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Obesidade, seriedade e sociedade

editorial

Obesidade, Seriedade e Sociedade

Marcio C. Mancini

Médico do Pronto Socorro Médico,

Serviço de Clínica Médica de

Emergência e Grupo de Obesidade e

Doenças Metabólicas, Hospital das

Clínicas, FMUSP, SP e

Presidente da Associação Brasileira

para o Estudo da Obesidade (ABESO)

"A PREOCUPAÇÃO DE LEIGOS E MÉDICOS com obesidade é crescente. Os seus portadores são vítimas de um excesso gorduroso que tem causas bem mais complexas e mais sutis do que as que têm sido divulgadas. Embora já se tenha progredido muito em sua interpretação causal, estamos longe de darmos a ela a seriedade que merece."

"Acontece que o número de portadores da obesidade já atinge níveis pandêmicos. Na grande soma de causas, destacam-se como determinantes principais, a disponibilidade calórica e o modus vivendi, em termos de trabalho muscular."

"Comemos mais do que necessitamos, por voracidade, por hábitos de infância e de gerações, por simples gosto ou satisfação sensitiva, para aplacar tensões emocionais e, mesmo para ocupar tempo ocioso. Por outro lado, passamos a consumir cada vez menos, em plena espiral de desuso muscular. Nunca, em toda sua história, o homem trabalhou tão pouco, fisicamente."

"O homem citadino é hoje um autêntico exemplo do que não deveria ser."

"O excesso e a má distribuição populacional, o ruído, o calor das grandes cidades, a dificuldade de fazer uma simples marcha a pé, a quase ausência de áreas para o exercício esportivo, a angústia constante da persecução do tempo, já atingiram níveis cuja gravidade ainda mal aquilatamos."

"Estamos liquidando as enfermidades infecciosas e controlaremos o câncer, bem possivelmente, até o final deste século. Em contrapartida, criamos doenças novas, e a obesidade é uma delas, porque fruto de um sistema desconcertado de vida."

"Cabe aos médicos dizê-lo, e parece que não o têm feito na forma e com o calor que isto merece."

"No terreno mais particular da obesidade, parece-nos que chegou a hora da seriedade. Os gordos têm sido por demais abandonados aos programas mais disparatados, a excessos de drogas insensatas. Muitos saem dos consultórios com receitas que são autênticos crimes farmacológicos."

"Cabe-nos um papel mais enérgico e mais inteligente. A obesidade é mais um sintoma de uma sociedade em crise, que culmina nas distorções da vida citadina, que tolhe ao homem elementos básicos de sua vida física e mental." (1)

Os excertos acima não foram escritos por mim. Soam aos nossos ouvidos como palavras que expressam claramente a realidade atual em relação à obesidade.

De fato, muito tem sido pesquisado e tem sido descoberto. Conexões entre as vias hipotalâmicas efetoras do controle alimentar, novas moléculas sinalizadoras ou propagadores de respostas anabólicas e catabólicas, ligantes de receptores órfãos, produtos adipocitários metabolicamente ativos... O próprio tecido adiposo, antes considerado um simples depósito de calorias inúteis, foi recentemente promovido à categoria de órgão endócrino!

É triste, porém, observar que os fragmentos acima retratam tão bem o panorama dos dias de hoje, apesar de terem sido retirados de um editorial da Revista do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo que foi redigido... há quase 30 anos! (1).

Sabemos que os programas de prevenção de obesidade costumam apresentar resultados modestos. No entanto, a prevenção da obesidade depende basicamente de informação. Informação à população e informação à classe médica. Seja impedindo o desenvolvimento da doença, seja impedindo que indivíduos com sobrepeso tornem-se obesos, fazendo com que o grau de obesidade permaneça constante ou mesmo atrasando o início do desenvolvimento da doença, o fato de levar informações à população não só encoraja a adoção de hábitos mais saudáveis, como também aumenta o número de pessoas com obesidade que procurará formas recomendadas de tratamento.

Informações sobre formas legítimas de tratamento, assim como conhecimento sobre produtos sem eficiência e sem fundamentação devem ser divulgadas, já que freqüentemente as pessoas buscam perder peso por outras razões não ligadas diretamente à saúde como melhora da auto-estima ou da estética. Uma questão de fundamental importância é identificar estratégias e promover ações que aumentem a duração do acompanhamento para haja sucesso tanto no tratamento como na manutenção da perda de peso.

Médicos e profissionais de saúde que trabalham em atendimento primário devem ser ensinados sobre obesidade e sobre o seu tratamento, devem saber e principalmente devem preocupar-se em diagnosticar a presença de excesso de peso, receber informações sobre como tratá-lo, bem como conhecer as doenças crônicas associadas à obesidade.

Medicamentos anti-obesidade devem ser padronizados em hospitais e na rede pública de saúde, assim como devem ser estabelecidas regras rígidas para sua dispensação.

Práticas antiéticas, como a prescrição de produtos inúteis (e às vezes potencialmente tóxicos), além de conluios torpes entre médicos e farmácias devem ser combatidos e denunciados, uma vez que denigrem a classe médica como um todo, desmerecem o tratamento da doença e comprometem o sucesso de tratamentos posteriores, além de fazerem do obeso uma vítima de uma trama comercial sórdida e ignóbil.

Repetindo as palavras do velho editorial, "estamos longe de darmos à obesidade a seriedade que merece" e "cabe aos médicos dizê-lo, e parece que não o têm feito na forma e com o calor que isto merece."

REFERÊNCIA

1. Ravaglia C. Obesidade, seriedade e sociedade (editorial). Rev Hosp Clin Fac Med S Paulo. 1973;28(1):1-2.

Endereço para correspondência:

Marcio Corrêa Mancini

Hospital das Clínicas da FMUSP

Secretaria do Serviço de Clínica Médica de Emergência, 1ª CM

Caixa Postal 8091

05403-900 ­ São Paulo, SP

e.mail: marcio.mancini@attglobal.net

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Dez 2001
  • Data do Fascículo
    Out 2001
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