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Deficiência de hormônio de crescimento: até onde confiar em testes de estímulo?

EDITORIAL

Deficiência de hormônio de crescimento: até onde confiar em testes de estímulo?

Durval Damiani

Professor Livre-Docente da Unidade de Endocrinologia Pediátrica do Instituto da Criança – Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.

O DIAGNÓSTICO DE DEFICIÊNCIA DE HORMÔNIO de crescimento (GH) tem se baseado, laboratorialmente, na ausência de resposta a dois testes de estímulo, e muita controvérsia tem surgido quanto à validade de tal critério. Em primeiro lugar, aceita-se o fato de os estímulos não serem fisiológicos, serem invasivos e terem uma alta taxa de resultados falso, positivos, gerando, portanto, uma informação duvidosa em relação ao que ocorre no dia-a-dia do crescimento da criança em estudo.

A questão seguinte é o nível de corte a partir do qual consideraremos esta criança deficiente em GH e, novamente, temos dados de literatura recomendando diferentes concentrações de GH que indicariam a deficiência. É evidente que não podemos falar em ponto de corte sem discutir qual o método de dosagem utilizado. Assim, se utilizamos o método imunorradiométrico, aceita-se que valores abaixo de 10ng/mL (ou 7ng/mL) seriam indicativos de não resposta (1), ao passo que métodos imunofluorométricos poderiam permitir um corte de 3,3ng/mL (2) ou 5ng/mL.

A associação da dosagem do IGF-I (insulin-like growth factor I), com sua estreita dependência do GH, foi proposta para o diagnóstico da deficiência de hormônio de crescimento. Todavia, a avaliação de IGF-I apresenta várias limitações, tais como:

1. a necessidade de extração para evitar interferência com proteínas ligadoras;

2. a dependência da idade, que determina uma sobreposição entre as concentrações fisiológicas baixas de criança com menos de seis anos de idade e os níveis anormais de pacientes com deficiência em GH;

3. a interferência do estado nutricional, da absorção intestinal e da função tireoidiana sobre as concentrações de IGF-I, independentemente do estado de secreção de GH (3).

A IGFBP-3 , a principal proteína transportadora de IGF-I, foi proposta como uma arma de investigação na secreção de GH, oferecendo duas vantagens:

1. simplicidade do ensaio, que não requer extração e

. a baixa dependência da idade do paciente.

No entanto, apesar de ter alta especificidade a IGFBP-3 apresenta baixa sensibilidade. Como afirmam Pandian e Nakamoto, nenhum teste laboratorial tem suficiente sensibilidade e especificidade para ser o "padrão-ouro" no diagnóstico de deficiência de GH. Se, de um lado, os testes de estímulo para GH permanecem uma parte importante no diagnóstico de deficiência de GH no adulto, ele tem sido pouco enfatizado no diagnóstico da deficiência de GH em crianças (4).

Os dados auxológicos têm sido considerados um critério muito importante ao selecionar crianças candidatas a tratamento com GH. Desde 1996, grupos australianos têm optado por índices antropométricos para selecionar pacientes para tratamento com GH, dando ênfase à estatura atual e à velocidade de crescimento (5,6). Numa análise de 33 crianças com deficiência de GH e 56 com baixa estatura idiopática, Cianfarani e cols. (7) chegaram à conclusão de que, quando a velocidade de, crescimento e a IGF-I são normais, o diagnóstico de deficiência de GH pode ser descartado, enquanto que, quando ambos os índices estão abaixo do normal, a deficiência de GH é tão provável que a criança pode ser submetida a apenas um teste de estímulo e à ressonância nuclear magnética, iniciando-se o tratamento com GH (7).

Portanto, a análise do contexto geral da criança com baixa estatura, incluindo antropometria, avaliação laboratorial, exclusão de outras doenças ou de tratamentos concomitantes que possam estar interferindo no crescimento, é que determina quem é e quem não é candidato a tratamento com GH.

Quando se lança mão de testes, o teste da clonidina é dos mais solicitados, como bem ressalta Marui e cols. (8) no artigo deste número dos ABE&M. Trata-se de um estímulo a2-adrenérgico central que induz a produção de GHRH e, conseqüentemente, a liberação de GH pelos somatotrofos adeno-hipofisários. Os efeitos colaterais, particularmente hipovolemia, hipotensão e sonolência são desconfortáveis e, muitas vezes, preocupantes. A proposta de Marui e cols (8) de proceder a uma expansão volêmica com o intuito de minimizar tais efeitos colaterais me parece válida, tendo havido uma importante redução da queda de pressão no grupo expandido desde o início do teste, em comparação a um grupo em que a eventual expansão só foi feita se uma queda de pressão arterial média superior a 20% fosse notada.

Volto a frisar que é da análise geral do paciente que se obtém a indicação ou não de administrar GH mas, em casos em que a escolha de um teste de estímulo inclua clonidina, temos a opção de minimizar o desconforto com a expansão volêmica desde o início do teste, como sugerido no presente trabalho de Marui e cols. (8).

REFERÊNCIAS

1. Thomas M, Massa G, Mães M, Beckers D, Craen M, François I, et al (Belgian Study Group for Paediatric Endocrinology - BSGPE). Growth hormone (GH) secretion in patients with childhood-onset GH deficiency: retesting after one year of therapy and at final height. Horm Res 2003;59:7-15.

2. Silva EG, Slhessarenko N, Arnhold IJ, Batista MC, Estefan V, Osorio MG, et al. GH values after clonidine stimulation measured by immunofluorometric assay in normal prepubertal children and GH-deficient patients. Horm Res 2003;59:229-33.

3. Mitchell H, Dattani MT, Nanduri V, HIndmarsh PC, Preece MA, Brook CGD. Failure of IGF-I and IGFBP-3 to diagnose growth hormone insufficiency. Arch Dis Child 1999;16:49-55.

4. Pandian R, Nakamoto JM. Rational use of the laboratory for childhood and adult growth hormone deficiency. Clin Lab Med 2004;24:141-74.

5. Werther GA. Growth hormone measurements versus auxology in treatment decisions: the Australian experience. J Pediatr 1996;128:S47-S51.

6. Cowell CT, Dietsch S, Greenacre P. Growth hormone therapy for 3 years: the OZGROW experience. J Pediatr Child Health 1996;32:86-93.

7. Cianfarani S, Tondinelli T, Spadoni GL, Scirè G, Boemi S, Boscherini B. Height velocity and IGF-I assessment in the diagnosis of childhood onset GH insufficiency: do we still need a second GH stimulation test? Clin Endocrinol 2002;57:161-7.

8. Marui S, Oliveira CHMC, Souza SCAL, Berger K, Khawali C, Hauache OM, et al. Tolerância ao teste da clonidina em 180 pacientes: estudo da eficácia da expansão volêmica para o controle de hipotensão arterial. Arq Bras Endocrinol Metab 2005;49/4:510-15.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Out 2005
  • Data do Fascículo
    Ago 2005
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