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Impacto do hipotireoidismo subclínico na resposta cárdio-pulmonar em esforço e na recuperação

Impact of subclinical hypothyroidism in cardiopulmonary response during effort and its recovery

Resumos

No intuito de identificar as manifestações clínicas do hipotireoidismo subclínico (HS) durante o estresse físico e na recuperação, foram comparadas 15 portadoras de HS com 16 mulheres saudáveis através de um teste cárdio-pulmonar em esteira ergométrica. Análise das médias obtidas através do Mann-Whitney U Test. As pacientes obtiveram valores menores no pico do exercício para fração expirada de O2 (14,90 ± 1,05 x 16 ± 1,14%; p = 0,014); na variação da pressão arterial sistólica (34,33 ± 17,92 x 52,50 ± 17,22; p = 0,009); na duração do exercício (8,83 ± 2,91 x 14,5 ± 5,63 min; p = 0,0005), na carga máxima de teste (11,6 ± 4,22 x 18,94 ± 5,45%; p = 0,0004), além de tendências na razão de trocas gasosas e na freqüência cardíaca de pico. Entre o primeiro e o terceiro minutos de recuperação, houve uma redução média de 0,71 mmHg na pressão arterial diastólica para essas pacientes, comparado a 5,33 mmHg das mulheres saudáveis (p = 0,0009) (recuperação mais lenta). Pode-se inferir que o HS é capaz de causar disfunções cárdio-pulmonares, com maior sensibilidade para os parâmetros previamente citados.

Hipotireoidismo; Avaliação da capacidade funcional; Pressão arterial; Consumo de oxigênio; Limiar anaeróbico


In order to identify the characteristics of subclinical hypothyroidism (SH) during physical stress and its recovery, 15 SH patients and 16 healthy women were compared by a treadmill cardiopulmonary test. Means of variables were analyzed by the Mann-Whitney U test. Patients obtained lower values for peak expired fraction of O2 (14.90 ± 1.05 x 16 ± 1.14%; p = 0.014); systolic blood pressure variation (34.33 ± 17.92 x 52.50 ± 17.22; p = 0.009); exercise duration (8.83 ± 2.91 x 14.5 ± 5.63 min; p = 0.0005), maximal test load (11.6 ± 4.22 x 18.94 ± 5.45%; p = 0.0004), as well as tendencies in gas exchange ratio and peak heart rate. Between the first and the third recovery minutes, there was a reduction of only 0.71 mmHg in the diastolic blood pressure, whereas there was a 5.33-mmHg reduction to control group (p = 0.0009) (slower recovery of patients). It is presumable that SH may cause cardiopulmonary dysfunctions, with higher sensibility to the parameters previously cited.

Hypothyroidism; Work capacity evaluation; Blood pressure; Oxygen consumption; Anaerobic threshold


ARTIGO ORIGINAL

Impacto do hipotireoidismo subclínico na resposta cárdio-pulmonar em esforço e na recuperação

Impact of subclinical hypothyroidism in cardiopulmonary response during effort and its recovery

Míriam R.M. Mainenti; Patrícia F.S. Teixeira; Fátima P. Oliveira; Mário Vaisman

Programa de Pós-Graduação em Endocrinologia / Serviço de Endocrinologia – HUCFF, e Escola de Educação Física e Desportos (Laboratório de Fisiologia do Exercício) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, RJ

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Míriam Raquel Meira Mainenti EEFD – Labofise Av. Pau Brasil 540 21949-900 Rio de Janeiro, RJ E-mail: miriam.mainenti@hotmail.com

RESUMO

No intuito de identificar as manifestações clínicas do hipotireoidismo subclínico (HS) durante o estresse físico e na recuperação, foram comparadas 15 portadoras de HS com 16 mulheres saudáveis através de um teste cárdio-pulmonar em esteira ergométrica. Análise das médias obtidas através do Mann-Whitney U Test. As pacientes obtiveram valores menores no pico do exercício para fração expirada de O2 (14,90 ± 1,05 x 16 ± 1,14%; p = 0,014); na variação da pressão arterial sistólica (34,33 ± 17,92 x 52,50 ± 17,22; p = 0,009); na duração do exercício (8,83 ± 2,91 x 14,5 ± 5,63 min; p = 0,0005), na carga máxima de teste (11,6 ± 4,22 x 18,94 ± 5,45%; p = 0,0004), além de tendências na razão de trocas gasosas e na freqüência cardíaca de pico. Entre o primeiro e o terceiro minutos de recuperação, houve uma redução média de 0,71 mmHg na pressão arterial diastólica para essas pacientes, comparado a 5,33 mmHg das mulheres saudáveis (p = 0,0009) (recuperação mais lenta). Pode-se inferir que o HS é capaz de causar disfunções cárdio-pulmonares, com maior sensibilidade para os parâmetros previamente citados.

Descritores: Hipotireoidismo; Avaliação da capacidade funcional; Pressão arterial; Consumo de oxigênio; Limiar anaeróbico

ABSTRACT

In order to identify the characteristics of subclinical hypothyroidism (SH) during physical stress and its recovery, 15 SH patients and 16 healthy women were compared by a treadmill cardiopulmonary test. Means of variables were analyzed by the Mann-Whitney U test. Patients obtained lower values for peak expired fraction of O2 (14.90 ± 1.05 x 16 ± 1.14%; p = 0.014); systolic blood pressure variation (34.33 ± 17.92 x 52.50 ± 17.22; p = 0.009); exercise duration (8.83 ± 2.91 x 14.5 ± 5.63 min; p = 0.0005), maximal test load (11.6 ± 4.22 x 18.94 ± 5.45%; p = 0.0004), as well as tendencies in gas exchange ratio and peak heart rate. Between the first and the third recovery minutes, there was a reduction of only 0.71 mmHg in the diastolic blood pressure, whereas there was a 5.33-mmHg reduction to control group (p = 0.0009) (slower recovery of patients). It is presumable that SH may cause cardiopulmonary dysfunctions, with higher sensibility to the parameters previously cited.

Keywords: Hypothyroidism; Work capacity evaluation; Blood pressure; Oxygen consumption; Anaerobic threshold

O HIPOTIREOIDISMO SUBCLÍNICO (HS) é caracterizado por um valor sérico aumentado do hormônio tireoestimulante (TSH) e concentrações normais de tiroxina livre (T4L) (1). A sua prevalência varia em função da localidade, do sexo e da faixa etária estudada. Estudos realizados na Arábia Saudita revelaram que o HS apresenta uma prevalência de 35% em mulheres acima de 50 anos (2), enquanto que nos Estados Unidos as estatísticas apontam para 4,3% de prevalência em homens e mulheres acima dos 12 anos (3). Recentemente, verificou-se uma prevalência de 3,0% de tal entidade em funcionários da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil (4). Resultados ainda não publicados de um estudo epidemiológico do nosso grupo mostraram HS em 7,27% das participantes (amostra de 1.292 mulheres acima de 35 anos).

Diversos estudos analisam sinais e sintomas possivelmente associados ao HS, mas são raras as investigações sobre a capacidade funcional de pacientes portadores de HS. Entende-se como capacidade funcional a resposta integrada dos sistemas cárdio-pulmonar, circulatório e metabólico ao esforço. Ela pode ser medida pelo teste ergoespirométrico, que é caracterizado pela medida direta das trocas gasosas. A ergoespirometria é um teste de fácil aplicação que permite a medida da resposta ao esforço da ventilação (volume inspirado e expirado) e das frações gasosas presentes nesses volumes (5). A partir dessas medidas obtêm-se parâmetros como o consumo máximo de oxigênio (VO2máx, l.min-1), produção de gás carbônico (VCO2máx, l.min-1), Limiar anaeróbio (LA, l.min-1), tempo de exercício e resposta hemodinâmica tanto no esforço como em sua recuperação.

Estudos anteriores demonstraram que pacientes portadores de HS apresentam comportamentos indicativos de alteração do sistema cárdio-pulmonar, como também altos índices de relato de fadiga precoce (2); baixo VO2max (6) e LA precoce (7). Entretanto, a literatura ainda não é consistente em relação aos parâmetros afetados pela doença que se manifestam durante o esforço e na sua recuperação.

O presente estudo tem como objetivo prover à comunidade científica dados sobre a capacidade funcional de pacientes com hipotireoidismo subclínico. Pretende-se identificar as manifestações clínicas que ocorrerem durante o esforço físico e na recuperação.

MATERIAIS E MÉTODOS

Pacientes

O estudo caracteriza-se por uma análise transversal de mulheres entre 30 e 60 anos pertencentes a dois grupos de estudo, que foram comparados. O primeiro composto por portadoras de HS e o segundo por mulheres sem comprometimento tireoidiano (tabela 1). Os grupos foram comparáveis quanto às variáveis tabagismo e menopausa. As pacientes foram recrutadas a partir de um estudo populacional e encaminhadas ao ambulatório de Endocrinologia do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (HUCFF/UFRJ), para avaliação da possibilidade de inserção na pesquisa considerando os critérios de inclusão e exclusão.

Os critérios de inclusão para HS foram: I) duas dosagens (com intervalo mínimo de 4 semanas) de TSH acima do limite superior de normalidade adotado (4,0 mU/l); II) nível de T4 livre dentro da faixa da normalidade (0,8 a 1,9 ng/dl).

Os critérios de inclusão no grupo controle foram: I) dosagem de TSH (0,4–4,0 mU/l) e T4L na faixa da normalidade; II) pesquisa negativa de ATPO; III) ausência de história de doença tireoidiana e IV) exame físico da glândula tireoidiana nos limites da normalidade.

Os critérios de exclusão foram: I) uso de drogas ou substâncias que interferem na função tireoidiana, a ponto de alterar dosagens séricas (lítio, amiodarona, glicocorticóides, entre outras); II) presença de doenças, mesmo que estáveis – que alterem os níveis circulantes dos hormônios tireoidianos (síndrome nefrótica, insuficiência renal, insuficiência hepática, AIDS); III) uso de levotiroxina; IV) doença infecciosa em evolução; V) arritmias potencialmente graves; VI) infarto e/ou angina nos últimos 3 meses; VII) uso de medicamentos que interferem na freqüência cardíaca e/ou pressão arterial; VIII) dores ou outros problemas físicos que impeçam a caminhada; IX) apresentação de pressão arterial sistólica (PAS) maior do que 200 mmHg e/ou a pressão arterial diastólica (PAD) maior do que 110 mmHg no momento do teste e X) participação em programa de atividade física regular.

O presente estudo foi aprovado pelo comitê de ética do HUCFF/Faculdade de Medicina. As pacientes assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido na primeira consulta no serviço de endocrinologia do HUCFF/UFRJ, e em seguida foram encaminhadas para o Laboratório de Fisiologia do Exercício da Escola de Educação Física e Desportos da Universidade (Labofise/EEFD/UFRJ), onde foi realizado o teste ergoespirométrico.

Ergoespirometria

Recomendações prévias

No momento da marcação do teste, foi requerido das participantes que não realizassem atividade física extenuante no dia anterior ao teste, não ingerissem bebidas alcoólicas ou cafeína no dia ou na noite anterior, e não fumassem nas últimas quatro horas antes do exame.

Preparação pré-teste

Antes do início do testes, dez eletrodos prata/cloreto de prata (Ag/AgCl) descartáveis eram acoplados à pele devidamente higienizada, para obtenção do eletrocardiograma (ECG) padrão de 12 derivações (6 periféricas e 6 precordiais). A próxima etapa consistia em medir a pressão arterial (PA) em repouso de pé (PA pré-teste) e colocar na participante a máscara para ventilação, usando um clipe para privar a passagem de ar pelas narinas.

O teste ergoespirométrico foi realizado em uma esteira ergométrica da marca Ecafix EG 700.2, utilizando o protocolo de Balke modificado, que consiste no aumento gradativo de 3% da inclinação da esteira a cada 2 minutos, com velocidade constante e igual a 4,8 km/h. A PA foi medida a cada três minutos do período de exercício e na recuperação (1o e 3o minutos), utilizando-se de um tensiômetro de coluna de mercúrio da marca Narcosul, modelo 1400-C.

Todos os procedimentos foram explicados às participantes, incluindo os critérios de interrupção do teste, dentre as quais: início de angina, queda significativa ou ausência de elevação na pressão sistólica com um aumento na intensidade do exercício, pressão sistólica maior que 220 mmHg ou pressão diastólica maior que 115 mmHg, tonteira, confusão, palidez, ausência do aumento na freqüência cardíaca com uma maior intensidade do exercício por um período prolongado, alterações no sinal do eletrocardiograma, manifestações físicas ou verbais de fadiga extrema. A interrupção se dava no momento em que se tinha o aparecimento de um desses sintomas ou quando ela solicitasse. Durante todo o teste, a paciente era questionada a respeito da percepção do esforço realizado, através da escala de Borg (variando de 6 a 20 – extremamente leve a extremamente intenso). Para controle dos sintomas limitantes foram observadas as diretrizes do American College of Sports Medicine (8).

A ergoespirometria é uma técnica utilizada para avaliar a capacidade cárdio-pulmonar de um indivíduo pela análise direta dos gases respirados. A técnica reproduz uma medida direta da capacidade funcional do indivíduo, evitando erros decorrentes de fórmulas da ergometria simples e de outros testes de campo que estimam essa capacidade a partir da duração do teste, da carga máxima ou da velocidade final alcançada. Além disso, é uma técnica não-invasiva, o que aumenta a acessibilidade da sua realização (9).

A partir das frações expiradas de O2 e CO2 (FEO2, FECO2) e da ventilação pulmonar (VE = Volume expirado X Freqüência respiratória) são obtidos importantes parâmetros para a interpretação clínica dos pacientes.

Já está consolidada na literatura a técnica de identificação do LA através da técnica ventilatória (9). Os critérios adotados para a sua caracterização foram: perda de linearidade da VE; tendência de ascensão abrupta de R após alcançar o valor um; aumento sistemático da VE/VO2, sem um aumento correspondente na VE/VCO2 (9-11). Identificado o momento no teste de esforço em que o LA ocorreu, este é expresso pelo valor de VO2 em que o paciente se encontra.

Os sinais eletrocardiográficos (ECG) foram gravados através do sistema Ecafix Cardio Perfect ECG, observados e armazenados pelo programa Medical Diagnostic Workstation – Cardio Control 2000/2001. A freqüência cardíaca (FC), bem como todo o traçado do ECG, era apresentados em tempo real para monitoramento da avaliada. O sistema de aquisição de sinais ventilatórios é composto por um pneumotacógrafo (MEDICAL GRAPHICS, fluxo médio) que, acoplado a um transdutor de pressão diferencial, faz a leitura do fluxo de ar expirado. A curva de vazão obtida é integrada para se obter os volumes inspirados e expirados. Sincronizado com as medidas de volume, um analisador de gases (MEDICAL GRAPHICS – modelo VO2000) capta amostras a cada ciclo respiratório e fornece as frações gasosas da inspiração e expiração. A análise dos gases foi feita ciclo a ciclo, amostrando valores como uma média de cada três ciclos.

Parâmetros

Cárdio-pulmonares

Ventilação minuto de pico (no fim do exercício) (VEpico, l.min-1, STPD); consumo de oxigênio de pico (VO2pico, STPD) e produção de gás carbônico de pico (VCO2pico STPD), tanto absoluto (l.min-1) como relativo (ml.kg.min-1); equivalente ventilatório de oxigênio de pico (VE/VO2pico); equivalente ventilatório de gás carbônico de pico (VEpico/VCO2pico); fração expirada de oxigênio de pico (FEO2pico); fração expirada de gás carbônico de pico (FECO2pico); razão de trocas gasosas de pico (Rpico = VCO2pico ÷ VO2pico); pulso de oxigênio de pico (POpico = VO2 ÷ FC; l.min.bat-1); LA (l.min-1).

Hemodinâmicos

1.Pré-teste: pressão arterial sistólica (PAS) e diastólica (PAD) e freqüência cardíaca (FC, bat.min-1);

2.No fim do exercício (ou pico): PASpico, PADpico e FCpico. Foi calculada a diferença entre os valores alcançados no pico do exercício e os valores do pré-teste para PAS e PAD. Duplo produto de pico (DPpico), que expressa a relação entre a FC e a PAS (DP = FC X PAS), e o PO2pico, que expressa a quantidade de O2 enviado por batimento cardíaco, também foram calculados;

3.Recuperação: Medidas de PA no primeiro (PAS Rec1 e PAD Rec1) e no terceiro minuto (PAS Rec3 e PAD Rec3) após a interrupção do exercício. Foi calculada a diferença entre os valores encontrados no pico e em todos os momentos monitorados da recuperação, de modo a se obter a diferença de retorno às condições basais dos grupos.

Funcionais

Duração do teste, carga de trabalho de pico, percepção de esforço de pico (Borg pico).

Análise estatística

A comparação das médias das variáveis dos resultados obtidos entre os grupos foi realizada pelo teste estatístico de Mann-Whitney. O teste exato de Fisher foi empregado para comparar a proporção de pacientes quanto às variáveis menopausa e tabagismo. Para essas análises foi utilizado o programa Statistica versão 5.5 (StatSoft), considerando o nível de significância de 0,05.

RESULTADOS

Foram incluídas 15 pacientes portadoras de HS e 16 mulheres sem comprometimento tireoidiano, cujas características estão expostas na tabela 1.

Parâmetros cárdio-pulmonares

O VO2pico, o VCO2pico (absoluto e relativo) e a VEpico não apresentaram diferenças entre os grupos. Entretanto, no pico do exercício, a razão de trocas gasosas; o pulso de oxigênio; os equivalentes ventilatórios e as frações expiradas de oxigênio e gás carbônico demonstraram-se estatisticamente diferentes entre os dois grupos (tabela 2).

No HS foram encontrados menores valores para a FEO2pico (p = 0,01), enquanto que valores de FECO2pico (p = 0,01) foram maiores que no grupo de controle (figura 1).


O LA foi alcançado em apenas 13% das mulheres com HS e 50% das controles. Tendo em vista essa condição metabólica diferenciada entre os grupos, todos os parâmetros foram analisados apenas no momento de esforço máximo, e não no limiar.

Parâmetros hemodinâmicos

Na análise dos parâmetros hemodinâmicos, as diferenças estatisticamente significativas foram encontradas na PASpré-teste, na PADpré-teste, na diferença entre a PASpico e a PASpré-teste (PAS P-PT) e na recuperação da PAD entre o primeiro e o terceiro minutos após o esforço (PAD DIF 1-3). Tendências não comprovadas estatisticamente foram observadas na PAS do primeiro minuto de recuperação (PAS Rec 1), na alteração da PAS entre o primeiro e o terceiro minutos após o esforço (PAS DIF 1-3) e na FCpico (tabela 3).

Comparando o comportamento da PAS entre pacientes e controles, a PAS P-PT, que é a diferença entre a PAS de pico e a PAS no pré-teste, foi menor no HS (figura 2).


A recuperação da pressão arterial diastólica (PAD) no HS apresentou-se mais lenta. No terceiro minuto de recuperação houve um decréscimo (em relação ao primeiro minuto de recuperação) em 0,71 mmHg na PAD, enquanto que no grupo controle diminuiu, em média, 5,33 mmHg (p = 0,0009) (figura 3).


Os valores de freqüência cardíaca no final do teste das pacientes tenderam a ser menores do que os das mulheres controles (tabela 3). Entretanto, ao comparar a FC em uma mesma intensidade de trabalho (9% inclinação), o contrário foi encontrado: as portadoras de HS (139,29 ± 16,98 bpm) apresentaram maiores valores do que as mulheres controle (131,07 ± 14,55 bpm), sem comprovação estatística (p = 0,112) (figura 4).


Parâmetros funcionais

As pacientes obtiveram valores menores na duração do exercício (8,83 ± 2,91 min x 14,5 ± 5,63 min; p = 0,0005) e na carga máxima de teste (11,6 ± 4,22% inclinação x 18,94 ± 5,45% inclinação, p = 0,0004) (figura 5), ambos os grupos com uma percepção média do esforço no pico do exercício como "muito intenso" (valor 17 da escala de percepção de esforço de Borg).


DISCUSSÃO

Parâmetros cárdio-pulmonares

A medida do VO2 reflete as necessidades energéticas aeróbias do organismo, permitindo a obtenção de informações precisas da capacidade de transporte e utilização do oxigênio, isto é, da capacidade funcional dos pulmões e do sistema cardiovascular, muscular e mitocondrial, combinados. O momento do exercício em que a capacidade de fornecimento de oxigênio aos músculos em atividade é saturada é denominado de consumo máximo de oxigênio (VO2máx). Pessoas não treinadas encerram o exercício antes de atingir essa situação, assim, o maior valor de VO2 alcançado é registrado e denominado VO2pico (9,12).

Os valores do VO2pico (relativo ou absoluto) de pacientes e controles não diferiram no presente experimento, o que expressa a ausência de impacto detectável do HS no sistema cárdio-respiratório através dessa variável para o grupo estudado. Esse resultado difere do encontrado por um grupo de pesquisadores da Itália (6), que obteve VO2pico reduzido no grupo de pacientes com hipotireoidismo subclínico.

A avaliação cárdio-pulmonar revelou, ainda, que as pacientes apresentaram uma menor resistência à acidose metabólica celular proveniente do aumento da contribuição do metabolismo anaeróbio (glicólise) durante o esforço. Essa resposta foi evidenciada pela instalação da fadiga antes de alcançarem o LA. Essa fadiga precoce detectada nas pacientes pode ser devida a uma pobre resposta ventilatória à acidose metabólica da parte da paciente (9), ou mesmo à menor capacidade de metabolizar o lactato produzido e, ainda, à insegurança de se conceber como "paciente", interrompendo o exercício em condição submáxima [mesmo não encontrando diferença estatística entre os grupos para o valor de percepção de esforço no final do teste, o valor modal da escala de Borg de pico nas pacientes é menor (15) em comparação com as mulheres controle (17)].

Com o incremento da intensidade de um exercício, o organismo passa a utilizar mais substrato glicídico para geração de energia (13). O maior valor de FECO2 alcançado pelas pacientes (figura 1B, tabela 2) representa uma intensidade relativa maior para as pacientes e/ou uma tolerância menor a uma dada intensidade. Aumentando a quantidade de CO2 produzido internamente, os quimio-receptores são estimulados e esse processo gera uma resposta reflexa de aumento da ventilação pulmonar (13), o que aconteceu em ambos os grupos (controle e paciente) sem diferença no momento de pico (tabela 2).

Parâmetros hemodinâmicos

De acordo com artigos recentes de revisão (14,15), há uma diminuição na contratilidade do miocárdio em pacientes acometidos pelo HS. Entretanto, nas pacientes estudadas na presente análise, essa disfunção sistólica não acometeu valores aferidos em repouso, sendo a PASpré-teste média de 120,66 mmHg, ou seja, encontra-se dentro da faixa de normalidade.

Em esforço, há algumas mudanças no comportamento da pressão arterial das pacientes. Um achado interessante é a menor variação pico-repouso. A figura 2 apresenta valores pré-teste, no pico e essa variação para os grupos analisados. Mesmo iniciando com uma PAS maior, as pacientes não conseguiram evoluir tanto quanto as mulheres do grupo controle, demonstrando que a diminuição da contratilidade do miocárdio, citada previamente, deixa de ser silenciosa em exercício.

Já é conhecida a presença de uma disfunção diastólica, tanto para o hipotireoidismo manifesto quanto para o subclínico (16,17). A diferença encontrada na PAD pré-teste entre os grupos se deu, provavelmente, pelo aumento da resistência vascular periférica inerente aos pacientes com hipotireoidismo (17-19). Além de os valores pré-teste estarem alterados, outro resultado que retrata o comprometimento da função diastólica é uma recuperação menos eficiente da PAD nas pacientes, apresentada por uma recuperação mais lenta entre o primeiro e o terceiro minutos (PAD DIF 1-) (figura 3). Os valores de PAD DIF 1 e PAD DIF 3 também foram menores nesse grupo (mesmo sem significância estatística), expressando uma pior capacidade de recuperação da PAD nos primeiros minutos após um esforço de alta intensidade.

As alterações observadas na pressão arterial não foram acompanhadas por modificações na freqüência cardíaca de repouso. Esse resultado confirma os achados de outros estudos (16,20), que encontraram freqüência cardíaca de repouso normal em todos os seus pacientes. Em relação à FCpico, os resultados mostram uma tendência de menores valores para as pacientes (p = 0,06), que poderia (ou não) ser mais do que uma tendência com um maior tamanho amostral (figura 4). Mesmo com essa tendência para ser menor no momento do pico, em cargas submáximas o contrário acontece (demonstrado na comparação para uma mesma intensidade absoluta – 9% de inclinação). Mesmo não tendo sido obtida significância estatística, esse comportamento pode demonstrar um trabalho menos eficiente do coração no grupo dessas pacientes.

O menor valor de FCpico nas pacientes explica a diferença (não estatística) no parâmetro pulso de oxigênio, maior para esse grupo.

Parâmetros funcionais

Os dados do presente estudo sugerem menor duração e da carga de pico para as pacientes (figura 5). Esses resultados confirmam a deficiência em conseguir suportar cargas mais intensas no hipotireoidismo subclínico. Em média, as mulheres do grupo controle conseguiram alcançar uma intensidade na esteira de 19% de inclinação, enquanto que as pacientes atingiram 11,5%. Mesmo diferentes em termos absolutos, a percepção na escala de Borg (21) das duas intensidades (19 e 11,5%) foi de "muito difícil" para ambos os grupos. A duração do teste e a carga de pico são parâmetros pouco explorados na literatura, entretanto devem receber atenção especial por serem altamente relacionados às atividades cotidianas dessas pacientes.

Os resultados obtidos nos parâmetros cárdio-pulmonares (VO2pico semelhante para ambos os grupos; menores valores para FEO2 e R; caracterização do limiar anaeróbico em apenas 13% pacientes) somados aos resultados hemodinâmicos (menor PASpico, menor FCpico) e funcionais (menor duração e carga máxima de teste) parecem indicar uma avaliação submáxima nos testes realizados pelas pacientes. Além disso, o comprometimento da recuperação da PAD e os resultados funcionais demonstram que as pacientes acometidas pelo hipotireoidismo subclínico possuem uma baixa tolerância a esforços mais intensos e um pior condicionamento físico em comparação com mulheres saudáveis.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem ao laboratório Abbott pelo auxílio financeiro, e aos estudantes de educação física Adriana Macedo e Maicon Maia pela assistência operacional, na realização dos testes ergoespirométricos.

Recebido em 21/11/06

Aceito em 06/08/07

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  • Endereço para correspondência:
    Míriam Raquel Meira Mainenti
    EEFD – Labofise
    Av. Pau Brasil 540
    21949-900 Rio de Janeiro, RJ
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      18 Jan 2008
    • Data do Fascículo
      Dez 2007

    Histórico

    • Aceito
      06 Ago 2007
    • Recebido
      21 Nov 2006
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