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Adesão a um programa de atividade física em adultos portadores de diabetes

Adherence of adults with diabetes to a physical activity program

Resumos

O objetivo deste estudo foi verificar se um programa de atividade física aumentaria a freqüência de exercitar-se em pacientes sedentários portadores de diabetes. Participaram 12 portadores de diabetes tipo 2, um tipo 1 e um com diabetes secundário. Foram ministradas 40 aulas primeiramente por uma professora de Educação Física e, depois, por algum aluno. Fortaleceu-se o comparecimento às aulas através de um esquema de premiação. Os familiares de seis pacientes foram incentivados a apoiar a prática de atividade física. Fora das aulas, cada aluno registrava diariamente sua atividade física. Avaliações físicas e o exame de hemoglobina glicosilada foram realizados antes do programa, ao final do terceiro mês e no seguimento. Nove alunos concluíram o programa e aumentaram sua atividade física fora das aulas. No final do terceiro mês, os valores da hemoglobina glicosilada daqueles que persistiam no programa diminuíram significativamente. O envolvimento familiar contribuiu para a adesão ao programa.

Atividade física; Adesão; Diabetes; Incentivo; Família


The present study was planned to verify if an adherence-enhancement activity program would be able to increase the frequency of exercising among sedentary diabetic patients. Twelve type 2 diabetic patients, one type 1 and one with secondary diabetes were included in the current study. Forty classes were first commanded by a teacher and then by a student. Adherence to the program was reinforced through a rewarding schedule. Six family members were encouraged to support physical activity. At home, each student registered his/her physical activity daily. Fitness evaluation and glycosylated hemoglobin were carried out before the program, at the end of the third month and at the follow-up. Nine participants completed the program and increased their physical activity at home. At the end of the third month, mean glycosylated hemoglobin of the patients persisting at the program was significantly lower than basal values. Involving family members contributed to promote adherence.

Physical activity; Adherence; Diabetes; Reward; Family


ARTIGO ORIGINAL

Adesão a um programa de atividade física em adultos portadores de diabetes

Adherence of adults with diabetes to a physical activity program

Juliane Jellmayer Fechio; Fani Eta Korn Malerbi

Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia Experimental: Análise do Comportamento, Faculdade de Psicologia, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Associação de Diabetes Juvenil de São Paulo, São Paulo, SP

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Fani Eta Korn Malerbi Departamento de Métodos e Técnicas Faculdade de Psicologia - PUCSP Rua Monte Alegre 984 05014-001 São Paulo, SP Fax: (11) 3849-5641 E.Mail: fanimalerbi@terra.com.br

RESUMO

O objetivo deste estudo foi verificar se um programa de atividade física aumentaria a freqüência de exercitar-se em pacientes sedentários portadores de diabetes. Participaram 12 portadores de diabetes tipo 2, um tipo 1 e um com diabetes secundário. Foram ministradas 40 aulas primeiramente por uma professora de Educação Física e, depois, por algum aluno. Fortaleceu-se o comparecimento às aulas através de um esquema de premiação. Os familiares de seis pacientes foram incentivados a apoiar a prática de atividade física. Fora das aulas, cada aluno registrava diariamente sua atividade física. Avaliações físicas e o exame de hemoglobina glicosilada foram realizados antes do programa, ao final do terceiro mês e no seguimento. Nove alunos concluíram o programa e aumentaram sua atividade física fora das aulas. No final do terceiro mês, os valores da hemoglobina glicosilada daqueles que persistiam no programa diminuíram significativamente. O envolvimento familiar contribuiu para a adesão ao programa.

Descritores: Atividade física; Adesão; Diabetes; Incentivo; Família

Abstract

The present study was planned to verify if an adherence-enhancement activity program would be able to increase the frequency of exercising among sedentary diabetic patients. Twelve type 2 diabetic patients, one type 1 and one with secondary diabetes were included in the current study. Forty classes were first commanded by a teacher and then by a student. Adherence to the program was reinforced through a rewarding schedule. Six family members were encouraged to support physical activity. At home, each student registered his/her physical activity daily. Fitness evaluation and glycosylated hemoglobin were carried out before the program, at the end of the third month and at the follow-up. Nine participants completed the program and increased their physical activity at home. At the end of the third month, mean glycosylated hemoglobin of the patients persisting at the program was significantly lower than basal values. Involving family members contributed to promote adherence.

Keywords: Physical activity; Adherence; Diabetes; Reward; Family

OS BENEFÍCIOS DA PRÁTICA DA ATIVIDADE física regular para a saúde têm sido amplamente documentados (1-3). Há várias evidências de que os resultados inicialmente obtidos num programa de atividade física só serão mantidos se os indivíduos continuarem praticando exercício apropriado a longo prazo (4,5).

A melhora nas medidas fisiológicas, tais como a redução de triglicérides e do colesterol LDL, o aumento do colesterol HDL, a diminuição da freqüência cardíaca em repouso e em atividade, a redução da pressão arterial, entre outras que decorrem de um estilo de vida fisicamente ativo são ainda mais importantes nos portadores de diabetes mellitus (DM), uma vez que o risco de mortalidade por doenças coronarianas é quatro a cinco vezes maior nesses indivíduos em comparação com aqueles que não apresentam diabetes (6).

A atividade física contribui para a prevenção do DM tipo 2 (7-9). Para os portadores de DM, a atividade física é parte fundamental do tratamento, assim como é o uso de medicamentos e a dieta alimentar (10-12).

Os exercícios regulares ajudam a diminuir e/ou manter o peso corporal, a reduzir a necessidade de antidiabéticos orais, a diminuir a resistência à insulina e contribuem para uma melhora do controle glicêmico, o que, por sua vez, reduz o risco de complicações (13,14).

Apesar das vantagens da atividade física, uma grande parte da população é inativa ou se exercita em níveis insuficientes para alcançar resultados satisfatórios para a saúde. Estima-se que 50% dos indivíduos que começam um programa de exercício interrompem-no nos primeiros seis meses (15). A literatura tem apontado que a maioria das desistências ocorre durante os três meses iniciais com resultados semelhantes em todas as faixas etárias, independentemente do sexo (16).

A pobre adesão ao tratamento constitui-se num dos maiores problemas enfrentados pelos profissionais de saúde. A adesão é pior em situações que requerem tratamentos longos, de natureza preventiva e quando há necessidade de alteração no estilo de vida, como é o caso da atividade física (17).

Uma revisão recente (18) apontou que apenas 19 a 30% dos pacientes portadores de DM aderem às prescrições de exercícios.

Hays e Clark (19) avaliaram a atividade física em adultos com DM tipo 2 e verificaram que esses pacientes tendem a aderir menos à prática de exercícios físicos regulares do que indivíduos em geral.

O objetivo do presente estudo foi verificar se o programa que desenvolvemos dirigido a pacientes sedentários portadores de DM seria capaz de aumentar a freqüência de atividade física. O programa envolveu incentivo do comparecimento às aulas através de premiação à assiduidade e um aconselhamento de familiares para que apoiassem a prática de atividade física dos pacientes.

MATERIAL E MÉTODOS

Foram selecionados para participar como alunos do programa de atividade física 14 adultos portadores de DM, que informaram, na entrevista inicial, despender regularmente menos do que 30min de atividade física diária quatro vezes por semana. Adotou-se o conceito de atividade física descrito pelo manual do Programa Agita São Paulo (20). Todos os participantes apresentaram-se como voluntários em resposta a um convite colocado em cartazes afixados nos murais da Associação de Diabetes Juvenil de São Paulo e assinaram consentimento pós-esclarecido. As características dos alunos selecionados são apresentadas na tabela 1.

Doze dos 14 alunos selecionados eram portadores de DM tipo 2 com diagnóstico há mais de dez anos. Havia apenas um aluno com DM tipo 1 e um recém-diagnosticado como portador de DM secundário (P12). As idades variavam entre 36 e 73 anos, sendo que metade dos participantes apresentava mais do que 60 anos. O tratamento compreendia antidiabético oral para 11 pacientes. Sete alunos tomavam insulina isoladamente ou em associação com antidiabético oral. Apenas o aluno P12 não usava nenhum medicamento para o tratamento do DM. Com exceção de P1, todos os participantes referiram uma história de outros problemas de saúde além do DM (tabela 1).

Para avaliar a aptidão física, foram utilizados um freqüencímetro da Polar (EDGE), uma bicicleta ergométrica (Monark), um aparelho para aferição da pressão arterial, um compasso para dobras cutâneas (Cescorf) com precisão de 0,01mm, um estetoscópio, uma fita métrica flexível (Donjoy), uma balança antropométrica, um flexímetro e um colchonete.

Para executar o procedimento, foram empregados bastões e colchonetes, um aparelho de som, material para medir a glicemia capilar (glicosímetro: Precision - Abbot, fitas, lancetas), material para medir cetonas na urina (Optium – Abbot) e prêmios (artigos esportivos como camisetas e meias, itens de cuidado do DM, tais como glicosímetros Advantage - Roche, fitas, cremes para cuidados com os pés, produtos dietéticos etc.).

A primeira autora encontrou-se individualmente com os participantes, explicou os objetivos da pesquisa e pediu que cada participante indicasse um familiar que pudesse fazer parte de um grupo que eventualmente iria se encontrar a cada vinte dias durante o programa. Nessa entrevista, solicitou aos participantes que, durante 20 dias, registrassem diariamente os seus comportamentos de atividade física, bem como sua duração. Cada participante recebeu uma folha de registro na qual estavam descritas: 1) atividades em casa (cuidar do jardim, passear com cachorro, subir e descer escadas); 2) atividades de lazer (dançar, caminhar, pedalar, nadar) e 3) atividades rotineiras (descer um ponto antes, andar pequenas distâncias). Além disso, cada aluno poderia acrescentar outras atividades que não faziam parte da lista. Esses dados consistiram a medida de Linha de Base da atividade física fora das aulas.

Os participantes foram submetidos a uma avaliação física em três momentos diferentes: antes da intervenção, ao final do terceiro mês do programa que teve a duração de 5 meses e 36 dias após o término do programa. A avaliação envolveu um teste de potência aeróbia (VO2 submáximo indireto), que resultou na aptidão aeróbia do indivíduo, utilizando o protocolo de Astrand (21), um Flexiteste (abdução de ombro, extensão do quadril e flexão do quadril) seguindo o protocolo de Leighton (22) e a medida de composição corporal de acordo com o método de Guedes (23). Foi avaliada também a razão entre as circunferências da cintura e do quadril (RCQ), como estimativa da gordura abdominal.

Media-se a glicemia capilar de cada participante antes de cada aula para verificar se a pessoa podia participar com segurança da atividade física. Considerou-se como segura a faixa compreendida entre 120mg/dl e 250mg/dl. A glicemia capilar também foi obtida nos três dias que sucederam as avaliações físicas.

Mediu-se a hemoglobina glicosilada pelo método de cromatografia líquida de alta performance (HPLC) com valores normais de 3,6 a 5,3% nos três dias que sucederam as avaliações físicas para avaliar o controle do DM.

Os participantes foram informados dos resultados dos exames da hemoglobina glicosilada e da avaliação física obtidos nas três ocasiões.

Sete alunos (P1, P5, P7, P8, P9, P11 e P14) sorteados tiveram seus familiares convidados a fazer parte de um grupo que iria se reunir com uma das pesquisadoras oito vezes ao longo do estudo. A maioria desses familiares era do sexo feminino (4/6) e tinha relação conjugal com os portadores de DM (4/6). O grupo de familiares contou também com a participação de uma irmã e uma filha dos portadores de DM. As idades dos familiares que participaram do estudo variaram entre 35 e 67 anos (média de 56,2 anos).

As reuniões com os familiares duravam 30min. As reuniões foram usadas para: 1) explicar os benefícios da atividade física para a saúde, especialmente para o controle glicêmico em portadores de DM; 2) salientar a importância do apoio familiar à adesão ao programa; 3) apresentar os dados referentes às glicemias capilares obtidas antes de cada aula pelos alunos do programa e o tempo gasto com atividade física fora das aulas; 4) sugerir estratégias de incentivo à atividade física dentro e fora do programa que poderiam ser empregadas pelos familiares; e 5) enfatizar a importância da continuidade do apoio familiar à atividade física após o encerramento do programa. As reuniões eram coordenadas pela professora que estimulava a troca de experiências entre os participantes.

Efetivamente seis familiares participaram dessas reuniões, uma vez que o aluno P7 desligou-se da pesquisa por motivos pessoais. Esse participante retornou às aulas na metade do terceiro mês do programa, quando três encontros com familiares já haviam ocorrido. Nessa ocasião, o participante foi readmitido ao programa, tendo sido designado para a condição sem envolvimento familiar.

O programa de exercício estruturado foi aplicado a todos os alunos do presente estudo. As aulas tiveram a duração aumentada gradualmente a partir de 15min até 60min. Houve dois tipos de aulas: com a professora (CP), na qual uma professora de Educação Física (a primeira pesquisadora) coordenava as atividades e sem a professora (SP), situação na qual a coordenação ficava sob a responsabilidade de algum membro do grupo. Nesse segundo tipo de aula, a professora estava presente, mas submetia-se à aula como um membro do grupo. O participante que conduzia a aula deveria repetir o exercício realizado na última aula CP.

As sessões de exercício envolveram alongamentos iniciais, caminhada e alongamentos finais e foram realizadas em um parque sempre que as condições climáticas permitiam. A professora ensinou aos alunos como medir suas freqüências cardíacas e orientou-os a mantê-las dentro de uma faixa particularizada, dependendo da idade do participante. O critério adotado foi de 60% a 75% da freqüência cardíaca máxima, compatível com uma atividade de intensidade moderada (24). A duração da caminhada aumentou de acordo com o progresso dos participantes, avaliado pela professora. Em caso de mau tempo, a aula era realizada nas dependências da Associação de Diabetes Juvenil de São Paulo e era feito um trabalho de resistência muscular, com exercícios de membros superiores, inferiores e de tronco. Nas atividades internas, seguiu-se o mesmo esquema alongamento–exercício–alongamento.

Implementou-se um sistema de pontuação pela participação às aulas do programa com exigência crescente. O comparecimento a cada atividade (CP ou SP) valia 10 pontos. No primeiro mês, todos os sujeitos que conseguiram acumular 50% do total de pontos obtidos puderam trocar seus pontos por um prêmio. No 2º mês, o critério para os participantes ganharem o prêmio exigia pelo menos 75% do total de pontos e no 3º, no 4º e no 5º meses a exigência era de 100% de pontos. Os prêmios eram entregues ao final de cada mês, exceto os do último mês do programa, os quais tiveram a entrega adiada por 36 dias (avaliação do seguimento).

A proporção de aulas CP e SP variou no decorrer do programa. A tabela 2 apresenta a distribuição das aulas CP e SP, bem como o critério mensal para obtenção de prêmios no decorrer dos cinco meses do programa.

A diminuição das atividades CP teve o objetivo de propiciar a ocorrência de uma situação mais próxima daquela que ocorreria quando o programa terminasse. Esperava-se que as pessoas não apenas adquirissem o comportamento de exercitar-se, mas que o mantivessem mesmo que não houvesse um professor para ministrar uma aula de Educação Física.

A adesão foi avaliada com base nos registros de participação das atividades CP e SP. Cada aluno deveria registrar a participação de um colega em cada uma das atividades, como forma de garantir informações precisas a respeito da execução dos exercícios, da sua quantidade e de como o participante se sentia.

Cada participante deveria também registrar, diariamente, a atividade física que praticava fora das aulas nos 20 dias que antecederam o programa (Linha de Base) durante todo o programa (140 dias) e nos 36 dias que sucederam o término deste (Seguimento), para que pudesse ser avaliada uma possível mudança no estilo de vida.

Após o término do programa, os participantes foram dispensados das aulas e receberam instruções para que mantivessem o hábito de fazer exercícios fora da associação, registrando diariamente a atividade física.

Os participantes foram convidados a comparecer 36 dias após o término das aulas, ocasião na qual receberiam os prêmios referentes ao último mês do programa, fariam a terceira avaliação física, o terceiro exame de hemoglobina glicosilada, e entregariam os auto-registros do período pós-programa.

Empregou-se o programa de computador SPSS para realizar a análise de variância para amostras repetidas. O critério adotado para a significância estatística foi de 5%.

RESULTADOS

Adesão ao programa de atividade física

A tabela 3 apresenta a porcentagem de comparecimento de cada aluno às aulas em cada mês do programa.

Nove participantes completaram o programa freqüentando a maioria das aulas (82,5-100%). Dois participantes (P4 e P9) compareceram a todas as aulas ao longo do programa. No último mês do programa oito alunos compareceram a todas as aulas.

Envolvimento familiar

Todos os participantes cujos familiares foram convidados a participar da pesquisa, exceto P14, completaram o programa de atividade física. Excetuando-se o marido da aluna P14, que compareceu a uma única reunião e afirmou não se interessar pela adesão da esposa ao programa, os demais familiares convidados compareceram a 5–8 encontros de grupo.

É interessante notar que as participantes P4 e P9, que apresentaram a adesão mais alta de todo o grupo (100% de participação nas aulas), foram aquelas que tiveram incentivo constante de seus familiares, que, além de apoiarem verbalmente a adesão à atividade física, mudaram seu estilo de vida e tornaram-se fisicamente ativos juntamente com as participantes. Deve-se ressaltar que, no caso do familiar da aluna P4, isto ocorreu espontaneamente, uma vez que este participante não fazia parte do grupo planejado para envolver os familiares. O filho da aluna P4 participou de cinco aulas do programa e passou a caminhar todos os dias com ela.

Dos oito alunos que pertenciam ao grupo sem envolvimento familiar, quatro desistiram do programa (P7, P10, P12 e P13).

Mudança de estilo de vida

A tabela 4 apresenta o tempo médio gasto em atividade física fora das aulas, no decorrer do estudo, para os alunos que completaram o programa e para aqueles que desistiram. Mostra, também, que, para todos os alunos excetuando-se P10, que desistiu do programa no 1º. mês, ocorreu uma variabilidade mês a mês no tempo gasto com atividade física fora das aulas, mas sempre em patamares superiores aos valores basais. Pode-se perceber que os alunos que apresentaram uma maior adesão ao programa foram também os que apresentaram registros mais consistentes de aumento de atividade física fora das aulas (P1, P3, P4, P5, P6, P8 e P9).

A análise de variância para amostras relacionadas mostrou que, a partir do 4º. mês, os alunos que completaram o programa gastaram um tempo médio significativamente maior praticando atividade física, em casa, do que na Linha de Base, mantendo esse hábito no seguimento (p= 0,000). Isto significa que o programa só conseguiu alterar o estilo de vida após três meses, mas, uma vez adquirido esse novo hábito, ele se manteve (por pelo menos 36 dias) após o encerramento do programa.

Hemoglobina glicosilada

A figura 1 apresenta os valores médios do exame de hemoglobina glicosilada realizado na Linha de Base, no final do 3º. mês do programa e no seguimento para os nove alunos que completaram o programa.


A comparação estatística entre as médias do grupo nas três ocasiões revelou que os dados mais favoráveis ocorrerem três meses após o início do programa (p< 0,05). Embora os resultados da avaliação realizada no seguimento não tenham sido significativamente diferentes dos demais, tenderam a ser menores que os níveis basais.

Avaliação física

A tabela 5 mostra que, para os nove participantes que completaram o programa, a avaliação de abdução do ombro, de extensão do quadril e de flexão do quadril durante o treino sempre apontou dados significativamente mais favoráveis do que aqueles observados na Linha de Base, sendo que, nos testes abdução do ombro e flexão do quadril, essa melhora se manteve no seguimento.

No entanto, em relação à soma das dobras cutâneas, à porcentagem de gordura e à porcentagem de massa magra, não houve alterações estatisticamente significativas nas três ocasiões em que essas medidas foram realizadas, embora os números tenham indicado algum progresso no decorrer do programa para os nove participantes que completaram o programa. No seguimento, houve uma tendência do grupo de participantes reduzir a soma das dobras cutâneas e a porcentagem de gordura e aumentar a porcentagem de massa magra, o que é positivo em termos de composição corporal.

As medidas de relação cintura-quadril não se mostraram diferentes nas três ocasiões de avaliação.

A avaliação da aptidão cardio-respiratória só pôde ser realizada para três participantes por vários motivos. Os participantes P9, P11 e P14 não foram submetidos ao teste de VO2 submáximo em nenhuma das três ocasiões por apresentarem incapacidade de pedalar decorrente da obesidade, insuficiência cardíaca e dores no joelho, respectivamente.

Na Linha de Base, apenas os participantes P1, P3, P5 e P7 estavam em condições de realizar o exame. Os participantes P4, P10, e P13 não foram submetidos a essa prova por apresentarem glicemia extremamente elevada (maior que 250mg/dl). Os participantes P2, P6, P8 e P12 precisaram interrompê-la por fadiga.

No 3º. mês do programa, nove participantes entre os 12 que persistiam no programa conseguiram realizar o exame. Isto pode ser considerado um progresso, embora a comparação quantitativa não possa ser feita pela falta de dados da Linha de Base.

Na última avaliação (seguimento), cinco participantes entre os nove que completaram o programa conseguiram realizar a prova.

Pôde-se constatar uma melhora quantitativa apenas para o participante P1 que apresentou 20,5ml/kg/min na Linha de Base; 34,1ml/kg/min no terceiro mês do programa e 50,6ml/kg/min no seguimento.

Outras observações

Pudemos observar também que alguns alunos obtiveram ganhos não planejados pelo nosso procedimento. Após a mudança de estilo de vida, o participante P1 pôde reduzir a dose do antidiabético oral que tomava, a participante P2 não precisou mais fazer uso dos analgésicos que costumava tomar para dores no corpo, as alunas P4 e P9 tiveram sua pressão arterial controlada, reduzindo e suspendendo o uso de remédios, o participante P11 reduziu a dose de insulina e a aluna P5 deixou de utilizá-la definitivamente.

DISCUSSÃO

O programa conseguiu promover uma mudança de comportamento em nove dos 14 portadores de DM sedentários. Os participantes que completaram o programa freqüentaram em média 89,7% das aulas, o que é uma taxa bastante elevada. No início do presente estudo, os participantes apresentavam bastante dificuldade em realizar exercícios em função de uma série de problemas de saúde além do DM e, na maioria dos casos, tinham uma longa história de sedentarismo. Isto não impediu a ocorrência da alta taxa de adesão observada. Deve-se ressaltar que esta taxa poderia ter sido ainda maior se algumas intercorrências médicas não tivessem ocorrido, como a internação hospitalar do participante P11 por 12 dias.

A mudança de comportamento foi observada, não apenas em relação ao comparecimento às aulas numa situação de programa estruturado, mas também fora das aulas com o aumento de tempo gasto na prática diária de atividade física. Observou-se uma variabilidade entre os participantes que concluíram o programa, mas todos gastaram diariamente mais tempo em atividade física no seguimento do que na Linha de Base, indicando que o estilo de vida mais ativo, adquirido com o programa, manteve-se após o seu término.

Estes resultados foram superiores àqueles encontrados na literatura que, em geral, aponta índices muito pobres de adesão a programas de atividade física, principalmente em portadores de doença crônica (18,19).

No presente estudo, os alunos receberam pontos que eram trocados por prêmios. Até que a atividade física consiga produzir conseqüências positivas para a saúde, capazes de manter o comportamento de exercitar-se, é preciso que o indivíduo seja capaz de superar algumas dificuldades iniciais, tais como o mal-estar decorrente de cansaço, dores musculares, episódios de hipoglicemia, etc, freqüentemente responsáveis pelo abandono da atividade (25). A superação dessas dificuldades iniciais deve ter sido facilitada pelo emprego dos pontos que eram trocados por prêmios.

Pesquisadores que testam programas de intervenção com o objetivo de aumentar a atividade física e que coletam dados de seguimento verificam que, geralmente, o aumento do tempo gasto com atividades físicas, adquirido durante o programa, não é mantido após a intervenção ser suspensa (26). No presente estudo, os nove participantes que completaram o programa acumularam mais tempo diariamente com atividades físicas no seguimento do que na Linha de Base, sendo que, para três deles (P1, P4 e P11), os índices de atividade física alcançados nessa ocasião superaram aqueles registrados no decorrer do programa. A ocorrência de aulas de dois tipos com (CP) e sem a professora (SP) deve ter contribuído para a generalização do comportamento de atividade física que passou a ocorrer também fora das aulas durante o programa e após o seu término. Deve-se lembrar que os alunos só recebiam prêmios pelo comparecimento às aulas (27,28).

Além disso, o fato das mudanças mais importantes de comportamento ocorrerem naqueles alunos cujos familiares tiveram maior envolvimento no programa aponta para a importância da família na aquisição e manutenção do comportamento de exercitar-se fora das aulas. É interessante salientar que a variável "envolvimento familiar" mostrou-se importante para a adesão dos alunos ao programa de atividade física, mesmo quando acontecia espontaneamente, independentemente do planejamento da pesquisa. Estes resultados são consistentes com os dados de diversas pesquisas que mostram que a família tem uma forte influência sobre o estilo de vida e os comportamentos de saúde dos pacientes (29,30).

Quanto às medidas do controle glicêmico, sabe-se que a redução nos valores de hemoglobina glicosilada é um indicador de melhor controle do DM e se correlaciona com a redução do aparecimento e/ou progressão de complicações crônicas (31,32). Observamos, no presente estudo, uma redução nos valores médios de hemoglobina glicosilada na avaliação que ocorreu durante o programa em relação aos valores basais e, apesar de ter havido uma piora nos valores obtidos no seguimento, ainda foram melhores que os da Linha de Base.

É importante mencionar que o controle glicêmico não depende somente da atividade física, mas também da natureza do distúrbio endocrinológico (falta absoluta ou relativa e/ou insensibilidade das células do fígado e de alguns tecidos periféricos à insulina), do status nutricional do paciente, dos seus hábitos alimentares, seu esquema de tratamento, sua forma de enfrentar a doença, além do seu meio familiar, profissional, social e outros. O presente estudo enfocou apenas a atividade física e manipulou algumas variáveis para aumentar a freqüência e a duração desse comportamento.

É muito difícil estabelecer o peso de cada uma das variáveis envolvidas no programa desenvolvido no presente estudo, para a mudança de comportamento de atividade física observada na maioria dos participantes. Poderíamos dizer que o nosso programa envolveu um "pacote" de estratégias comportamentais para promover a adoção de um estilo de vida mais ativo. Usamos o sistema de pontuação e sua troca por prêmios, instruímos alguns familiares a incentivarem e apoiarem os alunos na superação das dificuldades enfrentadas, planejamos as aulas de modo a desenvolver uma interação cooperativa e amigável entre os vários participantes do grupo e a professora, fornecemos os resultados dos exames de hemoglobina glicosilada e da avaliação física como uma forma de comprovar os benefícios da atividade física no controle glicêmico e na aptidão física.

Não podemos, no entanto, deixar de considerar a influência que outras variáveis exerceram no comportamento de atividade física. Os participantes do programa tornaram-se, no decorrer do estudo, um grupo de amigos. O mesmo aconteceu em relação à professora, que, ao demonstrar preocupação com a saúde dos alunos e incentivar e elogiar a participação nas aulas, acabou estabelecendo relações afetivas muito fortes com o grupo. Todos estes aspectos fizeram com que as aulas se tornassem momentos muito prazerosos.

Os resultados referentes à melhora na saúde dos participantes também devem ter contribuído para os resultados positivos observados em relação ao aumento dos níveis de atividade física. Verificamos que, quando os participantes receberam os resultados da segunda avaliação física e do exame de hemoglobina glicosilada (após o 3º. mês do programa), podendo constatar que a sua condição de saúde havia melhorado, houve aumento na adesão às aulas e no tempo gasto com atividades físicas fora das aulas, concomitantemente com o relato dos participantes de se sentirem motivados para melhorar ainda mais.

O fato de termos observado resultados positivos no seguimento não nos garante que a atividade física desses participantes permanecerá inalterada. Medidas adicionais nos meses subseqüentes ao término do programa poderiam indicar em que momento o nível de atividade sofreria alterações, ocasião na qual outras intervenções deveriam ser planejadas para manter níveis satisfatórios de atividade.

Recebido em 06/08/03

Revisado em 09/12/03

Aceito em 10/12/03

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  • Endereço para correspondência
    Fani Eta Korn Malerbi
    Departamento de Métodos e Técnicas
    Faculdade de Psicologia - PUCSP
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    05014-001 São Paulo, SP
    Fax: (11) 3849-5641
    E.Mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      07 Jul 2004
    • Data do Fascículo
      Abr 2004

    Histórico

    • Aceito
      10 Dez 2003
    • Revisado
      09 Dez 2003
    • Recebido
      06 Ago 2003
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