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Tumores não hipofisários da região selar

Nonpituitary tumors of the sellar region

Resumos

A hipófise, a sela túrcica e a região peri-selar podem ser acometidas por uma série de lesões, incluindo tumores benignos e malignos, bem como uma ampla variedade de doenças não neoplásicas. Os aspectos clínicos e radiológicos podem auxiliar no diagnóstico diferencial destas lesões. Porém, em muitos casos, somente a análise histopatológica pode estabelecer o diagnóstico definitivo. Neste artigo, revisamos principais tumores não hipofisários da região selar e peri-selar, ressaltando seus aspectos endócrinos mais relevantes.

Tumores selares não hipofisários; Tumores selares; Lesões selares não hipofisárias; Lesões císticas selares


The pituitary gland, sella turcica and the parasellar region can be involved by a wide variety of lesions, including benign and malignant neoplasms as well as a wide variety of non neoplastic tumor-like lesions. Clinical and radiological aspects could help in the differential diagnosis of these lesions. Nevertheless, in many cases only the histopathological analysis could establish the definitive diagnosis. In this paper, we review the nonpituitary tumors of the sellar region emphasizing the associated hormonal disturbances.

Nonpituitary sellar tumors; Sellar tumors; Nonpituitary sellar lesions; Cysts tumors


REVISÃO

Tumores não hipofisários da região selar

Nonpituitary tumors of the sellar region

Mauro A. CzepielewskiI; Guilherme A.F.S. RollinI; Alessandra CasagrandeI; Marcelo Paglioli FerreiraII; Nelson P. FerreiraII

IServiços de Endocrinologia, Hospital de Clínicas de Porto Alegre. Programa de Pós-Graduação em Ciências Médicas: Endocrinologia, Faculdade de Medicina, UFRGS, Porto Alegre, RS

IINeurocirurgia, Hospital de Clínicas de Porto Alegre. Programa de Pós-Graduação em Ciências Médicas: Endocrinologia, Faculdade de Medicina, UFRGS, Porto Alegre, RS

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Mauro A. Czepielewski Rua De La Grange 295 91330-160 Porto Alegre, RS E-mail: maurocze@terra.com.br

RESUMO

A hipófise, a sela túrcica e a região peri-selar podem ser acometidas por uma série de lesões, incluindo tumores benignos e malignos, bem como uma ampla variedade de doenças não neoplásicas. Os aspectos clínicos e radiológicos podem auxiliar no diagnóstico diferencial destas lesões. Porém, em muitos casos, somente a análise histopatológica pode estabelecer o diagnóstico definitivo. Neste artigo, revisamos principais tumores não hipofisários da região selar e peri-selar, ressaltando seus aspectos endócrinos mais relevantes.

Descritores: Tumores selares não hipofisários; Tumores selares; Lesões selares não hipofisárias; Lesões císticas selares

ABSTRACT

The pituitary gland, sella turcica and the parasellar region can be involved by a wide variety of lesions, including benign and malignant neoplasms as well as a wide variety of non neoplastic tumor-like lesions. Clinical and radiological aspects could help in the differential diagnosis of these lesions. Nevertheless, in many cases only the histopathological analysis could establish the definitive diagnosis. In this paper, we review the nonpituitary tumors of the sellar region emphasizing the associated hormonal disturbances.

Keywords: Nonpituitary sellar tumors; Sellar tumors; Nonpituitary sellar lesions; Cysts tumors

O DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL DAS LESÕES selares envolve inúmeros distúrbios, abrangendo desde os adenomas hipofisários (representando aproximadamente 90% dos casos), lesões inflamatórias e vasculares, e incluindo até uma série de tumores não hipofisários, muitos deles extremamente raros. As lesões selares e peri-selares podem provocar síndromes clínicas associadas à hipersecreção dos diversos hormônios hipofisários, graus variados de perda da função hipofisária, efeitos neuroanatômicos relacionados ao local onde se localizam ou, ainda, estarem associadas a manifestações ou doenças de característica sistêmica, como as neoplasias, infecções ou doenças granulomatosas. Na tabela 1, apresentamos uma extensa relação de distúrbios importantes no diagnóstico diferencial das lesões selares. Os adenomas hipofisários não funcionantes, ou cuja secreção hormonal é pouco significativa ou sem repercussão hormonal, se constitui em uma das causas mais freqüentes de massas selares Estas lesões exibem características peculiares nos exames de imagem, e têm sido freqüentemente diagnosticadas de uma forma incidental, sendo sua abordagem discutida neste volume por Vilar e cols. Além do achado incidental, um número significativo dos adenomas não funcionantes são diagnosticados em decorrência de suas complicações hormonais, quais sejam, hipopituitarismo e hiperprolactinemia, ou neuroanatômicas, especialmente alterações de visuais ou de nervos cranianos (III, IV, V e VI nervos) (1-9). Neste artigo, por sua vez, abordaremos as principais causas de lesões selares que representam tumores não hipofisários desta região.

ABORDAGEM DO PACIENTE COM MASSA SELAR

Ao se demonstrar uma lesão selar, devemos verificar se a mesma apresenta algum excesso ou deficiência hormonal. Muitas vezes, inicialmente, pode ser muito difícil diferenciar um adenoma hipofisário clinicamente não funcionante de outros tumores não hipofisários. Assim, para avaliar a presença de hipopituitarismo, são suficientes as medidas hormonais basais, que irão caracterizar o risco hormonal de qualquer manipulação terapêutica que o paciente necessitar, especialmente administrando corticóides quando necessário. Em alguns casos específicos, testes funcionais de estímulo dos hormônios hipofisários podem estar indicados (1-8).

Na presença de lesões hipotalâmicas e selares de origem não hipofisária, e não associadas a qualquer alteração neurológica ou endócrina, deve-se avaliar com detalhe os achados do raio-X, da ressonância magnética (RM) e da tomografia computadorizada (TC). Estes achados podem sugerir fortemente um diagnóstico etiológico da lesão que poderá ser confirmado através de biópsia por punção ou realizada através de cirurgia endoscópica. A partir de um diagnóstico preciso poderemos indicar o procedimento cirúrgico adequado, ou simplesmente propor com segurança um acompanhamento periódico através de exames de imagem e dosagens hormonais (1-9).

Na avaliação desses pacientes, devemos sempre considerar os potenciais efeitos de massa da lesão em questão. Por isso, além das repercussões na função hipofisária, devemos considerar os distúrbios neuroanatômicos e hipotalâmicos dessas lesões.

Distúrbios neuroanatômicos associados a lesões selares

As alterações neuroanatômicas podem se manifestar a partir de distúrbios neurológicos ou endócrinos. Os distúrbios neuroanatômicos estão associados ao volume e à invasividade da lesão às estruturas adjacentes. Assim, na presença de extensão para-selar, com invasão do seio cavernoso, pode ocorrer comprometimento dos diversos nervos cranianos nele localizados, quais sejam o III, IV, V e VI nervos. Estes envolvimentos podem provocar graus variados de oftalmoplegia, diplopia, queda palpebral e dor em nível da região maxilar superior, periocular e frontal (território do primeiro ramo do V nervo). Estas alterações ocorrem de forma progressiva e, ao serem detectadas clinicamente, em geral já traduzem um importante envolvimento do seio cavernoso. Quando ocorrem agudamente e associadas a cefaléia súbita, alterações de consciência e sinais de irritação meníngea, caracterizam sinais de trombose de seio cavernoso e/ou apoplexia hipofisária, com importante expansão para-selar. Esta situação configura um quadro de emergência neuroendócrina, com risco de vida (1,3-6).

Nas lesões supra-selares, o envolvimento neurológico mais precoce é a compressão do quiasma ótico que provoca diversas alterações visuais, variando desde pequena perda de campo visual lateral até a cegueira. A alteração visual característica é a hemianopsia bitemporal, detectada ao exame campimétrico, quer com equipamento específico quer através de exame clínico direto, por confrontação. Assim, pacientes com lesões supra-selares devem realizar rotineiramente um exame oftalmológico completo, incluindo a campimetria (1,3,4).

Distúrbios hipotalâmicos associados a lesões selares

O envolvimento hipotalâmico das lesões supra-selares pode provocar diversas alterações que incluem a perda da secreção dos hormônios tróficos hipofisários (TRH, LHRH, Dopamina, GHRH, CRH, AVP, Somatostatina e outros) e conseqüente hipopituitarismo, hiperprolactinemia e síndromes hipotalâmicas com diversas alterações metabólicas, conforme apresentado na tabela 2 (3,6).

Como pode ser observado, a demonstração de uma lesão selar exige avaliação clínica, hormonal e imagenológica detalhada, de forma a permitir um diagnóstico preciso, evitando também as potenciais complicações associadas a estas lesões (tabela 3).

Neste sentido, devemos recorrer às diversas ferramentas clínicas disponíveis, e principalmente a um completo diagnóstico por imagem, que envolve radiologia simples, tomografia computadorizada, ressonância magnética, arteriografia e cintilografia, entre outras. Somente após um diagnóstico preciso o paciente deverá ser submetido ao tratamento, que pode incluir a cirurgia para a ressecção da lesão e/ou tratamentos que envolvem a reposição hormonal e terapêuticas específicas, além da radioterapia (2,3).

Assim, a presença de uma tumoração na região hipotálamo-hipofisária exige uma abordagem médica adequada e precisa. Em nosso meio, infelizmente, em função do importante desconhecimento que a prática médica geral apresenta a respeito do tema, demonstrar um "tumor" significa quase imediatamente "cirurgia do tumor", como uma solução mágica e imediata. Desta forma, inúmeros pacientes podem receber tratamentos absolutamente inadequados, sem qualquer diagnóstico hormonal e anatômico.

PRINCIPAIS TUMORES NÃO-HIPOFISÁRIOS DA REGIÃO SELAR

Começaremos abordando os tumores ou lesões císticas. O achado de uma lesão cística da região selar já é uma informação obtida a partir de TC ou RM, que foi indicada em decorrência de diversos sinais e sintomas ou a partir de um achado incidental. As principais lesões císticas e suas características estão apresentadas na tabela 4 (4).

Cisto de Bolsa de Rathke

Durante a embriogênese, os lobos anterior e intermediário da hipófise se originam da Bolsa de Rathke. Na eventualidade desta bolsa não se obliterar, a mesma pode originar um cisto localizado entre os lobos anterior e posterior, que quando apresenta dimensões menores do que 5mm ocorre em até 20% das necropsias. Se apresentar tamanho maior, pode provocar distúrbios visuais, hidrocefalia, hiperprolactinemia, hipopituitarismo e diabetes insipidus. Estas lesões raramente provocam aumento de volume da sela túrcica na radiografia simples. A RM demonstra massa hiperintensa ou hipointensa em T1 e T2, dependendo do seu conteúdo (figura 1). A TC revela conteúdo homogeneamente hipodenso, achado útil na diferenciação com adenomas hipofisários císticos (figura 2). Em nossa experiência, observamos três pacientes do sexo feminino que apresentaram sintomas associados a hiperprolactinemia funcional, cuja investigação revelou imagens císticas volumosas e sem resposta ao tratamento com bromocriptina. Submetidas a cirurgia de ressecção das lesões, demonstrou-se a presença do cisto de Bolsa de Rathke e todas desenvolveram hipopituitarismo pós-cirúrgico. Assim, na abordagem destes casos, alertamos para esta complicação do tratamento cirúrgico (4,5,8,10-12).



Cisto epidermóide

Geralmente de crescimento insidioso, raramente provocam sintomas, incluindo alterações endócrinas. Podem ser encontrados em diversos locais do sistema nervoso, e eventualmente predominam na linha média associados a defeitos de tubo neural. Localizam-se intra- e extra-durais e podem invadir estruturas ósseas adjacentes. Raramente desenvolvem-se na base do crânio e invadem a região selar (figuras 3 e 4). São de diagnóstico difícil e podem apresentar grande recorrência após o tratamento cirúrgico, aumentando as complicações hormonais (4,5,11,13).



Cisto dermóide

Constituído de tecido semelhante à pele, estes tumores se localizam principalmente na região supra e para-selar, originando-se da asa do esfenóide. São mais comuns em outros órgãos, como ovários, canal medular e estruturas nervosas da linha média. Sua sintomatologia depende da localização, podendo provocar alterações visuais, hiperprolactinemia, hipopituitarismo e puberdade precoce. Os achados de RM podem ser sugestivos, especialmente quando for observado conteúdo de glândulas sebáceas e pêlos (figura 5). A ressecção cirúrgica pode ser difícil na região selar por exigir uma abordagem que envolve estruturas nobres. A ruptura do cisto pode provocar meningite asséptica em decorrência do conteúdo do cisto (4,5,11,13).


Cisto aracnóide

Localizam-se principalmente na fissura silviana e no ângulo ponto-cerebelar, sendo raros na região supra-selar e no clivus. Podem ser considerados como defeitos de desenvolvimento da aracnóide e possuem características histológicas peculiares. São em geral assintomáticos, podendo ser descobertos incidentalmente ou serem confundidos com sela vazia. Raramente provocam alterações neurológicas ou endócrinas, incluindo a puberdade precoce. O tratamento cirúrgico é simples, dependendo de sua localização (4,5,11,12).

Astrocitoma pilocítico

O astrocitoma pilocítico é um astrocitoma de baixo grau que ocorre principalmente em crianças e adultos jovens, originado mais comumente do cerebelo, nervo óptico e região hipotalâmica. Na TC e RM, este tumor é caracterizado por uma lesão bem circunscrita, associada a um cisto que geralmente é volumoso e apresenta intensa impregnação pelo contraste. Manifestações clínicas são decorrentes do seu efeito de massa no SNC, sendo raramente associado a comprometimento endocrinológico. Devido a estas características de imagem, muitas vezes é difícil o diagnóstico diferencial com meningeoma ou craniofaringeoma. Para a sua confirmação diagnóstica, geralmente é necessária a análise histopatológica do tumor, incluindo microscopia eletrônica e imuno-histoquímica. O tratamento primário é cirúrgico, e o papel da radioterapia posterior à cirurgia ainda não está determinado (14).

Sela vazia

No diagnóstico diferencial das lesões císticas da hipófise, chamamos a atenção para sela vazia, sendo muito importante para esta finalidade a RM dinâmica, na qual se pode observar a circulação liquórica no interior da sela, com sua pulsação característica. Este achado, associado ao conteúdo liquórico determinado pelas diversas intensidades de sinal, são bastante peculiares e extremamente úteis no sentido de evitar o tratamento cirúrgico desnecessário (figuras 6 e 7). Em nosso meio, em decorrência do conceito errôneo de que todo aumento de sela túrcica seja decorrente de um "tumor hipofisário", inúmeros pacientes são diagnosticados como portadores de sela vazia a partir do procedimento cirúrgico. Esta situação apresenta uma morbidade não desprezível, uma vez que nestes casos são mais freqüentes a fístula liquórica, a infecção e lesões de estruturas adjacentes.



Clinicamente, as alterações endócrinas mais freqüentes são hiperprolactinemia funcional (15% dos casos) e graus variados de hipopituitarismo, dependendo do aumento de volume selar. Em crianças, a sela vazia está associada a deficiências hipofisárias múltiplas, incluindo GH, TSH, LHRH e ACTH. A embriogênese hipofisária normal decorre de um processo complexo no qual atuam diversos genes. Uma série de mutações tem sido descrita em associação com hipopituitarismo, algumas delas provocando sela parcialmente vazia e outras aumento difuso da hipófise. Mesmo sem caracterização exata dos defeitos moleculares, o hipopituitarismo congênito se associa muito freqüentemente a ocorrência de neuro-hipófise ectópica e tecido hipofisário rudimentar à RM. Na presença de sinais e sintomas de excesso hormonal (GH, ACTH, PRL principalmente), a sela vazia está associada a coexistência e/ou persistência de adenoma hipofisário (4,5).

Craniofaringeoma

Tumor relativamente freqüente, corresponde a 3% dos tumores intracranianos e a mais de 10% dos tumores intracranianos na infância. Muito embora possa ocorrer em qualquer idade, é predominantemente diagnosticado na infância e adolescência. Pode se apresentar com volumes maiores que 10cm, invadindo o III ventrículo, estruturas adjacentes e provocando hipertensão intracraniana. Cerca de 2/3 se originam da região selar, e um número significativo envolve também a região para-selar. Possui uma porção cística caracterizada por um líquido viscoso rico em colesterol, e uma porção sólida que apresenta calcificações amorfas e esparsas. Estas características são muito importantes para o estabelecimento do seu diagnóstico por imagem (figuras 8, 9 e 10) (3,6,11,15).




O quadro clínico varia desde a hipertensão intracraniana com cefaléia, vômitos em jato, edema de papila, sonolência, alterações visuais e retardo de crescimento, que predomina na infância, até quadros de evolução prolongada de perda visual, atrofia ótica, hipopituitarismo e envolvimento de outros nervos cranianos. As manifestações endócrinas são graus variados de hipopituitarismo, hiperprolactinemia funcional e diabetes insipidus. É interessante ressaltar que a hiperprolactinemia é de grau leve, corrigindo-se facilmente com agonistas dopaminérgicos. Entre as manifestações de hipopituitarismo, predomina a deficiência de gonadotrofinas, seguida do hormônio de crescimento, ACTH e TSH. O diabetes insipidus, presente em 23% dos casos na apresentação inicial, é um importante indicador do envolvimento hipotalâmico, que pode provocar também obesidade, hipotermia/hipertermia e distúrbios do sono (6,16).

Em recente publicação, Karavitaki e cols. (15) analisaram uma casuística de 121 pacientes com craniofaringeoma, cuja média de acompanhamento foi de 8,6 anos. Nestes pacientes, a cefaléia e alterações visuais foram as manifestações clínicas mais freqüentes, representando 64% e 55% dos casos, respectivamente. Além disso, 93% dos tumores apresentavam extensão extra-selar e 23% dos casos estavam associados à hidrocefalia, demonstrando que o tumor geralmente é volumoso no momento do diagnóstico. Em relação à função hipofisária no momento do diagnóstico, 95% dos pacientes apresentavam deficiência de GH (100% nas crianças), 62%, insuficiência adrenal secundária, 36%, hipotireoidismo central e 18%, diabetes insipidus. Considerando-se apenas os adultos, a prevalência de hipogonadismo central e hiperprolactinemia foi 74% e 55%, respectivamente.

Na TC, na maioria das crianças (70 a 90% dos casos) e em 40 a 60% dos adultos, demonstra-se a presença de calcificações floculares ou convexas na região selar e supra-selar (figura 9). Estas calcificações são importantes para o diagnóstico diferencial com outras lesões como os adenomas e os aneurismas, que também podem exibir calcificações, embora com outras características. Especialmente na presença de quadro clínico de hipopituitarismo infantil associado com diabetes insipidus, o raio-X simples do crânio e da sela túrcica pode ser bastante ilustrativo ao demonstrar a presença de calcificações e sinais de hipertensão intracraniana, sinais altamente sugestivos de craniofaringeoma (figura 10) (11).

O tratamento é cirúrgico, em geral envolvendo craniotomia, na tentativa de ressecção completa do tumor. Se esta não for obtida, está indicada a radioterapia com acelerador linear. Na presença de massas predominante císticas e de difícil ressecção, pode ser utilizada a injeção de bleomicina intratumoral, através de cateter, com excelentes resultados (figura 11). A recidiva é comum, predominando nos tumores com epitélio escamoso papilar (17). Infelizmente, o tratamento ideal do craniofaringeoma ainda é controverso, especialmente por não existirem estudos prospectivos e randomizados. As evidências atuais sugerem que a ressecção completa do tumor, com ou sem radioterapia subseqüente, apresenta um excelente prognóstico e controle tumoral (100% dos pacientes destes dois grupos ficaram sem progressão tumoral em 10 anos). Porém, isso só é possível em aproximadamente 18% dos casos. Por outro lado, nos casos em que a ressecção é parcial e não é seguida de radioterapia, apenas 38% dos pacientes permanecem sem progressão tumoral em 10 anos. Este índice aumenta para 77% quando a radioterapia é associada. Cabe salientar que a mortalidade peri-operatória é significativamente maior na reintervenção (24%) quando comparada com a primeira cirurgia (1,8%). Assim, parece que o tratamento ideal ainda é a obtenção da ressecção completa do tumor na primeira intervenção cirúrgica (15).


Cordoma

São tumores raros, originados de remanescentes de notocorda, representam 1-4% dos tumores malignos do esqueleto axial, sendo um terço craniano, um terço espinhal e um terço sacral. Em relação aos cordomas cranianos, predominam na região do clivus, embora possam ocorrer também na sela e na região para-selar. Sua característica principal é a invasividade local com conseqüente destruição óssea e alta recorrência após tratamento cirúrgico. Ocorre em todas as idades, predominando entre os 30 e 50 anos e no sexo masculino. A sintomatologia depende de sua localização, sendo mais freqüentes o envolvimento de nervos cranianos, a diplopia e a cefaléia. Esta ocorre precocemente, irradiando-se para região cervical e occipital, apresentando característica progressiva e atingindo importante severidade em alguns casos. As alterações endócrinas mais comuns são a hiperprolactinemia funcional e raramente hipopituitarismo. Os cordomas da base do crânio geralmente se manifestam por cefaléia, distúrbio óculo-motor (especialmente diplopia secundária à paresia do abducente), sintomas visuais, hipertensão intracraniana ou síndrome do ângulo ponto-cerebelar, sendo o comprometimento endocrinológico incomum. Cordomas do clivus são infiltrativos, crescendo próximos a estruturas cerebrais vitais como o tronco cerebral. O diagnóstico pode ser suspeitado na RM e/ou TC quando ocorrer invasão do clivus, especialmente se for identificado também o tecido hipofisário normal (figura 12). A TC pode ser bastante elucidativa na medida em que demonstra a invasão óssea e pequenas calcificações, que ocorrem em até 50% dos casos. O tratamento é cirúrgico, complementado pela radioterapia, sendo a resposta bastante heterogênea. Em geral, cordomas são difíceis de serem removidos cirurgicamente, devido a sua invasividade óssea e/ou inacessibilidade por sua proximidade com estruturas vitais. Não é rara a necessidade de múltiplas intervenções cirúrgicas. A radioterapia, por sua vez, não tem demonstrado resultados animadores (3,4,8,18-21). No entanto, uma meta-análise sugere que pacientes tratados com cirurgia e radioterapia apresentam melhor prognóstico que aqueles tratados apenas com uma delas isoladamente (22). A radioterapia estereotácica pode ser efetiva em pequenos tumores (menores de 3cm), o que exclui a maior parte dos pacientes (23). De um modo geral, a taxa livre de doença em 5 anos pode alcançar índices de 60-70%. Aproximadamente 10% dos cordomas cranianos podem metastatizar após vários anos do diagnóstico, sendo pulmões, fígado, ossos e linfonodos os principais sítios (8).


Meningeoma

São tumores benignos que representam 1/4 dos tumores intracranianos, originando-se das células meningoendoteliais e aracnóides. Podem ocorrer na região selar e para-selar, correspondendo a 1/5 de todos os meningeomas. Desenvolvem-se no tubérculo selar, plano esfenoidal e no diafragma selar. Lateralmente podem surgir a partir da crista esfenoidal e do seio cavernoso, projetando-se para o interior da sela, simulando adenomas. Predominam no sexo feminino e entre os 40 e 50 anos de idade. Sua classificação, de acordo com a agressividade, está ilustrada na tabela 5. Alguns aspectos clínicos são importantes no diagnóstico diferencial com adenomas hipofisários. Os meningeomas provocam graves alterações visuais sem alterações endócrinas equivalentes. A alteração visual pode iniciar unilateral insidiosamente e progredir até a cegueira bilateral. A cefaléia pode ocorrer na região frontal ou periorbital, e a alteração endócrina mais freqüente é a hiperprolactinemia funcional (até 50% dos casos). O diagnóstico pode ser praticamente confirmado a partir de uma série de achados da RM (isointensidade em T1 e T2, impregnação homogênea e densa pelo contraste paramagnético), associados a hiperostose dos ossos contíguos ao tumor, especialmente na região do tubérculo selar, e sela túrcica de volume e conteúdo normal (figura 13). Meningeomas intra-selares podem, porém, mimetizar adenomas hipofisários clinicamente não funcionantes, sendo mais difícil seu diagnóstico diferencial. São descritos aumentos de volume tumoral durante o ciclo menstrual e na gestação. O diagnóstico pré-operatório é muito importante, uma vez que não é recomendada a abordagem transesfenoidal para a ressecção deste tumor, em decorrência de sua intensa vascularização (figura 13) (3,8,11,24,25). Mais recentemente, a radiocirurgia estereotácica tem sido considerada um tratamento alternativo para meningeoma da base do crânio recorrente ou primário, já que proporciona excelente controle tumoral a longo prazo com poucas complicações (26).


O meningeoma coróide é um subtipo raro de meningeoma, porém merece citação devido a sua semelhança com o cordoma, dificultando o diagnóstico diferencial, especialmente quando se origina e destrói o clivus. Costumam acometer principalmente jovens, manifestando-se por cefaléia e convulsões devido ao grande volume tumoral. Também está associado à síndrome de Castleman (anemia microcítica e hipocrômica refratária ao tratamento com ferro, linfoplasmocitose e disgamaglobulinemia) e apresenta alto índice de recidiva. Imagem através da RM geralmente é semelhante a outros tipos de meningeomas. Seu diagnóstico é estabelecido pela histopatologia. Histologicamente, pode ser muito parecido com cordoma, porém a presença de elementos meningotelial e a imuno-histoquímica permitem sua diferenciação (positivo para EMA, vimentina e citoqueratina, enquanto que o cordoma apresenta positividade para proteína S100 e negatividade para vimentina) (27,28).

Gliomas

São tumores que se desenvolvem em sua maioria no quiasma, tratos óticos ou na região intra-orbitária, sendo pelo menos 1/3 associados à doença de Von Recklinghausen (neurofibromatose tipo 1 – NF1). Em sua maioria (> 80%), ocorrem antes dos 10 anos de idade. Provocam perda visual progressiva, atrofia ótica, edema de papila e raramente alterações endócrinas, caracterizadas por hiperprolactinemia e hipopituitarismo. Estes distúrbios, na infância, levam a retardo de crescimento e puberdade ou puberdade precoce. Quando apresentam grandes volumes podem envolver o hipotálamo e provocar síndrome diencefálica, diabetes insipidus e hidrocefalia. Existem algumas evidências de que a apresentação clínica é diferente quando há associação com NF1. A puberdade precoce costuma ocorrer nos pacientes com NF1, e a hipertensão intracraniana e o nistagmo são associados aos casos sem NF1. Os tumores sem NF1 são mais agressivos quando comparados àqueles associados à NF1. Os achados de RM podem não diferenciá-los de outras lesões, sendo muito importante para o diagnóstico sua exata localização, sugerindo sua origem a partir dos nervos óticos (figura 14). Já que os gliomas associados à NF1 são indolentes, podendo apresentar taxas de sobrevida em 10 anos de 75-85%, a conduta deve ser a mais conservadora possível. Nos casos mais agressivos, está indicada a ressecção cirúrgica mais ampla possível, não estando ainda bem estabelecidos os papéis da quimio e radioterapia (1,3-5,8,24,29).


Os gliomas que comprometem os adultos geralmente são astrocitomas anaplásicos ou glioblastomas multiformes, muito invasivos e agressivos, e a maioria dos pacientes morre em menos de 1 ano (1,3-5,8,24). O glioma coróide do terceiro ventrículo é um tipo incomum de glioma que se desenvolve na região supra-selar, acometendo o terceiro ventrículo. Este tipo de tumor é grande, não invasivo e bem demarcado, podendo apresentar uma evolução desfavorável devido ao volume da lesão (8,29,30).

Tumores de células germinativas

Mais de 40% dos tumores de células germinativas ocorrem na região supra-selar. Estes tumores incluem germinomas, teratomas, pinealomas ectópicos e metastáticos, que ocorrem mais freqüentemente na segunda e terceira décadas de vida. Podem expressar e produzir gonadotrofina coriônica, hormônio lactogênio placentário e outros peptídeos placentários, sendo a pesquisa de beta-HCG no líquor bastante útil para sua confirmação diagnóstica. Desenvolvem-se na porção anterior do III ventrículo e invadem inferiormente o hipotálamo e a haste hipofisária, podendo provocar alterações visuais, desordens da sede, obesidade, diabetes insipidus, hipernatremia, retardo de crescimento, hipopituitarismo e, tardiamente, hidrocefalia. Quando apresentam apenas envolvimento hipotalâmico podem provocar puberdade precoce. Independente da severidade das alterações clínicas e neurológicas, uma vez confirmado o diagnóstico através de biópsia, o tratamento indicado é a radioterapia, cujo resultado é excelente, demonstrando-se sobrevida maior do que 70-80% a longo prazo (4,6,8,31).

Hamartomas

Geralmente localizados na região hipotalâmica, são compostos por neurônios, astrócitos e oligodendrócitos organizados em vários graus de diferenciação expressando diversos peptídeos (figura 15). Mais comumente ocorrem antes dos 2 anos de idade, provocando puberdade precoce decorrente de produção de GnRH (hormônio liberador de gonadotrofinas). Raramente se associam a síndromes dismórficas envolvendo o crânio, coração, pulmões, rins, ânus e hipófise. Possuem crescimento lento e raramente são invasivos, motivo pelo qual o tratamento recomendado é a administração de análogos de GnRH, que controlam efetivamente a puberdade precoce (3,6,11,32).


Gangliocitomas

Localizam-se na região selar e hipotalâmica e crescem progressivamente, caracterizando-se pela presença de células ganglionares de diversos tamanhos e formas. Em 65% dos casos estão associados a adenomas hipofisários e nesta situação se localizam na região central do adenoma, em forma de anel. Em 74% dos casos ocorre hipersecreção hormonal, principalmente de GHRH, CRH, somatostatina e outros peptídeos (glucagon, VIP, bombesina, gastrina). Podem desta forma estar associados a acromegalia e síndrome de Cushing, entre outras síndromes (1,5).

Tumor de células granulares

Também denominados coristomas hipofisários ou schwanomas, geralmente ocorrem após os 20 anos de idade. Possuem citoplasma abundamente, porém não exibem hormônios hipofisários e não estão associados a síndromes endócrinas, sendo freqüentemente encontrados em concomitância com adenomas. Estes tumores raramente tornam-se grandes o suficiente para produzirem sintomas de massa significativos. Avaliação por imagem evidencia lesão supra-selar ou supra e intra-selar com realce após contraste devido ao aumento da vascularização. Estas características não são, porém, suficientes para estabelecer um diagnóstico radiológico inequívoco. O tratamento é cirúrgico, com possibilidade de radioterapia em alguns casos de tumor residual (4,8).

Metástases

Constitui-se em importante diagnóstico a ser considerado em pacientes com lesões selares. Na maioria dos casos, quando a lesão selar se torna sintomática, está associada a carcinoma metastático de causa conhecida. Metástases hipofisárias ocorrem em mais de 3,5% dos pacientes com câncer. Localizam-se preferencialmente na hipófise posterior, em decorrência provavelmente da intensa vascularização desta região. Têm crescimento rápido e progressivo, provocando destruição óssea e invasão de estruturas adjacentes, levando a um quadro clínico de diabetes insipidus, distúrbios visuais, lesões de nervos cranianos e hipopituitarismo (tabela 6). Qualquer massa da região selar com crescimento rápido e invasivo deve ser suspeita de lesão metastática (1,3,5,8,33).

Afetam principalmente pacientes acima dos 50 anos de idade, e podem ser provocadas por diversos tumores (tabela 7), predominando os tumores de mama na mulher e pulmão no homem como os sítios primários mais comuns. O quadro característico envolve paciente de mais de 50 anos, que desenvolve diabetes insipidus, alterações de nervos cranianos e apresenta massa selar de crescimento rápido. Na RM, podem ser observados invasão de diversas estruturas adjacentes, especialmente ósseas, infiltração do infundíbulo, diafragma selar e hipófise posterior, com desaparecimento do hipersinal em T1. Numa fase mais avançada, a tumoração apresenta limites imprecisos e invade todas as estruturas adjacentes, ocupando os seios cavernosos, região supra-selar, seio esfenoidal e clinóides. Estes achados podem também ser demonstrados na TC (figura 16) e, embora altamente sugestivos, não são específicos, podendo ser observados em adenomas invasivos e meningeomas (3,25,33).


Pseudo-lesões hipofisárias

Para finalizar, não podemos esquecer que aumentos de volume da hipófise podem ocorrer em situações fisiológicas ou em decorrência de distúrbios hormonais sistêmicos, sem representar qualquer patologia hipofisária. Aumentos fisiológicos são observados na adolescência e na gestação, e podem provocar aumento de volume da hipófise a ponto de torná-la arredondada nas projeções coronais, com convexidade superior e discreto abaulamento superior em direção à cisterna supra-selar. Estes achados predominam em meninas, alcançando uma altura de até 10mm, sendo menor nos meninos, com altura de até 8mm. Na gestação, o aumento da hipófise chega a ser de 100%, com altura de até 12mm, involuindo após o parto. Desta forma, o achado de aumento de volume hipofisário na gestação e na adolescência deve ser avaliado com muito detalhe, e jamais ser considerado como de causa tumoral sem que hajam fortes evidências clínicas e hormonais para tal. Em nossa experiência, já observamos inúmeros pacientes que foram submetidos a cirurgia hipofisária ou tiveram indicação para tal e não apresentavam qualquer patologia hipofisária. Por este motivo, os endocrinologistas devem estar atentos para contra-indicar procedimentos cirúrgicos sem um diagnóstico preciso, especialmente na puberdade e na gestação.

Além destas situações fisiológicas, a hiperplasia hipofisária pode ocorrer em associação com outras alterações e pode envolver tipos celulares específicos da hipófise, principalmente GH, PRL, ACTH, TSH e LH /FSH. Em algumas situações, a hiperplasia é decorrente de aumento dos hormônios hipotalâmicos, seja de uma forma tópica ou ectópica, levando a síndromes clínicas características (acromegalia, doença de Cushing, hiperprolactinemia) (2,4,11).

Do ponto de vista clínico, são importantes as hiperplasias hipofisárias associadas ao hipotireoidismo primário, hipogonadismo primário e insuficiência adrenal primária. Nestas situações ocorre uma hiperplasia compensatória à falência das glândulas-alvo, cujo grau depende principalmente do tempo de hipofunção. Dentre estas situações, pela sua prevalência, devemos chamar a atenção para o hipotireoidismo primário, que provoca sintomas insidiosos, incluindo alterações menstruais e galactorréia, e está associado ao aumento de volume hipofisário que pode alcançar proporções de macroadenoma. Assim, a avaliação de função tireoidiana deve fazer parte da avaliação rotineira dos estados de hiperprolactinemia e aumento de volume selar (34).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O diagnóstico diferencial das lesões selares é extenso. Além dos tumores hipofisários, encontramos uma série de tumores não hipofisários da região selar. Para o correto diagnóstico e tratamento de uma lesão da região selar, é importante o conhecimento dos aspectos clínicos e radiológicos das diferentes causas. Mesmo assim, muitas vezes apenas a avaliação histopatológica da lesão com análise imuno-histoquímica é capaz de fornecer o diagnóstico. A indicação cirúrgica de qualquer destas lesões, porém, deve ser precedida de uma detalhada avaliação anatômica e hormonal, que pode demonstrar a necessidade de tratamento hormonal prévio.

Recebido em 25/07/05

Revisado em 08/08/05

Aceito em 15/08/05

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  • Endereço para correspondência:

    Mauro A. Czepielewski
    Rua De La Grange 295
    91330-160 Porto Alegre, RS
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      23 Jan 2006
    • Data do Fascículo
      Out 2005

    Histórico

    • Recebido
      15 Ago 2005
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