patients in daily clinical practice.

METHODS: Isolated perfused kidneys from non-diabetic rabbits were exposed for 3h to normal (100mg/dl - control group) or high (270mg/dl) D-glucose with or without Met (100µM). The glucose levels used correspond to 2h post-breakfast median values (272mg/dl) obtained from a cohort of 780 type 2 diabetic (DM2) outpatients seen in our service. Vascular reactivity was evaluated with endothelium-dependent (ED) [acetylcholine - ACh] and independent (EI) [sodium nitroprusside - SNP] vasodilating agents.

RESULTS: Kidneys perfused with high glucose had ED maximal vasodilation blunted in comparison to controls (respectively 25 ± 3 and 41 ± 3%; p< 0.01). A 3h Met infusion restored the vasodilating effect of ACh in the renal circulation in the presence of high glucose, no different from controls (respectively 43 ± 1.5 vs. 41 ± 3% p> 0.05). Met did not affect maximum vasodilation induced by ACh in the presence of normal glucose levels. Finally, renal vasodilation induced by SNP was not modified by simultaneous infusion of glucose and Met.

CONCLUSIONS: Acute hyperglycemia corresponding to the range observed in patients with DM2 induces endothelial dysfunction in the renal circulation of normal rabbits. Acute treatment with Met was able to protect the renal circulation against the effects of high glucose. The mechanisms involved in this protector effect deserve further investigation.

Keywords: Endothelium; Hyperglycemia; Circulation; Metformin

O DIABETES MELLITUS (DM) é considerado, no momento, um sério e crescente problema de saúde pública em países desenvolvidos e em desenvolvimento. De acordo com as projeções da Organização Mundial de Saúde, a população diabética aumentará universalmente duas vezes até 2025, estimando-se que existirão aproximadamente 300 milhões de indivíduos diabéticos (1). Atualmente o diabetes está entre as sete doenças de maior mortalidade e morbidade em diferentes grupos populacionais devido às suas complicações crônicas macrovasculares, que podem se manifestar como doença coronariana, vascular cerebral e vascular de membros inferiores e microvasculares como a nefropatia, retinopatia e neuropatia diabética. A doença macrovascular, representada pelo enfarte do miocárdio e acidente vascular cerebral, é a principal causa de mortalidade nos pacientes com DM tipo 2 (DM2) (2,3). Este fato é devido provavelmente ao processo aterosclerótico que no paciente com diabetes é mais precoce e rápido. O estudo clínico prospectivo do Reino Unido (UKPDS) demonstrou que os pacientes com sobrepeso e/ou obesos em tratamento com metformina apresentaram redução do risco de 32% de qualquer desfecho relacionado ao diabetes, 42% de morte associada ao diabetes e 36% de todas as causas de morte em comparação ao grupo em tratamento convencional (4). Os pacientes em tratamento com metformina ainda tiveram menor ganho de peso, o que constitui uma importante vantagem no tratamento do DM2 (4). O estudo clínico "Diabetes Prevention Programe" (DPP) também observou redução do risco de evolução para o diabetes em indivíduos com intolerância à glicose no grupo em tratamento com dieta e exercício e no grupo com tratamento com metformina (5).

A ação direta da metformina na reatividade vascular já foi demonstrada em trabalhos in vitro com artéria mesentéricas de ratos com resistência insulínica. Este efeito parece ser independente das alterações metabólicas resultantes do tratamento com a droga e relacionado possivelmente a uma ação relaxante do endotélio dependente do óxido nítrico (6). Entretanto, estudos in vivo com pacientes com DM2 demonstraram resultados contraditórios (7,8).

Dados recentes de estudos realizados no nosso meio demonstraram que diferentes níveis de glicose utilizados para o diagnóstico da doença e usualmente observados em pacientes com DM2 em tratamento ambulatorial de rotina, induziam alterações da reatividade vascular da macro e microcirculação de coelhos não diabéticos (9). Essas alterações da reatividade vascular induzidas por concentrações elevadas de glicose caracterizaram-se por ser dependentes de endotélio.

O objetivo do presente estudo foi avaliar o efeito da metformina nas alterações da reatividade vascular da micro-circulação renal de coelhos não diabéticos induzidas por concentrações de glicose usualmente observadas em pacientes com DM2 em tratamento ambulatorial.

METODOLOGIA

Procedimentos Gerais

Foram utilizados coelhos albinos New Zealand anestesiados com pentobarbital sódico (40mg/kg, IV), imobilizados com brometo de pancurônio (1mg/kg, IV) para permitir ventilação controlada mecânica e anticoagulados com heparina (500 UI/Kg, IV). Após realização de laparotomia mediana, ambos os rins são isolados e as artérias e veias renais cateterizadas. A seguir o rim é instalado em placa de petri e a artéria renal perfundida com solução nutriente (Krebs-Henseleit) aerada com carbogênio (95% O2 – 5% CO2) com fluxo constante (2ml/min) para posterior registro da pressão de perfusão. Após indução de pré-contração da circulação renal com perfusão contínua de noradrenalina (10µM), são realizadas curvas dose-resposta para verificação do efeito vasodilatador dependente (acetilcolina, ACh) ou independente (nitroprussiato de sódio, NPS) de endotélio. A linha de perfusão foi conectada a um transdutor de pressão (Modelo 7016, Ugo Basile, Comerio, Itália) e as modificações da pressão da perfusão foram registradas continuamente através de um sistema de pré-amplificação acoplado a um fisiógrafo (Gemini 7070, Ugo Basile, Comerio, Itália). A composição da solução de Krebs-Henseleit utilizada é a seguinte (em mM): 118 NaCl, 4,7 KCl, 1,17 MgSO4, 2,5 CaCl26H2O, 1,2 NaH2PO4, 25 NaHCO3, 5,5 glicose e 0,25% albumina sérica bovina (pH 7,4), conforme protocolo já descrito (9).

Protocolos Experimentais

Em grupos experimentais separados, compostos por 6-8 rins cada, a circulação renal de coelho foi perfundida continuamente durante três horas com soluções contendo concentração normal de glicose (100mg/dl) e concentrações elevadas (270mg/dl), na presença ou ausência de metformina (100µM). Após a perfusão, foi induzida pré-contração sub-máxima (80% da resposta máxima) da circulação renal através de infusão contínua de norodrenalina (10µM). A seguir foram administradas doses crescentes de ACh ou NPS na linha de perfusão renal, para a determinação das respostas vasodilatadoras dependentes de endotélio.

Drogas

As seguintes drogas foram utilizadas: cloreto de acetilcolina, hidrocloreto de (±)-arterenol (noradrenalina), D-glicose, nitroprussiato de sódio e pentobarbital sódico (Sigma Chemical, Co., St. Louis, MO, USA), brometo de pancurônio (Pancuron, Cristália, Brasil) e metformina (Merck, Brasil).

Concentrações de Glicose

Os níveis de glicose utilizados no presente estudo correspondem à mediana da glicemia pós-prandial (270mg/dl) obtida duas horas após o café da manhã em 780 pacientes com DM2 regularmente atendidos no Hospital Universitário Pedro Ernesto, Universidade do Estado do Rio de Janeiro (MB Gomes, comunicação pessoal).

Análise Estatística

Os resultados foram representados como a média ± erro padrão da média (EPM) para cada grupo. A determinação das diferenças significativas entre grupos foi realizada através de análise da variância (ANOVA). Quando uma diferença significativa era detectada pela ANOVA, o teste de Student-Newman-Keuls era utilizado para a determinação das diferenças significativas. Diferenças com valor de P< 0,05 foram consideradas como significativas. Os cálculos estatísticos foram realizados através do programa Graphpad Instat (Graphpad Software, Universidade de Londres, Inglaterra).

RESULTADOS

A tabela 1 e a figura 1 demonstram o efeito da infusão de glicose em concentração normal e elevada na vasodilatação dependente de endotélio (ACh) na circulação renal de coelhos não diabéticos na presença ou ausência de infusão contínua de metformina. No grupo controle, a ACh induziu uma resposta vasodilatadora dose-dependente com uma redução máxima da pressão de perfusão de 41 ± 3%. No grupo com infusão de altas concentrações de glicose (270mg/dl), a resposta vasodilatadora dependente do endotélio foi significativamente menor do que aquela observada no grupo controle (respectivamente 25 ± 3% e 41 ± 3%; P< 0,01). No grupo de infusão com concentrações elevadas de glicose associada à infusão contínua de metformina, a resposta vasodilatadora dependente do endotélio foi restaurada, sem haver diferença significativa com o grupo controle (redução da pressão de perfusão respectivamente de 43 ± 1,5% e 41 ± 3%; P > 0,05). Além disso, observou-se diferenças significativas entre os grupos submetidos a concentrações elevadas de glicose associadas ou não à infusão contínua de metformina (redução da pressão de perfusão respectivamente de 43 ± 1,5% e 25 ± 3%, P< 0,001). No grupo tratado com concentrações normais de glicose, a infusão de metformina não modificou de maneira significativa a resposta vasodilatadora induzida pela ACh (tabela 1).


A tabela 2 e a figura 2 demonstram o efeito da infusão de diferentes concentrações de glicose na vasodilatação independente de endotélio (NPS) na circulação renal de coelhos não diabéticos na presença ou ausência de infusão contínua de metformina. Não foram observadas diferenças significativas entres os diferentes grupos experimentais.


DISCUSSÃO

No presente estudo, utilizamos o modelo experimental in vitro de perfusão em rim isolado, que é representativo da função vascular renal como um todo e permite a investigação da reatividade vascular renal em condições fisiológicas e patológicas. Este modelo apresenta a vantagem de controlar importantes variáveis hemodinâmicas como a pressão de perfusão e intensidade do fluxo e eliminar a influência de variáveis neuro-humorais, hormonais, clínicas e bioquímicas na reatividade vascular renal (10). Atualmente, este modelo tem sido utilizado em vários estudos de investigação do tônus vascular renal (11-13).

Em estudos anteriores, demonstramos que níveis elevados de glicose correspondentes ao observado duas horas após o café da manhã em pacientes com DM2 em atendimento ambulatorial induziam agudamente uma disfunção endotelial da circulação renal de coelhos não diabéticos (9). No estudo acima descrito, a disfunção endotelial induzida por elevadas concentrações de glicose foi apenas parcialmente explicada pela osmolaridade da solução infundida porque a infusão renal com concentrações correspondentes de manitol resultou em pequena redução da vasodilatação renal induzida pela ACh apenas na sua dose máxima. No mesmo estudo, a vasodilatação renal independente do endotélio induzida pelo doador de óxido nítrico, o nitroprussiato de sódio, não foi modificada (9).

A dose de metformina utilizada no nosso estudo já foi utilizada anteriormente e corresponderia à concentração plasmática observada com dose terapêuticas máximas (14). Observamos que a disfunção endotelial induzida por concentrações elevadas de glicose foi abolida com a infusão simultânea de metformina, em modelo experimental que abrange tanto a macro quanto a microcirculação renal. Este achado, nas condições experimentais de nosso trabalho, significa que a presença contínua de metformina resultou em efeito protetor sobre a disfunção endotelial renal dependente do endotélio induzida agudamente por concentrações elevadas de glicose. Recentemente, também foi demonstrado efeito protetor da metformina sobre a disfunção endotelial de vasos de condutância de ratos induzida por outros estímulos, tais como a hiperóxia (O2 a 100%) (15). Portanto, podemos inferir que a metformina teria uma ação protetora do endotélio vascular em diferentes tipos de vasos e com diferentes estímulos. No grupo de rins perfundidos com concentrações normais de glicose associada com infusão contínua de metformina, não foi observada alteração da vasodilatação induzida por ACh, exceto uma atenuação não significativa da vasodilatação na dose de 30µmol. Neste contexto, uma ação simpaticomimética indireta da metformina já foi descrita em outros modelos experimentais, tais como de artérias de cauda de ratos hipertensos (14). Por outro lado, a vasodilatação renal independente de endotélio não foi modificada pela infusão conjunta de glicose com metformina.

O modelo experimental utilizado em nosso estudo permite excluir a influência de importantes variáveis clínicas e laboratoriais associadas à resistência insulínica, como a obesidade visceral, a hiperinsulinemia de jejum, a dislipidemia, marcadores inflamatórios e pró-trombóticos que são diretamente e/ou indiretamente relacionados à disfunção endotelial do diabetes (16). Desta forma, podemos inferir pelos nossos achados que a metformina teria um efeito protetor direto na circulação renal de coelhos não diabéticos. Na maioria dos estudos clínicos, incluindo aqueles realizados com metformina, observa-se que a melhora da disfunção endotelial do paciente com DM2 é relacionada com a melhora dos parâmetros indicadores de resistência insulínica descritos acima (7,8). Entretanto, é importante citar que estes estudos mostraram resultados contraditórios, pois foram conduzidos com pacientes com DM2 em diferentes estágios da história natural da doença e com protocolos experimentais diversos, principalmente com diferentes metodologias de avaliação da função endotelial vascular dos pacientes.

Apesar de nosso protocolo experimental não permitir discutirmos os possíveis mecanismos implicados na ação protetora da metformina na circulação renal induzida pela hiperglicemia, são citados na literatura, em diferentes estudos experimentais e clínicos, a diminuição da dimetilarginina assimétrica (17), do PAI-1 (plasminogen activator inhibitor-1) (18), do cálcio intra-celular das células do músculo liso das arteríolas (6) e do estresse oxidativo pela redução da glicemia (19). Este último mecanismo parece resultar de uma redução da produção das espécies reativas de oxigênio (ROS) induzida pela metformina devido a uma inibição do complexo 1 mitocondrial (20). De acordo com alguns autores, a metformina teria uma ação anti-oxidante direta que poderia, inclusive, ser independente do seu efeito anti-hiperglicêmico (20). Vários efeitos benéficos no endotélio seriam decorrentes da diminuição da produção dos ROS como aumento da biodisponibilidade de óxido nítrico e menor ativação da proteína quinase C.

Em conclusão, níveis de glicose observados em pacientes com DM2 em tratamento ambulatorial são capazes de provocar alterações agudas na reatividade vascular renal no modelo animal de rim isolado e perfundido de coelhos não diabéticos, sendo que estes efeitos foram totalmente abolidos pela metformina. Os mecanismos envolvidos nesta ação protetora da metformina merecem investigações específicas.

AGRADECIMENTOS

A Merck do Brasil pelo fornecimento da metformina.

Recebido em 03/01/05

Revisado em 24/05/05

Aceito em 19/07/05

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  • Endereço para correspondência:

    Marília Brito Gomes
    Disciplina de Diabetes
    Avenida 28 setembro 77, 3º andar
    20551-030 Rio de Janeiro, RJ
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      01 Fev 2006
    • Data do Fascículo
      Dez 2005

    Histórico

    • Aceito
      19 Jul 2005
    • Recebido
      03 Jan 2005
    • Revisado
      24 Maio 2005
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